Compra e venda de imóvel rural em arroba

08/06/2022 às 08:12
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Há um receio de que, nos contratos de compra e venda fixados em gado ou arrobas, seja judicialmente interpretado como simulação de relações pecuárias para mascarar reajustes de empréstimos, chamados de vaca papel, onde a boiada, de fato, não existe.

Na praxe da compra e venda de propriedades rurais é muito comum encontrar contratos que vinculam parte dos pagamentos em arrobas de boi e produtos, é permitido por lei?

Há um receio de que, nos contratos de compra e venda fixados em gado ou arrobas, seja judicialmente interpretado como simulação de relações pecuárias para mascarar reajustes de empréstimos, chamados de vaca papel, onde a boiada, de fato, não existe.

Para ilustrar melhor a situação, exemplificamos com o trecho de uma cláusula de contrato de compra e venda com esta situação:

A questão é, se a liquidez necessariamente é aceita pelo judiciário apenas em dinheiro ou se também aceita em arrobas de gado, sendo positiva a resposta, ou seja, o contrato não perde liquidez se parte do pagamento está fixada em arrobas.

Na legislação é uma situação permitida pelo Código Civil que nos artigos 486 e 487 diz que se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar e É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação.

Esta prática torna-se muito mais interessante (ou não) para o credor, ao indexar parte do pagamento em arroba, do que em dinheiro para viabilizar melhor correção monetária, a depender da arroba na data do vencimento.

Por isso, ao executar um contrato como o que foi ilustrado anteriormente, onde foram reajustados R$ 400.000,00 em 2.940 (duas mil novecentas e quarenta) arrobas de vaca, bastaria buscar a cotação da época, que neste caso, infelizmente foi atingido por uma época de grande queda na cotação da arroba em 15/04/2020, indicada pela Scot Consultoria, em Campo Grande/MS a R$ 160,00, o que atualmente equivale a mais de R$ 260,00, totalizando uma diferença de R$ 470.400,00 para R$ 764.400,00.

Em pesquisas por entendimentos de diversos tribunais do país, para responder se a arroba é suscetível de objetiva determinação, encontramos casos julgados pelo Tribunal de Justiça Minas Gerais julgados no sentido de que arroba do boi não demanda procedimento cognitivo para apuração, podendo ser obtido mediante simples cálculos aritméticos, com utilização de quantidade e preço mínimo estabelecido pelas partes à arroba de boi na data do vencimento da obrigação.

Também é possível encontrar entendimento do Tribunal de Justiça de Rondônia afirmando que É título executivo líquido o contrato particular que converte determinado valor de prestação em arrobas de boi, cujo preço será aferido na data do vencimento. Tendo objeto determinado, e índice que capacite a realização de cálculos aritméticos para a verificação do valor da obrigação, não há que se falar em iliquidez do título.

Já o Tribunal de Justiça do Mato Grosso julgou improcedente a tentativa de nulidade de uma execução pelo devedor em caso de fixação da dívida em arroba do boi, entendendo que não há nulidade na fixação de pagamento desta forma, dizendo Não há falar em iliquidez do contrato por ausência de especificação sobre a espécie de boi a ser usado como parâmetro para calcular as arrobas de carne devidas, porquanto uma vez convertida a execução para quantia certa, e feita a apuração judicial do valor conforme permissivo legal, exequível é o contrato.

São apenas algumas reflexões da prática jurídica, sempre recomendando cautela na elaboração dos contratos.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

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