Caso da modelo. Assédio sexual, assédio moral ou importunação sexual?

Leia nesta página:

Modelo é assediada por hóspede de hotel no interior de SP; veja o vídeo. (Fonte: G1)

Primeiramente, as palavras e seus significantes:

Dicionário Aurélio Século XXI

LASCÍVIA

[Do lat. lascivia.]

S. f.

 1.  Qualidade ou modos de lascivo.

 2.  Luxúria, libidinagem, sensualidade, cabritismo.

LUXÚRIA

[Do lat. luxuria.]

S. f.

 1.  Viço ou exuberância das plantas.

 2.  Incontinência, lascívia; sensualidade.

 3.  Dissolução, corrução, libertinagem.

 4.  Bras. AL Esperma, sêmen.

[Cf. luxuria, do v. luxuriar.]

LIBERTINAGEM

[De libertino + -agem2.]

S. f.

 1.  Devassidão, desregramento, licenciosidade, crápula.

Se analisarmos, pela ideologia religiosa de tradição judaico-cristã, na premente backlast dos bons costumes, no Brasil, costumes anteriores ao século XXI, uma mulher, no século XXI, com indumentária mostrando muito o corpo, como minissaia, regata cavada, a mulher é libertina. Poder-se-ia configurar como crime (backlast dos bons costumes):

Ato obsceno

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Todavia, pelo entendimento social recomendo assistir A Jornada (um homem viaja para o século XX e encontra libertinagem, jovens drogados etc.) neste início de século XXI, minissaia e regata cavada não conceituem crime (Art. 233, do CP). E se Casal grava cena de sexo em um Tesla com o piloto automático ligado. Existem crimes ou não? Depende das condições mesológicas. Se o casal não é visível para os demais usuários condutores motorizados e não motorizados, pedestres, pessoas nas janelas etc. não há crime (Art 233, do CP). 

Há cinco anos publiquei Por que ejacular dentro de ônibus não é estupro?

À época, o ato de ejacular dentro de ônibus não era considerado estupro, por adequação social as normas são criadas pelos representantes do povo; e o povo possui sua compreensão sobre certo ou errado, justo ou injusto . Como os abusos à liberdade sexual da mulher, e até o controle, secular, do corpo feminino pelo corpo masculino, como se a mulher fosse propriedade do marido, os representantes do povo, por nova adequação social mudaram o entendimento de mero aborrecimento para violação à dignidade da mulher. Essa nova adequação social tem influência dos direitos humanos sobre o valor, como um fim em si mesmo, da dignidade da mulher. A Carta das Mulheres, enviada aos congressistas, na Assembleia Constituinte de 1987, elaborada por feministas, lançou imenso valor para mudanças profundas na sociedade brasileira, por força normativa da CRFB de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

A nova adequação social forçou um novo posicionamento nos legisladores (Novatio legis in pejus) sobre mero aborrecimento.

De crime pequeno (adequação social e objetificação da dignidade da mulher):

DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941

 Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: (Revogado pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. (Revogado pela Lei nº 13.718, de 2018)

Para crime grave (adequação social para a relevância da dignidade da mulher):

DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

(Novatio legis in pejus)

Importunação sexual (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

A nova adequação social, por Novatio legis in pejus, libertou o corpo da mulher, uma propriedade do homem cisgênero, de um ônus, machista, e deu a importância inata à mulher, como parte da espécie humana e com valor semântico de um fim em si mesmo. Não houve, como muito é divulgado nas redes sociais, uma supervalorização da mulher. Sim, deu o devido reconhecimento da mulher, por ser da espécie humana.

Debates sobre o caso Modelo é assediada por hóspede de hotel no interior de SP (Fonte: G1)

No caso em tela, houve assédio?

Dicionário Aurélio Século XXI:

ASSÉDIO

[Do lat. obsidiu (< lat. obsidere, 'pôr-se diante'; 'sitiar'; 'atacar'), poss. com infl. do it.]

S. m.

 1.  Cerco posto a um reduto para tomá-lo; sítio:

 2.  Fig. Insistência importuna, junto de alguém, com perguntas, propostas, pretensões, etc.:

[Cf. assedio, do v. assediar.]

Assédio, por definição, necessita de insistência importuna. Porém, não há necessidade de insistência importuna, como ocorreu no caso da modelo.

Por adequação social, os legisladores inovaram (Novatio legis incriminador) sobre o comportamento importuno:

DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Assédio sexual (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Pena detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Definição de constrangimento:

Dicionário Aurélio Século XXI

[Do lat. constringere, *constrengere; cf. constringir.]

V. t. d.

 1.  Impedir os movimentos de; apertar: 2

 2.  Tolher a liberdade de; incomodar: 2

 3.  Tolher, cercear: 2

 4.  Forçar, coagir; violentar: 2

V. t. d. e i.

 5.  Obrigar pela força; compelir, coagir: 2 2

V. p.

 6.  Experimentar constrangimento; acanhar-se.

[Conjug.: v. ranger.]

