Caros colegas:

Tendo em vista a Lei nº 9.605/98, gostaríamos de saber a opinião dos senhores a respeito da responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Será que é cabível a adoção da responsabilidade penal destas pessoas coletivas tendo em vista o modelo de direito penal vigente (fundado na teoria finalista)?

Será que a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas não viola princípios basilares do direito penal como, por exemplo, o pricípio da intervenção mínima, personalidade da pena, culpabilidade, etc.?

Respostas

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    nazareno césar moreira reis Domingo, 25 de junho de 2000, 23h33min

    Prezados Maurício e Viviane,

    Em primeiro lugar é discutível a afirmação de que o nosso Direito Penal vigente está fundado sobre a Teoria Finalista. É verdade que a maioria da DOUTRINA BRASILEIRA estuda o delito sob a ótica desta Teoria (assim, por exemplo, DAMÁSIO E. DE JESUS, H. FRAGOSO, MIRABETE), mas os autores que defendem a Teoria Causalista e suas derivações, interpretando o Direito brasileiro vigente, afirmam que o CP de 1940 (mesmo com a reforma de 1984) não está fliado à corrente de pensamento há pouco referida (nesse sentido, por todos, EDGARD MAGALHÃES NORONHA).
    Por outro lado, nosso Direito Penal, como de resto todos os demais ramos do Direito Positivo, está necessariamente subordinado às regras impostas coativamente pela Constituição Federal, não sendo lícito invocar princípios doutrinários contra norma constitucional expressa. Assim sendo, é de ver-se que, no particular das condutas lesivas ao meio ambiente, a CF/88 autorizou ostensivamente a imposição de pena criminal às pessoas jurídicas (art.225, § 3º), fato que, por si só, infirma qualquer regra ou princípio doutrinário sobre o tema.
    Em conclusão, a responsabilização penal da pessoa jurídica, especificamente no que se refere aos danos ao meio ambiente, tem autorização constitucional expressa, sendo irrelevante os princípios doutrinários comuns do Direito Penal, neste particular.
    É o que penso.

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    Mauricio e Viviane Sábado, 01 de julho de 2000, 18h50min

    Caro colega:

    Com relação a afirmação que é discutível no direito penal brasileiro, após a reforma de 1984, a adoção da teoria finalista da ação, não podemos concordar, uma vez que a esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência o afirmam. No nosso entender, os que sustentam ao contrário não conhecem a legislação penal como um todo e a evolução do pensamento político-criminal.

    Com relação a afirmação do colega que não seria lícito invocar princípios doutrinários contra norma constitucional expressa, só nos resta pedir vênia ao colega e dizer que está totalmente enganado, acreditamos que o colega não tem clara a noção de sistema penal, visto que este não está apenas no Código Penal e, sim está, também, na Constituição Federal, sendo assim, a própria Constituição Federal traz expressamente princípios penais, como por exemplo: o princípio da personalidade da pena (art. 5, XLV), o princípio da individualização da pena (art. 5, XLVI), o princípio da legalidade (art. 5, XXXIX), entre outros. Cabe destacar, também, que há no ordenamento jurídico brasileiro princípios explícitos (por exmplo, o da legalidade) e implíticos (por exemplo, o da intervenção mínima, já que este decorre do Estado Democrático de Direito, o da proporcionalidade, etc.) no texto Constitucional.

    Cabe afirmar que os princípios, o que o colega está esquecendo, é a base do sistema, o fundamento, o alicerce deste, princípio é norma (no ensinamento dos mais conceituados juristas como Duworkin, Robert Alexy, Juarez Tavares, Claus-Canaris, Karl larenz), assim, quando tivermos em conflito um princípio como uma regra, devemos levar em consideração não a regra e sim o princípio, pois a violação deste é mais grave para o sistema, entretanto, no caso a regra que está conflitando com os princípios é constitucional, e como não há normas constitucionais inconstitucionais (o que é discutido), devemos pesá-la, não estamos sustentando sua inconstitucionalidade, e sim que da análise do art. 225, § 3º com os princípios fundamentais da Constituição Federal e do Direito Penal devemos interpretar que a intenção do art. 225, § 3º é de punir as pessoas físicas penalmente e de punir as pessoas jurídicas administrativamente, pois não podemos crer que o legislador queria o contrário, até porque no processo constituinte analisou-se a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica e sugeriu-se, naquela ocasião, a adoção desta responsabilidade, art. 202 do Projeto da Constituição, atual art. 173, § 5º, entretanto como podemos ver está não foi adotada, por questões de política-criminal, por questões de fazer valer os princípios do sistema.

    É nossa opinião, agradeceços ao colega e gostaríamos de continuar discutindo o tema.

