Na semana passada uma reportagem do jornal britânico The Guardian, abordou o fato de que o Uber interferiu em leis na Europa, seus arquivos revelaram diversos detalhes de encontros de executivos da empresa com políticos, repetindo a velha fórmula dos barões da velha economia, mostrando que a disruptura econômica ocorre no modelo de negócio, mas não altera velhos e perniciosos hábitos que precisam de uma ação conjunta da sociedade para efetuar essas mudanças.
No processo de acelerar a sua expansão, o Uber interferiu na legislação de diversos países europeus para acelerar a expansão internacional da startup americana.
Ao todo, 124 mil arquivos de 2013 a 2017 foram expostos na série batizada de Uber Files, composta por mensagens, e-mails e apresentações de executivos da empresa.
Esse episódio demonstra que a cada dia mais indiscutível de que as maiores empresas de tecnologia, se constituem nos novos barões poisa sua força em desenhar o mundo nos termos e de acordo com a conveniência dessas empresas parece ser irrefreável, logo cabe aos governos tentarem colocar o mínimo de limite possível a essas empresas que a cada dia tudo tocam.
No momento que o universo regulatório de quem tem capacidade impositiva aumenta essas empresas organizam melhor o seu lobby.
De acordo com a documentação, o Uber encontrou-se com ao menos seis líderes mundiais para acelerar o lobby em seus países, incluindo o então vice-presidente americano Joe Biden (hoje presidente dos EUA), o então ministro da Economia da França Emmanuel Macron (hoje presidente francês) e o então primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, além de membros da Comissão Europeia, o que é importante deixar claro até aqui não se constitui em delito, porém abre espaço para uma apuração mais detalhada.
Nesses documentos algumas atitudes do Uber são preocupantes e essas sim constituem crime. Segundo os documentos, o Uber também incentivou a violência contra os próprios motoristas, alvos de protestos de taxistas em diversos países, como França, Itália, Bélgica, Espanha e Holanda. Para os executivos, esses casos ajudariam a popularizar a plataforma. Violência garante sucesso. E esses caras (taxistas) devem ser confrontados, não?, escreveu Kalanick, mas lembro que a chegada do Uber na maioria das cidades do Brasil não teve por parte dos taxistas uma recepção amistosa, muito pelo contrário, muitos foras as atitudes que configuraram crime também, como agressões até aos passageiros.
Em nota à reportagem do The Guardian, o Uber diz que milhares de livros, reportagens e até série de televisão foram feitos sobre a história do Uber até 2017. Esses erros levaram ao mais infame acerto de contas da América corporativa. Isso levou a um enorme escrutínio público, processos, investigações de governos e a demissão de diversos executivos, escreve a empresa americana, que destaca a contratação de Dara Khosrowshahi como um movimento que teria transformado essa realidade. Quando dizemos que o Uber é uma companhia diferente hoje, dizemos isso literalmente: 90% dos funcionários atuais chegaram à empresa depois de Dara, diz a nota. Não vamos e não iremos dar desculpas por comportamentos passados que claramente não estão de acordo com nossos valores atuais.
Os mais de 124.000 documentos que compõem os Arquivos Uber expõem as práticas eticamente questionáveis da empresa então liderada por Travis Kalanick e que passaram por cortejar primeiros-ministros, presidentes, bilionários, oligarcas e magnatas da mídia.
Os documentos vazados são datados entre 2013 e 2017 e incluem as próprias comunicações de Kalanick com seus executivos. Um deles reconhece que eles se comportam como piratas e em outro documento vazado diz que somos apenas ilegais.
Há 40 países afetados pelos documentos reunidos pelo jornal britânico 'The Guardian', que os compartilhou com 180 jornalistas de 29 países, segundo a agência Efe.
Nos documentos está uma conversa entre Kalanick e o atual presidente francês Emmanuel Macron, então ministro da Economia, que revela que ele secretamente ajudou a empresa a penetrar na França, facilitando o acesso a altos funcionários. Macron ainda menciona que a empresa tinha um "acordo" secreto com seus rivais dentro do governo francês.
Outros políticos que não eram tão receptivos foram claramente desprezados pelos executivos da Uber, de acordo com essas comunicações. Assim, o chanceler alemão Olaf Scholz exigiu um aumento nos salários dos motoristas quando ele era prefeito de Hamburgo. "Ele é um palhaço de verdade", disseram os líderes da empresa.
