SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 CONTEXTO DA EDIÇÃO DA LEI Nº 13.303/16. 2.1 A função social das empresas estatais. 2.2 Distinção entre empresas públicas e sociedades de economia mista. 3 AS REGRS APLICÁVEIS ÁS LICITAÇÕES E AOS CONTRATOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DA LEI Nº 13.30316. 3.1 Das licitações. 3.2 dos contratos. 3.3 principais inovações perpetradas pela lei nº 13.303/16 no tocante ao regime de contratos e licitações. 4. GOVERNANÇA COORPORATIVA, TRANSPARÊNCIA E COMPLIANCE NAS EMPRESAS ESTATAIS. 4.1 Cumprimento das regras de governabilidade estatais. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
RESUMO
O objetivo do presente trabalho consiste na abordagem e discussão acerca da Lei nº 13.303/2016, a qual dispõe sobre o Estatuto Jurídico da Empresa Pública, da Sociedade de Economia Mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Visa, igualmente, a entender os motivos que levaram e edição da novel codificação, a qual fora sancionada depois de mais de dezessete anos da promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98. Tal Emendada Constitucional é responsável pela alteração do § 1º do art. 173 da Constituição Federal, impondo a necessidade de norma que estabelecesse e dispusesse sobre o Estatuto Jurídico das Empresas Estatais. Desse modo, faz-se necessário compreender o conceito de Empresas Estatais e sua importância para o ordenamento jurídico brasileiro, bem como a função que desempenham perante a sociedade. Outrossim, analisam-se as inovações que a codificação estudada agrega em relação aos demais diplomas legais que já tratam da matéria de forma subsidiária e genérica. Destarte, objetiva-se identificar as principais alterações veiculadas pela Lei das Estatais, apontando-se quais são os pontos contundentes e deficientes trazidos pelo novo diploma legislativo, partindo da presente indagação: qual importância da edição da nova Lei das Estatais e quais os seus benefícios para o Ordenamento Jurídico?
Palavras-chave: Direito Administrativo. Nova Lei das Estatais. Aspectos negativos e positivos.
1 Introdução
A importância das empresas estatais para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é, sem dúvidas, o principal elemento para a definição do presente estudo. Há muito tempo o Estado deixou de ser apenas o protetor da ordem pública e se transformou em um ente atuante nas mais diversas atividades, não só públicas, como privadas. Nesse diapasão, o Estado começou a exercer atividades econômicas antes só exercidas pela iniciativa privada. Com isso, emerge a necessidade de formação de instrumentos para o exercício dessas atividades, originando as pessoas jurídicas de direito privado que se dividem em Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista.
Outrossim, o tema ganha importância diante do atual cenário de crise política e econômica que assola o país e na consequente instabilidade moral que contamina a máquina pública, resultando-se imprescindível a realização de efetiva atualização e reforma da legislação administrativa, bem como a elaboração de providências concretas no sentido de estabilizar e aperfeiçoar a Administração Pública de um modo geral. Ademais, percebendo as inúmeras operações policias apontando esquemas de corrupção em empresas estatais, torna-se incontestável a necessidade de mecanismos de controle dos desvios e de garantia de eficiência destas empresas. Neste senário, é indubitável a importância da edição de uma legislação específica para balizar e adequar as Empresas Governamentais com o atual cenário nacional, haja vista seu impacto político, econômico e social. Neste viés, por intermédio do presente estudo, procurou-se verificar o que de mais importante a legislação em comento proporcionou ao ordenamento jurídico.
O presente trabalho almeja apontar quais são as inovações trazidas pela novel legislação, analisando pontos relevantes e que possam impactar na sua estrutura e administração. Busca-se inquirir, de maneira crítica, os elementos positivos e negativos trazidos pela Lei nº 13.303/2016, observando-se que a norma estabelece uma série de procedimentos de transparência e governança a serem ponderados pelos administradores das estatais, como regras para códigos de conduta, técnicas de gestão de risco, divulgação de informações, métodos de fiscalização pelo Estado e pelo povo, constituição e funcionamento dos conselhos, bem como exigências para nomeação de dirigentes.
