Por: INGRID S. DE BRITO SANTOS
RESUMO
A presente monografia tem como principal objetivo responder à problemática, ainda atual, do limite de atuação e da responsabilidade penal do agente infiltrado em organizações criminosas. Foi utilizada a metodologia da pesquisa exploratória, realizada através da revisão bibliográfica, mediante análise de dispositivos legais, doutrinas e estudo de casos. Para isso, foi analisado o instituto da infiltração de agentes policiais em organizações criminosas, com foco nos limites de atuação legalmente impostas a esses agentes. O trabalho tem início com a exposição da origem e do surgimento da organização criminosa, demostrando, também, suas principais características que são essenciais para a sua caracterização. Em sequência, faz-se a análise da natureza jurídica e ao conceito legal e doutrinário do instituto, apontando de forma breve as principais organizações criminosas existentes de origem brasileira. Destarte, a fonte da pesquisa são os dispositivos legais nacionais que dispõem a respeito do combate às organizações. A Lei nº 12.850 de 2013, é a principal legislação que tratou da infiltração policial de forma específica, dispondo também a respeito das formas e procedimentos de combate às organizações criminosas. Na mesma seara, foram apontadas as alterações que a referida legislação trouxe para a prática, bem como as consequências de sua aplicação no ordenamento jurídico nacional. Foi demonstrado, também, que a lei 12.850/2013 sobrepôs a lei antecessora em todos os aspectos, inclusive quando o assunto é infiltração e a limitação da atuação dos agentes infiltrados, bem como a sua responsabilidade penal. Por fim, diante de todo o cenário apresentado, e devido à complexidade do objeto, foram demonstrados os zelos que a infiltração policial deve ter diante de uma organização criminosa, sendo de grande e extrema importância que não tenha nenhuma lacuna existente na legislação.
Palavras-chave: Infiltração Policial. Responsabilidade penal. Limites. Procedimento. Investigação. Organização criminosa. Lei nº 12.850/2013.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ART Artigo
CF Constituição Federal
CP Código Penal
CV Comando Vermelho
ENCCLA Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e Lavagem de Dinheiro
MP Ministério Público
PCC Primeiro Comando da Capital
PF Polícia Federal
PM Polícia Militar
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Diferenças da Associação criminosa antes e depois da lei n. 12.850/2013................................................................................................................15
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO..........................................................................................................8
2. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA...............................................................................10
2.1 SURGIMENTO/ORIGEM......................................................................................10
2.2 CRIMINALIDADE ORGANIZADA NO BRASIL....................................................11
2.3 DEFINIÇÃO LEGAL E CONCEITOS....................................................................13
2.4 CARACTERÍSTICAS/NATUREZA JURÍDICA......................................................15
3. INFILTRAÇÃO DE AGENTES...............................................................................19
3.1 O AGENTE INFILTRADO.....................................................................................19
3.2 INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO...............................................................23
3.3 FASES DA INFILTRAÇÃO...................................................................................27
3.4 LIMITAÇÃO DA ATUAÇÃO DOS AGENTES INFILTRADOS..............................30
4. EXCLUDENTES ANTE A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE ...........33
4.1 O AGENTE INFILTRADO E A SUA RESPONSABILIDADE PENAL...................37
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................44
REFERÊNCIAS..........................................................................................................46
1. INTRODUÇÃO
Desde os tempos mais remotos, a delinquência organizada constitui uma severa ameaça para a sociedade como um todo, atingindo, inclusive, a boa manutenção de um modo de vida que esteja em consonância com os princípios de um Estado de bem-estar social e de um Estado democrático de direito.
Destarte, a investigação desenvolvida pelo Estado na seara administrativa, contra a organização criminosa, utilizando o inquérito policial, revela-se como procedimento de extrema importância no direito criminal brasileiro, especialmente quanto ao instituto da infiltração de agentes que é considerado como um meio de produção de provas pela legislação.
No mesmo âmbito, faz-se necessário frisar que no direito processual penal, existe a premissa de que os meios de prova produzidos durante o inquérito só serão legitimados na fase processual, isso porque, o procedimento possui característica inquisitiva, dotado de valor informativo, tendo por finalidade fornecer elementos para que o acusador dê início à ação penal.
Em que pese a característica informativa, as provas colhidas durante uma investigação criminal são importantes, sendo relevante estudar sobre elas, tendo o presente trabalho analisado a infiltração policial, especificamente no que tange à responsabilidade penal do agente infiltrado. Ademais, a infiltração policial está intimamente ligada ao crime de organização criminosa, e por este motivo, sua pertinência é significativa para a presente pesquisa.
Nesta seara, pondera-se a responsabilidade penal do agente infiltrado, que quando autorizado a prática da infiltração, estará condicionado a respeitar os limites de atuação que a legislação propõe. Este tema é muito polemizado atualmente, visto que, há quem entenda que os agentes não deveriam responder por seus excessos, pelo fato de estarem agindo em favor da ordem pública.
Analisando o tema proposto, nota-se que o problema jurídico a ser considerado, não está relacionado ao crime de organização criminosa e as mudanças trazidas pela nova lei n° 12.850/2013, mas, este problema, diz respeito a responsabilidade penal do agente infiltrado, e este será o fio condutor da discussão em que abrangerá, as divergências conceituais de organização criminosa, suas especificidades e os limites de atuação do agente infiltrado, que consequentemente gerará sua responsabilidade penal ou não.
O trabalho possui como referência toda a legislação que versa sobre o combate às organizações criminosas, desde o primeiro Projeto de Lei a tratar do tema, datado de 1989, que foi posteriormente transformado na Lei nº 9.034/1995, até a Lei nº 12.850/2013, atualmente conhecida como Lei das Organizações Criminosas¹.
2. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
2.1 SURGIMENTO/ORIGEM
Quanto ao surgimento e a origem das organizações criminosas, ainda que não se trate de um fenômeno recente, sabe-se que o crime organizado é um dos maiores problemas do nosso mundo globalizado, devido à amplitude das atividades realizadas pelas organizações criminosas, seu poder, ou mesmo seu grau de influência na sociedade e dentro do Estado².
Não é tarefa fácil precisar a origem das organizações criminosas., OLIVEIRA, 2015 apud LIMA (2014, p.473), pois, em razão de seu caráter transnacional e da sua grande capacidade de adaptação aos fenômenos sociais modernos, em regra, não existe lugar no mundo que esteja imune de sua atuação.
Neste âmbito, adverte o Sr. Roland Hefendehl, professor de direito penal na Universidade de Drasden:
A criminalidade organizada existe, ela é perigosa e, portanto, deve ser combatida. Agora, se não podemos definir exatamente a criminalidade organizada, disto deriva então que os prognósticos acerca de sua periculosidade somente podem ser determinados vagamente. Por esta mesma razão, a pergunta sobre qual deve ser a maneira de combatê-la cai igualmente no âmbito do indeterminado.3
Em que pese a modernização dos meios de comunicação, dos meios de transporte e processamento de dados, terem rompido o obstáculo da distância4, a delinquência organizada não pode ser considerada um fenômeno inaudito, nem mesmo uma novidade que surgiu apenas nos dias contemporâneos, na era da globalização ou decorrente de uma sociedade pós-moderna.
As organizações criminosas existem desde sempre, podendo servir como exemplo até mesmo os primeiros grupos de assaltantes de estradas da antiguidade, passando pelos sicários da Palestina do século I, da mesma forma os assassinos da Pérsia do Século XI, como também os grupos de bandoleiros da Espanha romântica5. Nota-se, portanto, que através da história é possível identificar diversos exemplos do que hoje enquadraríamos de forma clara e objetiva no conceito de organização criminosa.
No que tange ao crime organizado, nos moldes da atualidade, fazendo referência ao conceito de criminalidade moderna, existe embate entre os autores, uma parcela entende a criminalidade organizada ter origem na Itália no século XIX e outra parcela entende ter origem nos Estados Unidos no século XX. Constatando-se, portanto, que efetivamente, as primeiras estruturas organizadas no âmbito delinquencial têm suas raízes principalmente nesses dois países, com origens muito próximas entre si.6
2.2 CRIMINALIDADE ORGANIZADA NO BRASIL
Conforme a história do Brasil, o crime organizado teve suas primeiras ações com os jagunços7 e com os capangas de grandes fazendeiros, no sertão nordestino, popularmente conhecido como cangaço8, entre o final do século XIX e o começo do século XX. Os cangaceiros tinham a estrutura organizada de forma hierárquica e contavam com o apoio de políticos e fazendeiros, além dos policiais que cometiam desvio de função, lhes fornecendo armas e munições. (apud SATO, 2015).
Com o passar dos anos, no início do século XX, a organização criminosa no Brasil ganhou força através da contravenção penal conhecida como jogo do bicho9 que é uma espécie de lotérica clandestina. Com a rápida popularização do jogo, grupos organizados e policiais/políticos corruptos patrocinaram a prática da contravenção, principalmente por ser altamente rentável.
Noutra seara, outro marco importante para o fortalecimento e expansão da criminalidade organizada, se deu com a ocorrência do regime militar, presente no Brasil durante o período de 1 de abril de 1964 a 15 de março de 1985, pois os cidadãos que se opunham ao regime imposto eram presos e consequentemente dividiam o mesmo ambiente que criminosos comuns. (SANTOS, 2004, p. 89).
Assim, através da convivência com os demais presos e com a unificação do sentimento de revolta com o sistema, táticas de guerrilhas foram aderidas, juntamente com a forma de organização, hierarquia de comando e clandestinidade. Ocorrências que eram ainda mais intensas quando o ambiente de prisão era compartilhado com presos políticos.
Em consequência do exposto, as décadas de 70 e 80 foram essenciais para a rápida evolução do crime organizado no Brasil, pois os presos comuns, durante o regime militar, começaram a dominar técnicas avançadas de guerrilha, praticando crimes resguardados pela habilidade do planejamento, o que garantia em muitas das vezes o sucesso do ato ilícito.
Tal situação justifica o fato das grandes organizações criminosas no Brasil terem origem de dentro da prisão, servindo como principal exemplo o Comando Vermelho CV, criado em 1979, no interior do presídio Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital PCC, criado em 1993 no interior da Casa de Custódia de Taubaté, no Estado de São Paulo, além de diversas outras organizações.10
2.3 DEFINIÇÃO LEGAL E CONCEITOS
Muito se discutiu acerca do tema da organização criminosa e seus institutos até se chegar ao consenso de sua definição jurídica e demais especificidades, a definição mais clara que pode se ter de organização criminosa, é extraída da atual lei nº 12.850/2013, onde restou definido o conceito de organização criminosa e findou a discussão que toldava o tema.
Enfim definido o conceito de organização criminosa pelo legislador como sendo uma associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.¹¹
Já a doutrina, de forma mais detalhada, define organização criminosa como sendo uma organização dotada de preceitos lícitos e ilícitos, sendo sua ilicitude consequência dos ensejos que levaram a formação da organização criminosa.
Essa especificação se explica melhor nas palavras do Ilustre Gilson Langaro Dipp (2015, p.11):
Uma organização criminosa de modo geral se revela por dotar-se de aparato operacional, o que significa ser uma instituição orgânica com atuação desviada, podendo ser informal ou até formal, mas clandestina e ilícita nos objetivos e identificável como tal pelas marcas correspondentes. A organização criminosa pode também, eventualmente ou ordinariamente, exercer atividades lícitas com finalidade ilícita, apesar de revestir-se de forma e atuação formalmente regulares. Um estabelecimento bancário que realiza operações legais e lícitas em deliberado obséquio de atividades ilícitas de terceiro, é o exemplo que recomenda cuidado e atenção na compreensão de suas características. ¹².