Até agora, o presidente dos EUA Joe Biden foi desprezado por Kalanick, que comentou sobre uma reunião planejada entre os dois no Fórum Econômico Mundial em Davos que "eu disse ao meu povo para transmitir a ele que cada minuto que ele se atrasa é um minuto a menos que ele estará comigo". Em seguida, Biden foi vice-presidente de Barack Obama e um dos apoiadores da empresa.
O modelo de negócio passou por serviços economicamente insustentáveis, mas que lhes permitiam controlar o mercado em cidades ao redor do mundo, de Moscou a Joanesburgo e pressionar as autoridades para que sua aplicação pudesse ser usada.
Em países como Bélgica, Espanha, Itália ou França, o conflito chegou às ruas com sérios protestos de taxistas. Em Paris, a empresa encorajou os motoristas de Uber a participar em ações de contra-manifestação e desobediência civil.
Quando Kalanick foi avisado do risco de resposta de "bandidos de extrema-direita" e que ele estava "alimentando uma luta", ele disse que "valeu a pena". "A violência garante o sucesso e você tem que enfrentar esses caras, né?", disse ele. Essa estratégia está em consonância com a proposta de outro documento em que se propõe "usar como arma" os motoristas e aproveitar a violência que sofreriam "para alimentar o fogo da controvérsia".
Tudo isso respondeu a um script que foi aplicado na Itália, Bélgica, Espanha ou Suíça, de acordo com os e-mails vazados. Quando motoristas encapuzados, supostamente taxistas, atacaram motoristas de Uber com martelos em Amsterdã em 2015, a empresa ganhou concessões das autoridades.
O Uber é apenas um exemplo do enfrentamento entre a velha e a nova economia, ou vamos imaginar que sem o confronto a legislação se flexibiliza? Ou estamos nos esquecendo das diversas categorias com privilégios regulatórios, como os taxistas, a única categoria que tem o termo de permissão com direito a ser hereditário, isso mesmo, uma placa (um licença junto a prefeitura) pode passar de pai para filhos, algo parecido com as capitanias hereditárias.
Não sem razão, o setor de tecnologia e de empresas digitais, nesse momento é o que mais gasta em atividades de lobby na Europa, só para ficarmos nesse continente, estando com seus dispêndios acima das indústrias farmacêutica, automotiva ou financeira, de acordo com um recente estudo, que foi publicado na última terça-feira pelos grupos de pesquisa Corporate Europe Observatory e LobbyControl.
O trabalho contabilizou 612 empresas, grupos e associações empresariais, que exercem pressão para influenciar as políticas de economia digital da UE, ainda que apenas 10 dessas empresas respondam por quase um terço, 32 milhões de euros, do gasto total do lobby tecnológico.
Google (5,75 milhões de euros de gastos), Facebook (5,5 milhões), Microsoft (5,25 milhões), Apple (3,5 milhões), Huawei (3 milhões), Amazon (2,75 milhões), IBM, Intel, Qualcomm e Vodafone (todos, com um gasto de 1,75 milhão de euros) são nessa ordem as que mais gastaram em lobby, apenas na Europa.
De acordo com o relatório, a big tech gasta em média pelo menos 97 milhões de euros por ano para exercer pressão sobre as instituições da UE, uma quantia que os pesquisadores dizem que supera o resto dos gastos dos lobistas do setor privado, ou seja, elas gastam mais do que todo o restante da economia juntos, o que pode dar a dimensão da importância para essas empresas nos novos marcos regulatórios.
O aumento dos grupos de pressão, explica o estudo, coincide com o debate, dentro da União Europeia, de regulamentações mais rigorosas para essas empresas de tecnologia, por meio da Lei de Serviços Digitais e da Lei dos Mercados Digitais.
O propósito desse lobby é um só opor-se a quaisquer regras rígidas que possam afetar o modelo de negócios da Big Tech e suas margens de lucro.
Evidentemente que o lobby tem tratamento jurídico distinto em diversos países, e pode ser tênue a linha que o separa de condutas tipificadas pelas Leis como crime, o que deve ser apreciado nos tribunais.