Capa da publicação Câmera na farda do policial
Capa: Antônio Cruz / Agência Brasil

O uso de câmera na farda para filmar a ação policial

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23/07/2022 às 15:22

Resumo:


  • A utilização de câmeras corporais por policiais pode melhorar a transparência e a responsabilização das ações policiais, além de servir como prova no judiciário.

  • A presença de câmeras pode influenciar o comportamento tanto dos policiais quanto dos cidadãos, potencialmente reduzindo o uso da força e o número de queixas contra a polícia.

  • O uso de gravações de câmeras corporais também pode ser uma ferramenta valiosa para o treinamento e aperfeiçoamento de táticas policiais e na formação de novos agentes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O uso de câmeras corporais por policiais contribui para aumentar a transparência, melhorar condutas e reduzir queixas. Como garantir a privacidade e a eficácia no uso judicial das gravações?

Resumo: O principal objetivo desta pesquisa será analisar cientificamente a utilização de câmeras portáteis individuais instaladas na farda policial, que registram as ocorrências em que os agentes estão envolvidos. Serão examinados aspectos relacionados ao uso dessas câmeras para fins particulares e institucionais, bem como questões envolvendo responsabilidade, manuseio, custódia e utilização dos materiais gravados como prova no Judiciário brasileiro. O estudo é de fundamental importância para destacar as boas atuações policiais, garantindo a integridade dos fatos registrados, e para avaliar a aplicação de possíveis punições aos agentes, quando necessário. Além disso, a pesquisa abordará a utilização dessas gravações para fins de treinamento e aprimoramento dos atendimentos à sociedade. Será evidenciada a capacidade das câmeras de melhorar a conduta dos cidadãos, aumentar a legitimidade das ações policiais e as limitações do uso dessa tecnologia.

Palavras-chave: Câmeras Policiais Individuais. Câmeras individuais corporais. Câmeras Policiais.

Sumário: 1. Introdução. 2. A câmera corporal para o uso policial. 3. Utilização da câmera por agentes da segurança pública. 3.1. Uso de câmeras móveis e vídeo monitoramentos em via pública. 3.2. Benefícios do uso para as instituições públicas e sociedade. 3.3. Quanto à privacidade dos agentes e da sociedade. 4. Relevância para o judiciário e utilização das imagens como provas. 4.1. Amparo legal da utilização da câmera como garantidora da legalidade da ação policial. 4.2. Desestimulação e mudanças de comportamentos e reações durante as ações policiais. 4.3. Fator de uso das imagens para aprimoramento e aperfeiçoamento das táticas policiais e formação de novos policiais. 5. Conclusão. Bibliografia.


1. Introdução

O objetivo deste trabalho é abordar aspectos relevantes sobre as filmagens realizadas por policiais, tema que é alvo de possíveis controvérsias e para o qual ainda não há pacificação nos tribunais acerca da recepção e utilização das câmeras pelo Estado como um fator de publicidade dos atos. Respostas para questões relacionadas ao princípio da publicidade nas ações policiais podem ser encontradas na Constituição Federal de 1988 e em alguns códigos da legislação brasileira. Esses temas têm o potencial de gerar debates no Superior Tribunal Militar e no Supremo Tribunal Federal, com a possibilidade de entendimentos divergentes, tanto entre as Cortes quanto dentro dos quartéis.

As forças policiais, integrantes da segurança pública, encontram amparo constitucional no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, que apresenta a seguinte redação:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)

As polícias, cada uma em sua competência, podem atuar como forças auxiliares do Exército em tempos de guerra. Em tempos de paz, no entanto, seguem suas funções constitucionais urbanas, ou seja, atuam nas cidades. Cada polícia desempenha um papel específico: a Polícia Militar exerce a função ostensiva e preserva a ordem pública; a Polícia Civil atua como polícia judiciária; a Polícia Penal atua no âmbito dos presídios; e a Polícia Federal investiga crimes de competência exclusiva, principalmente aqueles contra a União.