O conceito da própria lei nº 12.850/2013 é claro quando cita os objetivos da organização criminosa e seus fins específicos, quais sejam, o cometimento do ilícito para obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações.
Antes da promulgação da lei nº 12.850/2013, não existia a tipificação da organização criminosa. O que se tinha era um conceito aplicado apenas para os efeitos contidos na lei nº 12694/12, conforme se demonstra no quadro 1.
QUADRO 1: Diferenças do conceito de organização criminosa antes e depois da lei nº 12.850/2013:
LEI Nº 12.694/2012 |
LEI Nº 12.850/2013 |
O conceito era específico APENAS para os efeitos contidos na lei nº 12.694/12. |
O conceito criado pela lei nº 12.850/13 é genérico. |
Para o reconhecimento da organização criminosa era exigido a prática de crimes de caráter transnacional com pena igual ou superior a 04 anos. |
Para o reconhecimento da organização criminosa é exigido prática de infrações penais/contravenções, caráter transnacional e pena superior a 04 anos. |
Exigia-se o mínimo de três pessoas para configurar o crime de associação. |
Exige-se o mínimo de quatro pessoas para configurar o crime de associação. |
Não especifica a figura típica. |
Criou uma figura típica específica. |
FONTE: Próprio Autor
Mesmo após a promulgação da lei nº 12.850/2013, o conceito de organização criminosa da lei anterior ainda persiste doutrinariamente e juridicamente, isso porque, surgiram correntes doutrinárias que entendem que ambos os conceitos são válidos e complementares entre si. Contudo, ainda há divergência entre qual corrente doutrinária se deve utilizar.
Assevera MARTINS (2013, p. 119) que a solução cabível é entender pela revogação tácita do conceito presente na Lei nº 12.694/12 pela Lei nº 12.850/13, em franca aplicação do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. O conceito trazido pela Lei nº 12.850/13 regula inteiramente a matéria da Lei nº 12.694/12 e, consoante visto nas soluções apresentadas anteriormente, com esta se mostra incompatível. Assim, como lex posterior derogat legi priori, prevalece o conteúdo da Lei nº 12.850/13.13
Pela devida prudência, o conceito mais atual e por conseguinte o mais seguro, é o constante na lei 12.850/2013, não apenas por ser recente, mas por tipificar e melhor definir as especificidades do que realmente vem a ser organização criminosa, e a partir deste conceito, pode-se analisar com mais profundidade as características e a natureza jurídica deste instituto.
2.4 CARACTERÍSTICAS/NATUREZA JURÍDICA
Definido o conceito legal de organização criminosa, faz-se necessário aprofundar mais ao tema, relevando suas principais características, natureza jurídica, sujeitos ativos e passivos, objeto material, o bem juridicamente protegido, as modalidades criminosas e qualificadoras, e claro, quais são as causas de aumento e diminuição de pena.
Com o simples conceito extraído da lei nº 12.850/2013, percebe-se claramente as características jurídicas do crime de organização criminosa, características essas que estão intimamente ligadas à sua natureza jurídica e demais aspectos penais.
Em suma, o quadro 1, traz a diferenciação entre as duas leis e seus conceitos, e não só isso, este demonstra de forma esquematizada suas características. Analisando detalhadamente os ditames da legislação em vigor, há que se notar seis importantes características que merecem atenção.
Conforme antes exposto, o crime de organização criminosa trazido pela lei nº 12.850/13, deve conter no mínimo 04 (quatro) integrantes. Contudo, mantém-se o número de 2 (duas) pessoas na Lei de Drogas e o mínimo de 3 (três) pessoas na associação criminosa do Código Penal.
Outra característica importante, é a estrutura organizada, isso significa dizer, que a organização criminosa deve possuir hierarquia, alguém que chefia e delega funções. A delegação de funções, por sua vez, é outra característica importante constante na organização criminosa.
A obtenção de vantagem de qualquer natureza, também pode ser tida como uma característica forte deste instituto, pois esse é o ensejo da formação da organização criminosa, é para este fim que se é formada.
Essa obtenção de vantagem de qualquer natureza, só se enquadra nas características da organização criminosa caso seja praticada mediante infrações penais de caráter transnacional, o que se pode ter como outro atributo deste instituto, e por fim, a última característica deste crime se encontra no período de tempo da pena destas práticas de infrações penais, e esse período deve ser superior a 04 anos.
Nota-se que todas as características elencadas acima, se extrai do conceito de organização criminosa contido na lei nº 12.850/2013, a lei cuidou de conceituar, e a doutrina especificou e disciplinou acerca do detalhamento das características e natureza jurídica deste delito.
A finalidade primordial da Lei nº 12.850/2013 é a definição de organização criminosa; a partir disso, determinar tipos penais a ela relativos e como se dará a investigação e a captação de provas. Entretanto, estabelece-se a viabilidade de aplicação desta legislação a situações de delinquência que fogem ao conceito de organização criminosa, mas provocam intenso dano à sociedade, merecendo o rigor estatal.14
O sujeito ativo deste delito pode ser qualquer pessoa, haja vista que esse tipo penal não exige nenhuma qualidade ou condição em especial, já o sujeito passivo é a pessoa lesada pela obtenção da vantagem ilícita, ou a própria sociedade.
