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Corrigindo o foco sobre o debate a respeito da menoridade penal

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10/10/2022 às 17:25

Resumo:


  • Ensaio propõe reflexão sobre inimputabilidade penal de menores de 18 anos.

  • Aborda a necessidade de corrigir o foco da discussão sobre a maioridade penal.

  • Defende a substituição do modelo biológico pelo biopsicológico na legislação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em se tratando de pessoa maior de 14 e menor de 18 anos, a aferição da imputabilidade penal deveria caber ao juiz, embasado em perícias.

Resumo: o presente ensaio tem como propósito ofertar à comunidade político-jurídica, bem como a toda a sociedade, uma contribuição para o debate reflexivo sobre o importante tema relativo à inimputabilidade penal dos menores de 18 anos, de modo a corrigir diversos enfoques que têm sido equivocamente lançados sobre a questão relativa à redução da maioridade penal.

Palavras-chave: Menoridade Penal; Estatuto da Criança e do Adolescente; Modelo Biopsicológico.


Introdução.

Assim como, em outros momentos históricos, a sociedade brasileira provou que era e foi possível vencer desafios que pareciam impossíveis (v.g. o combate à inflação, a estabilidade econômica, etc.), é hora de enfrentarmos, com a necessária seriedade, e sem medirmos esforços, a questão da violência, especialmente a hedionda, que simplesmente paralisa, encarcera e aterroriza a sociedade, em relação a qual não é plausível encontrar qualquer tipo de justificativa sociológica, psicológica, jurídica, política ou de qualquer outra natureza.

Sabemos que o caminho da solução é penoso, notadamente se considerarmos a dificuldade que o Estado brasileiro tem de construir consensos verdadeiramente democráticos sobre assuntos que, embora complexos, demandam saídas urgentes, o que demonstra claramente uma outra (infeliz) característica nacional, qual seja, a sua incapacidade de entregar à sociedade as respostas que ela tanto reclama.

Aliás, cumpre registrar, a referida dificuldade de consenso decorre, de um modo geral, da multiplicidade de propostas - muitas delas descabidas e completamente divorciadas do interesse público -, em torno de uma mesma questão, o que acaba por esconder, ainda que inconscientemente, a plena viabilidade de se modificar a legislação pertinente, de modo a se resolver em definitivo o problema.

Não há a menor dúvida de que, sob o ponto de vista psicológico, físico e de sua saúde de um modo geral, bem como para a construção, amadurecimento e evolução da sua personalidade, o encarceramento e a segregação são destrutivos para o ser humano, independentemente de sua idade. Não obstante tal constatação, a questão a ser debatida reside justamente no que é menos nocivo para a pessoa humana: o dano (possivelmente irreversível) à saúde física e mental do adolescente que praticou atos gravíssimos e hediondos, muitas das vezes com requintes de crueldade, tal como o homicídio doloso, ou, ao reverso, o dano (certamente irreversível) às vítimas (e seus familiares sobreviventes), como bem assim a toda a sociedade, todas sequeladas, física e psicologicamente, pela barbárie humana?


1. Corrigindo o suposto óbice jurídico-constitucional à redução da maioridade penal.

Um dos argumentos comumente levantados pelos adeptos da tese contrária à redução da maioridade penal assenta-se no art. 228 da Constituição Federal de 1988, cuja redação afirma que "os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, sujeitos às normas da legislação especial", ou seja, às disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei nº 8.069/90.

Aduz-se, ainda, que tal previsão integraria o denominado núcleo intangível da Carta Magna, configurando cláusula pétrea, impossível, portanto, de ser modificada por obra do Poder Constituinte Derivado (Poder Reformador), nos exatos termos do art. 60, § 4º, IV, assim redigido: "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais."

Ora, o presente entendimento não resiste a uma análise mais acurada, uma vez que, se chegarmos à absurda conclusão, como desejam alguns pretensos estudiosos do tema, de que se trata de cláusula pétrea constitucional, então não seria difícil, através de um raciocínio hermenêutico ampliado, chegarmos ao mesmo arremate de que não há nada a ser feito, a curto e médio prazos, em relação às barbáries perpetradas por adolescentes, inclusive das classes mais abastadas, contra seus próprios pais, crianças e todos os demais cidadãos que apenas procuram trabalhar, estudar e viver uma vida difícil, porém honesta.

