PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DA LEI MARIA DA PENHA PERANTE A LEI PACOTE ANTICRIME

21/06/2022 às 21:44
Leia nesta página:

FACULDADE ESTÁCIO DO RIO GRANDE DO SUL

Curso de Direito

PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DA LEI MARIA DA PENHA PERANTE A LEI PACOTE ANTICRIME

Leandro Conceição Ribeiro

Porto Alegre / RS

2022.1

LEANDRO CONCEIÇÃO RIBEIRO

PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DA LEI MARIA DA PENHA PERANTE A LEI PACOTE ANTICRIME

Artigo Científico Jurídico apresentado à Faculdade Estácio Rio Grande do Sul, Curso de Direito, como requisito parcial para conclusão da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso.

Orientadora: Prof.ª Me. Cristiane Dupret Filipe Pessoa

Porto Alegre / RS

2022.1

PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DA LEI MARIA DA PENHA PERANTE A LEI PACOTE ANTICRIME

Leandro Conceição Ribeiro[1]

Resumo: O presente artigo tem como objetivo, investigar a aplicabilidade da decretação da prisão preventiva pelo Juiz de ofício, frente a Lei Maria da Penha e, diante da nova Lei nº 13.964/2019 que consequentemente, altera o art. 311 do CPP da Lei do Pacote Anticrime, trazendo como viés, a proibição e a inaplicabilidade da prisão preventiva decretada pelo Juiz(a) de ofício, causando um impacto na lei de proteção à mulher. Realizado através de um estudo exploratório, investigativo, explicativo e abordagem qualitativa; fundamentando-se em análise bibliográfica. No escopo geral o artigo descreve, através de autores e documentos jurídicos, a análise da lei descrita no Pacote Anticrime e na lei Maria das Penha, características e requisitos da prisão preventiva, definindo as diferenças de entendimentos e aplicabilidade entre as duas leis, demonstrando a parte frágil da aplicabilidade da medida protetiva, demonstrando também o amparo dado as vítimas; esclarece qual das duas leis deve ser aplicada e, ao final, esclarecer quais são os resultados positivos alcançados com a decretação da prisão preventiva.

Palavras-chave: Código Penal. Lei Maria da Penha. Lei Pacote Anticrime. Prisão preventiva. Violência contra a mulher. Violência doméstica.

Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 Conceitos e requisitos da aplicabilidade da prisão preventiva; 2.2. Análise da Lei do Pacote Anticrime frente a Lei Maria da Penha; 2.2.1. As características e requisitos da prisão preventiva; 2.2.2. A parte frágil na decretação da medida protetiva; 2.3. Amparo dado à mulher vítima de violência doméstica; 2.3.1 Aplica-se a Lei Maria da Penha ou a Lei do Pacote Anticrime?; 2.3.2 Resultados positivos alcançados com a decretação da prisão preventiva; 3. Conclusão; Referências.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma proposta de estudo quanto a aplicabilidade da decretação da prisão preventiva decretada pelo juiz de ofício, frente a Lei Maria da Penha e a nova Lei do Pacote Anticrime, tendo em vista que, temos diferentes tipos de interpretações jurídicas quanto a decretação da prisão preventiva. No dia 07 de agosto de 2006 tivemos uma grande inovação legislativa no que se refere aos crimes de violência doméstica e, principalmente, aos crimes praticados contra as mulheres. Na data mencionada, o atual presidente sancionou a lei 11.340, mais conhecida como a Lei Maria da Penha em todo o Brasil, está que, em seu art. 20 determina que em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Esta que, diante da sanção da nova Lei 13.964 /2019 e da alteração em seu art. 311 CPP do Pacote Anticrime, define que, não caberá mais a aplicabilidade da prisão preventiva decretada pelo Juiz de ofício, trazendo um grande conflito entre as leis, discutindo-se a autorização ou não da aplicabilidade da prisão preventiva por Juízes, instalando e causando uma grande insegurança jurídica.