O bem juridicamente protegido é a paz pública, e a consumação deste crime se dá no momento em que ocorre a integração do quarto sujeito ao grupo, não havendo necessidade de ser praticado qualquer crime em virtude do qual a associação foi formada, tratando-se, pois, de um delito de natureza formal, bastando que os sujeitos pratiquem a conduta prevista no núcleo do tipo.15
Quanto a natureza jurídica, importante ressaltar as palavras de Antônio Rodrigues Neto, que expõe a divergência da natureza jurídica do crime de organização criminosa, que para a lei nº 12.694/12, organização criminosa não era um tipo penal incriminador, já que sequer havia cominação de pena, ao contrário da lei nº 12.850/13 que passou a tipificar em seu art. 2º, caput, a conduta de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, cominando a este crime a pena de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.16
No que se refere a modalidade qualificada deste delito, é importante salientar que:
É agravada para o autor intelectual, ou seja, aquele que exerce o comando da organização criminosa, individual ou coletivamente, mesmo que não exerça os atos de execução de forma pessoal. Para a incidência desta circunstância agravante, que deve ser levada em consideração pelo juiz na segunda fase do cálculo da pena, é indispensável a demonstração de ajuste prévio, capaz de identificar a subserviência de um ou mais indivíduos da organização criminosa em relação ao líder. 17
E por fim, ressalta-se que a lei nº 12.850/2013 em seu art. 2°, prevê que o elemento subjetivo deste crime é o dolo, não prevendo a modalidade culposa. Isso se explica pelo fato de o crime de organização criminosa ser de natureza permanente, penalizando a atuação estruturada de grupos voltados a prática de infrações penais, e mesmo que não haja crime, bastando que os sujeitos pratiquem a conduta prevista no núcleo do tipo, não cabendo assim, a modalidade culposa ou tentativa, conforme antes descrito.
Deste feito, destrinchado e exaustivamente abordado tema de organização criminosa e seus preceitos, o momento agora é de analisar a atuação de agentes policiais dentro de uma organização criminosa e quais as especificidades e perigos, suas limitações, as fases do plano de infiltração e por fim sua responsabilidade penal.
3 INFILTRAÇÃO DE AGENTES
3.1 O AGENTE INFILTRADO
Antes de adentrar ao tema questionado, é primordial dissertar acerca dos tipos e diferenciação entre as organizações policiais em nosso país. No Brasil, assim como em muitos países, a polícia é dividida em alguns grupos especiais, que podem variar de acordo com a delegação de tarefas e deveres, competência de atuação ou forma de investigação.
A distinção entre Polícia Civil, Federal, Militar e Rodoviária Federal é colossal. Essa diferenciação foi respaldada pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 144, dispõe que a segurança pública é um dever do Estado e responsabilidade de todos, por esse motivo que existe esse conjunto de agentes públicos responsáveis pela força policial de nosso país.
O artigo 144 da CF além de atribuir ao Estado a responsabilidade da segurança pública, define de maneira contundente o papel e atribuições de cada órgão policial:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:
(...)
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (BRASIL, 1988).18
Apesar de terem o mesmo intuito, a organização policial brasileira possui diversos pontos que as diferem uma das outras, o principal deles é a forma de trabalho e como se organizam para executá-la.
A polícia militar (PM), lida com a segurança direta da população, sendo responsável pelo policiamento de espaços públicos e o atendimento de chamadas. Os PMs também são responsáveis por prevenir que os crimes aconteçam. Além das patrulhas, eles também podem fazer abordagens e revistas de pessoas suspeitas.19
Diferentemente do que era antes, a Polícia Militar vem conquistando cada vez mais a população, por meio de um trabalho que ignora os limites entre polícia x população, fazendo com que os serviços da PM sejam mais eficazes, pois conta com a colaboração e apoio de grande parte da população, deixando para trás o papel de polícia exclusivamente ostensiva.
No que diz respeito às atividades da Polícia Civil, esta tem o dever de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo ordens judiciárias relativas à execução de mandado de prisão ou mandado de busca e apreensão, a condução de presos para a oitiva perante o juiz, a condução coercitiva de testemunhas, a apuração de infrações penais, etc.20
Geralmente a atuação da Polícia Civil se inicia após um crime, diferente da atuação da Polícia Militar que tem como ensejo prevenir esses crimes. Pode-se dizer que quando a PM não cumpre honradamente seu papel de prevenir a prática de futuras infrações, a Polícia Civil entra em ação e faz seu dever de apurar e conduzir uma investigação para que se chegue a um responsável ou possível suspeito.
Já a atuação da Polícia Federal (PF), está umbilicalmente ligado as atividades e funções das Polícias Militar e Civil, apesar de ser a menos presente no cotidiano, em poucas palavras, a PF, subordinada ao Ministério da Justiça e responsável por investigações dos crimes julgados pela Justiça Federal, onde também exerce a função de polícia judiciária. Exerce ainda funções de polícia marítima e aeroportuária, responsável pela fiscalização de fronteiras, alfândegas e emissão de passaportes.21
A atuação da Polícia Federal, é a mais importante quando se fala de infiltração, em alguns casos, a Polícia Civil também infiltra agentes dentro de grandes operações e investigações, e diante de uma situação tão peculiar, é notável que discorra acerca da infiltração dos agentes e suas especificidades.
A infiltração policial foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio no contexto da organização criminosa, pela Lei nº 9.034/95 (Lei do Crime Organizado), em seu art. 2º, inciso I. Contudo, o referido dispositivo restou vetado pelo Presidente da República à época, com o principal objetivo de garantir o interesse público ao subordinar a infiltração de agente policial à anterior autorização judicial, fato que havia sido suprimido da sua redação original.22
Atualizando a informação prestada pela Autora acima citada, a lei nº 12.850/2013 também prevê a infiltração de agentes, especificamente dentro de organizações criminosas e se comparada com as anteriores, a que mais ampara o agente infiltrado, dispondo acerca do cabimento da infiltração do agente, seus limites e as fases da infiltração.
Antes de se analisar as demais singularidades da infiltração de um agente dentro da organização criminosa e como se dá a instauração do procedimento e limites de atuação dos agentes infiltrados, é necessário trazer à baila, o conceito de agente infiltrado.
