Construções e atividades produtivas em áreas de preservação permanente

08/06/2022 às 08:07
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Desde 2012 com o início da vigência do Código Florestal, permanecem as discussões sobre demolir ou manter construções em áreas de preservação permanente (APPs), bem como se proíbe (embarga) ou permite atividade de produção nas referidas áreas.

Desde 2012 com o início da vigência do Código Florestal, permanecem as discussões sobre demolir ou manter construções em áreas de preservação permanente (APPs), bem como se proíbe (embarga) ou permite atividade de produção nas referidas áreas que podem ser beiras de rios, inclinações superiores a 45º, entornos de veredas, manguezais, chamadas pela legislação de áreas consolidadas.

Em outras palavras, as áreas consolidadas são definidas pelo Código Florestal (artigo 3º, IV) como a área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris.

Servem para solução de conflitos ou lesões a direitos, diante da transição entre as legislações ambientais de 1934 até 2012, respeitando o ato jurídico perfeito para intervenções realizadas antes de 22 de julho de 2008, conforme permissão de legislação anterior.

O sistema agrosilvipastoril, por sua vez, podem ser “associações de árvores madeiráveis ou frutíferas com animais e sua alimentação, com ou sem a presença de cultivos anuais ou perenes [...] desde plantações florestais em larga escala, onde são introduzidos animais em pastoreio, até a criação de animais como complemento para sistemas de agricultura de subsistência” (Fiorillo & Ferreira, 2013, p. 169-171).

Após muita discussão em ações judiciais sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal (ADIs 4901, 4902, 4903 e 4397), através do relator do caso, Ministro Luiz Fux, entende que área consolidada é uma situação jurídica que “tão somente estabelece critérios para uma transição razoável de regimes” e entendeu ainda que “atos regulares de supressão praticados no passado, em consonância com a legislação vigente à época, recobrem-se da estabilidade própria do ato jurídico perfeito, cujo fundamento constitucional é o princípio da segurança jurídica”.

Nas áreas de preservação permanente, onde o Código Florestal autorizou a continuidade de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008 (artigo 61-A), esta situação jurídica representa praticamente um quinto de todas as áreas hoje exploradas, com o fim de culturas tradicionais como a produção de arroz nas várzeas do Rio Grande do Sul, lavouras de café do Sul de Minas e da Zona da Mata mineira nas encostas e morros; de banana no Vale do Ribeira, em São Paulo; de maçã em Santa Catarina; e de uva, no Rio Grande ­do Sul (fonte: Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária).

No Mato Grosso em relação à área total do estado estimam-se 32% de áreas consolidadas, sendo que, deste percentual, seriam 61% de pastagem e 28% de agricultura (fonte: Instituto Centro de Vida).

Os problemas são para pequenos médios e grandes produtores, não são, portanto, benefícios concedidos a apenas um determinado grupo de produtores. Em alguns casos judiciais podemos exemplificar em fotos situações de pequenas atividades agrossilvipastoris localizadas em áreas de preservação permanente, principalmente em beiras de rios.

O Mato Grosso do Sul deu solução ainda mais eficiente para este problema e no Diário Oficial MS nº 10.054, de 19/12/2019 publicou a Deliberação Normativa CECA nº 26, de 17/12/2019 com objetivo de regulamentar o artigo 61-A do Código Florestal, definindo “atividades de ecoturismo ou turismo ecológico”.

A normativa incluiu como atividades de ecoturismo ou turismo ecológico os ranchos de lazer ou os ranchos pesqueiros, particulares ou de uso coletivo, destinados ao lazer e contemplação, por fazerem parte da cultura local que, em geral atendem aos critérios da definição de ecoturismo.

Considera que a “movimentação eventual da população em busca de seus refúgios particulares que dá vida a muitas comunidades rurais e perpetua sua gastronomia, produção artesanal, fixação do homem à aglomerações rurais e até a distribuição de riquezas com geração de emprego e renda nos comércios de beira de estrada”.

Reconhece como “eventual ou de baixo impacto para efeitos de intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente das propriedades rurais ou urbanas”, os “Ranchos pesqueiros ou ranchos de lazer, particulares ou de uso coletivo, preexistentes a 22 de julho de 2008” (inciso XV)

E também aceita a “construção de decks ou de passarelas de madeira, para acesso a cursos hídricos, com fins de evita pisoteio e processos erosivos, limitado a ocupação de no máximo 5% da área de preservação permanente” (inciso XVII).

