O tortuoso Processo Penal brasileiro

01/07/2022 às 09:14
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O atual e obsoleto processo penal brasileiro, surgiu em meio a segunda guerra mundial, criado por Getúlio Vargas no Estado Novo em 1941.

De início, é importante salientar que o processo penal é deflagrado quando há conflito entre indivíduo e a legislação material penal que se amolda a conduta típica praticada (artigo 1º, do CP).

Deste modo, noticiada em tese a prática de infração penal, instaura-se inquérito policial para apuração dos fatos que decorrem do suposto flagrante delito, ou de portaria. A autoridade policial não pode arquivar a peça inquisitiva por força do artigo 17, do CPP.

O inquérito policial deve ser concluído em 10 dias caso esteja o averiguado preso, ou quando solto, em 30 dias (artigo 10, CPP).

Concluída a peça vestibular policial, indiciado ou não o averiguado, é encaminhada ao juiz competente - DIPO (art. 10, § 1º, CPP), que por sua vez, após deliberação, encaminha os autos ao representante do Parquet para proceder a denúncia ou pedir o arquivamento do feito.

Neste ponto, chamamos a atenção para o engano, para o equívoco, ou segundo o saudoso Francesco Carnelutti para a miséria do processo penal, que infelizmente o sistema acusatório processual adotado pela legislação pátria vigente vem tornando-se gradualmente inquisitorial, uma vez que leva o indivíduo do céu ao inferno em fração de minutos, maculando toda sua história de vida construída ao longo de anos, isso por conta do princípio in dubio pro societate.

Em apertada síntese, o princípio do in dubio pro societate utilizado no processo penal, denota que, havendo mínimas dúvidas quanto a autoria ou a participação do agente em suposto evento delituoso, legitima o promotor de justiça para oferecimento de denúncia, e na maioria das vezes seu recebimento pelo magistrado, já que na dúvida resolve-se a favor da sociedade, e assim é deflagrada ação penal. 

O Juízo criminal, sem qualquer critério processual útil que possa impedir a instauração do processo penal, ou que impeça a mantença do indivíduo no cárcere, converte a prisão em flagrante em preventiva (310, II, CPP), e a posteriori recebe a denúncia do Ministério Público (art. 396, do CPP) de forma automática; a partir daí, inicia-se o pesadelo do acusado: portas de emprego se fecham, amizades duradouras se findam, relacionamentos conjugais são derribados etc. Há uma verdadeira devastação pública gratuita na vida daquele, que, ao final, será absolvido por insuficiência probatória (art. 386, VII, do CPP).   

Diga-se, ainda, que grande parte dos magistrados suportam a síndrome de Dom Casmurro, conduzindo processo da maneira que lhes convém, protagonizando-o, trazendo prejuízos irreparáveis à vida do processado.

Lado outro, os princípios constitucionais da presunção de não culpabilidade (art. 5º, Inc. LVII, da CF), da dignidade da pessoa humana (art. 1º, Inc. III, da CF), pilares do Estado de Direito; a inépcia da denúncia e ausência de justa causa (art. 395, inc. I e III, do CPP); são instrumentos hábeis para o juiz impedir a persecução penal, analisando o caso concreto, que restará vencida a Justiça Pública ao final da lide criminal, contudo, não o faz, aplicando-se o princípio in dubio pro societate em detrimento do acusado.    

Com efeito, na prática, os citados institutos, não são aplicados, prevalecendo sempre o princípio do in dubio pro societate, sendo certo que o Poder Judiciário acumula ano a ano processos inúteis, vez que não outro desfecho senão o de absolvição, decorrendo daí um verdadeiro desperdício de tempo, trabalho, e de verba pública.

Basta para o juízo criminal, sucinta (uma lauda) narrativa fática da denúncia pelo membro ministerial (art. 41, do CPP), arroladas testemunhas parciais (milicianos), para o recebimento da peça acusatória, e a explosão do processo penal.  

Entrelaçada a denúncia do Parquet, e seu recebimento pelo Poder Judiciário, está a defesa preliminar, peça processual meramente decorativa, sem qualquer relevância sob a ótica da judicatura, que na maioria dos casos é rechaçada pelo magistrado sem a devida leitura e análise de preliminares de mérito, prevalecendo-se o in dubio pro societate.

Destarte, temos, pois, que a cada dia, o sistema processual penal vem tornando-se inquisitorial, e desta forma, o Ministério Público terá que provar menos para a deflagração da ação penal, e o acusado terá cada vez mais que provar sua inocência, invertendo-se o ônus probatório, findando-se as garantias e defesas constitucionais do acusado, considerando-o realmente inimigo do Estado.                                           

Sobre o autor
Fernando Motta Pereira

Pós-Graduado em Direito Processual pela PUC/MG; Mestrando em Criminologia na UCES Buenos Aires/AR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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