A possibilidade de fixação do valor da indenização na sentença acima do pedido inicial

22/07/2022 às 18:39
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SUMÁRIO

O INSTITUTO DA REPARAÇÃO CIVIL, DO DANO MORAL, DANO MATERIAL E DA INDENIZAÇÃO 1

AFERIÇÃO DO VALOR A INDENIZAR 2

O VALOR DA CAUSA 2

O CARÁTER ESTIMATIVO/SUGESTIVO DO DANO MORAL 3

A POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO ACIMA DO PEDIDO INICIAL 3

CONSIDERAÇÕES FINAIS 5

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 6

O INSTITUTO DA REPARAÇÃO CIVIL, DO DANO MORAL, DANO MATERIAL E DA INDENIZAÇÃO

As indenizações por danos na lei civil servem, entre outras funções, para reparar o prejuízo causado por ato ilícito. O ideal buscado é a volta ao status quo ante, em português claro, volta ao estado em que as coisas estavam antes do dano, com restituição completa do que antes se possuía. Há, porém, os casos em que impossível haver restituição, ou porque as coisas não podem voltar ao estado anterior, ou porque o que foi perdido é insubstituível. Nestes casos, não é possível a restituir, cabendo apenas compensação (ou ao menos a tentativa de compensar). Os danos reparáveis (restituíveis) como regra são danos de natureza material; os danos compensáveis (irrestituíveis) como regra são danos de natureza moral. O Dano Moral e o Dano Material são as classes de dano cuja indenização é mais pleiteada em juízo, juntamente com o Dano Estético[1] que recentemente vem sendo reconhecido pelos tribunais, podendo inclusive ser cumulado com o Dano Moral.

A indenização consiste em reparar (restituir ou compensar) o dano que se causou a outrem mediante pagamento em pecúnia. Por isso, em uma ação judicial que objetiva recebimento de indenização, a própria natureza do objeto buscado consiste em um ganho monetário. O resultado de qualquer ação indenizatória é o enriquecimento da vítima, ou porque foi anteriormente empobrecida pelo autor ou porque foi doutra forma prejudicada e faz jus à compensação. Em outras palavras, o resultado de uma ação de reparação civil bem sucedida é dinheiro no bolso.

AFERIÇÃO DO VALOR A INDENIZAR

Há casos, contudo, nos quais não é tão simples aferir a quantia a ser indenizada. Mesmo em tais ocasiões, porém, não deve ficar impedido o autor de pleitear reparação em juízo. O direito ao acesso à justiça garante a possibilidade de se pleitear reparação ainda que a extensão do dano e o valor da indenização seja desconhecido. Nesses casos, a prestação jurisdicional serve também para que se delimite corretamente a extensão do dano e o valor necessário para repará-lo. Um exemplo são as causas que decorrem de erro médico, notadamente aquelas em que apenas uma perícia feita por profissional técnico pode indicar o tamanho do prejuízo e, se for o caso, o valor necessário para efetuar novos procedimentos médicos objetivando cura ou regeneração. Nestes casos, negar a possiblidade de processamento do feito resultaria em desrespeito ao direito ao acesso a justiça e ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Com base nestas informações, o leitor pode vir a questionar sobre a composição da petição inicial. Qual valor constará do pedido? Qual valor atribuir a causa nesta hipótese?

O VALOR DA CAUSA

Tais perguntas são pertinentes. O (Novo) Código de Processo Civil estabeleceu a obrigatoriedade de que à toda causa seja atribuído valor certo, ainda que o conteúdo econômico não seja aferível imediatamente (art. 291). Significa dizer que o autor, quando do pedido inicial, não pode deixar de atribuir um valor a causa, mesmo que no momento do protocolo não saiba dizer qual resultado econômico virá do deferimento dos pedidos. Isso, sem dúvida, se aplica aos casos em que inexiste proveito econômico, hipótese em que deve ser atribuído valor meramente para fins procedimentais. Um salário mínimo é o sugerido pela maioria dos livros de prática.

