Curiosa especificidade da Justiça do Trabalho, que melhor se poderia denominar de anomalia, é a lide perpétua, instituída pela súmula do Tribunal Superior do Trabalho nº 114: "É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente".
Súmula essa, aliás, cujo enunciado contrapõe-se, frontalmente, ao da súmula nº 327 do Supremo Tribunal Federal: "O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente".
Mais: incompatibiliza-se com o próprio texto da CLT, cujo parágrafo primeiro do artigo 884 prevê, em sede de embargos, a defesa fundada na prescrição: "A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida."
Doutrina abalizada também rejeita a perpetuidade: observa Valentin Carrion que paralisada "a ação no processo de cognição ou no da execução por culpa do autor, por mais de dois anos, opera-se a chamada prescrição intercorrente; mesmo que caiba ao juiz velar pelo andamento do processo (CLT, art. 765), a parte não perde, por isso, a iniciativa; sugerir que o juiz prossiga à revelia do autor, quando este não cumpre os atos que lhe forem determinados, é como remédio que trata o enfermo. Pretender a inexistência da prescrição intercorrente é o mesmo que criar a ‘lide perpétua’ (Russomano, Comentários à CLT), o que não se coaduna com o direito brasileiro". (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Saraiva, 24ª edição, 1999, p. 80).
A idéia de ação perpétua é algo a que o direito pátrio repudia, pois incompatível com os postulados da segurança jurídica e da ordem social. Inconcebível pretender-se manter indivíduos indefinidamente sob a espada de Dâmocles.
Entretanto, é o que ocorre.
O ex-empresário, que, em regra, se desfez de seu patrimônio pessoal para investir em uma atividade produtiva, e em situação de crise não hesita em alienar os bens que dispõe, ou contrair empréstimos, a fim de viabilizar a continuidade da empresa deficitária, se não lograr êxito, resulta endividado, sem crédito, bens, atividade laboral, e na eterna mira da Justiça do Trabalho.
Com o advento da penhora on line, a situação, já crítica, agravou-se substancialmente, pois até parcos recursos de subsistência passaram a sofrer sistemática constrição. Assim, antigos proprietários de extintas empresas vêem-se perenemente impedidos de viver com dignidade: ter alguma renda e poder movimentá-la em conta bancária; eventualmente adquirir bem que viabilize atividade autônoma, se esta for a alternativa possível para retornar ao mercado de trabalho. Ou seja, restam verdadeiramente marginalizados.
O inadimplente passa a viver sob vasculha judicial, não por período determinado, mas ad aeternum, na forma de periódica expedição de ofícios requisitórios à Receita, Detrans, instituições bancárias, entre outros. A qualquer tempo, mesmo décadas após arquivada a ação, não liquidada em virtude da insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis, estará sujeito a se ver privado do que tenha realizado com o seu labor, em um recomeço, normalmente, espinhoso.
Em perversa subversão de valores, até verbas de natureza estritamente alimentar, indispensáveis ao sustento dessas pessoas que, não raro, lutam para refazer a vida como empregados ou mesmo trabalhadores informais, restam penhoradas, como antes referido, nos autos de antigas execuções, a partir do equivocado entendimento, dominante na Justiça do Trabalho, de que os créditos trabalhistas guardariam eternamente caráter alimentar.
Na realidade, tais créditos, ainda que originários de verbas salariais (essas, de natureza alimentar) e não apenas de verbas indenizatórias, em algum tempo passam a ostentar feição estritamente indenizatória, a exemplo do que ocorre em relação às pensões alimentícias, cujas "prestações mais velhas anteriores a três meses estariam a ensejar a cobrança por meio de execução, porém sem o constrangimento da decretação da prisão civil, em face de sua feição tipicamente indenizatória (CPC, artigo 722)", como se colhe do julgamento, pelo STF, do Habeas Corpus nº 74663-RJ. Tal entendimento foi consolidado na recente súmula nº 309 do STJ.
Com tais práticas, e eternizando a lide a fim de dar efetividade as suas decisões, cidadãos brasileiros são transformados em perpétuos foragidos da Justiça laboral, como se não estivessem ao abrigo do princípio constitucional fundamental da dignidade humana (art. 1º, III, CF), valor supremo informador do Estado Democrático de Direito, sobre o qual se alicerça nossa ordem jurídica.
Violação de princípio de tal magnitude não pode nem deve persistir indene.
A Constituição Federal fixou em seu artigo 7º, inciso XXIX, prazo prescricional de dois anos para o exercício da ação trabalhista. Como a execução não é nova ação, o referido prazo, interrompido no ajuizamento, recomeça a contar por inteiro a partir da paralisação, para efeito de prescrição intercorrente.
Por sua vez, a CLT dispõe, em seu art. 889, que na fase da execução são aplicáveis "os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal".
A Lei nº 6.830/1980, diploma que regula a matéria, no parágrafo quarto do art. 40, introduzido pela Lei nº 11.051/2004, dispõe que: "Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato".
Deflui que, após arquivada a ação trabalhista ante a inexistência de bens penhoráveis, o reclamante passa a contar não com a ilegal e gravosa paralisação indefinida do processo, mas com dois anos para viabilizar a cobrança da dívida exeqüenda.
Transcorrido o referido lapso temporal, impõe-se o reconhecimento da prescrição intercorrente, inclusive de ofício, consoante cogente disposição do CPC (art. 219, § 5º, com redação determinada pela Lei 11.280/2006), ou por provocação da parte reclamada ou de seus antigos sócios, legítimos interessados na declaração da extinção da obrigação (art. 193, CC).
Não se duvide que o STF tenha de ser acionado para fazer valer a súmula 327.