No entendimento de WOLF, agente infiltrado é:
Aquele policial que, ocultando sua verdadeira identidade e função através do uso de identidade fictícia, aproxima-se de suspeitos da prática de determinados crimes para fazer prova da sua ocorrência. [...] O agente infiltrado, por outro lado, intenta criar uma relação de confiança que permita desvendar a prática de crime ou introduzir-se no universo de organização criminosa, para melhor entender seu funcionamento. 23
Ainda com base na Lei nº 12.850/13, importante é o conceito trazido por LIMA, onde assevera que no ordenamento jurídico pátrio, é possível chegarmos a uma definição comum de agente infiltrado, observando-se algumas características que lhe são inerentes: a) agente policial; b) atuação de forma disfarçada; c) prévia autorização judicial; d) inserção de forma estável, e não esporádica, nas organizações criminosas; e) fazer-se passar por criminoso para ganhar a confiança dos integrantes da organização; f) objetivo precípuo de identificação de fontes de provas de crimes graves.24.
A infiltração policial tem um papel inexoravelmente essencial dentro de uma investigação criminal, isso porque, além de ser um meio de obtenção de provas licito, é um trabalho que nem todos fazem, é necessário antes de tudo, uma preparação psicológica, emocional, física e profissional, pois o agente infiltrado se introduz dentro de uma organização criminosa, assume a qualidade de integrante para obter informações.
A infiltração de um agente é indubitavelmente perigosa, pois se descoberta sua identidade, ou se a operação falhar, a vida ou a incolumidade física estarão em risco.
3.2 INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO
A instauração dos procedimentos de infiltração de um agente dentro de uma organização criminosa, abrange seus parâmetros legais, bem como suas fases e a limitação da atuação deste agente. Num primeiro momento, é importante definir como é instaurado o procedimento de infiltração e a importância destes procedimentos.
A previsão legal da infiltração de agentes está contida na lei nº 12.850/2013, que em seu art. 3°, inciso VII, consolida que em qualquer fase do processo penal é permitido a obtenção de provas, especialmente por meio de infiltração policial.
A demonstração da necessidade se deve por conta da infiltração ser admitida somente quando as provas não puderem ser obtidas por outros meios (ultima ratio), ou seja, é um meio subsidiário, é o que diz a parte final do §2º do Art. 10 da Lei de Crime Organizado, bem como o §3º do Art. 190-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso ocorre por conta de ela ser considerada pela doutrina a mais invasiva e mais demorada técnica de investigação criminal.25
Alguns doutrinadores entendem que a infiltração policial deve ser tida como ultima ratio, isso é em último caso, isso porque, a exposição sofrida pelo agente é muito grande, e esse meio de investigação é perigosamente incerto, pois o agente deve atuar para conseguir informações.
Para Henrique Hoffman:
A infiltração policial consiste em técnica especial e subsidiária de investigação, qualificada pela atuação dissimulada (com ocultação da real identidade) e sigilosa de agente policial, seja presencial ou virtualmente, face a um criminoso ou grupo de criminosos, com o fim de localizar fontes de prova, identificar criminosos e obter elementos de convicção para elucidar o delito e desarticular associação ou organização criminosa, auxiliando também na prevenção de ilícitos penais. A infiltração policial é gênero do qual são espécies a presencial (física) e a virtual (cibernética ou eletrônica). 26
A atuação do agente deve ser perfeita e melindrosa, visto que toda a operação depende deste desempenho. Além do esforço do agente, existem outros aspectos que cooperam demasiadamente para o bom desempenho da investigação e obtenção de provas, que é a instauração do procedimento de infiltração.
O procedimento da infiltração policial consiste nos ditames expressos do art. 10 e 11 da lei nº 12.850/2013, ponderoso é sua transcrição, in verbis:
Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.
§ 1º Na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.
§ 2º Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.
§ 3º A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade.
§ 4º Findo o prazo previsto no § 3º, o relatório circunstanciado será apresentado ao juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público.
§ 5º No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração.
(...)
Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.27
Desta forma, logo no caput do artigo 10 da Lei de Organizações Criminosas já se encontra um requisito antes não abordado, verifica-se que a Lei trouxe uma elevada importância à manifestação técnico-operacional apresentada pelo Delegado de Polícia, requisito antes não tratado pela Lei nº 9.034/95, para se instaurar uma infiltração policial, concedendo desta forma uma participação maior deste. 28
Analisando a lei de organização criminosa, tem-se alguns requisitos extrínsecos que rege a infiltração de agentes, o primeiro deles é o esgotamento de todos os outros meios de provas previstos no art. 3° da lei nº 12.850/13, outro aspecto relevante é o período em que a infiltração pode acontecer, que é de 6 meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade, de acordo com o parágrafo 3° do art.10.
A infiltração também deve ser realizada somente por um agente de polícia, e pode acontecer em qualquer fase do processo. Ademais, a infiltração depende de autorização judicial, especificamente da autorização do juiz, ouvindo-se o MP para considerar seu parecer se a infiltração é necessária ou não.
É interessante notar que a lei nº 12.850/13, estabelece uma relação harmoniosa entre MP e a polícia, trabalhando juntos para o sucesso da operação. O trabalho em conjunto do MP e da polícia se dá da seguinte forma: após a representação da polícia pleiteando a infiltração de agentes, o MP é ouvido, caso o MP pleiteia a infiltração de agentes, o delegado de polícia é ouvido.
A representação feita ao Juízo competente, é sigilosa, para que não indique a operação nem identifique o agente que irá se infiltrar, conforme preceitua o Art. 12 da Lei nº 12.850/13, seja por representação ou por requisição, estando devidamente instruída, o juiz decidirá num prazo de vinte e quatro horas (Art. 12, §1º da Lei nº 12.850/13). O juiz tem o dever legal de zelar pelo sigilo da operação (Art. 190-B da Lei nº 13.441/17). 29
É importante que haja uma ação conjunta entre o Delegado de Polícia, o Ministério Público e o Magistrado, no sentido de preservar o caráter sigiloso da infiltração. Para tanto o Delegado deverá reduzir, ao máximo, o conhecimento acerca da operação a ser desencadeada. Destarte, somente os agentes que efetivamente forem empregados na missão poderão tomar conhecimento da infiltração e da representação junto ao Poder Judiciário, devendo a Instituição Policial criar normas internas no sentido de objetivar o devido sigilo da operação.
