Prezados colegas da lista,

A doutrina se divide em duas posições no que tange o não pagamento dos tributos indiretos e a configuração do tipo penal descrito no artigo 2o II da Lei 8137/90. Art 2o - Lei 8137/90 (Constitui crime contra a ordem tributária)

"deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação q que deveria recolher aos cofres públicos."

Corrente mais legalista defende a posição que a disposição legal é expressa e não cabe discussão. Direto ou indireto o tributo, se não recolhido pelo responsável no prazo determinado em lei está configurada a hipótese do inciso supra citando. De outro pondo alguns sustentam a idéia de que havendo o sujeito passivo da obrigação tributária cumprido todas as obrigações acessórias concernentes a fiscalizações e arrecadação do tributo e deixando, no entanto, de realizar a obrigação principal por hiposuficiência financeira, não estaria configurado o delito. Inicialmente, filio-me a segunda corrente, vez que não se pode olvidar o elemento subjetivo da ação. Considerando que, o sujeito passivo da obrigação tributária realizou todos as obrigações referentes ao lançamento para a formação do crédito tributário e sua exigência não haveria, a princípio, que se falar em dolo. Há que se observar ainda que o inadimplemento, não é consagrado, em nosso ordenamento jurídico penal, como crime. Questão tormentosa ainda é a dos tributos indiretos onde o responsável poderia, na hipótese do artigo 2o, II da Lei 8137 estar cometendo apropriação indébita. Conto com a participação dos colegas para debater esta questão.

Grata. Mônica Coimbra

Respostas

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    Guilherme da Rocha Ramos Quinta, 13 de janeiro de 2000, 1h41min

    Minha Colega Mônica,

    Mais uma vez, honro-me em poder discutir Direito Penal com você, pessoa cujas indagações e opiniões em matéria penal me surpreendem toda vez que as leio.

    Passo agora a opinar, iniciando com o primeiro dos dois questionamentos que você fez nessa página.

    Preliminarmente, Mônica, não sei se você se associa à minha observação, mas acredito piamente que quase todas as elementares do tipo penal que você mencionou são normativas. Restam, salvo equívoco, duas elementares não-normativas: a conduta (elementar objetiva, como, aliás, toda e qualquer conduta típica a é), que é omissiva própria ("deixar de recolher"), e o dolo (elementar subjetiva), e que se encontra implícito.

    Quanto á conduta, veja-se que ela está prevista explicitamente. No que pertine ao dolo, algumas aclarações de plano hão de ser efetuadas.

    Em primeiro lugar, pela teoria finalista da ação — que, em que pesem algumas críticas, é a teoria da conduta acatada pelo nosso ordenamento jurídico pátrio —, a conduta humana penalmente relevante (seja ela comissiva ou omissiva) é uma atividade psíquica volitiva finalisticamente dirigida a um determinado resultado. Portanto, toda ação tende a um resultado, e essa "tendência" é a intencionalidade da conduta, que jamais se confunde, é claro, com a intencionalidade do resultado ilícito porventura ocorrido.

    Disso, chegamos à segunda aclaração, a que se infere, como Hans Welzel nos deixa crê, que uma conduta, se é penalmente relevante (e, por conseguinte, excluídos ficam o que se denomina propriamente de meros "gestos humanos", como as condutas cometidas por quem está submetido à vis absoluta, hipnose ou sugestão, sonambulismo, etc.), é porque ela foi praticada intencionalmente, e como a conduta está descrita no tipo penal (a propósito, inexiste um único tipo penal sem conduta, e isso é um axioma jurídico-penal intransponível), e o resultado integra o dolo do agente, tem-se que todo ilícito penal tão-somente é cometido, em princípio, dolosamente, e só poderá ser criminalmente responsabilizado por culpa stricto sensu se o delito for previsto, também, na modalidade culposa.