Para dar supedâneo à desafiadora missão ora analisada, busca-se na primeira seção, subsídios teóricos para contextualizar e explicar os motivos que levaram à publicação do dispositivo legal em comento, analisando a atual conjuntura que aflige o cenário nacional. Pondera-se o fato de que, na medida em que o Estado admitiu outras incumbências nos campos social e econômico, identificou-se a necessidade de encontrar novas formas de gerenciamento do serviço público e da atividade privada exercida por parte da Administração. Destarte, verificam-se quais legislações eram aplicas precedentemente à publicação lei, bem como os dispositivos que serão aplicados em conjunto com a atual norma.
Já na segunda seção, o presente ensaio tem por finalidade demonstrar uma visão crítica no que se refere ao regime de licitação e de elaboração de contratos estabelecidos pelo diploma legal supramencionado. Com feito, a Lei das Estatais fixou normas uniformes de contratos e licitações para toda e qualquer empresa estatal, sem discernimento entre o tipo de objeto prestado. Vê-se que nos contratos de direito privado, a Administração se equipara ao particular, havendo uma relação jurídica designada pelo traço da horizontalidade e, nos contratos de cunho administrativos, a Administração acaba atuando como poder público, se imiscuindo em todo o seu poder de império sobre o particular, caracterizando-se a relação jurídica pela particularidade da verticalidade. Por outro lado, as licitações consistem em um procedimento de cunho administrativo, pelo qual um ente público abre a diversos interessados a possibilidade de efetuarem propostas dentre as quais serão selecionadas a mais vantajosa para a celebração de contrato. Assim, o regime de contratações e licitações das empresas governamentais devem ser analisados sob a ótica da inovadora Lei 13.303/2016, com a aplicação subsidiária de outros dispositivos legais, em especial a lei 8.666/93, a qual é responsável por instituir institui normas gerais para licitações e contratos da Administração Pública.
Por fim, o terceiro movimento do presente trabalho busca entender a analisar novos métodos de governança, transparência e compliance adotados pela novel legislação, a qual inova em diversos temas. O recente diploma legal institui o dever específico de que determinados assuntos sejam obrigatoriamente tratados pelo Estatuto das Empresas Estatais. Compete ao referido estatuto observar e aplicar as regras definidas pela Lei nº 13.303/2016 relativamente à governança corporativa, à transparência e às estruturas, práticas de gestão de riscos, proteção de acionistas, dentre outros.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, utilizou-se do método dedutivo, que parte do geral, ao particular. Como técnica de pesquisa, fez-se uma análise crítica e coleta de subsídios da doutrina e jurisprudência que tratam do tema.
Por conseguinte, parte-se de uma premissa de delimitação do contexto da edição da lei, a qual ocorreu em meio a escândalos de corrupção nas empresas governamentais, até se chegar nas modificações concretas perpetradas pelo diploma, principalmente em relação ao regime de contratações, bem como em uma perspectiva de gestão transparente e, ao mesmo tempo, eficiente. Assim, entende-se que a presente pesquisa se torna de suma importância no tratamento das questões ora apresentadas, na medida em que está mais que presente a necessidade de uma legislação que possa contemplar e regular a atuação das empresas governamentais, as quais possuem importante papel político, econômico e social no ordenamento pátrio.
