Tráfico de Pessoas: Análise Crítica e Doutrinaria da Nova Ótica Penal do Delito

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RESUMO

O presente trabalho acadêmico busca realizar o estudo teórico, crítico e doutrinário acerca do delito de tráfico de pessoas, tipificado no art. 149-A do Código Penal Brasileiro. O referido tipo penal visa a punição do agente que de forma deliberada promove o aliciamento, agenciamento, recrutamento, transporte, comércio ou coerção de pessoas com intuitos ilícitos como de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo, trabalho análogo à condição escrava, servidão, adoção ilegal ou exploração sexual. Neste sentido, este estudo visa, dentro da dogmática do direito penal, analisar as principais características do delito e de como o ordenamento jurídico passou a tutelar o delito, com o advento da lei 13.344/16 que alterou o código penal brasileiro, abordando de forma sistêmica as peculiaridades de conceito, histórico, consumação e tentativa, sujeitos do delito e causas de aumento e diminuição de pena positivados pelo tipo penal. O estudo baseia-se no método crítico teórico acerca dos posicionamentos doutrinários e legislativos sobre o tema para o aprofundamento do tema e construção do conhecimento almejado.

Palavras-chave: Aliciamento. Código Penal. Direito Penal. Exploração Sexual. Tráfico de Pessoas.

ABSTRACT
The present academic work seeks to carry out the theoretical, critical and doctrinal study about the crime of trafficking in persons, typified in art. 149-A of the Brazilian Penal Code. The referred penal type aims at punishing the agent who deliberately promotes the solicitation, agency, recruitment, transportation, trade or coercion of people with illicit intentions such as the removal of organs, tissues or parts of the body, work analogous to the slave condition, servitude, illegal adoption or sexual exploitation. In this sense, this study seeks technical and theoretical knowledge about the main characteristics of the crime and how the legal system started to protect the crime, with the advent of law 13.344 / 16 that changed the Brazilian penal code, addressing in a systematic way the peculiarities of concept, history, consummation and attempt, subjects of the offense and causes of increase and decrease of penalty positivized by the penal type. The study is based on the critical theoretical method about the doctrinal and legislative positions on the theme to deepen the theme and build the desired knowledge

Key-words: Criminal Law. Grooming. Penal Code. Sexual Exploitation. Trafficking in Persons.

Sumário: Introdução. 1. Historico e Conceituação. 1.1 História Do Tráfico de Pessoas no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 1.2 Conceituação Técnico/Teórica e Legislativa. 2. Tráfico de Pessoas Segundo a Lei 13.344/16. 2.1. Conduta e Bem Jurídico Penalmente Tutelado. 2.2. Sujeito Ativo e Passivo. 2.3. Consumação e Tentativa. 2.4. Elemento Subjetivo Do Tipo Penal. 2.5. Elemento Objetivo do Tipo Penal. 2.6. Causas De Aumento e Diminuição de Pena. 3. Considerações Finais. 4. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O tráfico de pessoas, como delito tipificado no artigo 149-A do código penal, apresenta-se como uma proteção das pessoas contra o aliciamento, recrutamento, agenciamento ou demais condutas com finalidades ilícitas, estando inserido no capítulo dos crimes contra a liberdade individual, ao contrário dos delitos que anteriormente tutelavam o tema, inseridos no título dos crimes contra a dignidade sexual.

A proteção jurídica contra o tráfico de pessoas remonta da redação original do código penal brasileiro que, em seus artigos 231, 231-A e 232, tipificava o tráfico internacional de mulheres, e posteriormente, de pessoas para fins sexuais. Com o decurso do tempo, houveram atualizações legislativas e, em 2016, foi sancionada a Lei 13.344 que revogou os dispositivos supracitados, fazendo constar o novo texto tutor dos bens jurídicos, qual seja, aquele trazido pelo art. 149-A, foco de análise deste estudo.

O art. 149-A se mostra mais abrangente e atualizado em relação àqueles revogados. Apresentando melhor e mais adequada redação em relação aos avanços sociais, culturais e tecnológicos, naturais do processo de globalização e da atual sociedade brasileira. Ao amoldar o delito à diversas situações e eventos antes não previstos, o dispositivo vigente promove efetiva tutela e proteção do direito à liberdade individual.

Diante da hodierna tutela e proteção da pessoa contra o tráfico de pessoas, o presente artigo científico busca o conhecimento de todos os fatores concernentes ao delito tipificado no art. 149-A do Código Penal, visando a compreensão completa e aprofundada em relação ao delito.

A edificação do conhecimento proposto abordará todos os principais tópicos relativos ao delito, abordando de forma sistêmica e aprofundada o conceito e histórico do delito, todas as suas principais particularidades e características como, por exemplo, quando e como ocorre o delito (consumação, dolo, tentativa), quem são os sujeitos ativos e passivos, quais os elementos objetivos e subjetivos, qual momento de consumação e tentativa, além de analisar de forma detalhada as causas de aumento e diminuição de pena, de modo a estruturar o entendimento complexo e rigoroso sobre o delito.