    No caso ora ventilado, a conduta típica só pode ser praticada dolosamente, inexistindo a modalidade culposa. Logo, é de se reconhecer que o agente só comete o crime contra a ordem tributária quando e porque, devendo recolher o tributo/contribuição social aos cofres públicos, não o faz porque não quer, direta ou eventualmente. Ou, sinteticamente: ele pode e deve, mas não deseja.

    Então, Mônica, como você em seu questionamento diz não ter o agente recolhido o tributo/contribuição social "por hipossuficiência financeira", e não porque, podendo, simplesmente não o quis, acolho cabalmente sua opinião, filiando-me, pois, à segunda posição: sem o elemento subjetivo (dolo), desfigurada fica a própria tipicidade da conduta omissiva ao art. 2º, II, da lei n.º 8.137/90.

    Refletindo ainda mais sobre o assunto, acredito haver um outro aspecto do problema, ao qual aguardo sua adesão, Mônica: como você, repita-se, falou em "hipossuficiência financeira" por parte do sujeito ativo, compreende-se que ele não pode recolher o tributo/a contribuição social. Ou seja: o mandamento imperativo-legal contido implicitamente no preceptum juris da norma penal (descrição típica) diz "recolha o tributo/a contribuição social", i. e., impõe um fazer, uma ação stricto sensu, enquanto o agente faz o contrário, deixando de recolhê-lo(a), pratica uma omissão própria, uma inação. E por que ele se omitiu? Porque, por "hipossuficiência financeira", não pôde.

    Ora, não seria de se vislumbrar, na hipótese fática, um claro exemplo de inexigibilidade de conduta conforme o Direito, que é causa de exculpação?

    Lembro-me bem de ter lido em "Direito Penal", do excelente e internacionalmente respeitado autor pernambucano Aníbal Bruno, um exemplo de "inexigibilidade de conduta conforme o Direito": uma mãe cria, sozinha e com muito esforço, seu filho de tenra idade. Certo dia, ela, em casa com seu filho, precisa tomar banho para ir ao trabalho e, sem ter com quem contar para ficar com a criança, deixa-a na sala, até que retornasse. Após seu asseio, a mãe volta ao local onde deixou a criança e vê que esta havia tentado pegar um objeto de uma instante e, caindo fortemente ao chão, tem um traumatismo craniano e falece.

    A mãe teria cometido um fato típico (homicídio)? Doloso, nunca; culposo, talvez (culpa por imprudência ou negligência). Considerando que ela tenha agido por culpa (o que é meio discutível, mas não nos atenhamos a isso), houve antijuridicidade? Sim, porque não estava ela acobertada por causa de exclusão da ilicitude — e não se fale aqui em estado de necessidade, em vista de que não havia um perigo atual nem iminente (no máximo, futuro e objetivamente previsível), além do que o "ausentar-se da sala onde estava a criança para tomar banho" não é um "ataque legítimo" ao bem jurídico "vida", da criança, e, ademais, falta o elemento subjetivo do estado de necessidade (a consciência de se encontrar o agente numa real situação de perigo).

    A pergunta final é: o que o homo medius de sensibilidade psico-ética faria no lugar da mãe? Muito provavelmente a resposta será: "infelizmente, a mesma coisa que ela fez, porque não havia quem pudesse ficar com a criança". Logo, o Direito não pode exigir da mãe algo que ultrapassa os limites do razoável, noutras palavras, algo que ultrapassa aquilo que qualquer pessoa comum faria no lugar da agente (e não se olvide de que o Direito não existe para santos ou demônios, para heróis ou pusilânimes por natureza, mas para pessoas que se enquadram nos limites da natureza humana, com todos os vícios e vicissitudes que lhes são visceralmente inerentes).

    A mãe do exemplo, destarte, se praticara um delito de homicídio culposo, fê-lo em situação de franca inculpabilidade: inexigibilidade de conduta conforme o Direito (exculpação supralegal).

    Volvemos ao nosso crime contra a ordem tributária. A "hipossuficiência financeira" é uma realidade fenomênica empírica que interfere não só no "querer" (na intenção ou dolo do agente, portanto), mas sobretudo no próprio "poder". O Direito Penal não pode exigir do agente aquilo que a este é impossível fazer, ainda que querendo.