Afinal, como bem questionou o Desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho (O Globo, 3 jun. 2015, p. 17), Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, "até quando ficaremos reféns da violência? Até onde irá o insuportável jogo de empurra?"

Eis as perguntas que não querem calar, mas que continuam demagógica e inexplicavelmente sem respostas concretas por parte do Estado e, particularmente, da Sociedade, que, de forma inconsciente e não participativa, foi conduzida pela pseudo elite intelectual a realizar a equivocada opção pela proteção do menor infrator em desfavor de suas efetivas e potenciais vítimas.


2. Corrigindo o foco a respeito do problema.

Como se não bastasse o mencionado (e supostamente válido) argumento que pugna, em relação ao tema maioridade penal, pela existência de cláusula pétrea, não raro as manifestações sobre a questão da violência perpetrada por adolescentes apresentam alegações que efetivamente desvirtuam o foco do problema, prejudicando, assim, uma correta análise do assunto. Se, pelos mais variados motivos (abandono da família, maus-tratos na infância, histórico de abuso sexual, etc.) um menor de idade pratica um ato criminoso de extrema crueldade, como o esfaqueamento pelas costas do médico Jaime Gold, ação que inviabilizou qualquer oportunidade de reação, bem como não se limitou apenas a feri-lo, mas a "rasgá-lo" com requintes de tortura, banalizando o evento morte, é de se questionar se não seria a hora de retirarmos o foco sobre a concepção sociológica da "vitimização" do bandido, ainda que este não tenha chegado aos 18 anos de idade, para nos concentrarmos na insuportável dor da família que perdeu, brutalmente, um ente querido e, no caso do médico, em particular, de quantas vidas o mesmo deixará de salvar daqui para frente.

O que não se pode e não se deve admitir é que "argumentos como sistema penal falido e tibieza das políticas sociais" tenham o poder de afastar "a questão da violência da crucial realidade de que a sociedade está desprotegida." (O Globo, Opinião, 31 mai. 2015, p. 16)

Ora, será que as causas de tanta barbárie são tão simploriamente explicadas pelo desvalor que esses agentes sentem pela vida? Ou melhor seriam pela absoluta certeza da impunidade, pois, no caso do agressor do médico, o adolescente já havia registrado mais de 15 passagens pela Polícia, tudo sem qualquer reprimenda severa por parte do Estado, o titular absoluto do jus puniendi, independentemente da idade do criminoso.

Imaginemos um filho de 10 anos que, ao desferir um tapa na face do pai, desrespeitando-o de modo contundente, não recebe qualquer reprimenda por parte do genitor. É possível imaginar o que acontecerá com este pai quando o adolescente tiver 17 anos. Afinal, diz o provérbio bíblico (19:18), "castiga o teu filho enquanto há esperança."

Se a questão da violência extrema fosse explicada apenas pela miséria ou pelo histórico de vida com sofrimentos bárbaros, certamente outros países, com situações muito mais severas e extremadas que o Brasil - como alguns países muçulmanos do Oriente Médio e budistas e hindus, como o Nepal, na Ásia -, teriam índices de criminalidade com requintes de crueldade muito mais evidentes.

Embora a comparação possa ser rotulada como descabida, não é possível justificar as verdadeiras barbáries que estão sendo praticadas por adolescentes infratores ao singelo argumento de que os mesmos atravessaram por sérios problemas familiares e sociais que deixaram gravíssimas sequelas psicológicas, deturpando suas frágeis mentes ainda em formação. Precisamos reconhecer, infelizmente, que há pessoas que, pelas condutas praticadas, devem ser retiradas do seio de convivência da sociedade, sob pena de vermos comprometida a própria segurança pública e, em última análise, a própria vida comunitária. É a dura realidade que se impõe, queiramos ou não, mesmo sendo mais fácil e cômodo desviar o foco do problema para outras questões prévias, tal como a miséria, trazendo para o debate quase que uma ridícula e inexistente luta de classes. Ridícula, sim, pois todos, indistintamente, somos vítimas em potencial desse estado de coisas.

Ao se prover plena validade a esta visão simplória e distorcida da realidade (até porque, como já afirmamos, há vários relatos de assassinatos hediondos praticados igualmente por menores de classes alta e média), estaríamos, absurdamente, legitimando as ações de um dos maiores e mais cruéis e desumanos homicidas que a história já testemunhou: Adolf Hitler.