Entre as variadas atribuições previstas no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, destacam-se: a prevenção da criminalidade em geral; a garantia da ordem e da tranquilidade pública; a segurança e a proteção de pessoas e bens; a prevenção de atos contrários à lei e aos regulamentos; além do desenvolvimento de ações de investigação criminal e de defesa da ordem nacional que lhes sejam delegadas pelas autoridades judiciárias ou solicitadas pelas autoridades administrativas.

Este trabalho tem como objetivo demonstrar aos operadores do Direito e às autoridades ligadas ao tema a necessidade de uma interpretação mais alinhada das filmagens e da demonstração de provas obtidas pelo uso de câmeras policiais. Ainda que as filmagens não devam ter primazia sobre outros tipos de evidências, como declarações de policiais e testemunhas, sejam estas visuais ou oculares, sua utilização pode fortalecer a produção de provas e o respeito aos princípios constitucionais, como o da publicidade e da transparência nos atos públicos.

Visa também fomentar a discussão sobre as filmagens realizadas por terceiros das ações de policiais e agentes no exercício de suas funções. A Constituição resguarda diversos direitos relacionados à utilização dos dados obtidos por meio dessas filmagens, bem como suas consequências e possíveis sanções administrativas, civis e/ou penais que possam ser aplicadas aos responsáveis por seu uso. O contexto atual, cada vez mais tecnológico, tem levado a uma crescente mediatização das atuações e abordagens diárias das polícias, frequentemente documentadas por cidadãos alheios às situações. Quando divulgadas de forma descontextualizada, essas filmagens podem gerar percepções de ilegitimidade e ilegalidade das ações policiais.

Embora o sistema de CCTV e/ou videomonitoramento já seja uma solução implementada que pode mitigar essas situações, ele não cobre toda a extensão das áreas de atuação das forças de segurança, além de não permitir a captação de áudio, o que dificulta a contextualização adequada dos eventos registrados.

No contexto internacional, tem-se investido fortemente no uso das Body-Worn Cameras (BWC), conhecidas no Brasil como Câmeras Individuais Corporais ou Câmeras Portáteis de Porte Individual (CPPI) e, internacionalmente, também denominadas Body-Worn Video (BWV). Essas câmeras, definidas por White (2014) como sistemas compostos por uma pequena câmera acoplada ao policial (na lapela da farda, no colete, no boné/boina ou em óculos), captam o que o agente visualiza, gravam e armazenam o vídeo. Nos últimos anos, seu uso tem se difundido rapidamente em diversos países ao redor do mundo (White, 2019). Contudo, no Brasil, esse tipo de investimento ainda não alcançou ampla implementação. Alguns estados, como Santa Catarina e São Paulo, já iniciaram projetos-piloto para adoção dessas tecnologias.


2. A câmera corporal para o uso policial

As câmeras corporais, conforme definidas por Miller, Toliver e pelo Police Executive Research Forum (2014), são pequenas câmeras de vídeo, geralmente instaladas na farda, capacete ou óculos do policial. Elas possuem a capacidade de captar, a partir do ponto de vista do policial, gravações em vídeo e áudio das atividades desenvolvidas durante o serviço, incluindo operações de trânsito, detenções, revistas, interrogatórios e incidentes críticos, como tiroteios envolvendo policiais.

O Office of the Privacy Commissioner of Canada (2015) amplia essa definição, acrescentando que as imagens captadas pelas câmeras corporais podem ser submetidas a softwares de análise, como os de reconhecimento facial, além de possibilitar a captação de conversas de terceiros presentes no som de fundo.

Dessa forma, é possível observar que:

Estas câmaras são uma ferramenta bem mais versátil do que as câmaras fixas dos sistemas de CCTV, pois para além de captarem som também são portáteis e permitem um maior acompanhamento das variadas situações que possam ocorrer, tendo-se a possibilidade de se possuir mais informação (Alves, 2017, p. 22).