Iremos observar dois diplomas normativos que serão devidamente analisados, cabendo elegê-los qual dos dois seria o mais ideal a ser aplicado, o primeiro, diz respeito ao artigo 20 da Lei nº 11.340/06 que permite a prisão preventiva em face do agressor de ofício pelo juiz, ou seja, sem a necessidade de provocação do referido julgador. O Segundo diploma processual está relacionado quanto à impossibilidade de decretação de prisão preventiva de ofício pelo juiz, com o advento da Lei 13.964/19, que alterou o artigo 311, do Código de Processo Penal.

Assim, discorreremos neste artigo científico sobre a análise jurídico frente a aplicação da decretação da preventiva frente às duas leis. Neste diapasão, o presente artigo encontra-se dividido em sete tópicos principais: o primeiro tópico trata sobre os conceitos e requisitos da aplicabilidade da prisão preventiva; o segundo trata sobre a análise da lei do pacote anticrime frente a lei Maria da Penha; o terceiro sobre quais seriam as características e requisitos da prisão preventiva, o quarto sobre a parte frágil na decretação da medida protetiva, o quinto sobre o amparo dado à mulher vítima de violência doméstica, o sexto sobre a aplicabilidade das duas leis e por fim, traremos também sobre quais seriam os resultados positivos alcançados com a decretação da prisão preventiva.

A escolha do tema, foi por conta de ser uma realidade triste e atual, vivenciada pela grande parte da população brasileira, e de extrema importância, não somente na esfera Jurídica e Penal, como também de suma importância social em geral, já que estamos abordando um problema gravíssimo que também fere a própria liberdade e ao direito Constitucional de ir e vir. O tema também também chamou ainda mais a atenção, por ter sido abordado recentemente em duas palestras na Faculdade Estácio de Porto Alegre - RS, a primeira com a participação da Delegada de Polícia Civil Tatiana Bastos e, a segunda, pela Delegada e chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Dra Nadine Farias Anflor. Este estudo está fundamentado em uma análise bibliográfica aprofundada e procura verificar os reflexos da procedência da aplicabilidade da Lei Penal quanto a decretação da prisão preventiva pelo juiz de ofício, e sua aplicação no mundo dos fatos.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 CONCEITOS E REQUISITOS DA APLICABILIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA

De início, iremos conceituar e após, elucidar, quais são os requisitos para a decretação da prisão preventiva, de acordo com o Código de Processo Penal. A lei define que, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou até mesmo para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, materialidade e de perigo gerado pelo estado de liberdade do acusado. Sendo cabível a decretação pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. É utilizada como instrumento cautelar, preventivo e de extrema necessidade, durante a instauração de inquérito policial, ou durante o andamento da ação penal. Podendo ser aplicada antes da condenação do acusado em ação criminal, cabendo em qualquer fase da investigação policial ou do Processo Penal.

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (Redação dada pela lei número 12.403 de 04/05/2011).

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela lei número 12.403/2011). Parágrafo único.

A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (Incluído pela lei número 12.403/2011).[2]

Diante da lei vigente, nos deparamos com a total autonomia do Juiz de ofício, para a aplicabilidade da decretação da prisão preventiva, sem que haja a provocação de qualquer uma das partes. A decretação da prisão preventiva, encontra-se dentro do contexto da prisão processual, cautelar ou provisória, ocorrendo de fato antes do trânsito em julgado, isto é, quando houver a necessidade e adequação na sua decretação que nada tem a ver com a culpabilidade do acusado ou do réu, não definitivo, pois violaria o princípio Constitucional da presunção de inocência, insculpido no art. 5, LVII da Constituição Federal/88, in verbis: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. No entanto, a prisão preventiva é de modalidade cautelar no curso da ação penal, ou a requerimento ou representação a qualquer tempo, nos termos do artigo 311 CPP.[3]

Isto é, fica muito claro que, depois da vigência da nova lei do Pacote Anticrime, o juiz não pode mais decretar a prisão preventiva de ofício em hipótese alguma, sendo necessário nesse caso, requerimento ou representação para dar seguimento. Também devemos observar o que prescreve o artigo 282 do CPP, em relação aos requisitos básicos à fixação de qualquer tipo de medida cautelar. Segue:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). Desse modo, evita-se a possibilidade de fuga.

