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Condomínio especial mobiliário como figura ímpar e insubstituível

27/10/2022 às 15:21
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Resumo:  O presente artigo aborda os aspectos pertinentes ao Projeto de Lei nº 3.801/2020, de autoria do Deputado Federal Eli Correa, sob a ótica da multipropriedade mobiliária. A metodologia utilizada é a revisão da literatura jurídica a respeito do tema com uso de raciocínio dedutivo. Ainda, o artigo objetiva analisar se a regulamentação pretendida do instituto é adequada para reduzir custos e ampliar a forma de empreender.  

Palavras-chave: multipropriedade mobiliária; Projeto de Lei nº 3.801/2020.   

Sumário: Introdução; 1. Condomínio especial de multipropriedade mobiliária; 2. Aspectos da multipropriedade mobiliária; Considerações finais. 


A multipropriedade abrange diversas espécies de bens móveis, com potencial para  operar uma revolução nos usos e costumes da sociedade brasileira.  [1]

INTRODUÇÃO  

Esse artigo objetiva tratar da necessidade de regulamentação da multipropriedade de bens móveis, visto que possui a potência para reduzir custos e ampliar a forma de empreender. E, nesse intento, o Deputado Eli Correa apresentou o Projeto de Lei (PL) n.º 3.801/2020, no intuito de regrar o instituto da multipropriedade mobiliária. 

Tal figurino jurídico se insere na definição de “destruição criativa” trazida pela obra Teoria do desenvolvimento econômico, de JOSEPH SCHUMPETER, diz que o sistema de economia de mercado possui capacidade de revolucionar os meios de produção de forma inesperada e não linear [2]. Nessa linha de intelecção, o impulso fundamental que põe em movimento a máquina capitalista consiste nas novas estratégias de consumo, os novos mercados e as novas formas de pensar o tradicional.  

Nesse contexto, o parlamentar JOSÉ MEDEIROS [3] relata que “(a) multipropriedade de bens móveis é uma realidade e, a cada dia, ganha ainda mais volume, especialmente quanto aos bens de alto valor econômico, que necessitam de forte proteção jurídica, evitando fraudes, desvios e situações que possam causar instabilidade ao ambiente de negócios”.  

Nessa ordem de ideias, no tocante aos processos evolutivos próprios da sociedade contemporânea no segmento mobiliário, percebe-se que a maneira de negociar evoluiu, o que demanda a roupagem jurídica mais adequada para o instituto, o qual ainda carece de regulamentação legal específica.  

A partir da análise do instituto da multipropriedade, vislumbra-se a possibilidade de unir inovação, racionalizar custos e facilidade de acesso a bens, como diamantes Cartier.  

Essa nova figura jurídica, de berço europeu e há muito tempo adotada nos EUA (time sharing), veio para resolver o que, na prática, já se praticava aqui no Brasil mediante contratos obrigacionais inominados que disciplinavam a utilização temporária de algumas unidades imobiliárias autônomas, fracionadas em quotas de uso. [4]

Assim, o instituto, já conhecido em relação aos bens imóveis, proporcionará a valorização da função social de bens móveis potencializando sua exploração econômica de acordo com as necessidades sociais. 


1. Condomínio especial de multipropriedade mobiliária  

De antemão, importa assinalar que, em 15/07/2020, o PL n.º 3.801/2020 praticamente não tramitou regularmente, uma vez que teve apenas sua apensação ao PL 2419/2019 e, em seguida, ao PL 2872/2021, que tratam da multipropriedade veicular. 

Em assim sendo, esse conjunto normativo tem por intento regulamentar um sistema para documentar e para controlar a vida condominial e os direitos autônomos sobre o patrimônio condominial mobiliário, haja vista que a Lei nº 13.777/2018 apenas abordou a multipropriedade imobiliária. 

Isso porque, consoante explica o doutrinador GONÇALVES NETO , essa omissão resultou da cautela do legislador, na medida em que poderia criar grandes embaraços na implantação do regime relativamente a bens móveis, cuja utilização é bem mais dinâmica em cotejo com a dos bens imóveis, exigindo maior reflexão parlamentar. 

