RESUMO
Por meio desse trabalho pretende-se explorar o princípio da ofensividade, analisar toda a atividade da antecipação da tutela penal, a forma como ela é aplicada e a sua relação com os crimes de perigo abstrato e a modalidade tentada. Desse modo, o trabalho em questão irá percorrer o máximo das nuances relevantes que os crimes de perigo abstrato possuem, o avaliando desde sua legitimidade até sua utilização e atualização nos dias de hoje. Chega-se, por consequência, na questão da modalidade tentada, sendo analisada se de fato é possível a relação desta com os crimes de perigo abstrato e analisando as teses doutrinarias a respeito do caso em questão, havendo uma necessidade de se questionar, também, se há constitucionalidade e validade perante as leis infraconstitucionais.
Palavras-Chave: Antecipação da Tutela. Crime de Perigo. Legitimidade. Modalidade Tentada. Perigo Abstrato.
1. INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da evolução humana, o homem tem progredido de todas os modos. Todavia, com o surgimento das comunidades, notou-se que o ser humano nem sempre interagia de forma harmônica com os outros indivíduos, sendo necessário a criação de métodos que garantisse a ordem nos meios sociais, podendo destacar a Lei das XII Tábuas e o Código de Hamurabi.
Contudo, tendo em vista que esses ordenamentos tutelavam direitos que podiam facilmente ser apreciados por outros institutos, como, por exemplo, o civil, surgiu a necessidade de impor ao direito penal a tutela apenas de bens de maior relevância, ou seja, que não podem ser analisados por outros indivíduos, tendo a aplicação desse direito como ultima ratio .Dessa forma, pode-se dizer que a tutela penal voltada a crimes de resultado de dano começou a ser modelo dos estudos dogmáticos, até que se passou a considerar o bem jurídico como algo real sendo possível a partir disso começar uma análise da questão do perigo. No entanto, é possível afirmar que o perigo não se adequa totalmente ao modelo dogmático de crime de resultado de dano, uma vez que não se exige a ocorrência de uma situação perigosa para a concretização do fato típico.
Isto posto, esse tema ainda possui muita controvérsia no meio jurídico, sendo essa tensão refletida no questionamento dos limites da antecipação da tutela penal, visto que ainda não há um entendimento a respeito da validade dos crimes de perigo, dado que a Lei Maior impõe barreiras a aplicação dos crimes de perigo abstrato por meio de princípios como o da ofensividade, proporcionalidade e intervenção mínima. Porém, pode-se dizer que não há na lei uma vedação direta a aplicação de tais crimes. Além disso, é possível notar que ainda não há harmonia na doutrina brasileira quanto a possibilidade de prática de um crime de perigo abstrato na modalidade tentada. Com isso, o direito penal brasileiro vem incorporando à sua sistemática de proteção, a possibilidade de atuação mesmo antes da ocorrência de efetivo dano ao bem jurídico e antes de causar a este efetivo perigo concreto. Desse modo, elegendo bens jurídicos que requerem proteção especial e abrangente, o legislador tem antecipado a tutela como forma de evitar um possível desdobramento progressivo capaz de converter uma situação de mera exposição de perigo em um dano efetivo.
À vista disso, diante do questionamento acerca da legitimidade dos crimes de perigo abstrato, faz-se necessário a construção de uma pesquisa analisando o princípio da ofensividade do bem jurídico, os limites da antecipação da tutela penal, se ela de fato é aplicada nos crimes de perigo abstrato, além de explorar se de fato o crime de perigo abstrato pode ser considerado constitucional e se é cabível a tentativa nesse modelo de crime. Acrescenta-se ainda que tais contrastes apresentados na construção deste trabalho se mostraram como pontos de interesses para os autores do mesmo, podendo ser explorado todo um novo leque de questões. Desse modo vai haver toda uma imensidão a ser pesquisada, entre o que está escrito e o que deverá ser praticado, entre a norma e o real.
2.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1.Antecipação da tutela Penal e Crime de Perigo Abstrato: Características gerais, legitimidade e exemplos em questão.