A instalação das Câmeras individuais corporais nas fardas dos operacionais das Forças de Segurança deve ser estipulada pela instituição que representam e, segundo Miller et al. (2014), podem ser colocadas: i) no peito: onde é mais popular; ii) nos óculos: um bom local porque demonstra o ponto de vista do portador das Câmeras individuais corporais, porém o mesmo pode não utilizar óculos (impossibilitando a sua utilização) e, nos casos em que são utilizadas nos óculos, há relatos de que as câmaras podem magoar os portadores, ou em situações mais físicas lesionar os mesmos; iii) no ombro/colarinho: também oferece uma boa perspectiva, no entanto pode ser facilmente bloqueada pelo levantar dos braços, como por exemplo, quando é necessário apontar a arma; e iv) na arma: algumas Forças de Segurança acreditavam que era um bom local para auxiliar em situações com recurso à arma de fogo, todavia devia ser complementada com outra câmeras individuais corporais por não oferecer uma perspectiva global do local envolvente.

Destarte, é possível definir as câmeras individuais corporais como câmaras que gravam imagem e som, instaladas na farda do polícia (recorrentemente na zona do peito), por forma a captarem as ocorrências em que o policial está inserido, do seu ângulo de visão. Posteriormente, essas gravações podem ser úteis para a reconstituição de factos e como meio de recolha de informações.

No Brasil esta tecnologia está implementada em alguns Estados Brasileiros como São Paulo e Santa Catarina por força institucional e o uso voluntário por alguns policiais de vários estados, sendo reguladas por legislações internas de cada instituição. O Uso de Câmeras Individuais Corporais nas instituições de Segurança se iniciou na Europa.

O Reino Unido foi o primeiro Estado Democrático a testar as câmeras individuais corporais, tendo iniciado os primeiros testes em 2005, nos condados de Devon e Cornwall, mais concretamente na Polícia de Plymouth, em que os polícias utilizavam as câmaras na cabeça durante os policiamentos de eventos com grandes multidões (Police and Crime Standards Directorate, 2007). No ano seguinte, esta tecnologia foi testada no âmbito da violência doméstica nas Polícias de Plymouth e de Coventry, sendo que segundo o Police and Crime Standards Directorate (2006), as câmaras começaram por ser utilizadas na cabeça dos polícias e filmavam toda a interação com os envolvidos, permitindo captar as declarações iniciais das vítimas e todo o cenário do crime. Posteriormente, essas filmagens eram utilizadas pela acusação como meio de prova e como forma de desmotivar as vítimas a desistir ou a ocultar provas. A sua utilização foi-se proliferando pelo país e já se encontra instalada em vários Condados, incluindo na Polícia Metropolitana de Londres, segundo a Metropolitan Police, e em algumas Polícias da Irlanda (Police Service of Nothern Ireland, 2016).

Como é possível observar houve uma expansão e exploração mundial das câmeras individuais corporais nas Forças de Segurança, entre todos os Continentes e com resultados e implementações variadas. No Brasil, a tecnologia está chegando, e já está sendo implementada em alguns estados como Santa Catarina e São Paulo.

No ano de 2012, os EUA iniciaram os primeiros testes com Body-Worn Cameras (câmeras individuais corporais) no seu efetivo. A utilização das referidas câmaras começou após uma série de casos mediáticos contra a polícia por utilização de força letal, com filmagens, muitas vezes, descontextualizadas por terceiros, segundo Lum et al. (2019). O primeiro Departamento a testar esta tecnologia foi o Departamento Policial de Mesa, em 2012, cujos resultados, um ano depois, se revelaram muito positivos, tendo diminuído o número de queixas contra a Polícia e o uso da força (Smykla et al., 2016). Em 2016, segundo o National Institute of Justice (2017), 60% dos Departamentos de Polícia locais e 49% dos Sheriff’s Offices, já estavam equipados com câmeras individuais corporais.

