AS RELAÇÕES DO AFEGANISTÃO E COMUNIDADE INTERNACIONAL
O Emirado Islâmico do Afeganistão[40] quer uma relação boa e diplomática com a Sociedade Internacional, notadamente, com os norte-americanos", afirmou o principal porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid. “Nós deixamos claro a todos os invasores que, quem olhar para o Afeganistão com maldade nos olhos, sofrerá o mesmo destino que os norte-americanos enfrentaram", declarou Mujahid, ao lado de milicianos com as bandeiras brancas do Talibã. "Jamais nos rendemos diante de pressão ou da força, e nossa Nação sempre buscou a liberdade."
Possivelmente, por trás da retórica moderada, há um objetivo claro: obter reconhecimento internacional do Governo Talibã, e ajudar a liberar linhas internacionais de crédito, e uma delas, do Fundo Monetário Internacional - FMI, que previa o envio de US$ 500 milhões, pouco antes de ser cortada, da chegada ao poder em 30/08/2021. Os EUA também bloquearam o acesso às reservas do Banco Central afegão no exterior, estimadas em US$ 9,4 bilhões.
Todavia, as denúncias supostamente, contradizem o discurso de moderação adotado pelo Talibã desde sua volta ao poder, que inclui uma sociedade integrada e a permissão para que mulheres possam trabalhar fora e estudar, algo que fora vetado durante o primeiro regime do Grupo, entre 1996 e 2001. Por enquanto, a maior parte das Nações, incluindo os EUA, preferem esperar e julgar o Talibã pelos seus atos futuros.
Sem mencionar o Talibã, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, alertou sobre uma possível catástrofe humanitária no país, e defendeu novas linhas de financiamento para ações de apoio à população local. Em comunicado, Guterres mencionou a "ameaça de um colapso total dos serviços básicos", e pediu que os países da ONU, apoiem mecanismos de financiamento com urgência. O Secretário-Geral da ONU defendeu ainda que "todas as partes" facilitem o acesso de ajuda humanitária, recordando que um em cada três afegãos "não sabe de onde virá sua próxima refeição", e que precisam da solidariedade da comunidade internacional.
CATAR E TURQUIA. OS DOIS PAÍSES QUE OFERECEM A TÁBUA DE SALVAÇÃO AO TALEBÃ.
As potências mundiais estão agora lutando para exercer influência, no retorno do Grupo radical ao poder e a instituição do Emirado Islâmico do Afeganistão, e, no processo, 2 (duas) Nações do mundo árabe e muçulmano, emergiram como mediadores e facilitadores: o Catar e a Turquia[41].
O Catar. O Catar Monarquia absoluta governada pelo Emir Tamim bin Hamad Al Thani. O Catar é um país peninsular árabe cuja paisagem abrange um deserto árido e um longo litoral no Golfo Pérsico (Árabe) repleto de praias e dunas. Também na costa, fica a capital Doha, conhecida pelos arranha-céus futuristas e pela arquitetura ultramoderna inspirada no antigo design islâmico, com exemplos como o Museu de Arte Islâmica, feito de calcário e localizado no calçadão à beira-mar da cidade, chamado de Corniche (O Corniche de Doha, é um passeio marítimo que se estende por sete quilômetros ao longo da Baía de Doha, na capital do Catar) Atividade principal, é o petróleo. Catar: População 2,88 milhões de pessoas. PIB: US$ 183,807 bilhões, e renda per capita de US$ 66.206.
As autoridades do Catar, pequeno país rico em gás, no Golfo, forneceu ajuda para os países que estão tentando sair do Afeganistão. Ninguém foi capaz de realizar um grande processo de evacuação do Afeganistão, sem o envolvimento de apoio do Catar. Mas, talvez, construir uma ponte com o Talebã, ainda pode conter riscos para o futuro, incluindo a capacidade de agravar os conflitos no Oriente Médio. O Catar continua a ser um mediador confiável neste conflito. Aguarda-se a evolução dos acontecimentos e os bons propósitos do Catar.