Com o advento das grandes mudanças na sociedade, uma evolução por si só, quanto a tecnologia e consequentemente a globalização, período no qual chamamos de pós-modernidade, nos deparamos com as mais diversas formas de delitos que acabam por gerar novos riscos sociais, culturais, religiosos e que ainda sim, acabara por afetar e criar um novo problema social, fazendo com que o Estado venha a usar o direito de punir, almejando a tentativa de encontrar respostas mais eficazes para que de fato possa restringir uma agressão jurídica. (BOTTINI, 2010)
Não obstante, os grandes doutrinadores do âmbito penal acabaram por tentar estudar no meio dessa mudança da parte criminal apresentando pareceres de uma ciência criminal como um método para se compreender e concomitantemente impugnar a criminalidade e por fim, distinguir a respeito do que pode ser punível ou não. (ANDRADE, 2017)
Dessa forma, a figura do Estado tem como finalidade proteger e defender o bem jurídico dos danos lesivos causados por essa evolução, tentando dessa maneira, tentando prevenir o dano antes mesmo de causar algum perigo concreto. Daí que entra a antecipação da Tutela Penal, que está efetivada na nossa Carta Magna, nossa Constituição Federal de 1988, onde percebemos que a priori é dessa forma que o próprio legislador tende a moldar a vontade junto a necessidade da sociedade devido à omissão do próprio Estado se omitir, mesmo sabendo que é sua obrigação para com a sociedade. (HAUSSER, 2010)
A respeito do que fora supracitado temos a doutrina de Rogério Greco:
Regra geral é que a cogitação e os atos preparatórios não sejam puníveis. Em hipótese alguma a cogitação poderá ser objeto de repreensão pelo Direito Penal, pois cogitationis poenam nemo patitur. Contudo, em determinadas situações, o legislador entendeu por bem punir de forma autônoma algumas condutas que poderiam ser consideradas preparatórias, como nos casos dos crimes de quadrilha ou bando (art. 288, CP) e a posse de instrumentos destinados usualmente à prática de furtos (art. 25, LCP) (GRECO, 2016)
Sabemos que o Direito Penal deve permitir aos legisladores nortearem-se através dos princípios constitucionais, à vista disso, toda vez que o equilíbrio social for acometido, o Estado tem de se impor para tentar reparar o dano por meio de seus instrumentos e medidas adotadas na política-criminal (HAUSER,2010). Em vista disso, conclui-se que as antecipações de tutela penal é não devem ser banalizadas. Tais circunstâncias aplicadas os casos de perigo abstrato, concreto, punição de atos preparatórios e tentativa evidenciam na maioria das vezes decisões político-criminais equivocadas.
Se a aplicação do direito ocorrer seguindo a lógica de que o inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal) haverá um crescimento exagerado do direito penal subvertendo conceitos básicos de garantias constitucionais. Os indivíduos perderiam suas garantias penais e processuais.O Código Penal nos traz demasiadas espécies de crimes, dentre estes, temos um dos objetos de estudo deste trabalho que é crime de perigo abstrato o que não exige a comprovação do risco ao bem protegido. Há uma presunção legal do perigo, que não precisa ser provado. Na visão de José Francisco de Faria Costa, os crimes de perigo abstrato o perigo não é elemento do tipo, mas tão-só sua motivação (ANDRADE, 2017).Pode-se citar como um mero exemplo de crime de perigo abstrato ou presumido, é o crime tipificado no artigo 33 da lei 11.343 de agosto de 2006, conhecido como tráfico de entorpecentes:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. [...]
