Amber Heard e Johnny Depp. Limbo social ou dignidade humana?

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Século XXI, ainda há objetificação do gênero feminino. Nas redes sociais os diversos pensamentos sobre a Lei Maria da Penha, desde operadores de Direito até "descontentes com a Lei". Neste última caso, homens e, sim, mulheres. Algumas mulheres são contra a Lei por ser "demasiadamente punitiva para os homens". E já li isso de comentário de advogada. 

É notório que desde o momento que as feministas, que não são alienígenas, muito menos porta-vozes do capeta, exigiram direitos iguais, não somente direitos meramente normatizados, as ações das feministas criaram descontentamentos entre opositores. Contudo, nos anos de 1960, nos EUA, uma voz feminina deu esperanças para homens e mulheres contracontracultura   Justiça, o lado moral da internet Parte VII. A 'Contracontracultura'. "As mulheres têm o direito de serem sustentadas por seus maridos e ficarem em casa cuidando dos maridos e dos filhos", uma frase ideológica em oposição à ideologia feminista de "As mulheres têm o direito de trabalharem, sem anuência dos maridos, e também terem os seus próprios sustentos. Também podem trabalhar fora do 'lar doce lar' e cuidarem dos filhos".

Se uma mulher em defesa dos "bons costumes" e dos "bons comportamentos sociais", por ser do gênero feminino, reforça a ideia de que não são todas as mulheres a favor das feministas. Essa ideia de não compactuar com as feministas tem a intenção, por mais que motivos sejam justificadores, de dizer que a mulher tem liberdade de escolha, e que as feministas, com suas ideologias, estavam criando uma ditadura feminista contra a liberdade individual do gênero feminino. Além da ditadura feminista, outro intuito era garantir o status quo religioso de homem como chefe e mandante por ser bíblico.

E o que tem os textos acima com o caso entre Amber Heard e Johnny Depp?

No Brasil, a presunção de veracidade da vítima, no caso de Amber, faz com que medidas protetivas sejam aplicadas.

(...) as medidas protetivas podem ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e da manifestação do Ministério Público, ainda que o Ministério Público deva ser prontamente comunicado.

As medidas protetivas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso. O agressor também pode ser proibido de entrar em contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio ou, ainda, deverá obedecer à restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço militar. Outra medida que pode ser aplicada pelo juiz em proteção à mulher vítima de violência é a obrigação de o agressor pagar pensão alimentícia provisional ou alimentos provisórios. (1)

A princípio, pode-se pensar em mais direitos para o gênero feminino quanto ao afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima. Pela língua coloquial é os homens podem ser punidos, previamente, mesmo que as mulheres mentem. Ocorre que tal alusão é rasa. Não há uma condenação do homem, isto é, ele não é réu. A medida protetiva, como a designação é, não pune o homem, contudo, protege a mulher. Como o Estado pode proteger a mulher pela simples alegação de que foi agredida pelo homem? 

Antes das Substanciais Mudanças Culturais, no Brasil e internacionalmente, a mulher era presumidamente culpada pelas agressões do marido. Operadores de Direito, com décadas de atuações, sabem como as mulheres eram tratadas nos Tribunais, delegacias e pelos agentes de segurança.

Estou assistindo, no Netflix, o caso sobre Billy Milligan. Já li sobre Billy, mas a produção, com os comentários da família de Billy, as sessões psiquiátricas etc., dá uma nova visão sobre o caso. Uma das cenas que me chamou atenção foi o não acreditar de Billy nos policiais. Segundo Billy, a polícia foi até a residência da família. Billy perguntou se os policiais não fariam nada com o padrasto. "Se sua mãe apanhou de seu pai, ela é culpada", disse um dos policiais. 

Se a polícia é tida como protetora dos cidadãos, como pôde um agente de segurança proferir tais palavras? O agente apenas estava no exercício de sua função, ora criada pelo Estado e com a ideologia do Estado, sendo o Estado o reflexo da cultura.