Sendo assim, o mais indicado é que, quando da confecção da petição inicial, faça-se esforço para mensurar o dano e a indicar valor da indenização, ainda que este não seja exato. Não se está a dizer que há obrigação de indicar o valor dos danos, pois é plenamente possível que quem peticiona decida por não indicar ainda, neste momento processual, o quantum indenizatório e, como aludido, atribua valor simbólico à causa apenas para cumprimento do art. 291 do CPC.

Todas essas considerações já apontam para o caráter meramente estimativo/sugestivo dos valores pleiteados a título de danos.

O CARÁTER ESTIMATIVO/SUGESTIVO DO DANO MORAL

O juiz não está adstrito ao valor indicado na inicial a título de indenização por danos, sejam eles morais ou materiais (ou doutra forma classificados). Está, em verdade, vinculado apenas ao arcabouço fático-probatório apresentado e produzido no decorrer do processo. A quantia indicada na inicial é uma sugestão ao magistrado, podendo ser que após a instrução, sejam fixadas indenizações diversas.

É facilmente percebida a possiblidade de fixação do valor a menor do que o que fora requerido pelo autor. Este inclusive é o segundo objetivo da defesa do réu, sendo o primeiro conseguir convencer o juízo da falta de responsabilidade civil do requerido. Em outras palavras, os advogados do réu tentarão livra-lo da obrigação de reparar, se isso não é possível, trabalham para ao menos reduzir o valor da indenização o máximo que conseguirem. Mas e quanto a elevar o dano além do que fora inicialmente pedido pelo autor, é possível? A resposta é sim.

A POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO ACIMA DO PEDIDO INICIAL

Notadamente, como regra, não pode o magistrado ir além dos pedidos para decidir sobre questões estrangeiras às medidas pleiteadas pelas partes. Tal atitude configuraria decisão ultra petita[2], causa de nulidade para o direito brasileiro. Em português claro, o juiz não deve entregar mais do que lhe foi pedido. É o que chamamos de adstrição do julgador aos pedidos. Contudo, quando se trata do quantum indenizatório indicado na exordial, é patente na jurisprudência que se está diante de valor meramente estimativo. Inicialmente, a própria lógica do rito processual confirma este entendimento, já que, recorrentemente nos deparamos com casos em que apenas tem-se ciência da extensão do dano mediante produção de provas, especial aquelas que exigem parecer técnico. Nestes casos, impossível estabelecer valor exato quando do protocolo da peça inaugural. Por esta razão, os valores inicialmente expressos configuram mera sugestão do autor ao juiz que não é obrigado acata-la.

Consagrados os brocardos mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito), estes estabelecem mitigação da obrigatória adstrição do julgador aos pedidos. Pensar diferente quando ao dano moral, obrigaria o juiz a arbitrar a indenização em valor igual ou abaixo do pleiteado, ainda que o arcabouço fático-probatório provasse um dano cuja reparação exigisse valor muito maior. Volver-se-ia em evidente afronta ao princípio da restitutio in integrum, segundo o qual não se deve dar menos do que o efetivo prejuízo sofrido, partindo-se, sempre, da premissa de que se deve reparar o dano causado à vítima integralmente, retornando-se, preferencialmente, ao statu quo ante (TJ-MG 100249712262380011 MG).

Não apenas a lógica processual o atesta, mas a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA é assente em afirmar a natureza estimativa do valor indicado na inicial e a ausência de adstrição do magistrado ao quantum exordialmente postulado.