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O Ministro do Interior e das Relações do Reino da Holanda, em 2006, criou um programa para combater as agressões aos funcionários públicos, mais concretamente contra os polícias, tendo definido como uma das medidas a aplicar a instalação de câmaras nos carros- patrulha e nas fardas dos operacionais (Ham, Kuppens, & Ferwerda, 2011). Inicialmente a distribuição ocorreu em pequena escala e foram vários os relatos de que a qualidade das imagens não seria a mais apropriada, como tal os resultados pretendidos não se verificaram, o que obrigou a um investimento em equipamentos com qualidade superior por parte das Polícias regionais no ano de 2011 (Ham et al., 2011).

No hemisfério sul, em 2007, foram feitos os primeiros testes na Austrália, com resultados pouco conclusivos, sendo que, desde então a sua utilização tem vindo a ser revista (Taylor. 2016). O mesmo autor refere que em 2015 foi feito um investimento de 4 milhões de dólares para equipar os polícias de primeira linha com as BWC. O investimento do Governo australiano possibilitou a entrega deste equipamento, a quase todo o efetivo policial em diversas regiões como em Queensland, Tasmânia ou Vitoria, emergindo resultados muito positivos, como mudanças de comportamentos de potenciais suspeitos por estarem a ser gravados, a produção de uma gravação de eventos independente e precisa, e uma redução de queixas “precipitadas” contra a conduta dos polícias, segundo Taylor, Lee, Willis e Gannoni (2017).

Os primeiros testes na América do Norte, ocorreram em 2009, no Canadá, na Polícia de Vitoria, segundo Smykla, Crow, Crichlow e Snyder (2016), com uma duração de quatro meses. As BWC foram distribuídas pelas patrulhas-apeadas e ciclo-patrulhas, tendo revelado que os polícias demoravam mais tempo a preencher relatórios sobre as gravações, não sendo revelado qualquer dado sobre a eficácia das mesmas. Em 2014 foi elaborado um estudo na Polícia de Toronto, que revelou resultados bastante positivos no que concerne às falsas queixas do público contra a conduta policial e no suporte que as gravações dariam em tribunal como meios de prova (Toronto Police Service, 2016).

No ano de 2012, os EUA iniciaram os primeiros testes com Body-Worn Cameras no seu efetivo. A utilização das referidas câmaras começou após uma série de casos mediáticos contra a polícia por utilização de força letal, com filmagens, muitas vezes, descontextualizadas por terceiros, segundo Lum et al. (2019). O primeiro Departamento a testar esta tecnologia foi o Departamento Policial de Mesa, em 2012, cujos resultados, um ano depois, se revelaram muito positivos, tendo diminuído o número de queixas contra a Polícia e o uso da força (Smykla et al., 2016). Em 2016, segundo o National Institute of Justice (2017), 60% dos Departamentos de Polícia locais e 49% dos Sheriff’s Offices, já estavam equipados com BWC.

Em França, as BWC começaram a ser utilizadas pelos agentes da Police Nationale no ano de 2013, como meio de obtenção de prova, servindo de suporte às declarações dos agentes nos casos de desrespeito, resistência e violência contra esses e ainda como forma de identificar os autores de tais atos, segundo Fessard e Hourdeaux (2017). Em 2016, várias polícias municipais, como por exemplo de Nice e Marselha, iniciaram um projeto para testar o dispositivo de gravação, após uma reforma na Lei criminal, que terminou dois anos depois e resultou num relatório positivo sobre a utilização das câmaras (Berne, 2018).

A Alemanha, seguindo a tendência europeia, iniciou um projeto-piloto em 2013 com a instalação de Body-Cams na sua Polícia, com o intuito de documentar áudio e visualmente as atuações dos seus polícias, segundo Martini, Nink e Wenzel (2016). Este projeto-piloto foi iniciado na cidade de Frankfurt, no Estado Federal de Hessen, em pontos críticos, tendo sido registado um resultado bastante positivo. Segundo fonte da Polícia Alemã (cit in Diehl & Schnack, 2015) o número de agressões a polícias, num momento em que a tensão era cada vez maior, começou a diminuir, graças à utilização das câmaras. No mesmo ano, a República Popular da China, equipou os seus polícias com BWC e após quatro anos da sua implementação, 80 a 90% das gravações, ajudaram a que a violência nas ocorrências não escalasse, levando a que os suspeitos não reagissem violentamente (Cheung, 2017).