A Turquia. A República da Turquia, é unitária e Presidencialista, cujo Presidente é Recep Tayyip Endorgan, e é uma Nação euroasiática, que se estende do Leste da Europa ao Oeste da Ásia e mantém conexões culturais com os antigos Impérios Grego, Persa, Romano, Bizantino e Otomano. A cosmopolita Istambul, no Estreito de Bósforo, abriga a famosa Basílica de Santa Sofia, com sua cúpula elevada e seus mosaicos cristãos, a enorme Mesquita Azul, do Século XVII, e o Palácio de Topkapı, datado aproximadamente de 1460, uma antiga residência de Sultões. Ankara é a capital moderna da Turquia: População: 75.627.384 de pessoas. PIB US$ 788 bilhões e renda per capita de US$ 10.530.
Diga-se, a Turquia e o Catar estão mais próximos dos movimentos islâmicos da região, o que, frequentemente, cria tensão com potências como Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, que veem esses grupos como uma ameaça. A Turquia, que tem fortes laços históricos e étnicos com o Afeganistão, está presente na região com tropas não combatentes, pois, o país, é o único membro de maioria muçulmana da aliança da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O Professor Ahmet Kasim Han[42] , especialista em relações afegãs da Universidade Altinbas de Istambul, acredita que lidar com o Talebã oferece uma oportunidade ao Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
Por enquanto, com uma situação profundamente incerta para o povo do Afeganistão, em termos de Relações Internacionais, o Catar e a Turquia são os dois países que, a rigor, oferecem 'tábua de salvação' ao Talebã, pois estão entre aqueles que falam e dialogam com o Governo do Talebã. Entretanto, não se pode perder de vista que, China e Rússia, que integram o Conselho de segurança da ONU, que por questões territoriais e geopolíticas, também competem por um acesso futuro à Cabul.
O ORIENTE E O OCIDENTE
Após proferir a palestra “Nova Ordem e a Crise do Direito Internacional” realizada em São Paulo, a convite da Editora Lex, o Prof. Francisco Rezek, concedeu entrevista, que foi publicada na Revista “Integração Econômica”, nº. 07, Ed. abril/maio/junho/2004, em que falou sobre a experiência na Corte Internacional de Justiça (CIJ), que sucintamente destacamos. Francisco Rezek foi eleito como Juiz, pelo Conselho de Segurança (CS) da ONU e pela Assembleia Geral das Nações Unidas para um mandato de nove anos (1998-2006)[43] na CIJ. O Prof. Rezek, gentilmente, elaborou o Prefácio de nosso Livro, Soberania - O Quarto Poder do Estado[44] .
Na visão do Prof. Rezek, o quadro atual começa a tomar forma com o fim da bipolaridade entre os EUA e União Soviética. A partir dos anos 1990, impôs-se que todas as teses do Ocidente estavam certas. O mais elevado preço desse quadro é o sacrifício do Direito Internacional, que passou de contraste ideológico para a afirmação da negação do Direito, com o deslumbramento em relação ao pensamento de que o Ocidente triunfou. O valor do trabalho desenvolvido pela Corte Internacional de Justiça é incalculável.
O Prof. Niall Ferguson, historiador escocês, que leciona História na Universidade de Harvard, é um pesquisador na Universidade de Oxford, escreveu a obra Civilização: Ocidente X Oriente[45] , onde analisa as dimensões históricas, ideológicas e culturais, que envolvem os povos desse dois extremos do Planeta. Elabora um panorama e afirma que em 1411, se você desse uma volta ao redor do mundo, ficaria impressionado com as civilizações do Oriente. A China, da dinastia Ming, estava em pleno desenvolvimento. No Oriente Médio, os Otomanos, estavam se aproximando de Constantinopla, que seria tomada em 1453. A Europa Ocidental, era composta de Estados miseráveis, como Inglaterra, França, Portugal, assolados pela peste, por péssimas condições sanitárias e por guerras intermináveis.