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).[4]

Considera-se adequado aquilo que encaixa perfeitamente à situação jurídica exposta, devendo-se levar em consideração a eficácia da medida. A medida deve ser dentro da proporcionalidade, para evitar o sofrimento desnecessário do acusado, mas também prejudicar a sua real finalidade que é cautelar. Devemos ter em mente que, para a aplicação da prisão cautelar, requer-se: fumus boni iuris (fumus commissi delicti) + periculum libertatis.

O fumus commissi delicti consiste na prova concreta da ocorrência do crime , isto é, a materialidade somada aos indícios de autoria. Logo, a prisão cautelar e preventiva poderá ser decretada quando a autoridade entender que, além da prova concreta da existência do crime e dos indícios de autoria, houver também a necessidade e adequação, binômio este que revela o periculum libertatis. Agora iremos abordar de forma mais aprofundada, quais são os requisitos para a decretação da prisão preventiva - fumus commissi delicti constante no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Vemos que a redação desse artigo, deixa muito claro quais seriam as finalidades e ao final os requisitos da prisão preventiva. Em primeiro lugar a garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da instrução; ou assegurar a aplicação da lei penal e, ao final do artigo, a lei descreve ainda os principais requisitos, o fumus commissi delicti, materialidade e indícios suficientes de autoria, e por fim, o fundamento, o periculum libertis, o chamado perigo gerado pelo estado de liberdade do indivíduo. Garantindo dessa forma que, a liberdade dele não comprometa a ordem pública, a ordem econômica, a instrução penal ou o cumprimento da penal, ou ainda, ameaçando, coagindo testemunhas, ou até mesmo oferecendo riscos de fugas.[5]

Devemos observar e destacar que, a prisão preventiva é um ato extremo, medida excepcional, mais extrema, gravosa e deve ser utilizada apenas em último caso, apenas se outras medidas cautelares contidas nos artigos 319 e 320 CPP forem insuficientes para a finalidade da medida, devendo pena. Geralmente a aplicabilidade da prisão preventiva é mais utilizada em casos em que, o acusado ameaça ou coloca em risco o andamento das investigações com a possibilidade de alterar, ocultar ou destruir provas necessárias e indispensáveis para o andamento do processo

ainda as previsões do artigo 282 do CPP. Cabe ressaltar ainda que, para decidir pela decretação da prisão preventiva, ainda é preciso que os elementos que constam nos autos, sejam capazes de comprovação a prática do crime, comprovação concreta de materialidade e indícios suficientes da comprovação de autoria. Portanto, trata-se de uma prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária durante as investigações ou no curso do processo penal, obedecendo rigorosamente esses requisitos.[6],[7]

Aury Lopes Júnior, diante da abordagem dessa matéria e de sua excepcionalidade e da gravidade afirma que:

É necessário que o pedido venha acompanhado de um mínimo de provas mas suficientes para demonstrar a autoria e a materialidade do delito e que a decisão judicial seja fundamentada.[8]

Portanto, como já ressaltado anteriormente, os motivos e requisitos que autorizam a prisão preventiva, não podem ser fundamentados com mera reprodução de requisitos abstratos, sob a responsabilidade de ferir princípios importantes como o da não culpabilidade e principalmente o da presunção de inocência. Devendo assim, ser sempre baseada a sua decretação em fatos concretos.