2 CONTEXTO DA EDIÇÃO DA LEI nº 13.303/16
Diante da determinação Constitucional prevista no art. 173, § 1º, da Constituição Federal de 1988, recentemente foi publicada a Lei nº 13.303/2016, a qual é responsável por versar sobre o Estatuto Jurídico das Empresas Públicas, das Sociedades de Economia Mista e das suas Subsidiárias, no âmbito de todos os entes da federação.[1] A edição do referido diploma legal constitui marco relevante no que se refere à definição de regras específicas para a criação e atuação de empresas estatais, tratando-se de legislação importante e inovadora. Sendo assim, com a propagação da nova lei das estatais, insere-se no ordenamento jurídico pátrio o estatuto aplicável às empresas governamentais, com regramentos gerais no que tange à estruturação societária, governança corporativa e transparência na gestão, bem como da gestão de riscos e da disciplina de contratações e licitações.[2]
A constituição de empresas pelo Estado, como forma de proporcionar a descentralização administrativa e o exercício de atividade econômica, ganhou enfoque no contexto de intervenção estatal no domínio econômico a partir da Primeira Guerra Mundial. Conjurando a necessidade de satisfazer a interesses públicos relevantes, o Estado passou a intervir num domínio tradicionalmente ocupado pelos particulares, produzindo bens e prestando serviços. Novas pessoas jurídicas administrativas passaram, portanto, a surgir, com forma privada e essência pública.[3]
Nesse sentido, necessário elucidar que a organização administrativa advém de um conjunto de normas jurídicas, as quais regem a competência, as relações de hierarquia, a situação jurídica, as formas de atuação e gestão dos órgãos e pessoas, no exercício da função administrativa. Logo, a descentralização administrativa, também chamada de administração indireta, revela-se pelo conjunto de Pessoas Jurídicas, de direito público ou privado, criada ou autorizada por lei, para a execução de atividades assumidas pelo Estado, como serviços públicos ou a título de intervenção no domínio econômico.[4] Constata-se a existência de uma linha distintiva em que se situam a centralização e a descentralização, a qual pode ser interpretada nas palavras de José Santos Carvalho Filho:
Quando se fala em centralização, a ideia que o fato traz à tona é o do desempenho direto das atividades públicas pelo Estado-Administração. A descentralização, de outro lado, importa sentido que tem correlação com o exercício de atividade de modo indireto.[5]
Observa-se que empresas estatais consistem em um gênero de pessoas jurídicas de direito privado que se depararam sob o controle direto ou indireto de um ente da federação.[6] Por conseguinte, o termo empresa estatal compreende as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as demais empresas controladas pelo Estado. Com o objetivo de conceituar as empresas estatais ou governamentais, Hely Lopes Meirelles concluiu o seguinte:
As empresas estatais são pessoas jurídicas de Direito Privado cuja criação é autorizada por lei especifica, com patrimônio público ou misto, para a prestação de serviço público ou para a execução de atividade econômica de natureza privada. [7]
Desse modo, com a expressão empresa estatal ou empresa governamental, pode-se designar todas as entidades, civis ou comerciais, de que o Estado possua o controle acionário, abarcando a empresa pública, a sociedade de economia mista e as demais empresas que não tenham essa natureza, mas que a Constituição faz referência, em variados dispositivos, como categoria à parte.[8]
Outrossim, a recente divulgação da legislação em comento ocorre diante da atual problemática de escândalos de corrupção em relação às empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista do nosso país. Com a operação da Polícia Federal, denominada Lava-jato, identificou-se uma sucessão de condutas criminosas que resultaram no desvio de quantias vultosas nas contratações da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras). No princípio da operação, foi sugerido o fato de que o Decreto Federal que regulamentava a Petrobras seria o responsável pela ocorrência desses crimes e fraudes. Não obstante, doutrinadores com maior autoridade sobre o tema sempre assinalaram que os incidentes ocorridos na Petrobras poderiam ter acontecido em qualquer órgão ou entidade que observasse a Lei Geral de Licitações.[9] Neste viés, a chamada lei de Responsabilidade das Estatais[10] tem por objetivo harmonizar o mercado econômico, possibilitando a retomada da confiança nas empresas governamentais, zelando, destarte, pela transparência das instituições públicas.[11] Dessa forma, a iniciativa surge diante de preocupante histórico de resultados econômicos controversos e escândalos de corrupção, acontecimentos que deixaram cristalino a fragilidade da organização e gestão das estatais e fizeram emergir interesse renovado na reconfiguração do seu modelo de governança.[12]
Nesse contexto, a novel legislação vem ocupar uma antiga lacuna legislativa, ao regulamentar os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 173 da Constituição Federal, em redação conferida pela Emenda Constitucional nº 19/1998. Ademais, além da expressa previsão na Carta Magna, a realidade vinha demonstrando os embaraços práticos defrontados no que se refere à atuação de empresas estatais no mercado econômico. Assim, o dispositivo legal deve ser visto com bons olhos, na medida em que busca imprimir maior eficiência às empresas governamentais, ao mesmo tempo em que institui mecanismos de controle sobre a sua atuação e se dispõe a criar uma gestão mais profissionalizada de seus corpos diretivos.