Dessa forma, o que se sabe é que o perigo constitui um trecho da realidade, sendo assim um aspecto objetivo, entretanto, é possuidor também de um aspecto subjetivo, no caso, este se revela à medida que o perigo é percebido, momento este que a lei pode o considerar normativamente perigoso ou não. (BOTTINI, 2010)
2.2.Doutrina: Teses a respeito da modalidade tentada nos crimes de perigo abstrato
O ponto da Tentativa nos Crimes de Perigo Abstrato é muito controvertido, não havendo uma consonância doutrinária a respeito, sendo possível, desse modo, indicar como um dos fatores da discussão a proximidade do crime de perigo abstrato com o crime de mera conduta, uma vez que nesse também é questionável a existência da tentativa. Dessa forma, há três correntes que vão examinar o tema: A primeira consiste na corrente dos que contestam qualquer outra punição do iter criminis, que não seja a consumação; a segunda é a que admite a tentativa inacabada; e a terceira defende a punição de todas as etapas do iter criminis, sem qualquer restrição (HUNGRIA, DOTTI, 2016).
Sánchez (1999) alega que essa discussão deve se fundamentar nos traços de cada tipo penal, não apenas em uma análise geral. Essa autora cita como exemplo de medida de proteção dos bens jurídicos a disposição do Código Espanhol que outorga a penalidade de atos preparatórios, especialmente nos casos em que há presença de persuasão, incitação, dos tipos penais pautados. Reiteradamente, a questão da tentativa nos crimes de perigo abstrato foi debatida de forma similar, cabendo, portanto, apresentar essas correntes doutrinarias. (SANCHEZ, 1999)
A teoria que nega a tentativa nos crimes de perigo abstrato julga improvável a real tentativa nestes, pois, essa seria identificada pelo perigo de dano, o que levaria à consumação do mesmo. Nelson Hungria alega que seja qual for o ato anterior a atuação do fato, seria classificado como mero ato preparatório para expor o bem jurídico ao perigo. Ele defende também que a modalidade tentada nos crimes de perigo abstrato unissubsistentes seria inconcebível. Desse modo, qualquer ato anterior à formação do fato seria inaceitável ou até mesmo impossível para expor o bem jurídico ao perigo. Também afirmam que a tentativa é vista como impune, por se tratar de perigo abstrato. (HUNGRIA, DOTTI, 2016)
Em contrapartida, na doutrina portuguesa, o autor Almeida Fonseca (1986 apud SATO, 2012) admite a tentativa nos crimes de empreendimento, mas não nos crimes de perigo em geral, uma vez que para ele a consumação seria irresoluta para a verificação do fato típico nos crimes de perigo, sendo a tentativa a consumação do delito em si. Maria Fernanda Palma (2006), outra doutrinadora portuguesa, ao debater sobre a tentativa nos crimes de perigo, constata que é conveniente o estabelecimento da natureza jurídica da tentativa como um modo de compreende-la como mera forma de antecipação da tutela penal diante da relação entre o evento projetado e o dano, concluindo, então, que não haveria justificativa, em vista o princípio da ofensividade, em idealizar tentativas de certos crimes de perigo que corresponderiam a uma dupla antecipação da tutela penal.
Pode-se dizer que o autor italiano Vincenzo Manzini (1915 apud SATO, 2012) também se encontra em oposição a possibilidade da tentativa nos crimes de perigo, pois defende que se não houver completude da conduta, não há perigo para o bem jurídico, e se houvesse, haveria a consumação do mesmo. Assim, antes da consumação, haveria apenas atos preparatórios, não admitindo tentativa, confirmando o entendimento de Nelson Hungria. (SATO, 2012)
A segunda teoria defende a tentativa nos crimes de perigo abstrato contanto que seja formado de fases, sendo sujeito a fracionamento(ZAFFARONI, PIERANGELI, 1995).Já na doutrina italiana, Ottorino Vannini (1943 apud Michalizen, 2012) defende que tendo em vista que o perigo presumido pela norma pode nem existir minimamente, a tentativa não se trataria, portanto, de um ato executivo capaz de consumar o fato típico, bastaria apenas uma análise visando a consumação. Todavia, havendo a certeza de ausência de perigo ao bem juridicamente protegido, haveria tentativa inidônea. Esse autor adverte ainda que não se pode olhar, permanentemente, a