Quanto à América do Norte, era uma selvageria anárquica em comparação com os Reinos Astecas, Maias e Incas, nas Américas Central e do Sul. Quando terminasse sua volta ao mundo, a noção de que o Ocidente dominaria o restante pareceria bem fantasiosa. No entanto, foi exatamente isso o que aconteceu. O que fez que a civilização europeia sobrepujasse os Impérios do Oriente? Conforme, o Prof. Niall Ferguson, tudo se deve a seis incríveis “aplicativos” que o Ocidente desenvolveu e que ninguém mais tinha: a competição, a ciência, o direito de propriedade, a medicina, o consumo e a ética do trabalho.
Por fim, o Prof. Ferguson pergunta, se o Ocidente continua tendo condições de dominar o mundo hoje, da mesma forma que sempre fez, ou se, na verdade, estaria indo rumo à decadência e à queda? E, acrescentamos, ou será que o Oriente, integrados por países de multipropósitos ideológicos, étnicos e multiculturais, com etnias multiculturais, encontrou o caminho da tecnologia e do desenvolvimento tecnológico, para estabelecer novos firmamentos e prosperidade econômica e de desenvolvimento humano, de seus povos? A conferir!
Paradoxalmente, hoje, entre os opostos se evidenciam no Ocidente, os EUA, capitaneado por uma ideologia capitalista, e um PIB de 20 trilhões de dólares norte-americanos, e no Oriente, a China, capitaneada por ideologia socialista de mercado, e um PIB de 18 trilhões de dólares norte-americanos, protagonistas que são, respectivamente, como primeira e segunda maiores economias do mundo. Questiona-se, de quem será o triunfo, do Ocidente ou do Oriente?
Talvez, o tempo, nas suas dimensões de passado, presente e futuro, possa responder, ao pensamento de que, a quem caberá o triunfo, se, ao Ocidente ou se, ao Oriente, entre os pontos extremos do Planeta.
CONCLUSÃO
O Afeganistão já foi cenário de muitas campanhas militares, desde a Antiguidade, protagonizadas por Alexandre, o Grande (356 a.C - 323 a.C); Chandragupta Máuria (340 a.C-298 a.C); Gengis Khan (1162-1227); Grã-Bretanha/Índia (1832-1842; 1878-1880; e 1919); União Soviética (1979-1989), e, pelos Estados Unidos (2021-2021). Assim, não obstante todos os esforços empreendidos pelos norte-americanos, para vencer o conflito, tal intento, não se consolidou na sua plenitude, embora, em 02 de maio de 2011, os EUA, anunciavam a morte do terrorista Osama Bin Laden, ex-líder da Al Quaeda, um dos objetivos da invasão ao Afeganistão. O outro objetivo, era destituir o Grupo Talibã do poder, que foi conseguido, por um período (2001-2021), mas que, retornaram em 30/08/2021. Essa invasão teve elevados custos,
Um objetivo crucial do fundamentalismo islâmico, definido pelo Ocidente, é a tomada de controle do Estado, de forma à implementar o Sistema Islamista, ou seja, que abriga e coordena todos os aspectos sociais de uma Sociedade através da Sharia Islâmica. Sim, o problema é saber como o Talibã, que, assumiu o poder em 30/08/2021, interpretará e aplicará a Lei da Sharia junto ao povo do Afeganistão, e, com qual intensidade, se igual ao período de 1996-2001, ou se será mais branda, a partir de 2021, e claro, como repeitará os direitos humanos e os elevados critérios de Justiça, junto à sociedade afegã.
Diga-se, a Lei, como instrumento jurídico, pode ser vista como um caleidoscópio, que pode ensejar interpretações diversas, dependendo do prisma em que ela é visualizada, cabendo, assim, ao intérprete, a difícil missão, de compreender e aplicar a norma, de forma correta, socorrendo-se, para tanto, da Hermenêutica Jurídica, que é a Teoria Científica da arte de interpretar.
Sim, a Lei, é toda Norma geral e abstrata, emanada pelo Poder Competente. Porque se deve cumprir as Leis? Em síntese, porque as leis, são normas de conduta que fixam limites, favorecem a ordem social, protegem o cidadão, estabelecem sanções e penalidades e temos medo das consequências, e, assim, cada um sabe de suas motivações ao cumprir ou descumprir as leis do Estado!
