Caçar javali é crime ambiental ou infração administrativa ambiental?

08/06/2022 às 08:09
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Sobre espécies exóticas ou nativas, a Instrução Normativa nº 03/2013 trata do tema da fauna exótica invasora e fauna sinantrópica nociva declarando a nocividade da espécie exótica invasora javali-europeu, de nome científico Sus scrofa.

O assunto javali eventualmente traz problemas para produtores que buscam fazer o controle de fauna exótica de maneira legalizada, em outras palavras, a caça do javali para controle populacional, com autorização, entretanto, por vezes alguns problemas de interpretação da legislação podem incriminar produtores nesta prática. Afinal, a caça de javali pode ser considerada crime? Pode ser considerada infração ambiental?

A respeito da caça, existe legislação sobre este assunto, a Lei Federal nº 5.197/1967, popularmente chamada de Lei da Caça que no seu artigo 3º diz o seguinte:

Art. 3º. É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha.

§ 1º Excetuam-se os espécimes provenientes legalizados.

§ 2º Será permitida mediante licença da autoridade competente, a apanha de ovos, lavras e filhotes que se destinem aos estabelecimentos acima referidos, bem como a destruição de animais silvestres considerados nocivos à agricultura ou à saúde pública.

Então quando falamos de crime, seja ambiental ou não, o que importa é a conduta, ou seja, a ação tomada por alguém com alguma intenção de praticar ou não um crime.

Desta maneira quando falamos na lei da caça em comércio de espécimes e produtos da fauna, temos a conduta, de comercializar, é necessário que a ação praticada seja exatamente esta.

E além da lei da caça, uma lei genérica de crimes ambientais, a conhecida Lei Federal nº 9.605/1998, dizendo no artigo 37 que não é crime o abate de animal, quando realizado nas seguintes condições:

I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família;

II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente;

III - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.

Por isso, para definir se existiu ou não um crime ambiental nesta situação é necessário que algumas perguntas sejam feitas no caso ao suposto criminoso: Para que estava caçando? Subsistência? Pretendia lucrar com essa atividade? Sabia que era javali? (fauna exótica).

E não são apenas perguntas ao suposto criminoso, mas também na investigação alguns pontos precisam ser esclarecidos pela autoridade fiscal ou investigativa: foi identificada a espécie? Javali é espécie silvestre ou exótica?

A Lei de Crimes Ambientais determina que exista uma perícia de constatação (art. 19), fixando o montante do prejuízo causado para efeitos de prestação de fiança e cálculo de multa.

Sobre espécies exóticas ou nativas, a Instrução Normativa nº 03/2013 trata do tema da fauna exótica invasora e fauna sinantrópica nociva declarando a nocividade da espécie exótica invasora javali-europeu, de nome científico Sus scrofa, em todas as suas formas, linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento com o porco doméstico, doravante denominados "javalis" (art. 1º).

Interessante que o mesmo artigo que declara a nocividade, em seu parágrafo único, alerta que a Instrução Normativa não se aplica à população de porcos ferais do Pantanal (Sus scrofa) conhecidos como porco-monteiro ou porco-do-pantanal, portanto, neste caso, poderá ser considerado crime ambiental além da infração.

Bom, falado sobre o crime. Caso ele não exista, apresentada defesa neste sentido, pode ser descaracterizado para apenas uma infração ambiental, isto se tratar-se de conduta típica, como foi pontuado anteriormente.

Para estes casos de infração ambiental, quem determina a conduta infratora é o Decreto Federal nº 6.514/2008, cujo artigo 24 orienta condutas de maneira ainda mais ampla:

Art. 24.  Matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Multa de: [...]

§ 1o  As multas serão aplicadas em dobro se a infração for praticada com finalidade de obter vantagem pecuniária.

§ 2o  Na impossibilidade de aplicação do critério de unidade por espécime para a fixação da multa, aplicar-se-á o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) por quilograma ou fração. 

Lembrando que falamos de responsabilidades distintas que podem acontecer de maneira isolada ou simultânea, já que a Constituição Federal permite a existência de um crime ambiental junto com uma infração administrativa ambiental e ainda a obrigação de reparar os danos, o que chamamos de tríplice responsabilidade ambiental.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

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