O estudo se alicerça em análises doutrinárias de diferentes vertentes para a construção do conhecimento almejado acerca do tema, debruçando-se sobre todos os fatos relevantes do crime e de como se dá a atual compreensão técnico-teórica do mesmo no âmbito doutrinário moderno brasileiro.

  1. HISTÓRICO E CONCEITUAÇÃO

  2. História do Tráfico de Pessoas no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Em outubro de 2016 foi sancionada a Lei 13.344 que dispõe sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas além de determinar medidas de atenção às vítimas destes delitos. Neste contexto, o referido diploma apresentou moderno avanço legislativo no que tange à proteção das liberdades individuais e na busca por coibir e prevenir o tráfico de pessoas, seja ele qual for a finalidade.

A mudança coloca o país em adequação às diretrizes do protocolo de prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças. Tal protocolo é oriundo da convenção das nações unidas em sobre o crime organizado internacional da qual o país é signatário. (JESUS, 2020, p 362).

O tráfico de pessoas não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Já em 1940, quando da elaboração do código penal brasileiro, o legislador penal fez constar, no artigo 231, o tráfico internacional de mulheres[1]. Esta é a primeira tutela do assunto no direito brasileiro, visto que o código criminal anterior, datado de 1930 não fazia qualquer menção ao tráfico de pessoas, limitando-se a tutelar a proibição do estupro, em termos bastante diversos da concepção atual.

Diante disso, o código penal brasileiro passou a prever, em seu artigo 231, o crime de tráfico internacional de mulheres, que posteriormente, em 2005, passou ao nome de tráfico internacional de pessoas[2]. A alteração, embora singela, se demonstrava justa e necessária, pois a redação primária excluía qualquer pessoa não mulher da qualidade de sujeito ativo do delito. No mesmo ano, foi criado o art. 231-A[3] que tratava de tráfico interno de pessoas, visto que o art. 231 abraçava apenas casos de tráfico internacional.

Em 2009, através de nova alteração, o legislador brasileiro alterou os dispositivos mencionados, de modo que foram criados dois novos delitos em detrimento dos anteriores: tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, no artigo 231[4], e tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual, no artigo 231-A[5].

Neste diapasão, Anamaria Marcon Venson e Joana Maria Pedro em seu estudo acerca da conceituação e evolução histórica do crime de tráfico de pessoas, explicam as diversas adaptações e evoluções legislativas que o delito recebeu ao longo dos tempos, afirmando:

Em 2005 o código foi adaptado a legislação supranacional. O tráfico internacional de pessoas tomou o lugar do antigo dispositivo sobre tráfico internacional de mulheres e foi reconhecida a existência de trafico interno [...]Em 2009, em função da Lei 12.015/2009 (que entre outras coisas eliminou as referências a honestidade das mulheres), novas mudanças sobrevieram. O artigo 231 passou a tratar de tráfico internacional de pessoa no singular para fim de exploração sexual, bastando uma única vítima (ou mesmo nenhuma, nos casos de tentativa) para que se possa operacionalizar o conceito. Além disso, o Código Penal passou a tratar de tráfico de pessoa para prostituição ou outra forma de exploração sexual, igualando prostituição a exploração, talvez buscando adequar-se um tanto mais a redação do Protocolo, que fala em exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual. (VENSON; PEDRO, 2013. P.77)

Finalmente, em 2016, todos os artigos aqui comentados foram revogados. Com a promulgação da atualizada e vigente Lei 13.344/2016, criou-se o tipo legal de Tráfico de Pessoas, artigo 149-A[6] do Código Penal. Embora os antigos artigos 231 e 231-A do C.P. tenham sido revogados, as condutas continuaram penalmente tipificadas, ainda que em dispositivo diverso, não ocorrendo, portanto, o abolitio criminis. Sobre a referida alteração legislativa Cleber Masson afirma:

[...] com a criação do art. 149-A, tipificando o tráfico de pessoas, o art. 16 da Lei 13.344/2016 revogou expressamente os arts. 231 e 231-A do Código Penal. É importante destacar que não houve abolitio criminis no tocante ao tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual e ao tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual. Nada obstante a revogação formal dos tipos penais, não se deu a supressão material dos fatos criminosos, os quais foram deslocados para o art. 149-A do Código Penal. Incide, portanto, o princípio da continuidade normativa ou da continuidade típico-normativa. (MASSON, 2018, p. 275)

Neste contexto, entende-se que historicamente a legislação brasileira busca, a seu modo, coibir e prevenir o tráfico de pessoas de modo que a redação atual permite o enquadramento de maior variedade de condutas e de sujeitos, conforme se verá no tópico 3 deste estudo.

