Patrocínio Simultâneo / Tergiversação

Há 26 anos ·
Link

Sou advogada atuante na área civil, tendo pouca experiência na criminal, preciso de orientação de algum colega que se encontra disponível a ajudar uma neófita...

Estou com um cliente (advogado), com um caso um pouco "estranho"... Meu cliente entrou com uma revisional de alimentos em 1997,representando o requerido. Manteve contatos posteriores com a genitora do autor para possibilidades de acordo... tentativa infrutífera. Posteriormente, o requerido, sem nenhuma comunicação prévia com o meu cliente(advogado), foi embora para o exterior, o que impossibilitou de se fazer presente(o requerido) na data da audiência, fato também ocorrido com o meu cliente(o advogado), que também não foi à mesma e por um lapso, não fez qualquer comunicação à secretaria da vara cível. Mais de dois anos se passaram e agora ele foi intimado para comparecer à delegacia para prestar esclarecimnentos num ínquerito policial. Assim o fez, e se surpreendeu ao encontrar no IP cópias de duas procurações(que estão nos autos da Revisional), onde ele representa as duas partes(requerido e requerente). Ele afirmou-me que desconhece o fato e não sabe como a referida procuração(praticamente idêntica a outra) foi parar nos autos. O MP o denunciou pela prática de Patrocínio simultâneo ou tergiversação(art. 355 do CP).

PS1: para melhor clareza deve-se ressaltar que em nenhum momento ele defendeu a requerente e sim o requerido. PS2: consta nos autos procuração, assinada pela requerente outorgando poderes a outro advogado, que verdadeiramente foi o seu defensor. Pergunta-se:

1) - A procuração(segunda) assinada pela requerente não invalida a outra(primeira) ? 2) - Se o meu cliente,não promoveu qualquer defesa da requerente, pode ser imputado a ele a prática do crime,mesmo ele desconhecendo(como a procuração foi parar nos autos)? 3) - Qual a melhor maneira de apresentar sua defesa ? 4) - Qual o tempo de prescrição do crime ? 5) - Outras argumentações sólidas....

Agradeço a quem possa me ajudar.

Beijos...

Felícia

5 Respostas
José Djalma Rocha Pereira
Advertido
Há 26 anos ·
Link

Cara Felícia,

Preliminarmente, a conduta delituosa do patrocínio simultâneo ou tergiversação encontra-se capitulado no parágrafo único, do art. 355 do Código Penal, "in verbis":

Art. 355. "Trair na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo lhe é confiado: Pena - detenção de 6 meses a 3 anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias."

Em resposta às suas perguntas:

1) vamos analisar, a princípio, o instituto da desconstituição tácita: exemplificando, admitamos que, em uma relação jurídico-processual, um jurisdicionado outorga poderes judiciais - mediante procuração judicial - a um advogado (A). Todavia, "a posteriori", este mesmo jurisdicionado autorga novos poderes judiciais - também, via procuração judicial - a um outro profissional do Direito (B), nos mesmos autos processuais. Nesta hipótese, ocorre a configuração da desconstituição tácita em relação ao primeiro advogado, ou seja, advogado (A). E, para os atos processuais ulteriores, haverá, somente, a presença do advogado (B), posto que, ocorreu a desconstituição do primeiro. Todavia, ressalte-se, no exemplo exposto, há dois advogados distintos! Agora, no caso em que você apresenta, apareceram, nos mesmos autos processuais da ação de revisão de alimentos, duas procurações para o mesmo advogado, ou seja, o seu cliente; e tais procurações foram trasladadas para os autos do Inquérito Policial, como elementos probantes, a instauração do mesmo, a fim de se averiguar o suposto ilícito penal. No caso em tela, a segunda procuração não "invalidará" a primeira, posto que fora autorgada para o mesmo procurador, isto é, a mesma pessoa, o seu cliente. Não se configura, neste caso em que você apresenta, a desconstituição tácita, como salientado no início deste tópico, porque não há dois advogados distintos, ao revés, só figura o mesmo advogado, seu cliente.