Dando continuidade à expansão tecnológica nas Polícias europeias, em 2015, a Itália iniciou os primeiros testes das BWC nas Polícias de Turim e Milão, como forma de terminar com as acusações imputadas aos agentes, segundo Scarlino (2017) e Guccione (2017). Paralelamente, a Finlândia, iniciou os primeiros testes de BWC na Polícia de Helsínquia em 2015, que revelaram uma melhoria no comportamento dos polícias e dos suspeitos, aumentando a produtividade policial (Lehtonen, 2018).

Por sua vez, a Polícia de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, após testes intermitentes em 2012, implementou as BWC nos seus polícias (Al-Shehhi, 2018). Os resultados foram positivos, porém foram levantadas algumas questões do foro religioso no que concerne à filmagem de mulheres, especialmente quando estão envolvidas em situações consideradas indecentes (Al-Shehhi, 2018). No continente asiático, a Polícia de Singapura, equipou alguns dos seus operacionais com câmaras em 2015, porém não divulgou quaisquer resultados desde a sua implementação (Singapore Police Force, 2015).

Como é possível observar houve uma expansão e exploração mundial das câmeras individuais corporais nas Forças de Segurança, entre todos os Continentes e com resultados e implementações variadas. No Brasil, a tecnologia está chegando de forma gradual e está presente em alguns estados de forma experimental, como é o caso de Santa Catarina e São Paulo, com fortes tendências para expandir para todo o Brasil.


3. A relevância para judiciário e utilização das imagens gravadas como provas

O problema central do trabalho refere-se à análise da possibilidade das imagens gravadas pelos agentes de segurança pública serem utilizadas em juízo para esclarecer maiores informações sobre o atendimento da ocorrência que gerou possível litigio ou ação exitosa dos agentes. Imagine que os agentes fazem um salvamento de um possível suicida, evitem um roubo e ou outros crimes violentos ou não. São ações que as vezes uma ou umas imagens dizem mais que mil palavras e com a possibilidade do agente poder filmar sempre na íntegra o fato vai trazer à tona todo esse realismo para o judiciário e para as instituições envolvidas na avaliação do atendimento, reconhecimento das ações exitosas e possíveis punições de falhas e atuações fora da legislação vigente.

As câmeras individuais corporais são ainda anunciadas como possíveis meios de obtenção de provas, com a capacidade de fornecer uma perspetiva próxima, “do campo de visão” do polícia, da ocorrência em questão, sendo que, a existência desta tecnologia é fundamental no auxílio à investigação criminal. Desde logo, na obtenção de um maior número de confissões, em vez de processos judiciais que se prolongam morosamente em tribunal, segundo Goodall (cit in White, 2014).

No que concerne ao tempo de resolução dos casos, segundo UK Home Office (cit in White, 2014), no estudo levado a cabo no Reino Unido, foi possível apurar uma redução de 22.4% do tempo do agente envolvido na elaboração de expediente e de todo o trabalho administrativo que uma ocorrência implica, o que se traduz num incremento de 50 minutos por cada turno de 9 horas.

Relativamente à utilidade das câmeras individuais corporais em tribunal, Merola et al. (2016) concluíram que 93% dos procuradores que foram entrevistados no seu estudo, afirmaram que utilizaram as suas gravações para acusar os suspeitos. No que concerne a ocorrências de violência doméstica, Owens, Mann e Mckenna (2014), concluíram que o número de processos judiciais aumentou, quando se verificava que o polícia estava equipado com uma câmeras individuais corporais , o que pode ser justificado pela força jurídica das gravações, como meios de prova.