    Disso, Mônica, concluo que, no primeiro questionamento, ou o agente agiu sem dolo, e então necessariamente o seu fato é atípico (nossas opiniões, aqui, convergem sensivelmente, cara colega), ou, se se quiser "forçar" que agiu por dolo, subsistirá a inexigibilidade de conduta conforme o Direito, que não exclui o delito — já que a exigibilidade dessa conduta não é elemento do crime —, mas a culpabilidade. O máximo que se pode reconhecer é a existência de um ilícito administrativo, mas não penal (o inadimplemento, como você mesma frisou muitíssimo bem, Mônica, por si só não induz à natureza criminal da conduta típica).

    Quanto à questão dos "tributos indiretos", Mônica, opinarei após você discorrer mais sobre ela (inclusive, dando a sua opinião, que é o mais importante para mim).

    Espero de alguma forma ter alcançado, em perspicácia, sua brilhante análise da matéria, Mônica.

    Aguardo outros "desafios" seus!

    Um grande abraço e até mais!

    Guilherme.

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    Roberto Abreu Quinta, 13 de janeiro de 2000, 16h50min

    Caros colegas, Guilherme e Mônica.

    Achei por demais brilhantes as considerações pelos amigos traçadas e, tendo em conta a relevância do tema, decidi tentar dar uma contribuição, por mais ínfima que seja, para que cheguemos a um consenso.

    O brilhante colega Guilherme discorre bem sobre os efeitos da impossibilidade (ou inexigibilidade) de conduta diversa no caso da mãe que deixa sozinho seu filho na sala. No entanto, permita-se, a exceção de um lastimável erro de paralaxe, compreendi que suas conclusões ainda ficaram um tanto quanto fluidas, pelo que apontou alternativamente a exclusão do elemento subjetivo/normativo dolo e culpa e a exclusão da possibilidade de agir, o agente, de forma diversa. Trivial é que são diversas as conseqüências, ocorrendo ausência de adequação típica no primeiro caso e exclusão da culpabilidade do segundo, sendo ambas as sentenças de cunho absolutório (sentença definitiva de mérito). Sendo tão díspares os efeitos de uma e outra (haja vista ser reconhecida a prática do crime na segunda e a ausência do crime na primeira), compreendo de relevância inegável o total esclarecimento da questão.

    Proponho, assim, que estabeleçamos definitivamente, aqui, se o que realmente ocorre é a exclusão da adequação típica por ausência de dolo ou culpa, ou a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, como causa supralegal eximente de pena.

    Inicialmente, proponho o seguinte exemplo. Antônio é Assessor do Presidente da República, tendo, pois, acesso direto e cotidiano ao mesmo. Sequestrada a sua filha, exige-lhe o sequestrador que pratique homicídio contra o Presidente em troca da vida de sua filha. Trata-se, como sabemos, de coação moral e, nas circunstâncias, inclino-me por reconhecê-la irresistível. A coação moral irresistível elimina um dos elementos da culpabilidade (imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude), qual seja, a exigibilidade de outra conduta. Ao praticar o delito contra o Presidente, para salvar a vida de sua filha, ele jamais quis realmente praticar o crime. Ele quer a conduta e o resultado porque sua vontade encontra-se premida, viciada por força da coação que, sem sombra de dúvidas, consiste em elemento externo.

    O dolo, caros colegas, existe inegávelmente em tal exemplo. Seus elementos são a consciência da conduta e do resultado, a consciência do nexo causal entre ambos, e a vontade de praticar a conduta e produzir o resultado. Entretanto, este último elemento (a vontade) encontra-se totalmente viciada pela coação que, CONQUANTO NÃO O EXCLUA, faz que o delito, em si, não possa ter a reprovabilidade que teria se tal causa externa não existisse. E por que? Exatamente porque a incidência da coação sobre a vontade do indivíduo, fazendo-o "querer" a conduta e o resultado delituoso, retiram-lhe a possibilidade de agir segundo o entendimento de que tal conduta e resultado constituem fato típico. Relembremos a causa de exculpação da doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, onde se adotou o critério biopsicológico. Tal critério exige o elemento biológico da doença mental, mas não prescinde do elemento psicológico intelectivo-volitivo. Apresenta-se inculpável o agente que, preenchido o requisito biológico, não podia, no momento do fato, compreender seu caráter criminoso ou DETERMINAR-SE SEGUNDO ESSE ENTENDIMENTO. A completa ausência da possibilidade de determinação segundo a consciência de ser ilícito o comportamento já exclui, preenchidos os outros requisitos, a reprovação social. Portanto, a possibilidade de se determinar o sujeito de acordo com sua consciência de ser criminoso o fato é requisito para a reprovação social, mas não incide no dolo, pois este exige apenas a VONTADE de praticar a conduta e produzir o resultado (alem dos outros dois já apontados acima).

    Neste diapasão, podemos observar que, conquanto atue a coação do sequestrador sobre a vontade de Antônio, não a exclui e, assim, os requisitos do dolo estão preenchidos (consciência da conduta, resultado e nexo causal, bem como vontade de praticar a conduta e produzir o resultado). Entretanto, premido pela coação, Antônio, embora tenha a consciência (entendimento) de ser delituoso o fato a ser praticado, nas circunstâncias do caso concreto ERA-LHE IMPOSSÍVEL DETERMINAR-SE DE ACORDO COM ESSE ENTENDIMENTO, ou seja, era-lhe inexigível qualquer conduta diversa da que praticou, em face de elemento externo que, não lhe retirando a vontade, vicia-lhe o elemento volitivo, impondo-lhe a prática da conduta, não de acordo com sua vontade real, mas com sua vontade viciada. Exclui-se, assim, a culpabilidade, restando intacto o dolo.

    Transmutando-se as considerações acima esposadas para o caso em debate, a impossibilidade financeira do suposto agente (inadimplente) atua como causa externa de coação de sua vontade. Ao não efetuar o pagamento do tributo, agindo omissivamente, ele tem consciência da conduta e efetiva vontade (embora totalmente viciada) de praticá-la. Tal vontade encontra-se viciada pela causa externa (dificuldade financeira), mas ainda assim subsiste como vontade integrante do requisito do dolo. Tem consciência, outrossim, que a omissão do pagamento do tributo constitui ato ilícito e antijurídico. Contudo, diante das circunstâncias, afigura-se-lhe impossível agir de acordo com tal entendimento, o que exclui a exigibilidade de conduta diversa e, assim, eliminado se encontra um dos requisitos da culpabilidade, Ausente um dos requisitos, excluída fica, no meu entender, a culpabilidade do agente, restando perfeito o dolo e, assim, o fato típico.

    Reconhece-se, pois, a prática do crime e absolve-se o agente por causa supralegal de exclusão da culpabilidade, por não lhe ser egixível, nas circunstâncias do caso concreto, conduta diversa da efetivamente praticada.

    Espero ter enriquecido o nosso debate e, desde já, coloco-me à disposição dos colegas para continuá-lo e receber as críticas, reparos e observações.

    Um abraço.

    Roberto Abreu.

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    Mônica Maria Coimbra de Paula Quinta, 13 de janeiro de 2000, 17h29min

    Caríssimo colega Roberto Abreu,

    Suas brilhantes palavras enriqueceram sobremaneira o debate. Gostaria de agradecê-lo.

    Esposo todas suas opiniões acerca do dolo e da inexigibilidade de conduta diversa.

    Porém, nobre colega, não se pode deslembrar que a obrigação tributária principal é precedida de diversas obrigações tributárias acessórias.
    Faço esta colocação pois, modestamente, entendo que ela influi sobremaneira no elemento subjetivo do tipo.
    Explico-me.
    O sujeito passivo da obrigação tributária do IPI, por exemplo, a bem da fiscalização e arrecadação do dito imposto deve realizar diversas obrigações acessórias que precedem a principal; quais sejam: preencher as guias de importação, realizar a efetivação do desembaraço aduaneiro, etc.
    Entendo, na minha falta de luz, que se o sujeito passivo da obrigação tributária realizou todas estas obrigações acessórias e ao final não realizou a principal, por dificuldades financeiras, não há que se falar em dolo. Não existe dolo pois o ato de praticar todas as obrigações acessórias a bem da fiscalização e arrecadação do tributo é incompatível com a vontade livre e consciente de fraudar o fisco.
    Partindo para uma análise mais teleológica da norma, caro colega Roberto, creio que a União em editando o artigo 2o da lei 8137 quis tão somente dar vazão a sua sanha arrecadatória. Assim o fez, entendo, pois descreveu uma norma onde pouco interessa a finalidade do agente, pouco importa o animus, o simples inadimplemento é crime e ponto final! Enquanto, nobre colega, sabemos todos que no mais das vezes a sonegação não é opção e sim a única saída. Quero aqui fazer apologia à sonegação fiscal, absolutamente, mas como escrevia Nélson Hungria, acabou-se a era do direito penal do autor.

    Um abraço.
    Mônica

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    Roberto Abreu Quinta, 13 de janeiro de 2000, 18h32min

    Caríssima colega Mônica.

    Agradeço pela oportunidade de continuarmos os debates. Suas colocações são realmente agudas na defesa de seu pensamento. Entretanto, quero bater ainda numa mesma tecla para que fique exime de quaisquer dúvidas: a configuração e amplitude da eximente supralegal em questão, bem como a estrutura e natureza do elemento "vontade" para a configuração do dolo como elemento do tipo. Partamos, pois, deste.

    A vontade que integra o dolo não se confunde com a tendência criminológica do agente. Não são dolosos apenas aqueles delitos em que o agente realmente quis sua prática por impulso volitivo próprio, pois, se assim fosse, estaríamos admitindo que todo fato penalmente ilícito cometido por coação moral irresistível sería atípico pela ausência do dolo, já que a vontade estaria viciada, não sendo, pois, "livre e desembaraçada". A vontade que integra o dolo exige tão somente que o sujeito "queira" a causa e o efeito desta causa, não interessando os motivos que o levam a isso. Sendo assim, no exemplo do sequestrador da filha do assessor do presidente, pouco importa que o homem tenha cometido homicídio do Presidente para salvar a vida de sua filha ou para dele se vingar, ou mesmo porque tenha-lhe manchado agravata com vinho. O que interessa para a configuração do dolo é que ele queira a conduta ou causa(disparo, v.g.) e o efeito de tal conduta ou causa (morte da vítima). Os motivos reais da prática delituosa vão determinar se o sujeito é ou não culpável por ser reprovável sua conduta. Sendo assim, a impossibilidade de conduta diversa da praticada, se não elimina o elemento "vontade", não torna inexistente o dolo, pouco importando que tal vontade esteja fatalmente viciada pela coação.

    Passemos agora ao outro ponto, qual seja, da configuração e amplitude da eximente supralegal da inexigibilidade de conduta diversa. No caso por você apontado, das obrigações acessórias, eu indago: era-lhe, na ocasião, impossível executar todos os atos determinados pelas normas que regem tais obrigações acessórias, ou, de acordo com sua situação, poderia o suposto agente cumprir tais obrigações? Inclino-me pela segunda alternativa, ou seja, de que não havia nada que impedisse o sujeito de cumprir todas as obrigações acessórias, pelo que tais condutas eram-lhe totalmente exigíveis. Devia e podia agir assim. Caso não agisse, sobre tal conduta omissiva haveria de incidir o juízo de reprovação social, pelo que seu ato seria culpável.