  1. Conceituação Técnico/teórica e Legislativa

Em relação à concepção do termo, De Plácido e Silva explica que Tráfico de pessoas não exprime a exploração ou o simples comércio da prostituição (lenocínio) ou a simples exploração de pessoas. Deve ser entendido e interpretado em sentido amplo, abarcando todas as situações legalmente imputáveis. (SILVA, 2016, p 3722).

O conceito formal de tráfico de pessoas pode ser extraído do próprio protocolo adicional da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, incorporado ao sistema legislativo brasileiro por força do Decreto 5.017 de 2004. Neste sermão, o artigo 3º do referido decreto define tráfico de pessoas como sendo:

o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. (BRASIL, 2005)

Deste modo, a expressão tráfico de pessoas procura apresentar uma interpretação abrangente e atualizada aos ditames sociais, não fazendo qualquer distinção de pessoa, gênero, cor de pele, etnia ou outra característica pessoal ou idiossincrasia para caracterização do delito.

Sobre a importância do estudo acerca do tráfico de pessoas, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto informam que:

O tráfico de pessoas é uma das atividades criminosas mais lucrativas. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o lucro anual produzido com o tráfico de pessoas chega a 31,6 bilhões de dólares. Levantamento do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes mostra também que, para cada ser humano transportado de um país para o outro, o lucro das redes criminosas pode chegar a US$ 30 mil por ano.

Estimativas da OIT assinalam que durante o ano de 2005 o tráfico de pessoas fez aproximadamente 2,4 milhões de vítimas. A OIT estima que 43% dessas vítimas sejam subjugadas para exploração sexual e 32% para exploração econômica. (CUNHA; PINTO, 2017, p. 03)

Em relação à necessidade de melhor enfrentamento ao delito, Rogério Greco explica que o Brasil editou a lei 13.344 como forma de adaptar o ordenamento jurídico ao protocolo promulgado por força do decreto 5.017/04. Quanto ao assunto, o autor explica:

Percebe-se, portanto, através da definição acima transcrita, que o tráfico de pessoas é considerado como um crime transnacional, a ele se aplicando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e seus três protocolos suplementares5, cujos temas centrais destinam-se ao tráfico de pessoas (em especial mulheres e crianças), o tráfico ilícito de migrantes e a luta contra a produção ilícita e o tráfico de armas de fogo.[...] O Brasil, portanto, ao promulgar o referido Protocolo, considerando o que consta em seu art. 5º, se comprometeu a criar uma infração penal que tivesse por finalidade impedir a prática dos comportamentos previstos no art. 3º acima transcrito. (GRECO, 2017, p. 500)

Deste modo, superado e entendido o contexto histórico legislativo do delito, bem como sua conceituação formal, passa-se à análise doutrinária do crime de Tráfico de Pessoas, de modo a apresentar e esmiuçar suas principais características e informações.

  1. TRÁFICO DE PESSOAS SEGUNDO A LEI 13.344/16.

  2. Conduta e bem jurídico penalmente tutelado

A alteração promovida pela Lei 13.344/16 retirou o delito de Tráfico de Pessoas do título VI do código penal, Dos crimes contra a dignidade sexual e passou-o para o título I da parte especial do diploma Dos crimes contra a pessoa. Neste sentido, se pode afirmar que o bem jurídico penalmente tutelado trata-se da Liberdade Pessoal em relação às suas várias tangentes como liberdade sexual, de locomoção, de trabalho e de gerência do próprio corpo. (MASSON, 2018, p 277).

Quanto ao bem jurídico protegido pelo artigo, Luiz Régis Prado informa que:

Os bens jurídicos protegidos pelo artigo 149-A, a exemplo do delito anterior (redução à condição análoga à de escravo), é a dignidade e a liberdade da pessoa humana (direitos fundamentais). A ênfase ou especificação dessa liberdade varia de acordo com a finalidade a que se destina o tráfico de pessoa, que pode consistir no estado de liberdade propriamente dito (tal como ocorre no delito anteriormente analisado), a personalidade civil (no caso de tráfico para adoção ilegal) e a liberdade sexual. A lesão aos bens jurídicos dignidade e liberdade é evidente, visto que a vítima, ainda que consinta com o deslocamento, somente o faz mediante violência, grave ameaça, coação, fraude ou abuso, sendo tratada como mera res, coisa ou objeto. (PRADO, 2019, p 1.015)

A nova redação do artigo é multinuclear, ou seja, apresenta diversos núcleos essenciais e que representam as condutas penalmente puníveis (agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa). Tais verbos são fundamentais para configuração ou caracterização da tipicidade da conduta promovida pelo autor. Nesse mesmo contexto, o texto positivado determina ainda que as referidas condutas somente serão puníveis caso ocorram mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso e com finalidade específica. (CUNHA, 2017, p 224).