2.2 ANÁLISE DA LEI DO PACOTE ANTICRIME FRENTE A LEI MARIA DA PENHA

Fazendo a análise da Lei Maria da Penha e do novo Pacote Anticrime é nítido o conflito entre as duas leis, por conta da alteração trazida no art. 311 do Código de Processo Penal. Primeiramente, devemos analisar dois elementos normativos, o artigo 20 da Lei Maria da Penha, que autoriza a decretação da prisão preventiva em face do agressor pelo juiz de ofício, sem a necessidade de provocação do julgador. Já o segundo, com advento do Pacote Anticrime, lei 12.964/2019 que alterou o artigo 311 do CPP, coloca em destaque a impossibilidade da decretação da prisão preventiva pelo juiz de ofício. Deixando a todos uma grande dúvida e causando uma grande insegurança jurídica, afinal, aplica-se a lei Maria da Penha ou a nova lei do novo Pacote Anticrime? Fica a dúvida, o juiz poderá deixar de aplicar a prisão preventiva argumentando que a nova lei do Pacote Anticrime revogou as normas da possibilidade de decretação ou, aplicará a prisão preventiva de ofício em face do agressor com base na lei Maria da Penha? Fica claro que, diante da premissa exposta pela Suprema Corte- STF, a aplicação do art. 311 do CPP seria mais viável, trazendo segurança jurídica, deixando-se de aplicar o art 20 da Lei Maria da Penha, mas, isso não significaria que a vítima ficaria ainda mais suscetível a violência. Entende-se que, nos casos de violência doméstica, o tempo é inimigo do próprio tempo, e cada minuto pode ser crucial para a vida da vítima que encontra-se sob situações críticas, ameaças, agressões físicas e psicológicas e, por muitas vezes, por aquele que divide o mesmo teto. É base de seu sustento e também de seus filhos.[9]

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2.2.1 As características e requisitos da prisão preventiva

Lembrando que, o nosso objetivo primordial é precípuo, é a análise das alterações ocorridas no instituto da prisão preventiva com advento da lei 13.964/2019 frente a lei Maria da Penha, causando alteração na decretação da prisão preventiva, decretada pelo juiz de ofício. Entretanto, não há o que se discutir no que diz respeito às utilidades que algumas das modificações trouxeram na nova lei do Pacote Anticrime para coibir e punir a criminalidade e algumas ações arbitrárias praticadas por aqueles que detém algum tipo de poder. Como já vimos anteriormente, antes da Lei 13.964/2019 do Pacote Anticrime, a legislação e a própria jurisprudência entendia que o juiz, após receber o auto da prisão em flagrante, poderia converter a prisão em flagrante por prisão preventiva. Conclusão baseada na especificação do Art 310, II, do CPP, o qual sofreu alteração diante da vigência da nova Lei 13.964/2019, não podendo mais o juiz de ofício, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva sem provocação do Ministério Público, da polícia, do assistente ou do querelante, mesmo nas situações em que não é realizada a audiência de custódia. Esse entendimento foi fixado pela grande maioria dos votos da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça ao conceder habeas corpus a um homem preso em flagrante delito sob acusação de tráfico de drogas. Na decisão mencionada, o colegiado entendeu e consideraram que, seria ilegal a conversão de prisão em flagrante em prisão preventiva, também entendendo que havia sido ilegal a obtenção das provas, devido a forma ilegal utilizada pelos policiais para ingressarem a residência do suspeito.

Segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, o art 282, parágrafo 2º, do CPP- na redação exposta pelo Pacote Anticrime altera e limita as condições da aplicabilidade da decretação da prisão preventiva, como a requerimento das partes ou, durante a investigação, à representação da autoridade policial ou a pedido do Ministério Público.[10]

Sobre a modificação trazida pela lei, Márcio André Lopes Cavalcante destaca que: não é mais possível que o juiz, de ofício, decretar a prisão preventiva; vale ressaltar no entanto, que, se logo depois de decretar, a autoridade policial ou o MP requererem a prisão, o vício de ilegalidade que maculava a custódia é suprido.[11]