3.1. Uso de câmeras móveis e video monitoramentos em via pública

O Agente de segurança pública pode utilizar a câmera acoplada ao seu colete para filmar as ações policiais sem nenhum problema. O que ele fará com as imagens e vídeos ou qualquer material similar que for produzido é o que será de relevância para o judiciário. Além disso, possui valor jurídico relevante para o judiciário caso necessite utilizar como provas. Mas insta salientar que o Brasil ainda não tem legislação própria que versa sobre o uso institucional das câmeras corporais individuais dentro das instituições de segurança pública para o seu uso e suas regulamentações acerca do fato embora alguns Estados como Santa Catarina e São Paulo já iniciaram os testes. Em contrapartida temos a Constituição Federal o art. 5º, X da Constituição Federal e no art. 20. do Código Civil, conforme se pode verificar da letra da lei:

“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Então deste modo, pode se moderar, a sensatez e bom sendo ao se analisar e conjugar a equação da liberdade de expressão e proteção da imagem. Se o cidadão pode e deve fiscalizar as ações dos agentes públicos mediante filmagens e imagens do evento-ocorrência, desde que não frustre e atrapalha as funções do agentes porque o próprio agente não pode resguardar sua ação e se policiar para o bom andamento das ações, é interessante para todos.

3.2. Benefícios do uso para as instituições públicas e sociedade

As BWC são propagandeadas como ferramentas potenciadoras de variados benefícios para a atividade policial, judicial, entre outras. Como já foi relatado, são vários os países que já investiram nesta tecnologia, ou que estão a iniciar projetos para implementar BWC nas suas Forças de Segurança. Assim sendo, inúmeros estudos foram conduzidos para avaliar o impacto e os benefícios que estes dispositivos efetivamente têm nas Polícias onde já foram implementados, mais concretamente: i) o aumento da transparência e da legitimidade policial; ii) a melhoria da conduta do polícia; iii) a melhoria da conduta do cidadão; iv) a resolução mais célere de queixas contra polícias; v) a utilização como meio de obtenção de prova para detenções e para a acusação; e vi) como ferramenta na formação policial. Assim sendo, de seguida faremos uma análise de cada um dos impactos e benefícios com base na literatura americana e anglo-saxónica.

3.3. Quanto a privacidade dos agentes e da sociedade

O conceito de privacidade remete-nos para questões muito complexas sobre a sua definição, mas também sobre os seus limites, como por exemplo: onde começa e acaba a privacidade de alguém? Ou se é admissível, em algum caso, violar essa privacidade? Entre muitas outras questões que são suscitadas sobre algo que todos defendem e que lhes é muito estimado. O termo privacidade, proveniente do latim privates, designa a separação de uma pessoa de tudo o resto, ou seja, o espaço que pertence a cada um (Chorão, 2002). “A privacidade desenvolveu-se historicamente como uma zona isolada, manifestada em estruturas como a proteção do domicílio, da família e do segredo da correspondência. Devido ao surgimento da ‘nova comunicação social’, acrescentou-se o segredo da telecomunicação” (Moreira & Gomes, 2012, p. 387). Nos últimos anos, com o desenvolvimento das redes sociais, o conceito de privacidade tornou-se cada vez mais precioso, existindo uma maior exposição da sua vida privada nas redes sociais. Neste âmbito, o principal problema que surge é a exposição da vida privada de outrem, violando o direito à reserva da mesma. Segundo Matias (2019) existem três aspetos distintos da privacidade: o primeiro é o pessoal, que se refere à proteção individual contra intromissões indevidas; o segundo é o territorial, que se ocupa do espaço físico que está associado a um indivíduo; e por último o informativo, associado à divulgação de dados. A privacidade insere-se na esfera do Direito, mais concretamente, e devido à sua importância, nos Direitos Fundamentais. Segundo Mendes e Branco (cit in Pilati & Olivo, 2014), “o direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público. ” (p. 288).