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Neste viés doutrinário, Cleber Masson afirma:

Trata-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. Destarte, se o agente praticar mais de um deles contra uma única pessoa, e no mesmo contexto fático, responderá por um único delito. A pluralidade de condutas, entretanto, deve ser utilizada pelo magistrado na dosimetria da pena-base, como circunstância judicial desfavorável, nos termos do art. 59, caput, do Código Penal. É o que se dá, a título ilustrativo, quando o sujeito transporta e posteriormente aloja, mediante grave ameaça, a mesma vítima para fim de exploração sexual. (MASSON, 2018, p. 277)

Contudo, é necessário explanar sobre o possível consentimento da vítima. Para Sanches cunha, a presença do consentimento da vítima torna a conduta atípica, de modo que não haverá crime, desde que o consentimento não tenha sido tomado de forma violenta, fraudulenta, sob coação, abuso ou ameaça. (CUNHA, 2017, p 225) Noutro giro, Rogério Greco trata o consentimento como um indiferente penal, motivo pelo qual a conduta elementar deverá ser punida independente do acerto com a vítima. (GRECO, 2017, p. 503).

Mesmo posicionamento tem Damásio de Jesus que afirma que o consentimento da vítima se mostra irrelevante para a tipificação da conduta. (DAMASIO, 2020, p 364).

Embora existam divergências doutrinárias, as duas vertentes entendem que a interpretação quanto ao consentimento das vítimas deverá respeitar o disposto no art. 3º, alíneas a e b do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, vejamos:

a) "O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração."

b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerada irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a).

Neste sentido, se extrai que o consentimento será irrelevante caso tenha sido obtido por meio de uma das condutas da alínea a retro. Porém, caso o consentimento seja válido e obtido de forma lícita e justa, é possível, ainda que ilógico, o afastamento da tipicidade da conduta.

  1. Sujeito ativo e passivo

Em sentido diverso às redações de artigos anteriores, onde somente seria vítima a mulher (tráfico internacional de mulheres), a nova redação apresentada pelo art. 149-A, relativamente aos sujeitos ativo e passivo, não determina condições específicas de caracterização, de modo que qualquer pessoa poderá figurar como autor ou vítima do delito.

Acerca do tema, Cezar Roberto Bitencourt explana que

Sujeito ativo, no tráfico de pessoas para fins de exploração sexual também pode ser qualquer pessoa, independentemente do sexo, embora, geralmente, seja praticado por homem, e, regra geral, por mais de uma pessoa. No dizer de Rogério Sanches Cunha, qualquer pessoa pode praticar o delito em estudo, seja atuando como empresário ou funcionário do comércio do sexo, seja como consumidor do produto traficado.

Sujeito passivo, igualmente, no tráfico de pessoas para fins de exploração sexual pode ser tanto o homem quanto a mulher, independentemente de sua honestidade sexual, prostituídos ou não, podendo, inclusive, tratar-se de criança ou adolescente, brasileiros ou estrangeiros. No entanto, Rogério Sanches Cunha lembra que, antes da Lei n. 12.015/2009, havia doutrina exigindo que o ofendido apresentasse a condição de prostituta, o que, convenhamos, era um grande equívoco. (BITENCOURT. 2018. p. 424)

De igual modo e com a didática peculiar, Luiz Régis Prado explica que o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa humana. Já o sujeito passivo, será sempre a vítima do tráfico, ainda que consinta com o deslocamento e conheça sua finalidade, porque o faz mediante violência, grave ameaça, coação, ameaça ou abuso. Não importa a idade, sexo ou condições socioeconômicas da vítima. O autor salienta ainda a possibilidade de aumento da pena quando a vítima for portadora de vulnerabilidades específicas, conforme art. 149-A, §1º, II do Código Penal. (PRADO, 2019, p 1.015).

Desta feita, tem-se que a Lei não exige dos sujeitos ativo ou passivo qualquer particularidade ou singularidade, tais como a condição mulher de vítima ou mesmo a honestidade sexual, que já foram objeto de tipificação penal em artigos revogados. Basta, outrossim, que a vítima seja pessoa humana pois, em razão das particularidades do delito, descabida a imputação de vítimas jurídicas de escravização ou retirada de órgãos, por exemplo.

  1. Consumação e tentativa

A estipulação do momento consumativo e da possibilidade de tentativa é ponto relevante de análise, sobretudo para se determinar em qual exato momento a conduta do agente passa a ser típica, ou seja, extrapola o campo de conjectura e planejamento e adentra em ato consumativo.

Neste sentido, em razão do texto legal, o delito de Tráfico de Pessoas apresenta mais de uma possibilidade de consumação. O delito restará configurado quando, mediante violência, grave ameaça, coação fraude ou abuso, o agente agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa. Contudo, é necessário informar que a ocorrência da finalidade da conduta representa mero exaurimento, não sendo essencial para adequação típica.