Entretanto, vale a advertência de São Tomás de Aquino, sobre a Lei, citada em O Progressismo[46], de que todo o homem é dotado de livre-arbítrio, orientado pela consciência, e a Lei Positiva, é a Lei feita pelo homem, de modo a possibilitar uma vida em sociedade, mas, esta, a Lei Positiva, subordina-se à Lei Natural, não podendo contrariá-la sob pena de se tornar uma lei injusta; não há a obrigação de obedecer a lei injusta, pois, este é o fundamento objetivo e racional, da verdadeira objeção da consciência do homem.
Reconhece-se que, ao longo da história, o Direito, em especial, do Direito Internacional, e a Lei (Maior), a Constituição, em todas as suas dimensões jurídicas, não lograram êxito para evitar, por exemplo, a política e os conflitos de grandes guerras, inclusive religiosas, secas, inundações, aquecimento global, fome, miséria, pobreza, pandemias, analfabetismo (digital), corrupção de pessoas e governantes, roubos e assaltos, cibercrimes e ciberterrorismo, fake news (notícias falsas) desemprego, crises econômicas, sanitárias e éticas, refugiados, discriminação racial, desigualdade de renda, falta de oportunidades e de bem-estar, segurança e paz, e, muitas vezes, o Direito e a Lei (Maior), tiveram outros propósitos, e, serviram de manto de legalidade, para imposição da tirania, da truculência, do autoritarismo, para a destruição, para a subsunção e a para escravidão de Povos e Nações, na obtenção de conquistas de bens materiais e valores, de novas terras, ou como mera satisfação e demonstração do Poder, da soberba e da tirania de um Governante, e o maior exemplo, foi a ocorrência do holocausto, praticado em relação ao povo judeu, por Adolf Hitler, durante a II Guerra Mundial.
Assim, depreende-se, o Direito e Lei não são perfeitos, e nem sempre podem ser a tábua de salvação social, mas, “a sociedade sem o Direito não resistiria, seria anárquica, teria seu fim, pois, o Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade”[47] , vale dizer, ubi societas, ibi jus (Onde houver a Sociedade, ai haverá o Direito).
Todavia, sem esmorecer, sem desistir, sem deixar de acreditar, sem deixar de sonhar, pensamos e convencemo-nos que o Direito, em especial o Direito Internacional, e a Lei (Maior), em todas as suas dimensões jurídicas, tiveram e tem, em todos os tempos da humanidade, os maiores e os mais elevados propósitos, e, com a finalidade maior, de harmonizar os conceitos, princípios e regras legais, para a evolução de uma Sociedade Global, livre, justa e solidária, mais humana e mais fraterna, consolidada numa Ordem Jurídica, de modo a alcançar a Justiça e a Paz Social, como maior aspiração do homem, e reinar entre todos os Povos e Nações, em Monarquias ou Repúblicas, para o fortalecimento da democracia e o progresso da humanidade.
Diga-se, muitas vezes, não sentimos, não pensamos, não percebemos, e até mesmo, não acreditamos, mas, o Direito e a Lei, estão, efetivamente, comandando a vida das pessoas e entidades, estabelecendo limites, permissões, direitos e obrigações, sanções e penalidades, para serem cumpridas em escala global, seja no Mundo real ou no Mundo virtual.
Assim, acreditamos que o propósito de deste Artigo, foi fazer uma breve análise sobre o Afeganistão, em especial do seu Sistema Jurídico Mulçumano vigente, que é a Lei da Sharia, em face da tomada do poder pelo Talibã, em 30/08/2021, e neste sentido, o discurso de moderação adotado pelo Talibã desde sua volta ao poder, que inclui uma sociedade integrada e a permissão para que mulheres possam trabalhar fora e estudar, algo vetado durante o primeiro regime do grupo, entre 1996 e 2001, e também, uma análise das suas Relações Internacionais, diante do mundo que agora experimenta o fenômeno econômico e social, da Globalização.
Por enquanto, a maior parte das Nações, incluindo os EUA, preferem esperar e julgar o Talibã pelos seus atos futuros, notadamente, em observância do respeito aos direitos humanos e os elevados critérios de Justiça, na aplicação da Lei, junto à sociedade afegã.