tentativa nos crimes de perigo como irrelevante, posto que qualquer grau de perigo pode apresentar ofensividade suficiente para criminalização. Não considera importante a objeção à tentativa nos crimes de perigo, pela possibilidade de um perigo mais grave na tentativa do que em um perigo consumado. Os crimes de perigo abstrato, desse modo, seriam crimes autônomos, e a modalidade tentada desses aplicar-se-ia da mesma forma que de um crime de dano. Assim sendo, pode-se afirmar que não se pode excluir a tentativa dos crimes de perigo abstrato, mas, também, não se pode dizer que há viabilidade de todos os crimes de perigo aceitarem a tentativa. Não caberia, portanto, a tentativa nos casos em que qualquer ato executivo já exporia o bem jurídico ao perigo, consumando o delito. Caberia, então, a tentativa nos crimes de perigo abstrato que não se consumam com a exposição ao perigo de um bem jurídico, mas se baseando na realização da conduta capaz de fracionamento. (PALMA, 2006)
Neste sentido, cumpre também trazer à baila o entendimento de Lênio Luiz STRECK, que aduz:
Ora, será demais lembrar que somente a lesão concreta ou a efetiva possibilidade de lesão imediata a algum bem jurídico é que pode gerar uma intromissão penal do Estado? Caso contrário, estará o Estado estabelecendo responsabilidade objetiva no direito penal, punindo condutas in abstracto, violando os já explicitados princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da secularização, conquistas do Estado Democrático de Direito.
E por fim, há de se falar na última teoria, Rocco vem a discordar, entendendo que é insuficiente o perigo de perigo para intervenção penal, já no caso de tentativa de crimes de perigo concreta. Ele não considera importante a objeção à tentativa nos crimes de perigo consumado. Na tentativa basta o perigo, não se tratando de certo grau de perigo, não aceita a idéia de que os crimes de perigo abstrato equivaleriam as tentativas dos crimes de danos, crimes os quais seriam autônomos e, sua tentativa deveria ser admitida da mesma forma que de um crime de dano, deixando nítido que a principal forma seroa a autonomia do delito em relação aos demais, já que cada tipo de delito protegeria o bem jurídico de um tipo de intensidade da ofensa, não excluindo assim a tentativa dos crimes de perigo abstrato, mas também não aceita que todos os crimes de perigo abstrato permitam a tentativa. Não cabendo a tentativa nos casos em que qualquer ato executivo, já exporia o bem jurídico ao perigo, consumando o delito dessa forma.
2.3.O bem jurídico tutelado: O princípio da ofensividade.
Coloquialmente, pode-se considerar o bem como todo objeto preterido ou de desejo pelo ser humano. Todavia, nem tudo que é desejado pelo homem pode ser regulado pelo direito. Dessa forma, no que diz respeito ao ordenamento jurídico, pode-se dizer que o bem é aquele que é digno, útil, necessário, e valioso, sendo ele material ou imaterial. Por essa razão são disputados e defendidos, e pelo mesmo motivo são expostos a perigos e lesões, sendo necessária a adoção de medidas aptas a garantir a sua proteção, como propósito a preservação da paz social (FRANCISCO, 2010).
Do decorrer histórico de formação e desenvolvimento da teoria do bem jurídico, pôde-se observar que os posicionamentos acerca da sua dinâmica de proteção por meio da punição foram determinados segundo as necessidades de cada sociedade e seus períodos podendo citar como exemplo a Lei das XII Tábuas, na qual estabelecia que se o indivíduo tivesse seu bem violado, deveria causar-lhe o dano igualmente. Logo, na sua historicidade, percebe-se uma interação com o mundo cultural e uma consequente visão segundo os valores e necessidades de cada época, assim como suas finalidades perseguidas (ALPES, 2010). Isto posto, pode-se considerar o delito necessariamente dependente do ambiente valorativo de cada sociedade, estando entre ao legislador o papel de captar as modificações sociais que irão implicar a definição da área do crime.
Ademais, tendo em vista que o bem jurídico é o liame para a legitimação da incriminação de condutas, trazendo, portanto, a discussão sobre a constitucionalidade da defesa de condutas que trazem apenas a mera probabilidade de dano ao bem jurídico.