Acerca do tema, Cleber Masson explica que

se alguma das finalidades específicas descritas nos incs. I a V do art. 149-A do Código Penal for concretizada, estará caracterizado o exaurimento do delito, e o agente também responderá por outro crime, em concurso material, a exemplo do homicídio ou da lesão corporal grave ou gravíssima, na remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo, ou então da casa de prostituição ou do estupro, na hipótese de exploração sexual (MASSON, 2018, p.280)

Complementarmente, traz-se à baila os ensinamentos teóricos de Rogério Sanches Cunha que, acerca da possibilidade de concurso de crimes afirma:

Dessa forma, se o agente, além de· traficar pessoas, retirar-lhes ilegalmente órgãos, tecidos ou partes do corpo, haverá concurso material entre o art. 149-A e o art. 14 da Lei 9.434/97; se trafica e submete a vítima a trabalho em condições análogas à de escravo ou a servidão, o concurso será entre os arts. 149-A e 149; se há também adoção ilegal pela própria pessoa que traficou (por exemplo, o agente acolhe, mediante fraude, à margem do sistema de adoção, um recém-nascido), pode haver concurso entre os arts. 149-A e 242 do Código Penal (registrar como seu o filho de outrem); por fim, se além do tráfico de pessoa ocorre a exploração sexual, pode haver concurso do art. 149-A com os arts. 228 ou 230 do Código Penal, conforme o caso. (CUNHA, 2017, p. 233)

Diante da afirmação dos autores, é mister o raciocínio assentado de que o delito de Tráfico de Pessoas poderá ser cometido em cumulação/concurso a outros delitos, em razão dos diversos resultados decorrentes da exploração sexual ou da remoção de órgãos, por exemplo.

Ademais, ainda sobre o assunto, temos que em relação às modalidades de transporte, transferência, acolhimento e alojamento, o delito será considerado permanente, o que permite o flagrante a qualquer tempo. Nas demais modalidades, tratar-se-á de crime instantâneo. (CUNHA, 2017, p 232).

Em relação à possibilidade de crime tentado, vislumbra-se sua admissibilidade, em razão de se tratar de crime plurissubsistente, tendo em vista a possibilidade de fracionamento do iter criminis. (JESUS, 2020, p. 364). Com a didática peculiar, Cleber Masson demonstra o referido fracionamento através do seguinte exemplo:

A emprega violência contra B, visando transportá-la ao exterior para ser sexualmente explorada. Entretanto, antes de colocá-la no carro que a levaria à Argentina, A é preso em flagrante por policiais que investigavam a sua ligação com uma rede internacional de tráfico de pessoas. (MASSON, 2018, p. 281)

Conclui-se, portanto, que a tentativa é admissível, embora de difícil configuração e comprovação especialmente pela necessidade de existência do elemento subjetivo especial, da qual trataremos a seguir.

  1. Elemento subjetivo do tipo penal

O elemento subjetivo do delito de Tráfico de Pessoas é o dolo, que poderá ser imputado nas modalidades de dolo direto e dolo eventual podendo ou não serem acompanhados de finalidade específica (elemento subjetivo específico), quando a conduta tiver a finalidade especial de: I remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV adoção ilegal; ou V exploração sexual. (Bitencourt. 2018, p. 433). Neste contexto, portanto, não se admite a imputação delitiva na modalidade culposa por ausência de previsão legal.

Neste diapasão, Guilherme Nucci explica que para a identificação do elemento subjetivo do delito:

Exige-se o elemento subjetivo específico, consistente em atingir uma das cinco metas sugeridas pelos incisos I a V, que são alternativas, ou seja, o agente pode ter mais de uma finalidade, mas pelo menos uma delas (ver Parte Geral, capítulo XIII, item 2.1). Sem o preenchimento da vontade específica, o crime pode transformar-se em outra figura, como constrangimento ilegal (art. 146, CP), sequestro (art. 148, CP), extorsão (art. 158, CP) etc. (NUCCI, 2020, p. 966).

Em teorização complementar, Cezar Roberto Bitencourt esclarece as finalidades serão sempre alternativas e nunca cumulativas. O autor informa ainda que a ocorrência eventual de mais de uma das finalidades não faz com que o delito se transcenda ao tipo misto cumulativo. Todavia, é condição indispensável que o autor do delito tenha dolo e consciência da finalidade da conduta, ou seja, de traficar pessoas. Caso ausente esta finalidade, estaríamos diante de erro de tipo penal. (Bitencourt. 2018, p. 433).

  1. Elemento objetivo do tipo penal

Quanto ao elemento objetivo do tipo penal, o texto positivado informa as seguintes condutas como aptas à ensejar a imputação do delito ao agente o agente: Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: I remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV adoção ilegal; ou V exploração sexual.