2)Vamos examinar alguns pontos fundamentais. Somente poderá ser sujeito ativo do delito o advogado (frise-se, bachareal em direito, inscrito na OAB). Não influi na configuração do crime o fato de ser o advogado ou procurador remunerado ou não; e tanto faz que tenha sido escolhido pela parte ou nomeado pejo juiz. Pode o crime ser praticado inclusive pelo defensor público. No caso em comento, ou seja, o do seu cliente, existem dois mandatos formais (duas procurações para o mesmo procurador), nos mesmos autos!!! Conquanto, não se exija a existência de mandato formal, é indispensável, que haja DEFESA ACEITA pela parte autorgante, ou seja, que o patrocínio da causa tenha sido definitivamente confiado ao agente ativo e aceito por este. No caso vertente, o aparecimento, no mesmo processo da revisional de alimentos, de duas procurações ao mesmo procurador; estas atestam, inquestionavelmente, no âmbito do Direito Penal, o "animus", ou seja, a vontade e a aceitabilidade do patrocínio simultâneo ou a tergiversação do seu cliente, mesmo que à sua revelia. Frise-se que, a presença de duas procurações, confiada ao mesmo advogado ou procurador, atestam, repita-se, que o patrocínio simultâneo da causa foi definitivamente confiado ao agente do suposto delito, ou seja, seu cliente, apesar dele não saber desta segunda procuração. No caso em que você apresenta, "seu cliente não promoveu qualquer defesa da requerente", no entanto, no âmbito do Direito Penal, especialmente, para a configuração do delito da tergiversação, basta, tão-somente, a aceitação do advogado (sujeito ativo deste delito) para o patrocínio simultâneo. E, neste caso, o elemento - inquestionavelmente, materializando ou configurando a aceitação do seu cliente para o patrocínio simultâneo da mesma causa - foi as presenças das duas procurações outorgadas para o mesmo.

3)Bem, com relação à esta indagação, isto possui um caráter muito subjetivo, isto é, depende apenas do advogado. Contudo, existe a seguinte jurisprudência que enfoque o seguinte argumento: dever-se-á haver, primeiramente, uma exame administrativo prévio do fato delituoso pela Seccional da OAB como condição de procedibilidade para a instauração da ação penal. Nestes termos: "Patrocínio infiel - Alegada necessidade de se passar primeiro pela instância da classe para depois promover-se a ação penal - Ordem de "habeas corpus" denegada - "O art. 127 do Estatuto da OAB dispõe, claramente, que a jurisdição disciplinar estabelecida nessa lei não exclui a jurisdição comum quando o fato constitui crime ou contravenção. Não há razão alguma, portanto, para que antes do processo-crime por delito do art. 355, parágrafo único, do CP se recorra ao juízo do órgão de classe" (TACRIM-SP - HC - Rel. Silvio Lemmi - JUTACRIM 67/96).

4)No tocante à presrição do delito do art. 355 do CP, leva-se em consideração a regra insculpida no art. 109, inciso IV, do CP.

5)Com relação às argumentações sólidas, eu já as fiz no item Segundo.

Um abraço,

José Djalma Rocha Pereira. Advogado em Recife-PE.

Roberto Abreu
Advertido
Há 26 anos ·
Link

Cara colega Felícia.

Eu li as considerações do colega Djalma e, embora entenda ter o mesmo se manifestado com proficiência e pertinência teórico-jurídica, creio haver alguns pontos fáticos não vislumbrados que são fundamentais para o caso presente. Vamos a todos eles.