Corroborando os argumentos supra, o autor (CARLOS, FRIEDE) acrescenta que é possível enumerar os seguintes requisitos legais e procedimentais para se utilizar o meio excepcional probatório, quais sejam: a) agente policial (federal ou estadual); b) tarefa de investigação; c) autorização judicial motivada; d) indícios de materialidade; e) subsidiariedade; f) prazo máximo de 6 (seis) meses, podendo ser prorrogado; g) relatório circunstanciado; h) momento oportuno para a infiltração policial (durante o inquérito policial ou a instrução criminal).30
Antes de tratar acerca das limitações dos agentes infiltrados, é importante salientar como ocorre o desmantelamento, ou seja, a dissolução, de uma organização criminosa, bem como suas particularidades:
. Identificação e prisão dos criminosos, inclusive de eventuais agentes públicos participantes do esquema delituoso;
. Identificação das fontes de renda da máquina criminosa;
. Identificação de eventuais pessoas jurídicas utilizadas para encobrir atividades delituosas perpetradas pela organização;
. Identificação da estrutura estabelecida para proceder à lavagem de capital;
. Identificação (e posterior apreensão) dos bens provenientes, direta ou indiretamente, da prática dos delitos cometidos pela organização;
. Recuperação de eventuais bens públicos desviados pela organização criminosa, dentre outros aspectos. 31
O sucesso da operação depende de vários fatores, quais sejam: o trabalho em conjunto entre MP e polícia, da decisão positiva do juiz de forma sigilosa, de terem sido esgotadas todas as outras formas de investigação e obtenção de provas, e claro, do agente infiltrado, que como afirma Henrique Hoffman alhures, a infiltração deve ser feita de forma simulada e sigilosa, para não colocar a operação em risco.
Além de observar todos esses requisitos para a instauração do procedimento de infiltração de agentes dentro de uma organização criminosa, é importante ressaltar que durante a infiltração o agente deve agir dentro dos preceitos da lei e respeitar os limites impostos por ela, bem como seguir todas as fases da infiltração.
3.3 FASES DA INFILTRAÇÃO
Durante uma infiltração policial, e até mesmo antes, existem fases que devem ser seguidas e observadas. Essas fases se diferem do procedimento apontado no capítulo anterior.
De acordo com Lima (2014), a infiltração policial é constituída de oito fases, e a primeira etapa é o recrutamento, onde a organização policial responsável pela infiltração informa que vai realizar tal tarefa e escolhe o candidato dentro de um rol de agentes pré-selecionados. Após a escolha do agente que vai ser infiltrado, vem a etapa da formação ou capacitação, a fase em que o policial vai receber o treinamento de capacitação básica para infiltração.32
No entanto, é importante frisar que caso o agente não queria participar da infiltração, ele não é obrigado, ainda que seu nome esteja dentro do rol de agentes pré-selecionados para a infiltração. Além disso, sua decisão não precisa ser justificada.
Em seguida, após escolhido o agente infiltrador e o aceite deste, conforme Macedo (2018), deve ser feita a formação, ou seja, uma capacitação básica para o policial desenvolver as qualidades fundamentais de agente infiltrado e que correspondem ao perfil traçado ao agente a ser formado para a infiltração.33
Essas capacidades básicas citadas pelo autor, que devem ser feitas na segunda fase do procedimento de infiltração, se trata da preparação física e emocional do agente, quanto ao perfil traçado, deve o agente estudá-lo para que se transforme em outra pessoa, incorporando as características, personalidade e até mesmo traços físicos, se tornando definitivamente, outra pessoa.
A quarta fase é especialização da infiltração. Nesta ocorre o aprimoramento da dimensão operativa de inteligência, com o objetivo de garantir que o agente assuma identidade psicológica falsa de forma a representá-la com o máximo de eficácia. 34
Pode-se dizer que a quarta fase é complementar a terceira, fazendo com que o agente aprimore e corrija caso necessário, tudo que aprendeu na fase anterior. É como se fosse uma prova de que o agente realmente foi capaz de assumir a outra identidade, e o quanto sua atuação e performance pode ser convincente.
Em seguida, consoante com Oliveira (2015): a quinta fase se trata da infiltração propriamente dita, momento no qual o agente entra em contato direto com os criminosos, visando ganhar sua confiança e entrar no seio da organização criminosa. Geralmente, todos os métodos de abordagem desta fase são previamente estabelecidos por meio da inteligência da polícia.35
Após ter a certeza de que o agente dominou e aprimorou outra personalidade, bem como tem em controle seus instintos emocionais e psicológicos, o delegado que está à frente da operação o envia para as ruas para que este dê o primeiro passo em sua infiltração, e entre para a organização criminosa. Claro todas as ações que o agente fizer, serão monitoradas e previamente planejadas pela equipe policial. Esta é uma das mais importantes fases, pois ela consiste na coleta de provas, a identificação das atividades desempenhadas pela organização criminosa e a identificação dos criminosos da organização.
A sétima fase é a pós-infiltração. É um procedimento tático em que se buscam as melhores alternativas para a saída do agente infiltrado do ambiente criminoso. O ideal é que esta fase esteja associada a um programa de proteção a vítimas e testemunhas, conforme prevê a Lei nº 9.807/99.36
De todas as fases de uma infiltração policial, esta é a mais arriscada ao agente. Isso porque, dependendo da maneira de como o agente sai da organização criminosa e do ambiente criminoso, toda operação é perdida. Por óbvio, a saída do agente acontece após a descoberta e a captura de todos os integrantes da organização criminosa, e por este motivo, o agente deve fazer parte do programa de proteção a vítimas e testemunhas, que é extremamente essencial para a segurança do agente infiltrado, e esse programa, por óbvio deve abranger toda sua família que também corre risco.
A última e oitava etapa, consiste na reinserção: visa reintegrar o agente à sua vida antes da infiltração, sendo recomendável o acompanhamento médico e psicológico. Outrossim, percebendo que o agente infiltrado sofre risco iminente, a Lei nº 12.850/2013 previu a possibilidade da sustação da operação em seu artigo 12, §3º, não sendo necessário autorização judicial para tal. 37
A reinserção do agente a sua vida normal pode ser considerada umas das mais difíceis fases de uma infiltração policial, isso porque, ao se tornar outra pessoa, o agente deve ficar afastado de tudo e todos que lembram sua antiga vida, e isso não significa se afastar somente de pessoas, mas sim de hobbies, lugares, coisas, e todo esse processo consiste em uma grande força de vontade do agente, e voltar a ser o que era antes pode ser tarefa difícil.
Para um agente que acaba de sair de uma operação infiltrado, sua reinserção a sua antiga vida deve ser com a máxima cautela, pois este ainda pode estar correndo risco. Em alguns casos, o agente pode perder sua conexão com sua antiga vida, pode se esquecer de quem foi um dia, isso é possível e muito comum.
Neste norte a importante mencionar as palavras de Clementino (2018):
também, que não é qualquer policial civil ou federal que poderá funcionar como agente infiltrado. Este deverá passar por um rígido e especializado treinamento, possuir um caráter muito sólido, psicológico e inteligência acima do padrão médio, boa compleição física, além de outras características específicas, sob pena de frustrar a operação e, também, por em risco a sua própria vida.38
Os danos psicológicos causados a agentes infiltrados são graves, portanto, merecem atenção, pois o trauma de viver outra vida, como outra pessoa e cometendo crimes, é algo que não se pode olvidar, por este motivo que ao fim de toda operação e todas as fases que a infiltração abrange, o agente é acompanhado por uma equipe de psicólogos e por sua própria equipe, que o ajudam retornar a sua antiga vida.
3.4 LIMITAÇÃO DA ATUAÇÃO DOS AGENTES INFILTRADOS
A infiltração policial, bem como os limites de atuação do agente estão previstos no art. 10 da Lei 12.850, no qual especifica que a infiltração, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.
Os limites de atuação do agente infiltrado estão consequentemente ligados ao tipo de operação, e é de acordo com esses limites que se pode dizer até que ponto o agente infiltrado pode ser responsabilizado penalmente.
Parece um pouco injusto, que um agente infiltrado, cumprindo seu dever legal investigativo, possa ser culpabilizado na esfera penal pelo cometimento de um crime que eventualmente tenha sido obrigado a cometer, e ainda, até que ponto a lei nº 12.850/13 protege esse agente? Até que ponto o agente pode chegar para obter provas durante uma infiltração?
De acordo com o manual do ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e a Lavagem de Dinheiro), como não há previsão legal acerca dos limites de atuação dos agentes infiltrados, cabe ao magistrado oferecer os contornos desta atuação, com base no princípio da proporcionalidade. A atuação do agente não poderá violar a dignidade da pessoa do acusado ou de terceiros, sendo limitada ao necessário para coleta da prova. A autorização judicial impedirá que a conduta do agente seja considerada criminosa, seja por falta de dolo ou por estar ao abrigo de causa excludente de ilicitude, como estrito cumprimento de dever legal. 39
Apesar de não haver previsão legal expressa acerca dos limites de atuação dos agentes infiltrados, o código penal, em seu art. 17, prevê que a atuação do agente infiltrado, quando do cometimento de algum crime, não pode ser idêntica a do agente provocador.
No que se refere ao agente provocador, ao contrário do que ocorre com o agente infiltrado, o agente provocador não atua amparado pela legalidade. Ademais, o agente provocador pode ou não ser um agente infiltrado atuando ou não em uma organização criminosa. O agente provocador é aquele agente policial que provoca uma ação ou omissão de uma ou mais pessoas integrantes de uma organização criminosa, induzindo e interferindo diretamente no ânimo decisivo delas. 40
E claro, a lei de organização criminosa também cuidou de tratar a respeito dos limites de atuação de agentes, no art. 13, que em dissonância com o CP, aduz que caso o agente não haja com a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.
A controvérsia jurídica, entre os diplomas legais acerca da limitação da atuação dos agentes pode ser contraproducente quando da análise do magistrado após o fim da infiltração.
Segundo MACHADO (2016):
Apesar de o art. 13 dispor que o agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados, o parágrafo único determina que não será punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa. Em outras palavras, a culpabilidade será excluída se o agente ingressar no âmbito de uma organização criminosa especializada em fraudar licitações e perpetrar o crime de corrupção ativa. Nesse caso, ele não será, em regra, responsabilizado, haja vista a proporcionalidade existente entre a investigação e o ato delituoso praticado.41
A responsabilidade penal do agente infiltrado, a depender do caso concreto, pode ainda despertar divergência acerca da sua aplicabilidade, pois, para alguns autores, a atribuição da responsabilidade penal durante uma infiltração policial não é cabível, tampouco legal.
No que tange à infiltração de agentes policiais, podem existir situações que exijam deles a prática de determinados crimes, até mesmo pelo fato de estarem encobertos por outra identidade não podendo ser descobertos de forma a preservar sua integridade física. Assim, questão de grande debate diz respeito a essas condutas delitivas praticadas por eles. Tomando-se cada caso como único, é perfeitamente possível a aplicação do princípio da proporcionalidade para a apuração dessas condutas ilícitas praticadas pelo agente. Este é o entendimento trazido pela Lei nº 12.850/13 em seu art.13 caput.42
A lei de organização criminosa, cuidadosamente tratou sobre os direitos dos agentes infiltrados, visando casos em que agentes se veriam obrigados a cometer algum ilícito durante a prossecução da infiltração. O que gera ainda mais polêmica do que a culpabilidade do agente, é a responsabilização deste, pois como antes apontado, alguns doutrinadores entendem ser incoerente a acusação e responsabilização penal de um agente que se viu obrigado ao cometimento de um crime para manter sua identidade de membro de uma organização criminosa.