Desse modo, o Direito Penal de acordo com o Estado Democrático de Direito assume uma posição de protetor dos bens jurídicos, onde não pode utiliza-lo apenas como uma ferramenta punitiva e coercitiva. Com isso, pode-se afirmar que o Direito Penal apenas será empregado quando o Estado não tiver outra maneira de coibir os atos típicos, isto é, o Direito Penal deve ser usado apenas em último caso, quando os outros institutos não conseguirem solucionar o caso. Por isso, qualquer ofensa aos bens jurídicos tutelados é suscetível de ação através do poder punitivo. (ALPES, 2010)
Isto posto, ao tratar desse assunto, Luís Greco vai afirmar que:
Por mais importante que seja o bem, que a conduta seja inadequada socialmente, somente poderá haver a criminalização de comportamentos se a conduta do agente ultrapassar a sua esfera individual, atingindo bens de terceiros. Por intermédio, do princípio da lesividade, proíbe-se a incriminação de pensamentos, de modos ou de formas de ser e de se comportar, bem como de ações que não atinjam bens de terceiros. (GRECO, 2009 p. 26)
Assim sendo, é possível reiterar que a ação somente poderá ser apontada como criminosa quando ofender de fato o bem jurídico. Surge então o princípio da ofensividade, que estabelece que não há crime sem que haja ofensa ou risco de lesão ao bem jurídico. Tal princípio possui quatro principais funções: proibição de incriminar uma atitude interna, proibição de incriminar uma conduta que exceda o âmbito do autor, proibição de incriminar simples estados ou condições existenciais, proibição de incriminar condutas desviantes que não afetem qualquer bem jurídico.
Logo, nota-se que esse princípio vai atuar como um limitador do direito penal e, consequentemente, do poder punitivo, uma vez que o legislador só pode criminalizar as condutas que representem lesões ou riscos aos bens jurídicos, excluindo os comportamentos não ofensivos aos bens tutelados pela norma (NUCCI, 2017). À vista disso, verifica-se que se uma conduta não põe em perigo valores considerados fundamentais para a sociedade, não poderia então ser considerada criminosa, ou seja, a ação deve apresentar perigo ao bem jurídico tutelado.
Alice Bianchini leciona que
Na tarefa legislativa de criminalização há de se levar em conta dois fatores que se excluem, mas que são elementares para a produção legislativa: o direito penal atua na restrição de direitos, liberdades e garantias do indivíduo, no interior de colocar a salvo, também direitos, liberdades e garantias individuais e coletivas. (BIANCHINI, 2002)
Assim sendo, ao se apossar da função legislativa, pela vontade da coletividade, há presunção, ainda que relativa, de que o legislador, em representação, age de forma a atender ao interesse público, possuindo poderes bastantes para conhecer as necessidades sociais e legislar em consonância com os lei maior.
Para Walter Coelho, o direito penal visa proteger desde a mais remota e potencial situação perigosa, passando pelo perigo iminente ou próximo, até a efetiva lesão do direito a ser resguardado. Depreende-se então, que para o direito penal, pouco importa se efetivamente ocorreu o perigo ou não, pois age tanto na repressão quanto na prevenção.