Em primeiro lugar, a colega falou que, quando seu cliente compareceu à delegacia para o interrogatório, deparou-se com duas procurações, sendo cada uma outorgada a uma das partes da ação revisional, E QUE ESTAVAM CONSTANDO DOS AUTOS. Ora... para que um documentos esteja constando dos autos é necessário que tenha sido a eles juntado. E somente pode ter sido juntado aos autos se (1) acompanhou alguma petição por uma das partes apresentada, ou (2) foi deliberadamente juntado acompanhando requerimento de juntada. Deve, pois, haver tal requerimento de juntada do documento (procuração), assinado por advogado (já que nenhuma das partes, ausente a capacidade postulatória, poderia fazê-lo). PERGUNTO: Como apareceu tal documento aos autos? Quem assinou a petição de juntada ou, em não tendo sido esta a via, foi tal procuração acompanhando que petição e por quem assinada? OUTRA PERGUNTA: Tal procuração está em que posição da numeração dos autos? Não terá sido juntada especificamente ao final do processo para tumultuá-lo ou prejudicar o colega ora indiciado? Se a numeração dos autos (já que a procuração outorgada à mulher estava nos autos, tem que ter feito parte de folha numerada...) evidenciar que fora juntado no fim do processo, pode-se começar a trabalhar a hipótese de falsidade documental (da procuração outorgada à parte não representada.

A tergiversação exige patrocínio simultâneo NA MESMA CAUSA, de modo que, não havendo tal elementar, não se configura patrocínio infiel. Ora, pode ser alegado o vínculo da prestação de serviços advocatícios em causa diferente, especialmente se as procurações são gerais para o foro (não específicas. Provando a colega que seu cliente não assinou qualquer petição em nome da requerente e não compareceu a qualquer ato processual ou audiência em nome dela, evidenciada está a inexistência da prestação de serviços advocatícios no processo de que se cogita, conquanto possa tal prestação ter sido efetuada em outro processo, ou PARA SER EFETUADA EM OUTRO PROCESSO, MAS QUE AINDA NÃO FOI INICIADO (daí a inexistência de qualquer registro em qualquer cartório).

Creio, caríssima Felícia, que esses elementos fáticos, posteriormente trazidos à baila pela nobre colega, nos ajudarão a formular uma defesa para seu cliente.

Aguardo suas colocações.

Um abraço.

Roberto Abreu.

Dizioli
Há 16 anos ·
Link

De fato, impende descobrir como a procuração tida como espúria tenha chegado aos autos. É sabido que não seria necessária a petição de juntada, bastando que a parte interessada em denegrir a imagem de seu cliente, após solicitar os autos para exame no balcão, alegasse ao cartorário que havia uma folha solta no processo: "Olhe esta procuração esta solta, esta vendo é deste advogado...". Mas esta me parece uma reoria da conspiração. Será que ele não a juntou por engano, pois poderia ter sido redigida inicialmente para uma tentativa de acordo amigável, colhendo as procurações de ambos os transigentes e até então nenhum delito. Mudada a diretriz de acordo amigável para litígio permaneceu junta aos demais documentos e juntou-se por engano. Todavia o mais importante é analisar o momento consumativo do delito. Quando o crime se faz consumado? Certamente a mera juntada não caracteriza esse marco, mas sim o momento em que o indigitado passa a defender interesses opostos, peticionando em favor de uma das partes e de outra. Se não há peticionamento em favor da parte a quem ele alega não ter sido constituído é indicativo de que tenha havido erro material na juntada ou de fato incriminação dolosa praticada por terceiros.

Marcelo
Há 14 anos ·
Link

E se o mesmo advogado ingressa com duas ações de regulamentação de visitas , uma para o autor e outra para a mãe desse autor (a parte ré é a mesma) . Existe alguma incompatibilidade ? Detalhe : na segunda acao ( interposta pela mãe do autor ) o juiz mandou aditar a inicial para que no polo passivo constasse autor e ré )

Lissandro Sampaio- Porto Alegre/RS
Há 14 anos ·
Link

a data do fato foi 1997? é a data que consta no inquerito do ato criminoso foi 1997? se sim para as duas respostas. A resposta é Habeas Corpus.

Esta pergunta foi fechada
Há 11 anos
Fazer pergunta semelhante

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Faça sua pergunta Pergunte à maior rede jurídica do Brasil!. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos