Débitos de àgua e Luz (obrigação propter rem)

Há 21 anos ·
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Os débitos referentes ao consumo de água e luz, por um inquilino, obrigam o proprietário do imóvel a adimpli-los, numa eventual inadimplência do locatário com a CIA de Água ou de Luz? Trata-se de uma obrigação propter rem?

3 Respostas
J C
Advertido
Há 21 anos ·
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OBRIGAÇÕES PROPTER REM

A conceituação do Direito das Coisas traz uma série de questionamentos acerca de sua relação com o Direito Pessoal. A doutrina se diverge em duas concepções: a teoria realista e a teoria monista. Sem embargo da aceitação dessa dicotomia, não chegaram os civilistas a um critério único para assinalar os traços distintivos do direito real e pessoal. Não obstante, nosso Código Civil adotou a teoria realista. Nesse diapasão, insurge uma categoria intermediária entre o direito real e o pessoal. São figuras híbridas ou ambíguas, constituindo, na aparência, um misto de obrigação e de direito real. As obrigações “in rem”, “ob”, ou “propter rem”, na lição de mestre ORLANDO GOMES(1), nascem de um direito real do devedor sobre determinada coisa. Já ARNOLDO WALD(2) vem proferir seu ensinamento no sentido de que estas obrigações derivam da vinculação de alguém a certos bens, sobre os quais incidem deveres decorrentes da necessidade de manter-se a coisa. E o douto conclui: “as obrigações reais, ou propter rem, passam a pesar sobre quem se torne titular da coisa. Logo, sabendo-se quem é o titular, sabe-se quem é o devedor”. Portanto, essas obrigações só existem em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa. Caracterizam-se pela origem e transmissibilidade automática. Consideradas em sua origem, verifica-se que provêm da existência de um direito real, impondo-se a seu titular. Se o direito de que se origina é transmitido, a obrigação segue, seja qual for o título translativo. A transmissão ocorre automaticamente, isto é, sem ser necessária a intenção específica do transmitente. Destarte, MARIA HELENA DINIZ(3), em sua festejada obra Curso de Direito Civil Brasileiro, afirma que essas obrigações se diferenciam dos direitos reais, pois estes são oponíveis erga omnes e aquelas contêm uma oponibilidade que se reflete apenas no titular do direito rival. São obrigações propter rem : a do condomínio de contribuir para a conservação da coisa comum (CC, art. 624): a do proprietário de um imóvel no pagamento do IPTU. Assim, é oportuno fixar as características dessas figuras: 1º) vinculação a um direito real; 2º) possibilidade de exoneração do devedor pelo abandono do direito real, renunciando o direito sobre a coisa; 3º) transmissibilidade por meio de negócios jurídicos, caso em que a obrigação recairá sobre o adquirente. É de bom alvitre ressaltar a natureza jurídica dessas obrigações, pois se encontram na zona fronteiriça entre os direitos reais e os pessoais. Não são elas nem uma obligatio, nem um jus in re, constituindo figuras mistas. Teoria que tem como sequaze MARIA HELENA DINIZ. Entretanto, há aqueles que atribuem maior importância ao aspecto real da relação. Como também, aqueles, que apontando uma prestação num facere, não se quadra à natureza do direito real. Fazemos nossa a opinião do já citado mestre ORLANDO GOMES(4), quando este afirma que, apesar de ser predominante no direito positivo brasileiro a tese da realidade das obrigações propter rem, é irrecusável que constituem vínculo jurídico pelo qual uma pessoa, embora substituível, fica adstrita a satisfazer uma prestação no interesse de outra. Assim, pondo os olhos para a questão, verifica-se que qualificados de acordo com a teoria da realidade, seriam tutelados por meio de ações reais. No entanto, a tendência é para admitir que o credor tem ação pessoal contra o devedor, assim se procede na cobrança de IPTU.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 2º Volume. 10ª Edição. Ed. Saraiva. São Paulo, 1996.

GOMES, Orlando. Obrigações. 11ª Edição. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 1996.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas. Direito das Obrigações. 2ª Edição. Ed. Saraiva. São Paulo, 1999.

WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. Obrigações e Contratos. 12ª Edição. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1998.

NOTAS (1)GOMES, Orlando. Obrigações. 11ª Edição. Ed. Forense. Pág. 21. (2)WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos. 12ª Edição. Ed. Revista dos Tribunais. Pág. 60. (3)DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 2º Volume. 10ª Edição. Ed. Saraiva. Pág. 11. (4)GOMES, Orlando. Obrigações. 11ª Edição. Ed. Forense. Pág. 22.

Cristiano
Advertido
Há 21 anos ·
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Caro Pedro,

Em termos práticos, temos o seguinte:

As prestadoras de tais serviços, visando a salvaguarda de seus interesses, defendem a idéia de que se trata de uma obrigação "propter rem". E, desta forma, acabam compelindo o proprietário-locadora a saldar dívidas contraídas por seu ex-inquilino, visto que ante a falta de pagamento tais serviços (água e luz) são cortados (suspensos).

Somos contrário a tal entendimento, posto que a relação contratual estabeleceu-se entre inquilino e a Prestadora, sem nenhuma participação do locador. Logo, o contrato somente obriga as partes, e não a terceiros, salvo disposição legal em contrário.

Não é possível ainda estabelecer uma responsabilidade solidário, por que esta não pode ser tácita, deve decorrer da lei ou da vontade das partes (contrato).

Se admitirmos que a Fornecedora possui tal direito, estaremos voltando ao tempo da justiça pelas próprias mãos, o que é vedado em nosso Estado Democrático de Direito. O Fornecedor deve recorrer ao Judiciário para executar seu devedor e satisfazer sua pretensão, qual seja o recebimento de seus créditos.

Além disso, há diversos princípios constitucionais que podem ser invocados neste caso, como: enriquecimento ilícito, legalidade, inafastabilidade do Judiçiário, etc.

Att,

Cristiano

Francisco
Advertido
Há 21 anos ·
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O fornecimento de energia elétrica ou de água, ainda que prestado por pessoa jurídica de direito privado, é um serviço público específico e divisível. Dessa forma, a natureza jurídica das contraprestações devidas por esses serviços é de Taxa. A taxa, por sua vez, é um tributo que surge da atuação estatal diretamente dirigida a um contribuinte e que faz surgir uma obrigação tributária entre o fornecedor do serviço e este contribuinte de forma pessoal. Conclui-se do exposto que o inadimplemento pelo inquilino das taxas de água e luz somente a ele obrigam, não se tratando, portanto, de obrigação "propter rem".

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Há 8 anos
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