Pela ''maioria ideológica", o Estado era o reflexo da ideologia predominante na cultura. Por questões óbvias, os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) eram também duplicações da ideologia da "maioria". Lembrando que "maioria" não quer dizer quantidade de seres humanos. Na África, os negros eram, em quantidade, maioria, enquanto os brancos a minoria. Todavia, pelo poder, seja principalmente das armas, ou conjugando armas e com a imposição de nova educação ideológica, os negros eram "minoria", isto é, sem força soberana. Também é importante frisar o eurocentrismo. 

Em psicanálise, quando alguma pessoa desafia às autoridades públicas, no processo chamado de imago, na realidade esta desafiando os pais. Autoridades dos pais e autoridades dos agentes. Ora, se Bill desafiasse autoridades não seria imago?

Pode-se concluir que os filhos "desajustados", socialmente, são reflexos de comportamentos dos pais. Claro que isso não é uma regra, mas há importância. Num outro artigo citei  Canal Livre: Massacre em Suzano - Parte 1 - YouTube. O psiquiatra forense Guido Palomba expôs causas comprometedoras no desenvolvimento da saúde mental: desnutrição, fome, comportamentos dos pais aos filhos. O que ocorreu com Billy?

O caso Amber Heard e Johnny Depp aventa várias questões sobre a mente humana, sobre comportamentos humanos, sobre a Justiça diante de casos de violência doméstica. O problema não está na Justiça, que é um mito, muito menos na Justiça impregnada pelos Direitos Humanos, contudo ideologias antidireitos humanos. A Lei Maria da Penha é consequência, queira ou não, da condenação do estado brasileiro pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos pela omissão e descaso do Estado brasileiro no caso da mulher Maria da Penha, que deu origem à Lei Maria da Penha. Descontentes com a Lei, por ideologia de objetificação do gênero feminino, podem influenciar, nas redes sociais, pessoas que não conhecem, substancialmente, os séculos de objetificações da mulher pelas culturas, pelos Estados. Ou seja, Amber Heard, por ser mulher, "é mentirosa". Johnny Depp é ator consagrado em Hollywood, no Brasil há inúmeros fãs. Bem mais famoso do que Amber, os fãs podem colocar suas emoções à frente dos fatos concretos. Há também sites a divulgar declarações de especialistas em comportamento humano como gestos, olhares etc. Da mesma forma que Deep pode ter uma defesa midiática de seus fãs, Amber também pode, e principalmente pela defesa de que as mulheres sempre foram vítimas dos homens.

A Justiça é cega, isto é, não produz provas por ela mesma. O livre convencimento do juiz, ou da juíza, não é "penso assim, e pronto", "acho que é...". O livre convencimento se baseia em evidências levadas pelo advogado, que defende o réu, e o promotor, que acusa o réu de crime. Na dúvida, in dubio pro reo na dúvida, a favor do réu.

No DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940:

Circunstâncias agravantes

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

l) em estado de embriaguez preordenada.

Circunstâncias atenuantes

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - ter o agente:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Provocada por ato injusto da vítima; sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; estado de embriaguez preordenada. Alguns fatos divulgados nos canais de streaming. se encaixam nas atenuantes agravantes. Existe um novo comportamento humano, a Cultura do Cancelamento. Com a internet garante, para quem pode comprar desktop, tablet, notebook ou smartphone, não esquecendo de poder pagar por conexão de internet, o fenômeno da Cultura do Cancelamento é uma força ideológica considerável para influenciar cancelamentos de contratos de famosos ou influenciadores digitais. Temos duas justiça, a Justiça, por meio dos Tribunais, e a justiça, por meio da Cultura do Cancelamento.

Na questão da justiça, por meio da Cultura do Cancelamento, os prejuízos são imensos. No erro judicial, a indenização:

DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941

Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 1° Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.

§ 2° A indenização não será devida:

a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;

b) se a acusação houver sido meramente privada.

Art. 631. Quando, no curso da revisão, falecer a pessoa, cuja condenação tiver de ser revista, o presidente do tribunal nomeará curador para a defesa.

Por meio da Cultura do Cancelamento, os prejuízos não são reparáveis, e a dignidade pode ficar maculada por anos, décadas, ou até a morte. As empresas não querem associar suas imagens com as (possíveis) imagens negativas, socialmente, de famosos ou influenciadores digitais. Porém a indagação que este articulista faz é:

A Cultura do Cancelamento, ainda que a ré ou o réu sejam considerados inocentes, tem fortíssima influência sobre empresas. Empresários não querem ter prejuízos. Fato! Todavia, as empresas agem conforme a ideologia dominante na cultura. Se a ideologia predominante é a defesa da mulher, provavelmente a mulher, mesma que condenada, poderá ter o contrato vigente, ou ser, após cumprimento de pena, recontratada. O mesmo para o caso de ideologia pró-homem. Notem. A dignidade humana é mitigada pela Cultura do Cancelamento. A ideia de integração social, para quem foi condenado (a), também é mitigada. A sociedade, tanto para a ressocialização quanto para a integração social, tem importantíssima influência na dignidade, respectivamente, de quem cumpre pena (ressocialização), e de quem cumpriu pena (integração social). Se não há a dignidade humana como fundamento da sociedade, quem cumpriu pena não terá condições de se inserir na sociedade seja pela própria sociedade civil ou pelos empregadores etc. Estará o ex-condenado (a) no limbo social.

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"Comparar Bruno Fernandes com o caso Amber Heard e Johnny Depp é demais!", alguns leitores podem assim pensar. Não se trata de pesar " o pior crime", trata-se de considerar a dignidade humana como vetor ideológico das democracias pós Segunda Guerra Mundial. Ou a dignidade é "um valor preenchido", ou não. Se não é "valor preenchido", pode-se mitigar, coisificar ou instrumentalizar qualquer ser humano, ou grupos de seres humanos. A ideia atual de que "bandido bom é bandido morto" considera, desde logo, os suspeitos como culpados. Não é preciso julgamentos nos Tribunais, mas é possível condenar pelos apelos do povo, ou parte do povo que seja "maioria". Também, no caso de Billy Milligan, é possível condená-lo, exemplarmente, por ser "monstro", não ser humano como se a espécie humana não fosse capaz de monstruosidades por defesas de ideologias. Das condenações pelo simples fato de (aparentar) ser culpado (a), teremos o retorno da caça às bruxas.

Se há condenar por condenar, pela simples ideologia da "maioria", casos como de Billy Milligan e Massacre de Suzano não terão participações de estudiosos da "mente humana". Também, pelo fato de "bandido bom é bandido morto", é factível o retorno de presunção de culpa da mulher quando apanha do marido e a justificativa da legítima defesa da honra, masculina. De um fato considerado crime, no qual há um negro e um branco, na vigência, como tinha, e ainda tem, nos EUA, da supremacia branca, qual "criminoso nato"? O branco ou o negro? O negro!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito do texto, em seu contexto, é alertar sobre fortíssimas consequências da Cultura do Cancelamento, do capitalismo de Alcova, pois as empresas também são responsáveis pela ressocialização e integração social, pelas decisões jurisprudenciais motivadas por ideologias dissociadas da dignidade humana. Por mais repugnante que seja um crime, ou a dignidade existe, ou não existe; não há dois pesos e duas medidas.

Claro, por mais repugnante que seja um crime depende do tipo de utilitarismo.

NOTA:

(1) BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Conheça as medidas protetivas previstas pela Lei Maria da Penha. Disponível em:  Conheça as medidas protetivas previstas pela Lei Maria da Penha - Portal CNJ

REFERÊNCIAS:

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado® / Victor Eduardo Rios Gonçalves, Alexandre Cebrian Araújo Reis. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. (Coleção esquematizado® / coordenador Pedro Lenza)

SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia / Daniel Sarmento. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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