4. AS EXCLUDENTES ANTE A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE
Antes da apreciação da responsabilidade penal do agente infiltrado, é importante mencionar as causas de excludente de ilicitude quando da atuação do agente em situações criminosas. Até aqui, se sabe que o agente infiltrado deve agir com a devida cautela, sempre dentro dos limites legais de sua atuação.
A análise conceitual das causas de excludentes, quais sejam: ilicitude, tipicidade, e culpabilidade é de suma importância para compreender como se dá a responsabilização do agente infiltrado.
A tipicidade consiste no enquadramento da conduta concretizada pelo agente na norma penal descrita em abstrato, para que haja crime é necessário que o sujeito realize no caso concreto, todos os elementos componentes da descrição típica.43
A grande máxima do direito penal, consiste na frase: não há crime sem lei anterior que o defina. Este não é simplesmente um jargão, este é um princípio constitucional, conhecido como princípio da legalidade e um direito fundamental. Ou seja, para que haja crime, ele deve estar descrito na lei.
Ainda de acordo com o autor supra, a ilicitude incide na conduta, é a prática de uma ação ou omissão contrária ao direito, a princípio todo fato típico é ilícito, mas em algumas vezes, mesmo que a conduta seja típica ela não é ilícita.44
Quando o autor diz que em alguns casos a conduta pode ser típica, mas não necessariamente ilícita, é um grande exemplo de causas de excludentes. Por exemplo, matar alguém em legitima defesa, é uma conduta típica, mas pelas circunstâncias a lei não a considera como uma conduta ilícita.
Por fim, têm-se a culpabilidade e a punibilidade, que é a atribuição da culpa e penalidade a alguém pela prática de uma conduta ilícita e típica, reprovável pela legislação, ou seja, uma conduta antijurídica.
Caso a conduta de um agente tenha todas as etapas acima citadas, pode-se dizer que este é imputável e deve responder por suas ações, como todo o ramo do direito o código penal não seria diferente, existem exceções a esta imputabilidade, porém, essas exceções serão abordadas somente no que concerne ao agente infiltrado e sua responsabilidade pela prática de infrações durante a infiltração policial.
Em alguns casos, mesmo agindo dentro dos limites de atuação o agente se envolve em situações que se vê obrigado a praticar o delito, tendo isso em mente, o legislador cuidou deste tema, atribuindo ao agente as excludentes de ilicitude, a fim que de este não seja responsabilizado penalmente por crimes cometidos durante a infiltração policial.
Esse tema, também foi alvo de divergência antes da promulgação da lei nº 12.850/2013, visto que, não se sabia o que alegar quando um agente era responsabilizado penalmente por suas condutas delituosas praticadas durante a infiltração policial.
Segundo Jacomé (2018):
Alguns doutrinadores apontavam que havia uma escusa absolutória posto que, o agente infiltrado estava atuando visando buscar provas para a punição dos criminosos. Outra parte da doutrina apontava que havia uma causa de excludente da ilicitude, haja vista que o policial estaria atuando em estrito cumprimento do dever legal. Havia ainda uma terceira corrente que dispunha haver uma atipicidade penal da conduta do agente infiltrado já que não havia dolo, já que este não age com intenção de praticar qualquer crime, mas sim objetivando investigar e punir os integrantes da quadrilha. Faltando, portanto, imputação subjetiva da conduta. Há também uma ausência de imputação objetiva, uma vez que o agente agiu em uma atividade de risco juridicamente permitida.45
Afastada as teorias doutrinárias, o que a lei nº 9.034/95 dizia, era que, o agente deveria ser penalizado por integrar a organização criminosa, havia, porém, exclusão de antijuridicidade, que se fundamentava no exercício regular de um direito ou no estrito cumprimento de dever legal, relacionava-se, à conduta do infiltrado de simplesmente aderir à quadrilha ou bando46. É absurdo pensar que, o fato do agente se infiltrar na organização criminosa para fins investigativos, poderia causar um constrangimento penal e processual para si.
Felizmente, a evolução jurídica trouxe a flexibilização quanto a esta premissa legal, e com o tempo, várias posições haviam se formado, todas procurando afastar a responsabilidade do agente segundo diferentes fórmulas, a saber: exclusão de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa; escusa absolutória, por razões de política criminal; excludente da ilicitude do estrito cumprimento do dever legal; atipicidade penal por ausência de imputação subjetiva; e atipicidade penal por ausência de tipicidade conglobante.47
As teorias formadas ao longo do tempo para se explicar e afastar a responsabilidade penal do agente, foram substituídas pela redação da lei nº 12.850/2013, que autoriza o cometimento de ações típicas por parte do agente caso seja necessário para preservar a investigação, sendo o caso da aplicabilidade de inexigibilidade de conduta adversa, excluindo então, sua culpabilidade.
Outra teoria abrangida pela lei antecessora da lei nº 12.850/2013, é a escusa absolutória, que para Andreucci (2013, p. 24) apud Cunha (2016, p. 121) o agente infiltrado age acobertado por uma escusa absolutória, por razões de política criminal, não é razoável nem lógico admitir a sua responsabilidade penal. A importância da sua atuação está diretamente associada à impunidade do delito perseguido.48
A escusa absolutória, em síntese, tem o mesmo objetivo legal que a inexigibilidade de conduta diversa, além disso, o bem juridicamente protegido neste caso é a ordem pública, e isso faz com que as causas de escusa absolutória do art. 181 do CP, tenham uma interpretação mais ampla, in verbis:
Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:
I - Do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - De ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.49
No que tange a teoria de excludente de ilicitude, aplicável nos casos em que o agente age com o chamado estrito cumprimento do dever legal, alguns doutrinadores entendiam que o crime poderia ter sua ilicitude desconsiderada, caso fosse cometido durante o cumprimento do dever legal.