Há, contudo, autores que discordam da premissa de o direito penal tutelar condutas que apenas trazem possibilidade de dano. Jorge Figueiredo Dias,
Não há [...] razão bastante para que se advogue (ou resignadamente se suporte) o crescimento exponencial de proteções antecipadas de bens jurídicos de que os crimes de perigo abstrato são o sinal mais evidente até a um ponto em que o bem jurídico perde os seus contornos, se esfuma e, com isso, deixa completamente de exercer sua função crítica como padrão de legitimação do direito condito e do direito condendo. (Dias apud BIANCHINNI, 2002, p.65)
Para esses autores, transformar o direito penal dos bens jurídicos em direito penal dos perigos, não significa que está a proteger, efetivamente bens jurídicos antes da ocorrência de uma conduta delituosa. Giuseppe Betiol confirma esse entendimento ao falar que o perigo é sempre a probabilidade de um evento temido, que, caso não possa ocorrer, não poderia ter sido temido, justificadamente. (BETIOL apud BIANCHINNI, 2002, p.98)
Todavia, pode-se constatar que a pena dos crimes de perigo abstrato não tem levado em conta a imprecisão quanto a sua constitucionalidade. Desse modo, as decisões são voltadas ao entendimento de que se crime é classificado como perigo abstrato, não se faz necessária a comprovação da efetiva lesão ao bem juridicamente tutelado, bastando apenas que a realização da conduta seja típica para que seja aplicado a pena.Além disso, há a constatação de que com relação aos crimes de perigo abstrato, através da mera possibilidade realização da conduta, se pressupõe que há a possibilidade de lesão ao bem jurídico tutelado, havendo, com isso, a incriminação. (FRANCISCO, 2010)
Por conseguinte,diante do entendimento da sociedade de que se não houver medidas preventivas tuteladas pelo direito, o caráter autodestrutivo do homem se fará valer, podendo levar as consequências nefandas à sociedade. Logo, por meio da sistemática de prevenção, de evitabilidade do risco, o direito vem a suprir tais potenciais danos na tentativa de tornar mínimo o risco e propiciar a segurança social.
3. Metodologia
Na busca por contemplar o máximo de conteúdo cujo se trate em questão de crime de perigo abstrato e tentativa, buscando uma análise comparativa dos dois assuntos, tendo ainda, em substrato, uma apreciação crítica das teses apresentadas ao decorrer deste, o trabalho em questão vai lançar mão do método de pesquisa explorativo (Severino, 2017)
Justifica a utilização dessa metodologia de pesquisa a questão de grande parte do conteúdo tratando nesse trabalho (a exemplo, a proteção do bem jurídico) rodar em torno de conteúdos achados em livros doutrinários ou, em jurisprudências e codificações próprias. Ao passo, como irá apontar Severino (2017), esse método permite uma busca aprofundada sobre o tema de maneira a se valer unicamente de questões apresentadas em livros, monografias, trabalhos publicados, entre outros.
4. Conclusão
Em síntese, voltando às considerações iniciais de maneira a concluir esse trabalho, faz-se necessário expor os diversos ângulos de abordagem que nesse foi adotado, apresentando, portanto, um corpus de maneira a dispor o aplicador do direito penal de métodos para tutelar o bem jurídico. Desse modo, em ponto primeiro, traz-se uma revisão sobre a antecipação da tutela penal. Nota-se que os pontos objetivos e subjetivos da sociedade de risco provocam a adesão de um tipo de política criminal que elimine os riscos aos bens jurídicos, tendo como respaldo a teoria da prevenção geral. Com isso, a antecipação da tutela surgiu com o propósito de tutelar condutas que apresentem risco ou probabilidade de risco ao bem juridicamente tutelado.
Nota-se que, paulatinamente, na ânsia de aumentar a segurança social, quebrando a sistemática clássica do Direito Penal, passou-se a compreender que até mesmos resultados mais remotamente prováveis ou até apenas possíveis, segundo um juízo hipotético, deveriam ser considerados como puníveis, desde que pudessem causar potencialmente esse perigo. Cada vez mais se acentua uma ideologia punitiva, ampliando o campo das condutas penalmente condenáveis, mesmo sem estarem ligadas a um resultado danoso, ou sem apresentarem uma direta, ou perceptível, situação de dano próximo.
Essa necessidade de ampliação na proteção dos bens jurídicos, assomado ao imediatismo do indivíduo, leva a questão da legitimidade do crime de perigo abstrato. Há de se falar que a inquietação com a antijuricidade de tal crime, é uma forma de buscar a legitimidade desse, por meio da estrutura delitiva e o bem jurídico tutelado. Podendo ser constatado, portanto, que o crime de perigo abstrato é legitimo, uma vez que é imprescindível a tutela das esferas precedentes ao dano e ao próprio perigo em face os novos riscos da sociedade moderna.
REFERÊNCIAS
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