Razão da inexistência de uma ação cautelar autônoma no processo penal, já se naturalizou o desenvolvimento de instrumentos hábeis para elidir questões urgentes e incidentais, de modo que as medidas cautelares foram constituídas com o fim de solucionar tais urgências no curso do processo ou no procedimento pré-processual. Aury Lopes Junior refere que as medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e, como consequência, a eficaz aplicação do poder de pena. São medidas destinadas à tutela do processo.[12]

Para início de discussão, convém conceituar o que se compreende por prisão preventiva. Guilherme de Souza Nucci afirma que se trata de [...] uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei. Assim, depreende-se que a prisão preventiva pode limitar a autodeterminação do imputado em detrimento da premência processual, desde que observadas as regras legais.[13]

Nas palavras de Renato Marcão:

A prisão preventiva é modalidade de prisão cautelar de natureza processual que decorre de decisão judicial, podendo ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, e mesmo no momento da decisão de pronúncia ou da sentença penal condenatória, desde que presentes os requisitos legais.[14]

Embora possa ser decretada em todas as fases processuais e investigativas, a prisão preventiva, enquanto medida cautelar, tem natureza meramente processual vinculada à necessidade de adequação legal. Não obstante, no que diz respeito à legitimação da custódia cautelar, Paulo Rangel pondera ao referir que "a prisão preventiva é uma modalidade de prisão preventiva, como o próprio nome já especifica, prisão cautelar de natureza processual e que deve sempre e unicamente ser decretada pelo juiz, característica da jurisdicionalidade''.[15] Portanto, destaca que, trata-se de uma espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária durante as investigações ou no curso do processo penal, quando presente a existência do crime e indício de autoria ou participação - e periculum libertatis para garantir a ordem pública ou a ordem econômica ou a conveniência da instrução criminal ou aplicação da lei penal.

Ainda deverão estar preenchidos os requisitos previstos no art. 313 do Código de Processo Penal para poder se falar em legalidade da decretação da prisão preventiva:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto Lei prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).[16]

Devemos observar que a falta de entendimento, interpretação, argumentação e fundamentação idônea na decretação da prisão preventiva acerca do periculum libertis pode gerar grandes problemas na aplicação correta na jurisdição. Como também exposto anteriormente, a alusão genérica, a comoção social ou o clamor público não constituem fundamentação legal, idônea e convincente a autorizar a decretação da prisão preventiva.

Entendendo que, o Art. 20 da Lei de proteção à mulher detém um significado presuntivo e também ideológico ao proteger a mulher, poderia assim dizermos que, estaria cumprida e superada a norma processual penal, cabendo a Lei Maria da Penha ser aplicada em sua integralidade em decorrência do princípio da especialidade, estando a frente da aplicação do art. 311, CPP, alterado pela lei do Pacote Anticrime.[17]

Rodrigo Capez, Juiz auxiliar no Supremo Tribunal federal, explica que no processo penal, não existe o poder geral de cautela, definindo que não é possível a existência de uma ação cautelar visto que as ações penais se limitam à cognitivas e executivas, de modo que todas as medidas incidentais ou até mesmo pré-processuais não têm o condão de gerar uma ação autônoma.[18]

Os requisitos básicos e legais da decretação da prisão preventiva estão descritos nos artigos 312 e seguintes do Código de Processo Penal que estabelece:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.[19]

Dessa forma, além da materialidade e indícios suficientes de autoria, também teremos como requisitos, a garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, e a garantia para assegurar a aplicação da lei penal.

2.2.2 A parte frágil na decretação da medida protetiva

Uma vez decretada a medida protetiva, assegurada pela Lei Maria da Penha, supõe-se que, supostamente a vítima de agressões, ameaças e violência doméstica estaria segura e protegida, no entanto, iremos destacar a parte frágil na decretação da medida protetiva, uma vez que, a mesma carece de acompanhamentos e vistoria periódica a decretação. Não são raros os casos em que, as querelantes e beneficiárias da medida protetiva se tornaram vítimas fatais, mesmo estando sob essa proteção. Não são raros os casos de descumprimento das medidas protetivas de urgência, vindo o acusado a prática de mais um crime, fato típico, descrito no artigo 359 do Código Penal versus crime de desobediência.[20] Apesar da Lei Maria da Penha estar há mais de 10 anos auxiliando na proteção das mulheres, vítimas de violência doméstica e na punibilidade de seus agressores, ainda é muito grande o número de casos em que as mulheres, por falhas na administração dos passos elencados pela Lei, acabam por ter suas vidas mais desprotegidas em todo o País.