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    nazareno césar moreira reis Sábado, 01 de julho de 2000, 19h43min

    Prezados Colegas,

    Reconheço que não tratei da questão constitucional, ínsita no tema proposto para debate, como deveria.
    Penitencio-me por isso, mas passo agora a externar o meu ponto de vista sobre esse aspecto do problema.
    Em primeiro lugar, concordo com todas as premissas por vocês levantadas (tanto mais porque a minha resposta originária, ao contrário do afirmado por vocês, de modo algum é incompatível com elas), todavia discordo das suas conclusões.
    Em primeiro lugar, quando disse que os princípios por vocês argüidos eram doutrinários, não afirmei que eles não estivessem contidos na CF, nem que optava por uma regra em detrimento de um princípio, por ter "esquecido" esse elementar fundamento do pensamento jurídico, que faz distintos os rábulas dos juristas. O que quis afirmar foi que a norma do art.225, §3º, no meu entender e segundo as mais comezinhas regras de interpretação, é especial em relação aos princípios referidos, de modo que seria ilegítimo invocar um princípio justamente em um ponto em que a CF achou por bem afastá-lo.
    A interpretação sugerida por vocês, segundo a qual a norma quis punir administrativamente as pessoas jurídicas e penalmente as pessoas físicas, prova demais, pois a invocação da interpretação histórica (no que respeita ao Projeto da Constitução), apesar de importante, encontra limites justamente nas regras positivadas. Em outras palavras, a "voluntas legislatoris" diverge e não prevalece sobre a "voluntas legis" (como vocês já devem ter tido oportunidade de ler, por exemplo, em LARENZ: Metodenlerhe der Rechtswissenchaft). Não é lícito ao intérprete distinguir onde a lei não distingue. As regras gerais (ainda que princípios) cedem passo às regras particulares (também estas fundadas em princípios, especialmente no da legalidade), com base precisamente no princípio da máxima coexistência das normas constitucionais, que prega a aversão a qualquer tipo de interpretação entre normas conflitantes, que opte pela ablação de uma delas.
    Ademais, a afirmação de que ainda se discute sobre a existência ou não de normas constitucionais inconstitucionais (Verfassungsnormen Verfassungswidrige), segundo a proposta de OTTO BACHOF, devemos mais uma vez informá-los que, no Brasil, esta discussão,se é que ainda existe, cinge-se à doutrina, pois o Pleno do STF, por ocasião do julgamento da ADI nº 815/DF,rel. Min. Moreira Alves, fixou a sua jurisprudência no sentido de não admitir a dita proposição doutrinária.
    Em suma: a proposta de dar uma "interpretação conforme à Constitução", consoante vocês sustentam, no meu entender, implica dois erros: a) violar a literalidade do texto do art.225, §3º, sem que haja razão plausível para tal, visto como o argumento histórico é extremamente frágil;e b)declarar a inconstitucionalidade parcial do texto constitucional originário, embora vocês afrimem que não, para excluir um determinado tipo de interpretação possível, tese que encontra pesado óbice na jurisprudência do STF, há pouco referida, no sentido de que não há normas constitucionais inconstitucionais.
    É o que penso, mas sempre aberto para ouví-los novamente.

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    Hetan Domingo, 02 de julho de 2000, 11h47min

    Caros Debatedores

    A responsabilidade penal da pessoa jurídica me parece bem firmada em nosso ordenamento jurídico na CF e Lei Federal.
    Respondendo penalmente a pessoa jurídica a imputabilidade passará de imediato aos dirigentes da Pessoa Jurídica, na medida de suas culpas.
    Não se pode ter qualquer outro entendimento do art. 225,&3, da CF, sob pena de se desajar retirar totalmente a eficácia da norma máxima.
    Não tenho inteligência para depreender que uma norma constitucional tenha sua eficácia anulada por princípios jurídicos não positivados.
    Nem todos os princípios positivados em nossa constituição podem retiram eficácia de norma igualmente constitucional.
    Como já foi dito é impossível o conflito de normas constitucionais.
    A boa hermeneutica ensina que conflito de normas constitucionais equipotentes e opostas, a especial torna-se exceção a geral.
    Não se pode pretender que a norma geral(princípios positivados) anule a particular, pois são normas equipotentes.
    É norma de exceção, e atrevo-me, é caso excepcionalíssimo de responsabilidade objetiva penal, que foi extinta na reforma de 1984.