Para configurar assédio sexual há de ter intenção de causar reação negativa, socialmente reprovável, como cerceamento de liberdade de locomoção, impedir desenvolvimento laboral contumaz ao tipo de serviço colocar numa condição de castigo, como nada fazer. E deve ocorrer "condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função".

No caso da modelo, houve ato libidinoso, do agente ativo, o homem, para atender à satisfação de lascívia e de concupiscência dele. Não há assédio sexual. Logo, há importunação sexual (Art. 215-A, do DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940), pela cantada Conversa cheia de lábia com que se tenta seduzir ou convencer alguém (Dicionário Aurélio Século XXI) , de conotação sexual. No entanto, uma particularidade. Se o mesmo homem estivesse numa lupanar, ou em local de ponto de serviço sexual, como ocorre nas vias públicas das metrópoles brasileiras, não há de se falar em importunação sexual, por ser atípico. Se o cliente coage, sim, há crime:

DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

TÍTULO VI

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Talvez, alguns leitores possam questionar DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL em relação ao profissional do sexo. Tal profissional possui dignidade? Sim! O corpo é dela, não uma propriedade de alguém, mesmo mediante pronto pagamento. Quem decide é ela, a profissional, ou ele, o profissional. No caso de uma mulher, ainda que profissional do sexo, estiver com os seios desprotegidos. Crime:

DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

CAPÍTULO VI

DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR

Ato obsceno

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

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A "NOVA ADEQUAÇÃO SOCIAL"

Suporemos que seios desprotegidos, por nova adequação social, não seja mais crime (Abolitio criminis: atipicidade da norma do art. 233, do CP). Suporemos, também, que Puta, Viado, Corno. Crimes contra a honra que tenderão a desaparecer. Viajar no tempo, como ocorreu em A Jornada. Uma sociedade mais liberal, por não ter a tradição judaico-cristã, ou seja, verdadeiro Estado laico e sociedade pró-liberdade individual. Cito o caso de extremo pudor:

 O excessivo pudor da tradicional Inglaterra, chegou ao ponto de mandar vestir calças nas pernas das mesas, para que não ficassem expostas! Foi necessário Freud quebrar os grilhões da hipocrisia e ensinar ao homem que o sexo também faz parte da natureza, que é, em suma, vida. É uma função fisiológica, uma energia, um instinto como outro qualquer: a fome, a sede.

Freud, por isso, foi excomungado. Anatematizado. Sofreu toda espécie de injúria.

Mas continuou mostrando ao mundo, através de seus livros, o quanto a humanidade estava presa aos conflitos sexuais, daí resultando as neuroses. (SILVA, Valmir Adamor da Silva. Psicanálise Surpreendente.3ª Edição. Revista e Atualizada. Editora Tecnoprint Ltda. 1985)

Daqui algumas décadas, ou anos, quem sabe, será que a cantada, sem oferecimento de dinheiro, será normal na sociedade brasileira e de outras sociedades? Tanto mulher quanto homem, sejam cisgêneros ou LGBT+, abordam-se, nas vias públicas alguém sentado numa praça e outra pessoa diz Amei você, topas umas carícias? , e a resposta Não obrigado, não faz o meu tipo? Ou seja, sem qualquer importunação sexual atipicidade penal. Só o futuro dirá!

Quanto às profundas mudanças sociais, os operadores de Direito, assim como os legisladores, terão muitíssimos trabalhos intelectuais diante das novas adequações sociais. No entanto, como notório, o backlast e a contra contra cultura, ou seja, forças ideológicas sempre em confrontos.

Se não for "atrevimento" de minha parte, penso que a tendência da espécie humana é menos tabu e dogma, com a prevalência da autonomia da vontade. Ou seja, uma cantada obscena não será obscena. Tanto homem quanto mulher serão livre, em si mesmos, para procurarem parceiro (a). O simples "Não" colocará um ponto final em qualquer proposto. Não é não. Disso, outras mudanças. Muitos sites de encontros perderão mercado, pois pudor e tabu quanto à sexualidade e ao sexo, tornar-se-ão "normais". Sites de infidelidade sigilo total para encontros entre casados, namorados também perderão mercado. A consciência de respeito pelo próximo será muito maior. Se há liberdade, provavelmente, também existirá relacionamentos embasados nas qualidades pessoais, não no querer, simplesmente, o sexo. 

Quanto mais reprimida, sexualmente, uma sociedade de:

  • Abusadores sexuais;
  • Explorações sexuais;
  • Tráfico sexual;
  • "Oportunidade sexual", por condição de pobreza de outra pessoa;

Não deve diminuir, os crimes contra crianças e adolescentes, menores de 14 anos, na questão de Estupro de vulnerável (Art. 217-A, do CP). Pedofilia é doença! Bem diferente de abusadores sexuais.

Com as novas adequações sociais, muitas normas no corpo do DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 serão revogadas.

Respostas sobre Assédio sexual, assédio moral ou importunação sexual?

Não há assédio sexual. Assédio moral é importunação sexual.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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