    Sendo assim, entendo que o sujeito deve agir conforme ao direito enquando lhe seja possível. Foi exatamente o que o sujeito do seu exemplo fez: agiu conforme ao Direito enquanto podia e devia agir. Não agir conforme o Direito porque, embora devendo, não possa, realmente, segundo sua situação pessoal é a verdadeira causa de exculpação da inegibilidade de conduta diversa.

    Quando você, em sua resposta, diz: "Não existe dolo pois o ato de praticar todas as obrigações acessórias a bem da fiscalização e arrecadação do tributo é incompatível com a vontade livre e consciente de fraudar o fisco", eu entendo que você confunde a vontade de praticar o tipo penal com o real querer na realização do crime. A "vontade" que rege a configuração do dolo (já discutida acima) não exige qualquer tendência criminológica ou anti-social do sujeito, bastando apenas a consciência e vontade de praticar os elementos objetivos do tipo. Não existe a incompatibilidade por você apontada, em meu singelo entendimento, salvo lastimável erro, porque, conquanto tenha o sujeito praticado todas as obrigações acessórias, assim o fez porque eram os atos a ele ainda possíveis de ser praticados, que não se confundem com a obrigação principal -- ato posterior e materialmente desvinculado -- de recolher o tributo. Submeter toda a configuração típica do delito, neste caso, ao desrespeito das obrigações acessórias, é violar o próprio princípio da legalidade, pois é a lei quem define os elementos do tipo. No nosso exemplo, ainda que todas as obrigações acessórias tenham sido satisfeitas, se o tipo legal sob comento prevê elementares específicas em que tenha incidido a conduta do agente, tendo este consciência da conduta, do resultado(quando exista) e do nexo causal entre ambos, bem como tendo a simples vontade de praticar a conduta e produzir o resultado, terá cometido fato típico doloso e, na ausência de descriminante, também antijurídico, tendo-se por concretizada a execução de crime doloso consumado.

    Vale frisar, ao contrário do que você diz no trecho por mim transcrito ("Não existe dolo pois o ato de praticar todas as obrigações acessórias a bem da fiscalização e arrecadação do tributo é incompatível com a vontade livre e consciente de fraudar o fisco"), ressalvo que a "vontade" do sujeito não se encontra "livre e consciente", mas, ao contrário, viciada pela coação irresistível provocada pela dificuldade financeira. Tal elemento externo (coação) não elimina o dolo (pois este não exige que seja "livre" a vontadë) mas tão somente poderá retirar a exigibilidade de outra conduta e, consequentemente, a culpabilidade.

    Novamente agradeço a oportunidade de debater e, desde já, espero novos comentários.

    Grande abraço.

    Roberto Abreu.

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    Mônica Maria Coimbra de Paula Sexta, 14 de janeiro de 2000, 14h06min

    Caro Colega Roberto,

    Agradeço as considerações tão perspicazes.
    Respeito sobremaneira suas opiniões, no entanto sustento as minhas razões.
    Curvo-me a sua posição que considerar que há dolo mas a hiposuficiência financeira adequada à eximente supra legal de extinção da punibilidade. Não poderia sobrevir condenação.
    Mas, como advogada, na prática sustentaria a ausência de dolo, face ao efeito retórico da alegação!
    Gostaria ainda de discutir com o nobre colega a questão face aos tributos indiretos.
    Se o não pagamento de dívida própria a muito não configura mais delito em nosso ordenamento jurídico penal o que dizer dos tributos indiretos?
    Agradeço a atenção do colega e aguardo sua opinião,

    Grata. Mônica Maria.

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    Guilherme da Rocha Ramos Domingo, 16 de janeiro de 2000, 4h01min

    Caro Roberto,

    Li sua resposta e gostaria de fazer um pequeno comentário, em defesa da minha opinião irrogada em relação à existência de atipicidade ou de inculpabilidade do sujeito da conduta.

    Como você e Mônica puderam muito bem compreender, fiz uma abordagem que acreditei completa sobre o tema, sem ignorar as duas possíveis vertentes sobre o tema lançado: atipicidade por ausência de dolo e inculpabilidade por inexigibilidade de conduta conforme o Direito.

