5. Corrigindo o ultrapassado modelo biológico.
Na mesma linha de dicção do Ministro Velloso, entendemos ser inevitável viabilizar, nos planos constitucional e infraconstitucional, uma resposta punitiva adequada à gravidade do ato perpetrado, independentemente de se tratar de pessoa menor de 18 anos, pois se trata de alguém que oferece perigo à sociedade, merecendo, pois, ser retirado do seio social.
A Lei Maior, no art. 228, estabelece que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas da legislação especial, ou seja, aos ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente. A mesma regra é encontrada no art. 27 do Código Penal vigente (Decreto-Lei nº 2.848/40).
As mencionadas normas jurídicas adotam o chamado sistema biológico, isto é, leva-se em conta, para efeito de início da responsabilidade penal, apenas e tão somente o critério da idade, desprezando-se, para tal fim, qualquer outro fator, a não ser, única e exclusivamente, a questão temporal.
Vê-se que o Estado brasileiro optou por estabelecer uma presunção legal de natureza absoluta. Afirma-se, de modo irrefutável e insuscetível de prova em contrário, que um menor de 18 anos é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito de um fato criminoso (capacidade intelectiva) ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (capacidade volitiva).
Em suma, presume-se, em pleno século XXI, que um adolescente de 17 anos, 11 meses e 29 dias, ao desferir um poderoso golpe de arma branca nas costas de uma pessoa, exatamente o que foi feito como o médico James Gold, não ostenta condições de compreender a índole criminosa de seu ato. Entretanto, se a mesma conduta fosse realizada no dia do seu 18º aniversário, ele, como que num "passe de mágica", seria dotado de capacidade (intelectual e volitiva). Nada mais ilógico.
Ora, a adoção, por parte da Carta Magna, do critério meramente biológico revela-se inadequada no estágio atual da evolução humana. É necessário rever a sistemática vigente, adotando-se, sem um retorno à primitiva concepção unicamente subjetiva do Juiz, prevalente, em nossa legislação, de 1890 a 1921, o coerente (e atualizado) critério biopsicológico, efetivo nas mais modernas democracias, que preconiza a conjugação de dois fatores: o biológico (que estabelece uma idade mínima) e o psicológico (que analisa a capacidade de entendimento e de determinação do delinquente).
Quanto à idade mínima para o início da responsabilidade penal, é prudente, num primeiro momento, reduzi-la para os 14 anos (de forma diversa da legislação de 1890, que consignava a idade de 9 anos). Significa dizer que, antes disso, a pessoa, independentemente de qualquer outro aspecto, deve ser considerada, para todos os fins e em qualquer hipótese, penalmente inimputável, aceitando-se, no caso, o modelo puramente biológico.
Em se tratando de pessoa maior de 14 e menor de 18 anos, no entanto, a aferição da imputabilidade penal deveria caber ao juiz, obviamente embasado em todo um cuidadoso procedimento, a incluir perícias médico-legais, e não mais, como no passado (legislação de 1890), que atribuía poderes "absolutos" e "subjetivos" ao juiz. Assim, caso o magistrado, em decisão devidamente fundamentada (e passível de ser revista por meio de competente recurso com efeito suspensivo), resolvesse pela efetiva existência de capacidade de entendimento/determinação, a pessoa (maior de 14 e menor de 18 anos) responderia, excepcionalmente, pelos seus atos perante a Justiça comum, sendo-lhe aplicada, em caso de condenação, uma sanção penal (devidamente minorada por circunstância atenuante especial decorrente da idade biológica) a ser cumprida em estabelecimento diferenciado e específico para a faixa etária, sem qualquer possibilidade de convívio com maiores de 18 anos (regime prisional especial).
É preciso, pois - uma vez que não mais consentâneo com a realidade brasileira -, rever urgentemente o modelo que pugna pelo critério puramente biológico, acolhendo-se, em contrapartida, a sistemática biopsicológica, conferindo-se ao prudente arbítrio judicial (ainda que necessariamente no âmbito do devido processo legal, com a participação de outros profissionais, tais como psicólogos, assistentes sociais, etc.), a análise a respeito da imputabilidade penal.
Conclusão.
Conforme exposto alhures, um dos graves problemas do Brasil reside justamente na sua incapacidade de criar consensos em torno de grandes questões, tal como a da moda, qual seja, a redução da maioridade penal, debate cujo foco tem sido equivocadamente desvirtuado, o que somente contribui para a perpetuação do problema referente à violência juvenil, deixando a sociedade sem uma resposta adequada à realidade nacional.
No que se refere ao suposto óbice existente à luz do art. 228 da Lei Maior, entendemos que nenhum entrave há para que o Congresso Nacional, através de sua competência reformadora e devidamente inspirado naquilo que a maioria esmagadora da população brasileira reclama, empreenda a necessária substituição do ultrapassado modelo biológico pelo (mais coerente e lógico) sistema biopsicológico, permitindo, assim, que menores de 18 e maiores de 14 anos possam responder penalmente por seus atos.
Ademais, e em tom conclusivo, está mais do que comprovado, portanto, que a legislação em questão falhou no que concerne à sua finalidade essencial, qual seja, assegurar o bem comum, a ordem, a paz social, entre outros valores perseguidos de um modo geral pelo Direito. Diante desta infeliz realidade nacional, forçoso reconhecer o fracasso normativo experimentado pelo ECA, restando imperioso revê-lo, sob pena de prevalecer a lógica da impunidade e da insegurança, o que, convenhamos, não nos parece razoável - e minimamente aceitável - num Estado Democrático de Direito, consoante dispõe expressamente o art. 1º da Constituição Federal de 1988.
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