Assim, trata-se de delito misto alternativo, pois a cumulação de qualquer das formas de cometimento do delito ou das finalidades específicas se mostra indiferente para a configuração do crime.

Diante disso, de forma resumida e pedagógica, acerca das modalidades objetivas, Damásio de Jesus explica:

Agenciar significa intermediar na condição de agenciador. Aliciar quer dizer induzir, seduzir, incitar mediante expedientes ilusórios, ardis, mentiras ou promessas infundadas. Recrutar é o mesmo que selecionar, mediante recrutamento. Transportar tem o sentido se encarregar do deslocamento da vítima, de um local a outro. Transferir significa providenciar a mudança (transferência) do sujeito passivo para localidade diversa. Comprar é sinônimo de adquirir onerosamente. Alojar quer dizer conferir alojamento, abrigo. Acolher significa receber a pessoa em sua residência ou trabalho.

O tráfico de pessoas somente pode ser praticado se as condutas descritas acima forem realizadas mediante grave ameaça (promessa de inflição de mal grave e injusto), violência (supõe-se que seja a física, pois a moral é sinônimo de ameaça), coação (trata-se de forçar, compelir a vítima pode ser até mesmo resistível), fraude (é o engano, o ardil, o artifício) ou abuso (pressupõe o aproveitamento de uma posição de vantagem ou superioridade). (JESUS, 2020, p. 363)

Deste modo, para caracterização a conduta delitiva, faz-se necessário que o agente/autor incorra em pelo menos uma das condutas elencadas no tipo penal e que o mesmo possua ao menos uma das finalidades específicas, sob risco de erro de tipo. Outrossim, conforme já mencionado anteriormente, o consentimento da vítima é irrelevante e não exclui o crime tipificado no art. 149-A do Código Penal Brasileiro.

  1. Causas de aumento e diminuição de pena

O crime de Tráfico de pessoas possui, conforme parágrafos 1º e 2º do art. 149-A, quatro causas de aumento de pena, em que se elevará a pena de um terço à metade e uma causa de diminuição de pena, caso em que se reduzirá de um a dois terços. Vejamos:

§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:

I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

Quanto a esta causa de aumento de pena, entende-se que o injusto será mais gravoso em razão da violação do dever funcional e da confiança depositada ao agente funcionário público.

Neste sentido é o posicionamento de Guilherme Nucci, vejamos:

Naturalmente, o tráfico de pessoas torna-se muito mais grave quando o servidor público o comete, visto que está atuando contra os interesses da própria Administração para a qual presta seu trabalho. Ademais, em muitos casos, quem pratica esse delito é um servidor encarregado da segurança pública, vale dizer, a pessoa responsável pela luta contra a criminalidade. É relevante anotar o seguinte: o funcionário pode estar em pleno exercício de sua função como também estar fora dela, mas valer-se disso para o cometimento do delito; (NUCCI, 2020, p 967)

Deste modo, parece acertada a decisão do legislador em tornar mais penosa a punição quando o autor do delito se tratar de funcionário público, ainda que não esteja no exercício de suas funções, mas que comete o crime se aproveitando desta condição específica.

II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

A segunda causa de aumento de pena relaciona-se intrinsecamente com a vulnerabilidade da vítima. Neste caso, pune-se com maior rigor o agente que comete crimes contra crianças, adolescentes, pessoas idosas ou pessoas com deficiência. Tal acréscimo de pena justifica-se pela alta reprovabilidade social e cultural da conduta quando a vítima apresenta vulnerabilidade defensiva.

Sobre os requisitos etários e técnicos a serem observados para a inclusão da referida causa de aumento de pena, Rogério Sanches Cunha esclarece:

[] criança é a pessoa com até doze anos de idade incompletos, e adolescente é aquela entre doze e dezoito anos de idade (art. 2° da Lei 8.069/90)[7]; pessoa idosa é aquela com idade igual ou superior a sessenta anos (art. 1° da Lei 10.741/03)[8]; pessoa com deficiência, por fim, é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2° da Lei 13.146/15). (CUNHA, 2017, p. 233)

Ainda acerca da condição de deficiente, Rogério Greco explica que o artigo 4º da Lei 13.146 enquadra a pessoa deficiente nas categorias de: a) deficiência física; b) deficiência auditiva; c) deficiência visual; e d) deficiência mental. Contudo, o inciso II do art. 149-A do C.P. não promove fez qualquer distinção, de modo que qualquer das deficiências poderá ensejar a aplicação do referido aumento de pena. Ademais, para o autor, tal como ocorre com as situações anteriores, a deficiência da vítima deve fazer parte do conhecimento do agente que pratica a infração penal, a fim de que possa ser aplicada a referida causa especial de aumento de pena. (GRECO, 2017, p. 516)

Assim, considerando a maior reprovabilidade do injusto, o agente terá sua pena notadamente aumentada no sentido de adequar a punição à gravidade de sua conduta.