Nesse sentido, o condomínio especial em multipropriedade de bens móveis fraciona direito de propriedade privativo sobre determinado bem por períodos temporais correspondentes. Essas frações de tempo poderão ser livremente alienadas ou gravadas de ônus reais por seus proprietários, conforme determina o art. 1330-B do PL n.º 3.801/2020, vejamos:  

Multipropriedade mobiliária é o regime de condomínio especial em que cada um dos coproprietários de um mesmo bem móvel é titular de uma fração de tempo, definida como direito real de propriedade sobre o bem, à qual corresponde a faculdade de uso, gozo e fruição de sua totalidade, com exclusividade, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada, em conformidade com o previsto no memorial de instituição e na convenção de condomínio.  

Com isso, de início, vislumbra-se que esse novo instituto jurídico beneficiará pessoas físicas e jurídicas, porquanto inaugurará um novo e pujante ramo de negócios, dinamizando e tornando mais eficientes muitos empreendimentos.  

Nesse diapasão, o Projeto de Lei determina que os órgãos públicos, tais como o Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), manterão suas funções. Nessa direção, o art.129-A do PL 3.801/2020 propõe: 

 Objetivando submeter bens móveis a regime de condomínio especial de multipropriedade mobiliária, os instituidores deverão promover o registro do respectivo memorial, acompanhado de minuta de convenção de condomínio, no cartório de Registro de Títulos e Documentos competente, no qual os bens que integrarão o patrimônio multiproprietário deverão estar descritos quanto a espécie, quantidade e outros elementos definidores. 

 § 4º Uma vez registrados nos órgãos competentes, e anotados os respectivos comprovantes de registro na matrícula condominial, os bens estarão submetidos a regime de condomínio especial multiproprietário, na forma de frações de tempo de direito exclusivo de propriedade, devendo ser abertas as respectivas matrículas, em conformidade com os dados do memorial de instituição do condomínio. 

Por conta disso, a obrigatoriedade do registro em cartório de memorial e minuta de convenção de condomínio eleva a segurança jurídica e a publicidade de sua existência, limites e procedimentos, proporcionando base normativa essencial para que o condomínio em multipropriedade de bens móveis represente uma carta promissora no mercado consumidor.  

Tal espécie contratual moderna possibilitará o uso por diferentes titulares durante tempo determinado em um novo figurino jurídico, fomentando a economia no que tange à compra de bens móveis de maior valor, uma vez que reduzirá o custo individual e satisfará as necessidades dos usuários na medida exata, lançando mão da capacidade ociosa de exploração econômica de determinados bens. 

Nessa conjuntura, a multipropriedade mobiliário estimula a economia colaborativa, dado que determinado ativo móvel poderá ser usado por várias pessoas em diferentes períodos temporais, o que racionaliza a exploração do bem, ao mesmo tempo em que torna sua aquisição mais acessível financeiramente. Logo, entrevê-se a cooperação por intermédio do compartilhamento das faculdades de uso e gozo de determinado bem móvel. 

Nessa linha de pensamento, ARUN SUNDARARAJAN  explica que a economia compartilhada, também denominada por ele de capitalismo baseado em multidões, descreve 

  [...] parte da lógica e do idealismo dos primeiros proponentes das abordagens de compartilhamento no âmbito da economia e indica o distanciamento do capitalismo impessoal e despersonalizado do século XX e a aproximação da troca, que é, de alguma forma mais conectada, mais enraizada na comunidade e que representa melhor um propósito compartilhado. 

Nessa toada, ELENA SIQUEIRA DORNELAS  reforça que a economia colaborativa se baseia em recursos intangíveis, infinitos e abundantes, na medida em que os bens móveis serão substituídos em caso de perecimento. Bem por isso, cumpre assinalar que a economia colaborativa está assentada sobre três pilares fundamentais: (i) recursos intangíveis; (ii) novas tecnologias; e, (iii) sociedade em rede.   

Nesse contexto, a economia compartilhada torna viável a aquisição dos bens móveis a baixo custo, o que aumenta a circulação de capital, ao mesmo tempo em que maximiza a utilidade do bem.  

Essa mudança de paradigma sobre a titularidade e exclusividade dos direitos de propriedade operacionaliza a divisão de custos entre os diferentes consumidores do bem móvel, potencializando uma janela de oportunidades disruptivas para o acesso a bens de alto valor em relação ao modelo hoje vigente no ordenamento jurídico brasileiro. 