Dentre algumas das falhas na aplicação da Lei Maria da Penha, tem-se que o Estado peca no acompanhamento, na fiscalização e conscientização dos agressores e disponibilização de lugares realmente sigilosos e seguros que possam abrigar as vítimas que estão correndo risco de vida. Também há uma grande demora na decretação e para que as medidas protetivas sejam emitidas, fato este que gera medo, preocupação e insegurança, podendo agravar ainda mais a situação da denunciante.

Uma parcela da sociedade até podem entender que a Lei Maria da Penha tem baixa efetividade, devido a apoucada procura por parte das vítimas. Entanto, a reflexão e o questionamento que fica seria: Se essas falhas realmente fossem corrigidas pelo Estado, qual seria a atitude das vítimas frente a esse tipo de violência? Será que o grau de confiança no Estado seria realmente o elemento que precisa ser corrigido, ou seria também a falta de conscientização?

O que pode-se afirmar é que a pequena procura e também a baixa efetividade de denúncias, pode estar relacionada a falta de confiança dos agredidos quanto à proteção efetiva fornecida pelo Estado. Se o Estado fortalecesse de forma concreta os meios necessários para a real e efetiva defesa dos demais direitos dessas vítimas, talvez as estatísticas poderiam ser resumidas. O grande medo de represálias por parte dos agressores, da família e até mesmo da própria sociedade, deve ser alvo de preocupação, pois a Lei não tem como ser efetiva se o Estado fraqueja na administração dos passos elencados pela lei.

Todavia apesar das falhas e dos problemas ainda existentes na aplicação da Lei Maria da Penha e das mudanças que lhes são necessárias, é fato indiscutível que a sua existência é essencial, tendo se transformado em um grande elemento na busca pela diminuição da violência e, consequentemente, na preservação de vidas, haja vista que esta última é o bem jurídico mais relevante de todos, não cabendo à sociedade e ao Estado, o silêncio.

Em razão disso, foi promulgada a Lei nº 13.641/18, que tem como objetivo introduzir um novo crime no ordenamento, que tipifica a conduta daquele que descumpre medida protetiva de urgência, nos seguintes termos:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.[21]

2.3 AMPARO DADO À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Primeiramente, iremos discorrer sobre os Centros Especializados de atendimento as mulheres, os chamados espaços de acolhimento e atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico para quem se encontra em situação de violência doméstica, que deve proporcionar atendimento e o acolhimento necessários à superação da situação de violência, contribuindo para o fortalecimento e o resgate de sua cidadania. Dando também destaque às casas de abrigo que, são locais que oferecem moradia protegida e atendimento integral. É um serviço de caráter temporário, ao qual as usuárias permanecem por um período determinado, durante o qual deverão reunir condições necessárias para retomar o curso normal de suas rotinas. Possuindo também casas de acolhimento provisório, que constituem serviços de abrigamento temporário de curta duração de até 15 dias, para mulheres em situação de violência, acompanhadas ou não de seus filhos, que não correm risco iminente de morte. As vítimas também contam com atendimento em Delegacias Especializadas de Atendimento que são unidades especializadas da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de violência. Além do Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher nas Delegacias Comuns.[22]

As Defensorias da Mulher têm a finalidade de dar assistência jurídica, orientar e encaminhar as mulheres em situação de violência.