Mazur (cit in Pilati & Olivo, 2014) observa que

a privacidade é direito universal, na medida em que basta a qualidade de pessoa para que seja atribuída ao seu titular; perpétuo, se constituindo com o nascimento da pessoa e extinguindo-se apenas com a sua morte; inato, pois essencial em relação à pessoa; e indisponível, unido ao sujeito originário por um nexo orgânico, que os torna inseparáveis (p. 292).

A nível mundial, no artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e no artigo 17.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), está consagrado o direito à vida privada, proibindo qualquer intromissão arbitrária à mesma e protegendo-a por Lei. No que concerne à legislação portuguesa, o direito à privacidade está consagrado no artigo 5º., pela expressão de direito à “art. 5.º, inciso X tratou de proteger a privacidade assim assegurando: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. ” Segundo Canotilho e Moreira (2007), este direito fundamental pode ser dividido em dois outros menores: “(a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem” (p. 467). Neste sentido, surgem outros direitos como garantias deste, como o direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, previsto no art. 5º, XI da CF/88 e da proibição do tratamento de dados pessoais com recurso a meios informáticos sem consentimento expresso do titular ou devida autorização prévia, consagrado no art.5º Inciso X Da Cf/88 (Canotilho & Moreira, 2007). A reserva da vida privada tem vindo a ser cada vez mais alvo de preocupação por parte dos legisladores, com a criação de normas relativas à proteção de dados pessoais, devido aos variados casos de violação da mesma, como é exemplo de Cambridge Analytica, com recurso a métodos cada vez mais inovadores e de difícil rastreio. Todavia, é ainda levantada a questão sobre a recolha de imagens, não só no interior de residências como também na via pública. Relativamente à captação de imagens e à reprodução das mesmas, aplica-se o artigo 79.º do Código Civil, sendo que o n.º 1 refere a necessidade do consentimento na exposição, reprodução ou lançamento em comércio do retrato de terceiros. Estando previstas no n.º 2 as situações que não exigem consentimento das pessoas retratadas, onde se incluí a captação de imagens em locais públicos ou quando se justifique pelas exigências de Polícia. Neste âmbito, já existe alguma legislação que prevê uma série de condicionantes, visando a proteção dos cidadãos, no que concerne à captação de imagens por parte das Forças de Segurança, que serão um pouco mais aprofundadas num subcapítulo mais adiante relativo à utilização de sistemas de CCTV (também conhecido pela sigla CFTV; do inglês: closed-circuit television, CCTV) por essas e fazendo uma comparação superficial com as câmeras individuais corporais.

3.4. Legitimidade e transparência policial

As Forças de Segurança são um dos braços armados e coercivos do Estado, que garantem o respeito pelo exercício dos direitos e da liberdade dos cidadãos, recorrendo à força quando necessário, com procedimentos de atuação definidos e limitados pela letra da Lei (Novaes, 2001). “A polícia, para agir, precisa de estar legitimada para o fazer, porquanto a legitimidade é o fundamento de toda a intervenção policial” (Alves, 2016, p. 16). Todavia, a Polícia deve atuar não só com base na legitimidade normativa, mas é também necessária uma legitimidade social, ou seja, segundo Valente (cit in Alves, 2016) o cidadão deve sentir como necessárias a Lei e a intervenção policial. Desta forma, a atividade policial deve pautar-se por valores como a transparência, para que seja garantida a sua legitimidade perante os cidadãos. A legitimidade policial é formada através da perceção que os cidadãos auferem sobre a atuação dos polícias e da forma como estes resolvem as ocorrências (Mazerolle, Bennett, Davis, Sargeant & Manning, 2013).