    Gostaria de frisar bem que, ao assim proceder, de modo algum quis que se entendesse que "em havendo duas das hipóteses de sentença absolutória - atipicidade e inculpabilidade -, o juiz pode escolher entre uma e outra". De modo algum!

    Na verdade e de fato, quis apenas deixar claro aos mais legalistas em torno do problema que ou não existe dolo ou, se existir, não subsiste culpabilidade ao sujeito ativo da conduta. Em nenhum momento disse que na situação fática não há tipicidade e nem culpabilidade, cabendo ao julgador escolher entre um ou outro fundamento para fundamentar sua sentença absolutória, o que, na ordem prática dos juízos das coisas, seria um absurdo.

    E tanto é assim que, podem observar os interessados, eu mesmo não me posicionei sobre o que eu acredito qual (e não quais) seja a solução (e não as soluções): simplemente pus-me a discorrer sobre atipicidade e inculpabilidade até os seus limites, para, enfim, concluir que os legalistas, em algum momento, não encontrarão saída. A absolvição, em meu ver, deve se impor.

    No mérito da questão -- agora, sim, estou dando a minha solução, única e exclusiva, e não alternativa, como entendera o colega Roberto --, tenho a franca posição de que a hipótese in casu é de inculpabilidade por inexigibgilidade de conduta conforme o Direito, haja vista que o agente quis praticar a conduta de não recolher o tributo/a contribuição social, e assim deu causa ao resultado normativo: o tipo penal do art. 2º, II, da Lei n.º 8.137/90 é de mera conduta, frise-se.

    O fato de ele, por hipossuficiência financeira, não poder recolher o tributo/a contribuiçãao social não desfigura o dolo: houve intenção de não recolher, embora os motivos sejam de certa forma justificáveis.

    Logo, intencionando o sujeito a prática da conduta, de molde a produzir o resultado normativo (e, nunca, naturalístico, o que na hipótese sub examen é impossível, visto se tratar de delito de mera conduta), ele agiu com dolo. Portanto, não há que se falar em atipicidade (quando tratei da atipicidade fi-lo com o fito de aclarar que ela, em princípio, seria uma justificativa plausível, embora no final se verificasse que não o era, e tanto é assim que fiz questão de me estender mais em relação à inculpabilidade).

    Restando a impossibilidade de recolhimento, vê-se que só pode subsistir mesmo a causa supralegal (prefiro denominá-la de extralegal) de exculpação da "inexigibilidade de conduta conforme o Direito".

    Espero, destarte, ter-me explicado melhor. Se eu em algum momento fiz crer que existiam atipicidade e inculpabilidade, cabendo ao intérprete ou aplicador da lei escolher entre uma ou outra, perdoe-me, pois não foi, não é e jamais será isso o que eu penso.

    Um abraço para você, Roberto, e oxalá tenhamos "nos acertado"!

    Guilherme

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    Roberto Abreu Terça, 18 de janeiro de 2000, 15h41min

    Caro Guilherme.

    Creio que seja minha vez que pedir desculpas por me ter deixado ser obscuro e ambíguo. Realmente, não me passou pela cabeça que o nobre colega entendesse que, deparando-se o magistrado com a situação sob exame, fosse "facultado" ao mesmo escolher, ao seu talante, entre uma e outra. Realmente não. Apenas quis evidenciar que, na análise do colega, considerou-se possível, sem um maior aprofundamento na especificidade do ponto considerado, haver sentença absolutória por um dos dois fundamentos apresentados: atipicidade ou inculpabilidade. Assim como o colega, entendo que tal "escolha" não existe e, caso existisse, não poderia ficar ao alvedrio do julgador.

    Um grande abraço e espero que tenha, agora, me explicado melhor.

    Roberto Abreu.

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    Roberto Abreu Quarta, 19 de janeiro de 2000, 18h28min

    Caríssima e brilhante colega Mônica.