III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função;

Terceira das quatro causas de aumento de pena em estudo, este inciso visa a punição mais severa do agente que, valendo-se de relação pessoal próxima/doméstica para com a vítima, comete qualquer das condutas tipificadas pelo art. 149-A do Código Penal.

A título exemplificativo, Rogério Sanches Cunha explica que

Relações domésticas são aquelas estabelecidas entre pessoas que compartilham do mesmo núcleo familiar, ainda que não haja relação direta de parentesco, embora seja mais comum sua existência. Com efeito, é possível que pessoas reunidas em um mesmo núcleo, sejam parentes ou não, estabeleçam relações domésticas caracterizadas pela rotina própria de uma família. As relações de coabitação são aquelas estabelecidas entre indivíduos que compartilham c mesmo teto, ainda que não nutram qualquer espécie de amizade ou intimidade, como os habitantes de uma pensão, por exemplo. Por fim, as relações de hospitalidade são aquelas caracterizadas pela temporariedade, como as visitas. (CUNHA, 2017, p. 234)

Para Luiz Régis Prado, a submissão da vítima em relação ao autor em momento anterior ao delito é determinante para maior reprovabilidade do delito, de modo que a vítima será tão mais vulnerável quanto maior o poder do autor em relação a ela, em razão da relação anteriormente estabelecida entre ambos. Nas palavras do autor:

trata-se do caso em que a vontade da vítima traficada é subjugada pela autoridade do autor, que pode ser um familiar (pai, padrasto, mãe), empregador, cônjuge ou convivente da qual a mesma dependa de alguma forma (econômica, carência de cuidados etc.) e por isso submeta-se ao tráfico ilegal. Trata-se de vítima mais vulnerável à ação nociva de quem exerce sobre ela algum tipo de poder. (PRADO, 2019, p. 1.018)

Neste contexto, portanto, a exasperação da pena a ser aplicada se fundamenta na latente proximidade pessoal que o agente mantém em relação à vítima, se utilizando da confiança da vítima para torna-la essencialmente mais vulnerável e suscetível ao delito.

IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

Quarta e última causa de aumento de pena, o inciso IV trata de punir com maior vigor o tráfico transnacional, quando há a retirada da vítima do território brasileiro, independentemente da finalidade a que se destina a exportação da pessoa vítima.

Como fundamento para a existência do referido inciso, Luiz Régis Prado explica a pena é aumentada justamente em razão da maior dificuldade de persecução do crime no estrangeiro, isto é, por razões de política criminal relacionadas à atividade de combate ao crime de tráfico de pessoas. (PRADO, 2019, p.1.018). Cumpre salientar que, por ausência de vedação legal, a Lei busca a punição daquele que retira a vítima brasileira do solo pátrio, mas deixa de lado aquele que, em mesmo tráfico transnacional, faz inserir em solo brasileiro, vítima estrangeira, com a mesma finalidade.

Nas palavras do Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto

Em respeito ao princípio da legalidade, certamente não configura o crime majorado (art. 149-A, § 1º, IV, CP), mas não deve ser tratado, obviamente, como um indiferente penal. Responde o traficante, a depender da conduta praticada, pela figura fundamental (art. 149-A do CP), mantendo, no entanto, o rótulo de tráfico transnacional (pois extrapola as fronteiras do nosso país), inclusive para fins de competência para o processo e julgamento (que, no caso de transnacionalidade, é da Justiça Federal). (CUNHA; PINTO, 2017, p.15)

Por fim, faz-se necessário esclarecer que, para configuração da causa de aumento de pena em comento, é indiferente a transnacionalização da vítima ou não, bastando, por parte do agente, a intenção de fazê-lo. (MASSON, 2018, p. 282)

Deste modo, temos que o tráfico internacional, anteriormente tipificado nos artigos 231, 231-A e 232, todos do C.P. deixou de ser objeto de delito autônomo, sendo agora modalidade específica do delito de tráfico de pessoas, conforme artigo 149-A §1º, inciso IV.

§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.

Única causa de diminuição de pena específica, o parágrafo 2º do art. 149-A do Código Penal determina a redução da pena quando o agente for primário e não integrar organização criminosa, sendo estes requisitos essencialmente cumulativos.

Para fins de aplicação deste benefício ao autor, Luiz Régis Prado explica que O conceito de organização criminosa está delimitado pelo artigo 1º, §1º da Lei 12.850/2013[9], e não se confunde com a associação criminosa (art. 288, CP) ou simples concurso de agentes. (PRADO 2019, p.1.019).