2.3.1 Aplica-se a lei Maria da Penha ou a Lei do Pacote Anticrime?

Dentro de uma análise crítica e bastante detalhada, observamos que, estamos diante de duas normas totalmente distintas e que, uma pode vir a complementar as outra. Alguns entendem que nada impossibilitaria a aplicação do Pacote Anticrime, art. 311 do CPP, uma vez que, em casos especiais, posteriormente poderia ser decretada a aplicação do art. 20 da Lei nº 11.340/2006, Maria da Penha. Seguindo esse raciocínio prevalecerá a aplicação do art. 311 CPP, com exceção da aplicabilidade do art. 20 da Lei Maria da Penha, tendo em vista que, comparada ao art. 211 do CPP, trata-se de uma lei especial, conforme descrito no art. 12 CP. Também leva-se em conta quando comprometida a efetividade das medidas cautelares diversas da prisão, previstas nos Artigos 319 e 313, inciso III do CPP, como também no artigo 12-C, Inciso 2º da lei 11.349/2006. Porém, entende-se que, em casos específicos de violência contra a mulher, seja aplicada a Lei Maria da Penha, para fins de precaução emergencial, preventiva, cautelar, já que estamos diante de casos e de lei especial.[23]

Mesmo na vigência do antigo artigo 311 do CPP, a doutrina já divergia quanto à possibilidade de decreto de prisão preventiva em sede inquisitorial de violência doméstica. Agora, com mais razão ainda, não é possível tratar o artigo 20 da lei maria da penha como uma exceção, mas sim, como contrariedade ao disposto em uma norma geral, prevista no artigo 311 do CPP. Logo, concordamos com Sanches ao indicar a prevalência do artigo 311 do CPP.[24]

Conforme o artigo 12 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940:

Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).[25]

2.3.2 Resultados positivos alcançados com a decretação da prisão preventiva

Garantir a ordem pública e a ordem econômica em suma, impedir que o réu, solto, continue a praticar crimes contra essas ordens, causando danos irreversíveis à sociedade;

Conveniência da instrução penal evitar que o réu aja de forma a atrapalhar o processo ou a investigação, como ameaçar possíveis testemunhas, destruir provas, etc;

Assegurar a aplicação da lei penal este requisito é o que mais tem a ver com o próprio nome da prisão, pois é a prevenção de que o réu não fuja ou de que a Justiça seja impossibilitada, de alguma maneira, de aplicar a sentença que lhe foi dada.

3 CONCLUSÃO

Atualmente, a prisão preventiva depende do requerimento do MP, do querelante, do assistente ou de representação do Delegado de Polícia. Observa-se que, com o advento do Pacote Anticrime não houve nenhuma alteração em prisões decorrentes de violência doméstica ou até mesmo especificando contra as mulheres. Colocando o artigo 20 da Lei Maria da Penha frente ao artigo 311 do Código de Processo Penal entendendo que a incidência detém um significado ideológico e presuntivo ao proteger a mulher, conforme disposto na norma material, poderíamos assim dizermos que, estaríamos cumprindo e superando a norma processual penal, aplicando a lei Maria da Penha em sua total integridade em decorrência do princípio da especialidade, podendo o juiz decretar a prisão preventiva de ofício exclusivo aos casos de crimes de violência doméstica. Nesses casos especiais, aplica-se a lei de proteção à mulher.

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos das penas. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf. Acesso em: 14 abr. 2022.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva. 2010.

BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Diário Oficial da União, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 abr. 2022.

BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre a parte geral da aplicação da Lei Penal. Brasília: Diário Oficial da União, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 17 abr. 2022.

BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Diário Oficial da União, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2022.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 13.964/2019, de 24 de novembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Brasília: Diário Oficial da União, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em: 12 abr. 2022.

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Sobre o autor
Leandro Conceição Ribeiro

Profissional da área investigativa desde o ano 2000, formado pela Central Única Federal dos Detetives do Brasil. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio do Rio Grande do Sul. Pós- graduado em Direito Penal e Processual Penal pela FMP- Fundação Escola Superior do Ministério Público -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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