    Devo dizer que, no tocante aos tributos indiretos, este seu colega precisa de uns esclarecimentos de sua parte sobre tal espécie de tributos. Minha instrução em Direito Tributário, lamentavelmente, não foi das melhores e, por isso, a análise exclusivamente incidente nos tributos indiretos (a exemplo, creio eu, salvo lastimável engano, do ICMS, certo?) exigirá, de mim, um estudo que, de resto, suspenderá nosso debate por algum tempo.

    Quanto à sua posição sobre a sustentação da tese da ausência de dolo pelo efeito retórico, a única ressalva que faria a tal pensamento (correto, advocaticiamente falando) é que tal efeitos retóricos são extremamente úteis e eficazes nos julgamentos pelo Tribunal do Juri, mas não tão eficientes quando a análise do caso houver de ser feita por juiz togado, especialmente quando for um juiz bastante experiente e ligado às questões mais científicas do Direito.

    Um grande abraço do colega.

    Roberto Abreu.

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    Diógenes Viana Alves Terça, 25 de janeiro de 2000, 0h54min

    Caros colegas em debate,

    Prezada Mônica,

    Quer me parecer que o tema proposto já fora praticamente esgotado no belo debate travado com o ilustre advogado Roberto de Abreu.

    Contudo, ansioso em participar, mesmo sabendo que pouco contribuirei no sentido de solucionar a questão, ousarei me entremeter, estando certo, contudo, de que minhas desautorizadas palavras serão devidamente corrigidas pelos colegas de maior brilho e cultura jurídica.

    E serei breve, eis que, a meu ver de forma impecável, o colega Roberto apresentou a solução técnica que melhor se amolda ao caso em tela, dispensando, destarte, maior esforço em apresentar minha modesta opinião, já estampada em suas palavras, com todo respeito reservado ao entendimento da prezada amiga Mônica.

    Da mesma forma que Roberto também entendo perfeitamente caracterizado o delito em epígrafe, sendo, neste sentido, típica a conduta.

    Ao que me parece, uma vez levada a cabo a CONDUTA (movimento físico mais elemento subjetivo) descrita no art. 2o, inc. II , da Lei n. 8.137/90, havendo, pois, a ocorrência do respectivo RESULTADO, com a existência de NEXO CAUSAL entre ambos, existindo, evidentemente, TIPICIDADE OBJETIVA DA CONDUTA (strictu sensu), não há que se discutir sobre a incidência ou não do delito.

    Como sabemos, dolo é a vontade livre e consciente de praticar a conduta descrita no tipo. Se o agente, por não encontrar-se em condições financeiras de saudar o débito tributário deixa de quitá-lo, não há como negar ter agido dolosamente, considetando-se que livre e conscientemente assim agiu.

    Ademais, todos somos sabedores, dois são os elementos subjetivos da conduta: dolo e culpa. Se afirmamos não ter havido dolo em tal ação, logo, estamos nos inclinando à existência de culpa, o que não me parece nada plausível afirmar. Mas, então, se o agente não agiu com culpa (pois não foi ele negligente, imprudente ou imperito), então ele só poderia mesmo estar dotado de evidente animus dolandi quando resolveu omitir-se ao pagamento do tributo.

    Assim, se por hiposuficiência econômica o agente deixou de pagar respectivo débito tributário (seja ele direto ou indireto), me inclino a acreditar que sua conduta, apesar de típica, é impunível, eis que ausente está o pressuposto de aplicação da pena consistente na exigibilidade de conduta diversa, conforme abordagem do colega Roberto de Abreu.

    Contudo, cumpre-me lembrar, apenas por desencargo de consciência, que a hiposuficiência econômica deve estar devidamente comprovada, ficando tal prova a encargo da defesa.

    Merece o tema, entretanto, confessamos, estudo em maior profundidade, que não se comporta nos limites deste acanhado arrazoado, em que tão-somente buscamos apresentar nossa modesta opinião.

Essa dúvida já foi fechada, você pode criar uma pergunta semelhante.