Alerta-se para o fato de que o referido diploma legislativo foi publicado depois de mais de dezessete anos da Reforma Administrativa da década de noventa que, por intermédio da Emenda Constitucional nº 19/98, modificou o referido § 1º do art. 173 para estabelecer a indispensabilidade de lei formal que tratasse do Estatuto Jurídico das empresas estatais.[13] O dispositivo prevê que:
a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços.[14]
O lapso temporal entre a previsão da lei pelo texto constitucional e sua efetiva edição explicitou diversas dificuldades que sucederam diversas disputas judiciais, tais como as demandas a respeito da aplicabilidade ou não da Lei nº 8.666/93 à Petrobras e suas subsidiárias. Além disso, a realidade prática acabou por revelar uma atuação propensa a desvios de verbas públicas e disfunções das empresas estatais.[15] Dessa maneira, para além de acudir ao interesse da coletividade, a transmutação do regramento das empresas estatais para uma lei específica acarreta a depuração de relevantes questões que há décadas estão sujeitas a interpretações conflitantes, ou dependentes de interpretações desconexas pelo Poder Judiciário.
Até a entrada em vigor da Lei nº 13.303/2016, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista eram reguladas apenas pelas normas constitucionais, pela legislação societária e, com maior ênfase, pelo Decreto-Lei nº 200/1967, este último responsável por dispor sobre a organização da Administração Federal.[16] Assim, a novel legislação tem por objetivo disciplinar a exploração direta da atividade econômica pelo Estado, por intermédio de suas Sociedades de Economia Mista e suas Empresas Públicas.[17] Anota-se que as empresas governamentais, em que pese possuírem capital público, são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, motivo pelo qual são regidas pelas normas empresariais e trabalhistas, mas com as precauções do direito público.[18] Nesse diapasão, o dispositivo legal em comento ingressou no ordenamento jurídico com o encargo de disciplinar o estatuto das empresas públicas e das sociedades de economia mista, o que se estende às suas controladas e, em certo grau, também às sociedades em que o Estado mantém investimentos[19].
Por conseguinte, constata-se que a inserção promovida pela Emenda Constitucional se fez necessária porque não seria conveniente que o regime jurídico dos entes pertencente à Administração Indireta, que exploram atividade econômica, fosse idêntico aos entes da Administração Direta, as quais possuem um regime jurídico público. Nesse sentido, Nohara leciona que:
Daí a necessidade de previsão de um estatuto que regulamentasse um regime jurídico diferenciado, inclusive no tocante às licitações, até porque as estatais são pessoas jurídicas de direito privado, que sofrem derrogações de Direito Público.[20]
Portanto, a publicação da Lei nº 13.303/2016, no dia 30 de junho de 2016, representa um macro legislativo, o qual suprimiu de forma efetiva a histórica lacuna prevista no texto constitucional, em seu artigo 173, § 1º, bem como oferece relevantes inovações que podem ser agrupadas, de modo geral, em duas classes. Primeiramente, no alento para fixar maior controle sobre a atividade gerencial da máquina pública e na inserção de novas práticas no que se refere ao regime de contratação.[21] Em relação ao controle sobre a gestão pública, tal aspecto pode ser representado pelos requisitos e vedações previstos nos artigos 21 e 22 para indicação do administrador que assumirá as funções na diretoria e conselho de Administração. Por outro lado, em relação às atualizações no quesito contratação pública, a lei das estatais oferece importantes inovações no que se fere aos procedimentos licitatórios, assunto que será abordado no presente trabalho, em tópico específico.
Necessário pontuar que a Lei nº 13.303/2016 prevê o prazo de 24 meses para que as empresas estatais já existentes promovam as adaptações necessárias à nova lei (art. 91, caput). Ademais, determinou-se que devem permanecer regidos pela legislação anterior os procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até o final do prazo previsto no art. 91 da Lei nº 13.303/2016. Outrossim, o art. 97 estabeleceu a vigência da lei a partir de sua publicação, qual seja 01/07/2016. Depreende-se, por conseguinte, que as estatais já existentes na data da publicação da Lei nº 13.303/2016 terão o prazo de 24 meses para se adequarem às novas disposições contidas no diploma legal. Inclusive, o prazo persistirá quanto às regras sobre suas licitações e contratos futuros.[22]
Não obstante, além das normas sobre o regime societário, licitações, contratações e fiscalização, faz-se necessário pontuar a dedicação do legislador em instituir a necessidade da função social das empresas estatais. Nesta seara, há a necessidade de se inteirar sobre quais os limites e as orientações do exercício da função social pelas empresas estatais.