2. Intuito da multipropriedade mobiliária  

A instituição da multipropriedade mobiliária precisa conferir segurança, eficácia, publicidade e autenticidade às relações jurídicas que exsurgem das novas tratativas negociais. Por essa razão, o art.1330-G do PL n.º 3.801/2020 regulamenta os requisitos e os instrumentos necessários para devida eficácia do instituto, senão vejamos: 

Constitui-se a multipropriedade mobiliária por ato entre vivos de memorial de instituição de condomínio especial multiproprietário sobre bens móveis, mediante instrumento particular ou público, do qual deverão constar sua denominação e os elementos definidores [...], a ser registrado no cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicílio do instituidor ou dos instituidores detentores da maior parcela do direito de propriedade sobre o bem.  

Assim, a multipropriedade mobiliária é constituída pelo registro do memorial do condomínio na serventia de títulos e documentos, fato esse que concede publicidade e efeito erga omnes ao ato firmado. A esse propósito, LEONARDO BRANDELLI , determina 

[...] A necessidade de tornar cognoscíveis as relações jurídicas que produzam, ou devam produzir, efeitos perante terceiros - seja de caráter real, seja de caráter pessoal é uma realidade jurídica que encontrou diferentes respostas ao longo da evolução do Direito. A oponibilidade erga omnes, que é característica fundamental dos direitos reais, bem como da eficácia real dos direitos obrigacionais, não pode ser alcançada pela pura dicção legal, sem que seja dado aos terceiros a possibilidade real de conhecer tais direitos que lhes devem afetar. Mister se faz, para tanto, que haja um meio de cognoscibilidade para os terceiros que não participaram da relação jurídica, mas que podem ser por ela afetados, sem o que, não lhes pode ser oponível a situação jurídica, a qual, portanto, não pode ter eficácia real. Tal cognoscibilidade é alcançada pela publicidade jurídica. Sem um meio eficaz de publicidade, não será efetivo a terceiros, uma vez que estes o direito real, oponível a terceiros, desconhecem; poder-se-á chamar de direito real, mas em verdade não o será, ou não o será em sua plenitude, por encontrar sérias restrições jurídicas decorrentes da ignorância de sua existência por terceiros. 

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De outro lado, o artigo 129-A, §§ 2º e 8º, do PL n. º 3.801/2020 levanta um aspecto favorável do condomínio especial de multipropriedade mobiliária, qual seja: cada fração multiproprietária deverá ser objeto de matrícula própria, com indicação da matrícula-mãe a que vinculada e especificação própria, vejamos: 

Estando em ordem a documentação referida no parágrafo anterior, a matrícula do Condomínio Especial de Multipropriedade Mobiliária será aberta e o memorial respectivo registrado, ficando instituído o condomínio, sob condição suspensiva da aquisição e respectivos registros, em nome do condomínio, dos bens a serem submetidos a regime de multipropriedade, o que deverá ser devidamente comprovado, para fins de anotação, ex offício, pelo Registrador de Títulos e Documentos, junto à matrícula condominial. [...] 

§ 8º Cada fração multiproprietária deverá ser objeto de matrícula própria, onde será indicado o condomínio e respectiva matrícula a que vinculada, seguindose sua denominação e especificação, com a descrição do direito temporal exclusivo a ela associado, bem como informada sua correspondente fração ideal na totalidade do patrimônio condominial, abaixo do que serão lançados anotações, registros relativos às suas transmissões, onerações, penhora, arresto, sequestro e outras restrições, bem como averbadas locações, comodato e outras ocorrências que de algum modo afetem referido direito ou as pessoas dos seus titulares. 

Em vista disso, as demais matrículas derivadas da comercialização das frações temporais serão anotadas ex officio na matrícula original dos condomínios, sem cobrança de emolumentos, haja vista a dinâmica negocial aqui estudada, na esteira do que ensina EMILIO GUERRA.  Por todo o exposto, espera-se que o instituto agasalhado pelo PL venha triunfar como mecanismo de acessibilidade a bens móveis de alto valor e aumento de utilidade e riqueza. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Em arremate, vimos que o condomínio especial em multipropriedade sobre bens móveis ou fractional ownership viabilizará a atuação coletiva dos coproprietários de bens móveis, representados pelo instituidor, conforme regras da convenção condominial, ao mesmo tempo em que permite o uso e gozo do bem de forma exclusiva segmentada temporalmente. 

Com isso, o condomínio mobiliário preconizado no Projeto de Lei nº 3.801/2020 tem o potencial de beneficiar pessoas físicas e jurídicas, impulsionando empreendimentos negociais inovadores na dinâmica de bens de luxo, por exemplo.  

Deste modo, percebemos que o PL virá ao encontro da economia colaborativa, que afasta a capacidade ociosa do bem, aumentando a sua exploração e utilidade, injetando capital na economia brasileira por intermédio de aquisições de frações temporais de uso de determinado bem móvel. Isso porque, de forma isolada, os co-titulares não teriam a capacidade econômica de adquirir o bem por inteiro, ao mesmo tempo em que, caso dispusessem de tal capital, não o usariam em sua plenitude temporal e seriam privados de outras formas de alocação do capital sobejante.  


REFERÊNCIAS 

BRASIL, IRTDPJ. PL propõe a criação do instituto jurídico da multipropriedade de bensmóveis. Disponível em:<https://www.tabelionatofischer.not.br/noticias/areanotarial/irtdpj-brasil-ndash-pl-propoe-a-criacao-do-instituto-juridico-da-multipropriedade-debens-moveis. Acesso em: 07/01/2022. 

GIUSTINA DELLA, Bianca Sant'Anna. O Instituto da Multipropriedade de Bens Móveis Corpóreos: Desafios diante da ausência de regulação específica em uma sociedade permeada pelo crescente fenômeno da economia compartilhada. 2021.Tese (Mestre em Direito) - Universidade Vale do Rio dos Sinos, Porto Alegre, 2021. 

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. O regime de multipropriedade imobiliária. Disponível em:<https://www.migalhas.com.br/depeso/299417/o-regime-demultipropriedadeimobiliaria>. Acesso em: 05/01/2022.  

GUERRA EMILIO. Multipropriedade imobiliária - condomínio especial de multipropriedade sobre bens móveis. Disponível em:<https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-eregistrais/354161/condominio-especial-de-multipropriedade-sobre-bens-moveis>. Acesso em: 07/01/2022.   

MACHADO, Ralph. Proposta estabelece multipropriedade de bens móveis, como jatos e lanchas. In: CÂMARA dos Deputados. Brasília, DF, 24 jun. 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/560631-proposta-estabelecemultipropriedade-de-bensmoveis-como-jatos-e-lanchas/. Acesso em: 07/01/ 2022. 

OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Considerações sobre a recente Lei da Multipropriedade ou da Time Sharing (Lei n° 13.777/2018, 26 de dezembro de 2018). In: Instituto de Registro Imobiliário Brasileiro. São Paulo, 26 dez. 2018. Disponível em:https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/consideracoes-sobre-arecente-lei-damultipropriedade-ou-da-time-sharing-lei-no-13-777-2008-por-carlos eduardo-elias-deoliveira. Acesso em: 07/01/2022. 


Notas

  1. IRTDPJ- Instituto de registrado de títulos e documentos de pessoas jurídicas do Brasil Brasil – PL propõe a criação do instituto jurídico da multipropriedade de bensmóveis. Disponívelem:<https://www.tabelionatofischer.not.br/noticias/area-notarial/irtdpj-brasil-ndash-pl-propoe-acriacao-do-instituto-juridico-da-multipropriedade-de-bens-moveis/>. Acesso em: 07/01/2022. 

  2. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. p. 147. 

  3. MACHADO, Ralph. Proposta estabelece multipropriedade de bens móveis, como jatos e lanchas. Disponível em:<https://cd.jusbrasil.com.br/noticias/724150220/proposta-estabelece-multipropriedade-de-bensmoveis-como-jatos-e-lanchas/>. Acesso em: 07/01/2022. 

  4. O regime de multipropriedade imobiliária. Disponível em:<https://www.migalhas.com.br/depeso/299417/oregime-de-multipropriedadeimobiliaria>. Acesso em: 07/01/2022. 

Sobre o autor
Lucas Medeiros Gomes

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Especialista em Regulação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público Federal. Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucas Medeiros. Condomínio especial mobiliário como figura ímpar e insubstituível . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7057, 27 out. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99471. Acesso em: 4 dez. 2024.

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