Conforme explica Claudio Blanc (2015, p. 9), "a infância de Hitler se alternou entre as surras dadas pelo pai por conta dos motivos mais ínfimos e adulações desmedidas da mãe", tratamento ambíguo que acabou por gerar "sequelas no caráter de Adolf", que "chegou à adolescência desconfiado das pessoas ao seu redor, com poucos amigos, afundado em fantasias, afastado da realidade, extremamente frio, dado a ataques de fúria e inquebrantavelmente convicto de suas ações."

E continua o mesmo autor afirmando que:

Depois da morte do pai, Adolf abandonou, aos 16 anos, os estudos. Buscando realizar suas ambições de artista, tentou entrar para a Academia Real de Artes em Viena, mas foi reprovado. Nesse meio tempo, sua mãe também faleceu, e Hitler decidiu, então, ficar em Viena, subsistindo com uma magérrima pensão para órfãos concedida pelo Estado e mais um pouco de dinheiro que uma tia havia lhe dado. Adolf quase não trabalhava. Vez ou outra fazia bicos e ganhava algum dinheiro pintando paredes. Viveu esse tempo num estado de quase mendicância. (BLANC, 2015, p. 9)

Se o argumento da miserabilidade da formação juvenil pudesse vir a ser, por si só, escusa (legal, moral ou de qualquer outra natureza) para que seres humanos sejam esfaqueados, de forma brutal, desmedida, cruel e sem qualquer justificativa (posto que a quase totalidade das vítimas jamais sinalizou qualquer tipo de reação), os maiores assassinos da história humana poderiam igualmente ter suas ações exculpadas, o que, convenhamos, soaria como um verdadeiro absurdo, uma vez que, a toda evidência, as atrocidades cometidas pelo aludido assassino-mor da história são, sob qualquer prisma analítico e argumentativo, absoluta e incontestavelmente injustificáveis.

É certo que a impunidade não explica todas as facetas do complexo e intrigado tema da violência sem limites, mas resta evidente que ela é, com absoluta certeza, o maior problema. E não venhamos dizer, em contraposição ao que ora se afirma, que as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 101 e 112) funcionam como uma forma de punição legal própria para a conduta perpetrada (ato infracional análogo à infração penal, art. 103 do ECA), uma vez que, como sabemos perfeitamente, a mens legis, na hipótese, não é punir o adolescente pela ação praticada, mas, sim, apenas e tão somente reeducá-lo. Passados 25 anos de vigência da Lei nº 8.069/90, e diante da realidade atual, e considerando, ainda, que o ECA não deve ser concebido como uma lex sacra, precisamos urgentemente discutir a questão relativa à violência juvenil, tarefa que deve ser empreendida sem falsos moralismos e sem a constante hipocrisia que tanto paralisa a sociedade brasileira quando ela necessita dar uma resposta mais contundente aos sublimes desafios que lhe são apontados.

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Se a ideia é proteger crianças e adolescentes, é mais razoável - e normalmente mais defensável -, que protejamos aqueles que são vítimas da violência, e não, em primeiro lugar, os patrocinadores ou os algozes dela. Precisamos refletir sobre isto! Precisamos admitir que a bandidagem, juvenil ou adulta, não importa, não pode anular uma das mais importantes conquistas alcançadas historicamente pelo indivíduo diante do Estado: a liberdade ir e vir, direito que nos tem sido negado não mais pelo Estado, como acontecia em outras ocasiões, mas pelos criminosos, que, violando as leis, efetivamente nos impõem um "toque de recolher" quase que diário.

Precisamos ter equilíbrio e serenidade para encontrar soluções compatíveis com a quadra vigente, mas também devemos agir, pois inúmeros menores são também vítimas constantes desta mesma violência extremada e desmedida que nos tem conduzido à pré-história civilizatória por alguns menores de idade que, consoante a legislação em vigor, continuarão impunes, desmoralizando o trabalho policial e, em última análise, a própria ideia de justiça. Aliás, interessante notar o seguinte paradoxo: o adolescente infrator, ao ser apreendido pela prática de um ato infracional, é conduzido à Delegacia de "Proteção" à Criança e ao Adolescente (DPCA), o que nos permite afirmar, como o próprio nome sugere, que o propósito não é puni-lo, mas sim protegê-lo e acolhê-lo. Em contrapartida, a vítima, quando não vai direto para o cemitério, não dispõe de uma mesma delegacia de "proteção à vítima" para se dirigir. Passa a ser mais um "órfão", desassistido pelo Estado. Eis o terrível paradoxo que desafia uma imediata reposta legislativa.