Mazerolle et al. (2013) analisam a influência de variáveis como a eficácia policial e a justiça processual na legitimidade. Segundo Tankebe (cit in Mazerolle et al., 2013), em contextos onde o consentimento e a cooperação são provocados à força, a eficácia policial era a variável com maior peso na cooperação dos cidadãos. Todavia, Tyler (cit in Mazerolle et al., 2013), concluiu que a justiça processual tem um maior peso na confiança do público e na cooperação, que a eficácia e a performance dos polícias. Neste sentido, Tylor (cit in Tankebe, Reisig & Wang, 2016), afirma ainda que as pessoas que sentem que não são tratadas de forma justa pelas autoridades legais, tendem a questionar mais a legitimidade das Leis e dos seus agentes, o que vai afetar a predisposição dessas para obedecer às normas, regulamentos e ordens.

Uma das formas de garantir a legitimidade percepcionada pelos cidadãos é através da transparência de atuação, ou seja, atuar com base nos valores da da imparcialidade. Seguir os códigos deontológicos das policias e agir de acordo com os preceitos e doutrinas institucionais cumprindo sempre a missão, visão e valores adotados por cada instituição. No Caso do Policial Militar no dia da formatura dos cursos é feito um juramento no qual eles dispõem da própria vida em defesa do próximo na sociedade. Os deveres de isenção e de imparcialidade fazem parte intrínseca do valor de transparência, uma vez que este último se refere à não ocultação de vantagens ou procedimentos, isto é, tornar público e expor-se de forma aberta, sem segredos. Sendo a Polícia uma parte integrante do Estado, tem uma natureza pública e um compromisso para com os cidadãos de divulgar informações sobre a sua eficiência e sobre a sua forma de atuar, garantido a privacidade dos dados recolhidos.

O aumento da transparência e da legitimidade policial é sem dúvida um dos argumentos mais fortes para os defensores da aplicação das BWC nas Forças de Segurança. Tendo em conta o escrutínio ao qual a atividade policial está cada vez mais sujeita, esta tecnologia apresenta a possibilidade de gravar as atuações dos polícias no terreno e esclarecer indubitavelmente a forma como são resolvidas pelos mesmos. Um artigo publicado na Police Magazine (cit in White, 2014) constatou que as BWC representariam o expoente máximo de transparência nas Forças de Segurança.

Segundo Sousa et al. (2017) o público acredita que as BWC irão aumentar a transparência policial, a confiança na Polícia e melhorar as relações entre polícias e cidadãos. Neste sentido vão também os resultados do estudo elaborado na Flórida, por Crow, Snyder, Crichlow e Smykla (2017), que indicam que 77.6% dos inquiridos concordam que as câmaras irão aumentar a legitimidade policial. Por sua vez, Taylor e Lee (2019) concluíram no estudo levado a cabo a 907 detidos na Austrália, que existe um forte apoio por parte destes à implementação das câmaras, desde que possam ser controladas de forma imparcial, e revelaram ainda que um dos benefícios seria a justiça e a imparcialidade.

Em Denver, nos EUA, tal como em várias Polícias americanas, os polícias têm que preencher um relatório quando recorrem à força física no contacto com qualquer cidadão, ficando o preenchimento desse relatório à responsabilidade do respetivo polícia. No estudo levado a cabo por Ariel (2016), no Departamento Policial dessa cidade, após a implementação das BWC, concluiu-se que a elaboração do relatório do uso da força aumentou em 15%, comparando com um grupo de controlo. Este resultado pode ser interpretado como um aumento da transparência e da responsabilidade por parte dos polícias, ou seja, ao saberem que a sua conduta está a ser gravada, os operacionais sentem-se na obrigação de preencher o relatório e reportar a situação em causa. Segundo Koen (2016), as BWC tornaram aspetos organizacionais como relatórios, a discricionariedade, o treino e as interações com os cidadãos, disponíveis para todos, e como tal sujeitas ao escrutínio público.

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Sobre o autor
Guilherme Urzedo Rodrigues

Pós Graduando em Direito Penal Militar e Processual Penal Militar pela Unyleia. Bacharel em Direito pela Unitri, Uberlândia/MG. Policial Militar do Estado de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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