Enfim, as áreas consolidadas legalizam uma situação que antes não era considerado como uma atividade ambientalmente ilícita e que passou a ser com a nova legislação, como por exemplo, a produção de arroz nas várzeas do Rio Grande do Sul, lavouras de café do Sul de Minas e da Zona da Mata mineira nas encostas e morros; de banana no Vale do Ribeira, em São Paulo; de maçã em Santa Catarina; e de uva, no Rio Grande ­do Sul, estas três últimas, nas APPs de morros.

O ponto central da discussão, está em comprovar se as benfeitorias e atividades estão ali presentes na APP antes ou depois de 22/07/2008 e se possui atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou turismo rural.

Mas afinal, o que são atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou turismo rural?

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Teoricamente, este conceito ficou registrado na Resolução CONAMA nº 458 de 16/07/2013, definindo atividades agrossilvipastoris como “ações realizadas em conjunto ou não relativas à agricultura, à aquicultura, à pecuária, à silvicultura e demais formas de exploração e manejo da fauna e da flora, destinadas ao uso econômico, à preservação e à conservação dos recursos naturais renováveis”.

A atividade “agrosilvipastoril”, vai muito além da simples definição entre árvores associadas com cultivos agrícolas e atividade pecuária, podendo ser exemplificada pela tabela abaixo:

Portanto, tecnicamente, os sistemas agrossilvipastoris trazem milhares de possibilidades de combinações de árvores (árvores ou outras espécies perenes lenhosas), pastagem, gado e lavoura, numa mesma área ao mesmo tempo e manejados de forma integrada, incrementando produtividade por unidade de área, criando interações em todos os sentidos e em diferentes magnitudes, capazes de gerar benefícios econômicos e ambientais para os produtores e para a sociedade, além do conforto e produção animal.

No Espírito Santo, as atividades agrossilvipastoris em áreas de preservação permanente com uso consolidado geraram divergências que acabaram por ser esclarecidas em legislação estadual, o Decreto nº 4172-R de 24/11/2017, o qual o utilizou a mesma definição de atividade agrosilvipastoril da Resolução CONAMA nº 458/2013.

O referido decreto sanou dúvidas na utilização de áreas consolidadas em APPs, possibilitando a manutenção das residências e infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, bem como a ampliação ou alteração das atividades desde que sejam “agrossilvipastoris”, obedecendo critérios técnicos de conservação de solo, água, boas práticas agronômicas e medidas de mitigação de riscos nas APPS, vedando novas conversões, desmates ou ampliações em áreas que sejam destinadas à recomposição florestal.

A Embrapa Caprinos e Ovinos (Sobral/CE), cita o exemplo da adaptação de uma tecnologia chamada pela entidade, de Sistema de Produção Agrossilvipastoril, que integra o homem do campo na caatinga com seu bioma através de um estudo de caso que divide 08 (oito) hectares em 20% para plantação, 60% para cria de animais (cabras e ovelhas) e 20% para ser reserva legal, cujo preparo da área para agricultura é feito no período seco, para que, na chuva sejam feitos roçados de milho, de feijão e de mandioca, assim como o plantio de uma leguminosa perene, para alimentar os animais no período seco.

Culturalmente, na mesma região, a informação é de que a vegetação da área seria cortada e queimada para fazer roçados, explorar por 2 anos e depois abandonar a área devido à diminuição da produtividade, passando para outra área.

Em muitos casos, os estudos apontam que sistemas agrossilvipastoris têm vantagens em relação aos sistemas convencionais de uso da terra, pois permitem coexistência de mais de uma espécie numa mesma área, melhorando a utilização da água e dos nutrientes do solo, além de recuperar a fertilidade, favorecendo ainda o controle de ervas daninhas.

Por isso reforçamos a recomendação de que é fundamental conhecer o histórico de ocupação e edificação de uma propriedade rural, seja qual for sua atividade, buscando comprovar de maneira eficiente no sistema do Cadastro Ambiental Rural, por meio de laudos históricos (análise multitemporal) as datas de construção de cada benfeitoria a atividade produtiva desenvolvida no local, evitando que a fiscalização determine embargo de áreas e demolições/remoções de benfeitorias.

Fonte: https://www.embrapa.br/contando-ciencia/cultivos/-/asset_publisher/SQBdWkKUgS0N/content/sistema-agrossilvipastoril/1355746?inheritRedirect=false

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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