3. Corrigindo o foco a respeito do culpado.

É do ser humano rejeitar a ideia de culpa que lhe é atribuída. Poucos são os que assumem a respectiva responsabilidade diante dos fatos. Da mesma forma, há um certo comodismo em depositar na conta do Estado a culpa pelas diversas mazelas que assolam a sociedade brasileira. Nesse contexto, há quem afirme que o problema da violência (inclusive a homicida) perpetrada por menores de 18 anos seria "a incapacidade do poder público de lidar com jovens pobres", e que "a primeira conclusão que esses crimes indicam é a grave deficiência das políticas públicas de atenção para as crianças e os adolescentes em situação de extrema pobreza", concluindo, assim, que a raiz matricial do problema dos homicídios perpetrados por menores de 18 anos resumir-se-ia "a incapacidade do poder público de lidar com jovens pobres" (CASTRO, 2015). Em suma, a culpa seria do Estado, que não teria feito o seu dever de casa. Malgrado seja verdadeira a afirmação segundo a qual o ente estatal deixa a desejar em inúmeras questões sociais, entre as quais as relativas à infância/juventude, forçoso reconhecer que a análise e, sobretudo, a simplista conclusão do autor não resiste a um estudo de caso e muito menos à própria complexidade do tema relativo ao exponencial aumento da violência hedionda que tem banalizado o evento morte na sociedade brasileira.

Em primeiro lugar, não é razoável presumir, e muito menos concluir, que os governos tenham realizado, nos últimos anos, políticas públicas de tão negativo impacto que tenha empobrecido ainda mais a população jovem menos favorecida, quando, ao reverso, todos os estudos sociopolíticos têm demonstrado justamente o oposto.

Em segundo lugar, a pobreza (e mesmo a miséria) não são elementos suficientemente poderosos para explicar os requintes de crueldade que fazem com que determinados menores de 18 anos (ou seja, um pequeníssimo grupo em relação ao conjunto de indivíduos nesta faixa etária), mesmo após ter conseguido dobrar a possibilidade de defesa e suas vítimas, eliminando qualquer hipótese de reação e subtraindo todos os seus pertences, simplesmente as esfaqueie, golpeie-as com os mais variados objetos ou atire nelas, ceifando-lhes as vidas, muitas vezes, inclusive, torturando-as por aparente prazer, como observado em inúmeros casos relatados e, lamentavelmente, apenas registrados como simples (e frias) estatísticas de impunidade.

Em terceiro lugar, porque muitas vezes tais crimes não são praticados por menores pobres, mas sim de classe média e mesmo ricos que, conscientes de sua isenção penal, praticam tais atrocidades (à guisa de exemplo, a questão do índio Galdino, em Brasília, e da empregada doméstica, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro) por puro prazer sarcástico. Portanto, diferente do suposto senso comum que se pretende difundir, a violência homicida de natureza hedionda não tem relação íntima e exclusiva com a miséria ou com a pobreza e sim, muito mais acertadamente, com a absoluta certeza da impunidade.

Há que se atentar, ainda, que a impunidade do adolescente infrator conduz a uma esdrúxula situação, qual seja: a perpetuação da situação da vítima, na medida em que o agredido sobrevivente precisa voltar ao seu cotidiano, retornando aos mesmos locais em que foi atacado e, portanto, vulnerável a um novo ataque, inclusive por parte do mesmo agressor que, impune pela lei, tenderá a estabelecer em definitivo seus domínios, consolidando uma ambígua e absurda relação de poder para com as suas vítimas, circunstância que não encontra paralelo em praticamente nenhum país que se considere verdadeiramente democrático.


4. Corrigindo o foco do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Diante da premissa de que a violência (inclusive a homicida) de natureza hedionda não tem relação íntima e exclusiva com o fator idade, urge, então, corrigir o foco da legislação aplicável, notadamente o ECA, cuja finalidade, ao contrário, deve ser, sobretudo, preservar a vida das pessoas de um modo geral (crianças, adolescentes, adultos, idosos, etc.) que são vítimas fatais da ação desmedida e descontrolada de malfeitores menores de idade, que continuam legalmente impunes ao singelo e insustentável argumento de que a prisão causará ainda mais danos às suas personalidades, desviando a preocupação central que deveria, ainda que sem desconsiderar os seus efeitos sobre estes, focar em suas vítimas pretéritas e presentes e, acima de tudo, nas vítimas futuras que, neste contexto, simplesmente deixarão de existir com o menor infrator afastado da liberdade do convívio social.

Em contraposição crítica, vale consignar que argumentos falaciosamente arquitetados tentam nos empurrar "goela a baixo" teses completamente distantes da realidade vigente. Por exemplo, a teoria que proclama que o "coitadinho do menor" não deve ser punido pelos seus atos, pois não entende o que faz. Não entende o que faz? Como assim? Como desconhecer o quão cruel e hedionda é a ação daquele que desfere uma potente e certeira facada nas costas de um ser humano? E, ainda por cima, ostenta-se de orgulho publicamente em relação a seus atos?

Ao extrapolar o raciocínio simplista que, partindo da premissa de que a cadeia não ressocializa e apenas produz mal ao apenado, é de se questionar: porque não se conclui que todos (e não apenas os menores de idade) não deveriam receber este tipo de reprimenda penal? Vamos, portanto, esvaziar todas as prisões que, aliás, como bem sabemos, são, em sua maioria, verdadeiras masmorras medievais e escolas para o crime, na exata dicção do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

A propósito, Ferreira Gullar (Folha de São Paulo, 12 abr. 2015) afirma, a exemplo de tantos outros, que "educar os jovens não é função da cadeia e, sim, da escola (...) sua finalidade precípua não é essa, e, sim, a de afastar o criminoso do convívio social para preservar a segurança e a tranquilidade das pessoas."

Outrossim, como bem lembrou Carlos Velloso (O Globo, 22 mai. 2015, p. 9), na autoridade de quem presidiu o Supremo Tribunal Federal, "países de boa prática democrática adotam a maioridade penal abaixo de 18 anos", concluindo, em tom sublime, que "os jovens de hoje são bem mais informados que os jovens de 1940, quando da edição do Código Penal", possuindo, em regra, a plena capacidade de entender o caráter criminoso dos seus atos.

Portanto, após 25 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente - que adotou, a partir de 1990, a utópica doutrina da proteção integral, em substituição à doutrina da situação irregular, prevalente de 1979 a 1989 com a oportuna atualização do Código de Menores (original de 1927) -, parece-nos, à luz de todas as evidências indicativas, e consoante as opiniões mais abalizadas, que está mais do que na hora de repensarmos esta ineficaz normatização, no âmbito do escopo contextualizante dos próprios resultados negativos que foram observados e verificados até o presente momento.

Muito embora seja cediço reconhecer - em destacado sentido opinativo reverso à presente proposta reflexiva -, a existência de um verdadeiro segmento ardente e apaixonado defensor do ECA, precisamos, urgentemente, nos afastar de toda a passionalidade que naturalmente envolve o assunto para, com maestria lógica, estabelecermos uma verdadeira e imparcial visão crítica e amadurecida sobre o tema vertente, posto que não é difícil deduzir que, em grande medida, foi a ingênua tentativa de se implantar, em sinérgico desafio à nossa realidade, um "Código Suíço" em um país tropical, o que acabou por conduzir aos extremos absurdos que estamos sendo compelidos a vivenciar diuturnamente.

Está mais do que comprovado, portanto, que a legislação em questão falhou no que concerne à sua finalidade essencial, qual seja, assegurar o bem comum, a ordem, a paz social, entre outros valores perseguidos de um modo geral pelo Direito. Diante desta infeliz realidade nacional, forçoso reconhecer o fracasso normativo experimentado pelo ECA, restando imperioso revê-lo, sob pena de prevalecer a lógica da impunidade e da insegurança, o que, convenhamos, não nos parece razoável - e minimamente aceitável - num Estado Democrático de Direito, consoante dispõe expressamente o art. 1º da Constituição Federal de 1988.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É autor do livro Teoria do Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Corrigindo o foco sobre o debate a respeito da menoridade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7040, 10 out. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99188. Acesso em: 22 dez. 2024.

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