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. INDENIZAÇÃO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73. APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DE CHEQUE PÓS-DATADO. MAJORAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO PELO ACÓRDÃO ESTADUAL COM BASE NAS PREMISSAS FÁTICAS DA LIDE. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO ULTRA PETITA. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. SÚMULA Nº 54 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Inaplicabilidade das disposições do NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade do recurso ao caso concreto ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. Não se configura ofensa ao art. 535 do CPC/73, quando os questionamentos relevantes à solução da lide são examinados pelo acórdão, ainda que em sentido contrário aos interesses da parte. 3. O valor indicado na petição inicial, a título de indenização moral, é apenas uma sugestão para o julgador que poderá, a partir do exame dos fatos circunstanciados na lide, aumentar ou diminuir o valor requerido. 4. Ao majorar a indenização do dano moral pela inscrição indevida do nome do recorrido nos órgãos de proteção ao crédito, em razão da apresentação antecipada de cheque pós-datado, o Tribunal de origem tomou em consideração as circunstâncias fáticas delineadas na lide, de forma que a sua revisão, na via especial, é obstada pela Súmula nº 7 do STJ. 5. O óbice da Súmula nº 7 do STJ atinge também o recurso especial interposto com fundamento na alínea c da permissão constitucional, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual a Corte de origem deu solução à causa. 6. Conforme a jurisprudência firmada nesta Corte, o dano extrapatrimonial decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes é extracontratual, ainda que a dívida objeto da inscrição seja contratual (EDcl no REsp 1.375.530/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Turma, j. 6/10/2015, DJe 9/10/2015), incidindo os juros de mora a partir do evento danoso nos termos da Súmula nº 54 do STJ. 7. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no AREsp: 634369 SP 2014/0322922-2, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 22/08/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2017)

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A fixação do quantum indenizatório, portanto, não pode se afastar da razoabilidade e proporcionalidade. Em outras palavras não pode ser estabelecido valor indenizatório inferior ao necessário para restituição do status quo ante quando possível, ou, do contrário, impossível oferecer compensação satisfatória à vítima do ilícito civil. Há de se considerar ainda o caráter psicopedagógico de determinadas espécies de dano que influencia na definição do valor da indenização e na compreensão do que é razoável e proporcional.

A correta fixação do quantum indenizatório pelo magistrado é importante para que não se fira o princípio do restitutio in integrum, levando a uma injustiça por insuficiência da indenização para estabelecer o status quo ante, ou a um desequilíbrio por excesso na condenação. O Professor Cavalieri Filho lembra-nos da função primeira do instituto do dano (função reparatória):

O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no status quo ante. Impera neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenização fixada em proporção ao dano. Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto (Daniel Pizzaro, in Daños, 1991). Limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados.

Além disso, em se tratando de obrigação de resultado, é de se considerar não apenas o retorno ao status quo ante, mas ainda o resultado prometido pelo réu e esperado pelo autor. Obrigações de resultado são aquelas em que se assume um compromisso de trazer um resultado e que geram responsabilidade caso este não seja alcançado, ainda que a parte que se obriga haja genuinamente tentado. Em outras palavras àquele que assume obrigação de resultado, não basta tentar entregar o prometido, tem que entrega-lo, sob pena de indenizar a não ser que a não entrega haja ocorrido por culpa da outra parte; por caso fortuito ou força maior. Evidentemente, o custo de efetivar o resultado outrora pretendido e prometido pelo autor do ano demanda dilação probatória, a qual se dá em fase processual posterior ao protocolo da inicial. Torna-se, nestes casos, ainda mais importante que a sentença se baseie no arcabouço fático probatório e, se necessário, ignore os pedidos iniciais no que concerne a valores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O valor indicado na inicial, portanto, é meramente estimativo. Trata-se de uma sugestão ao juízo, a qual de modo algum o vincula. A cognição do magistrado na investigação do arcabouço fático-probatório, notadamente com amparo das provas produzidas em juízo é que vai fornecer elementos para que seja arbitrada a indenização apta a reparar integralmente, ou, sendo o caso, compensar satisfatoriamente o dano.

Não há que se falar em decisão ultra petita nos casos em que o juiz, analisando os fatos e as provas, condena o réu a pagar indenização em valor maior do que o que foi pleiteado pelo autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (TERCEIRA TURMA). Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial: 634369 SP 2014/0322922-2. Civil. agravo regimental no agravo em recurso especial. recurso interposto sob a égide do cpc/73. indenização moral. inscrição indevida no cadastro de inadimplentes. ausência de ofensa ao art. 535 do cpc/73. [...]. Agravante: Supermercados Pessotto LTDA. Agravado: Valdemir Henrique Policer. Relator: Ministro MOURA RIBEIRO. Data de Julgamento: 22/08/2017. Data de Publicação: DJe 06/09/2017.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 26.

DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 7.

Sobre o autor
Bruno Frutuoso

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará; Pós graduando em Direito Tributário; Atualmente Advogado Especializado em Direito Tributário e Cível.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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