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A abstrativização no controle difuso de constitucionalidade

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4 CONCLUSÃO

A abstrativização no controle difuso é uma movimentação jurídica no sentido de atribuir efeitos erga omnes em decisões do STF proferidas em sede de controle difuso, ou seja, embora o processo seja referente a um caso concreto, os efeitos da decisão seriam abstratos e oponíveis contra todos. A força normativa da Constituição, a supremacia constitucional, a aplicação uniforme da Constituição, o reconhecimento do STF como guardião e intérprete máximo, a transcendência dos motivos determinantes da decisão, a celeridade processual, são pujantes argumentos favoráveis a abstrativização. Não menos importantes e coesos são os argumentos contrários, assentados principalmente na separação dos Poderes, na inexistência de dispositivo constitucional que garanta o efeito erga omnes no controle difuso, e na impossibilidade de admitir a nova interpretação do artigo 52, X como uma mutação constitucional, uma vez que tal interpretação traz uma nova roupagem para o referido artigo, gerando uma alteração imprópria na Constituição.

Em que pesem todos os argumentos, fato é que a legislação brasileira já possui dispositivos que possibilitam a existência da abstrativização, tais como as súmulas vinculantes, o instituto da repercussão geral, as súmulas impeditivas de recursos, a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade pelos tribunais e os processos paradigmas. Estes dispositivos, de certa forma, irradiam efeitos abstratos oponíveis contra todos, independentemente da manifestação do Senado, logo, a abstrativização não apenas é possível como também é presente no ordenamento jurídico brasileiro. O Recurso extraordinário 197.917, referente ao caso do município de Mira Estrela/SP e o Habeas Corpus (HC) 82959, são decisões de relevância salutar que reconhecem a abstrativização. A Reclamação Constitucional 4335, que atualmente está pendente de julgamento do STF, discute questões relativas à temática ora abordada, bem como sobre a mutação constitucional do artigo 52, X, no sentido de que a manifestação do Senado tem apenas o caráter de dar publicidade à decisão do STF.

Quanto à mutação constitucional do artigo 52, X, é forçoso rechaçá-la de plano. Uma análise lógica no sentido de que se a decisão emana do STF pouco importará se ocorreu no controle concentrado ou difuso, até mesmo porque, em tese, a decisão seria a mesma, independentemente da via utilizada. Se determinada lei é reconhecida pelo STF como inconstitucional para os participantes do processo, é também inconstitucional para todo o ordenamento. É inadmissível que uma lei declarada inconstitucional continue vigente e gerando consequências e efeitos que já se sabe serem ilegítimos.

Por outro lado, aceitar tal posicionamento sem questionamentos também não é de bom alvitre. É evidente que a mutação constitucional não fica adstrita a uma simples interpretação, opera consequências maiores, que implicitamente alteram o texto do artigo 52, X. Essa alteração sem observância das formalidades necessárias pode enfraquecer a Constituição, além de que atribui certa supremacia ao Judiciário, na figura do STF, em relação aos demais Poderes, surgindo um espectro chamado Ditadura do Judiciário.

Quiçá a solução mais adequada seja uma alteração formal no artigo 52, inciso X da Constituição, através de Emenda Constitucional que especificasse a participação do Senado, quer na qualidade de participante ativo do controle de constitucionalidade na via difusa, quer no sentido de ser meramente o responsável por dar publicidade para a decisão do STF. Uma Emenda Constitucional, num ou no outro sentido, colocaria fim nesta discussão e contribuiria de sobremaneira para a segurança jurídica do país.

A aguardada decisão do STF na Reclamação 4335 será um marco para o controle de constitucionalidade brasileiro, e a construção doutrinária tem muito a contribuir na consolidação ou no afastamento destes novos entendimentos. O que fica principalmente evidenciado é a necessidade de pensar o assunto, e rever a estrutura atual do controle de constitucionalidade, especialmente do controle difuso bem como a participação do Senado, cuja reforma, independentemente da direção que se dê, é uma questão necessária e fundamental.


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Notas

[1] O órgão especial ao qual se refere o jurista acima é aquele decorrente do artigo 93, XI da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda 45/2004, que pode ser constituído nos Tribunais com número superior a 25 julgadores, e deve ser composto com o mínimo de 11 e o máximo de 25 membros, com atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno. (BRASIL, Constituição da República Federativa, 1988).

[2] Stare Decisis, segundo Vicente de Paulo Saraiva, (1999, p. 761) significa “Manter-se fiel às decisões, ou seja, fixar-se, estar assentado nas decisões. É a regra que impõe ao juiz sentenciar em conformidade com os precedentes Judiciais dos tribunais Superiores”.


Abstract: New insights from the STF on the effects and consequences of Judicial Review conducted by diffuse some questions triggered by the legal community, especially with the possibility of giving effect erga omnes, for decisions on the STF headquarters diffuse Control of Constitutionality, resulting in the so called abstract effect, regardless of manifestation of the Senate, which sets a new reading of Article 52, X of the Constitution. This study addresses the existence of legal provisions and judgments inclined to abstract effect, as well as doctrinal arguments for and against, the new paradigm that arises.

Keywords: control of constitutionality, abstract effect, constitutional mutation.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIPIEVSKI JÚNIOR, José Mário. A abstrativização no controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6896, 19 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97671. Acesso em: 19 mai. 2024.

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