Acerca da cumulação dos requisitos, Rogério Greco complementa o raciocínio anterior, palestrando que

São dois requisitos cumulativos, não basta somente a primariedade, ou somente o fato de não integrar organização criminosa, pois ambas as exigências devem estar preenchidas para efeitos de aplicação da minorante. A primariedade é um conceito encontrado por exclusão, ou seja, aquele que não for considerado reincidente, nos termos do art. 63 do Código Penal, deverá ser reconhecido como primário. O conceito de organização criminosa vem previsto no § 1º do art. 1º da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. (GRECO, 2017, p. 519).

Deste modo, encontrados e configurados os requisitos cumulativos a que trata o §2º do art. 149-A, o magistrado julgador deverá obrigatoriamente conceder ao réu/acusado o benefício de redução de pena de um a dois terços, por expressa determinação legal, visto que, conforme se lê, o texto legal informa que a pena é reduzida e não que a mesma poderá sê-lo, retirando a discricionariedade do julgador.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo procurou apresentar, de forma lógica e específica quais as principais características do delito de tráfico de pessoas. Neste contexto, é possível afirmar que, embora o processo legislativo se apresente majoritariamente burocrático, o crime de tráfico de pessoas recebe constante atenção por parte do legislador, sendo que recebeu, nos últimos anos, diversas atualizações de modo a melhor amolá-lo à realidade da sociedade brasileira.

O crime de Tráfico de pessoas se apresenta como moderno problema, tendo em vista que, pelo fato de poder ser cometido por qualquer pessoa, pode ocorrer de diversas formas, meios e locais, não havendo, ainda, limitação quanto ao sujeito passivo do delito.

Acertadamente, o legislador majorou a pena em casos específicos e determinados. Neste sentido, existem diferentes meios para se elevar a pena do autor, seja pela condição deste, quando se tratar de funcionário público, seja pela condição ou característica da vítima, quando esta for criança, adolescente, pessoa idosa ou portadora de deficiência; pela forma de cometimento, em que o agente se prevalece das relações de proximidade para com a vítima, ou mesmo quando a vítima for retirada do território nacional. Em todos os casos, é possível concluir que a majoração da pena se dá pela maior reprovabilidade do injusto.

Noutro giro, o legislador achou por bem a redução da pena quando o autor do crime for primário e não integrar organização criminosa, ao nosso sabor, não parece uma decisão logicamente acertada, tendo em vista que a primariedade já constitui benefício penal por regra geral. Ademais, quanto a não integrar organização criminosa, esta é a conduta esperada do cidadão que não busque o envolvimento delinquente.

Por fim, conclui-se que as alterações do texto legal, bem como a atualização da interpretação acerca do tráfico de pessoas busca, ao seu modo e cada vez mais, proteger as pessoas e coibir a ocorrência do delito, adequando a legislação brasileira aos ditames internacionais sobre o tema em comento.

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes contra a pessoa. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa / Rogério Greco. 14. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017.

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VENSON, Anamaria Marcon; PEDRO, Joana Maria. Tráfico de pessoas: uma história do conceito. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 33. 2013

  1. Art. 231 CP- Tráfico de mulheres: Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro: Pena - reclusão, de três a oito anos

  2. Art. 231 CP- Tráfico de pessoas (redação Lei 11.106/2005: Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

    § 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

    § 2 o Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

    Tráfico interno de pessoas: § 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

  3. Art. 231-A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição:

    Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

    Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o disposto nos §§ 1 o e 2 o do art. 231 deste Decreto-Lei. 

  4. Art. 231 CP (redação dada pela Lei 12.015/2009). Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

    § 1 o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

    § 2 o A pena é aumentada da metade se:

    I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

    § 3 o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

  5. Art. 231-A CP (redação dada pela Lei 12.015/2009). Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

    § 1 o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

    § 2 o A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

    § 3 o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

    Art. 232 - Nos crimes de que trata este Capítulo, é aplicável o disposto nos arts. 223 e 224. 

  6. Art. 149-A C.P.:  Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV - adoção ilegal; ou V - exploração sexual. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

    § 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:

    I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

    II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

    III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

    § 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.

  7. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

    Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

  8. Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos

  9. Lei 12.850/2013, art.1º, §1º: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Sobre as autoras
Amanda Ramos

Advogada, Pós graduada em direito tributário, MBA em Gestão, Finanças, Contabilidade e Auditoria tributária.

Danielle Paranhos dos Reis

Bacharel em Direito da Faculdade UNA.

Márcia Cristina Moreira Paranhos

CEO na Cristais Minerais Preciosos CMP do Brasil, graduada em Direito pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix; Mediadora e Conciliadora do Juizado de Mediação e Justiça Arbitral do Brasil ASPTCOMAB. Foi professora voluntária no Curso Mulher Única na Igreja Metodista Congregacional BH. Secretária na Missão Morada da Paz, que trabalha com moradores de rua. E é mestranda do Programa de Pós-graduação em Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual UFMG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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