    Cordialmente

    Hetan

    Visite painel de temas Jurídicos

    www.amafi.hpg.com.br

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    Hetan Domingo, 02 de julho de 2000, 21h20min

    Ainda sobre a responsabilidade penal da pessoaa jurídica indico-vos as seguintes obras:
    Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica Autor: Sérgio Salomão Shecaria
    Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias e Direito Penal
    Autor: Coord.: Luiz Flávio Gomes

    Hetan

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    nazareno césar moreira reis Domingo, 02 de julho de 2000, 22h20min

    Caro Hetan:

    Agradeço pela bibliografia. Recomendo também a leitura do livro "Crimes Contra a Natureza", de autoria dos eminentes VLADIMIR PASSOS DE FREITAS (este Juiz do TRF-4ª Região, sediado na terra dos colegas que propuseram o instigante tema) E GILBERTO PASSOS DE FREITAS. Neste livro (em sua 6ª edição) todo um capítulo é dedicado à responsabilização penal da pessoa jurídica, sendo que numa detrminada passagem é afirmado peremptoriamente (pg.63): "No entanto, a verdade é que a Carta Magna foi clara e, ao usar a preposição 'e' entre as palavras penais e administrativas, desejou penalizar as pessoas jurídicas das duas formas, cumulativamente". Sobre a suposta inconstitucionalidade da penalização da pessoa jurídica, dizem os autores: "Se a própria Constituição admite expressamente a sanção penal à pessoa jurídica, é inviável interpretar a lei como inconstitucional, porque ofenderia outra norma que não é específica sobre o assunto. Tal tipo de interpretação, em verdade, significaria estar o judiciário a rebelar-se contra o que o Legislativo deliberou, cumprindo a Constituição Federal. Portanto, cabe a todos, agora, dar efetividade ao dispositivo legal".
    Em arremate, lembro aos colegas também que não existe diferença ontológica, segundo a esmagadora maioria da doutrina, entre sanção administrativa e penal, de maneira que dizer que as pessoas jurídicas podem ser penalizadas administrativamente, mas não penalmente, pelo mesmo fato, não constitui relevante tese jurídica, tanto mais quando se sabe que as sanções penais pecuniárias perderam muito de seu caráter aflitivo a partir do fim da chamada conversão da multa em pena restritiva de liberdade.
    É o que penso.

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    Mauricio e Viviane Domingo, 16 de julho de 2000, 21h07min

    Desculpe só respondermos agora é que tivemos problemas com nosso internet explorer.

    Agradecemos as indicações, já tinhamos adquirido-as, sugerimos como leitura as seguintes obras, também:

    1. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica - Ataíde Kist
    2. Tutela Penal do Meio Ambiente - Luís Paulo Sirvinskas
    3. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica - Fausto Martin de Azevedo.

    Se for de teu interesse temos uma lista de mais ou menos 50 artigos que tratam do tema.

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    Milton Jordão Domingo, 06 de agosto de 2000, 13h21min

    Caros amigos,

    Tendo em vista o questionamento feito por vocês, respondo assim :
    A responsabilidade penal das PJ será inviável seja no causalismo ou finalismo, e até no funcionalismo. O fundamento da ação é a conduta humana! Nunca pode-se ter crime perpetrado por animal ou ser fictício.
    Ao meu sentir, a citada lei é inconstitucional, pois viola o artigo 5o, e princípios formadores do direito constitucional-penal, inclusive na segunda questão vocês os citam.

    Por certo, a questão não é de exatamente de dogmática(pense que esta pode ser mudada), porém, de política criminal, a adoção desta responsabilidade gerará um direito penal máximo, desprovido de certas garantias.
    Penso que devemos buscar hoje uam política criminal garantista, sem perder de vista os limites constitucionais. A lei em pauta foi objeto de propaganda da mídia por sua aprovação, a sua inaplicabilidade para mim é óbvia. Antes o Estado detinha até mais poderes para punir a empresa que feria o meio ambiente, agora, vejam os quadros do IBAMA e do CRA, será que eles queriam isso??

    Bom, são algumas reflexões rápidas sobre o tema.
    Um forte abraço
    Milton Jordão

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    Amafi Sábado, 16 de setembro de 2000, 22h28min

    A PESSOA JURÍDICA DIANTE DA RESPONSABILIDADE PENAL

    Edson Pereira Ramos

    Bel. em Direito, Mestrando em Direito Empresarial pelo Centro de Formação superior das Faculdades Milton Campos - Belo Horizonte

    [email protected]

    1. Introdução

    Com o advento das regras protetoras do meio ambiente, concretizadas na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica voltou a ser o cerne das contraposições das opiniões. E os abalizados argumentos expostos em contrário e a favor da complexidade de seu cabimento torna grandiosa a atração que o assunto exerce sobre os estudiosos do Direito.

    A imensa necessidade de abrangência de novos espaços territoriais, em conseqüência da desmedida explosão demográfica, faz com que o ambiente sofra desordenadas alterações; os centros urbanos crescem sem bases técnicas (especialmente no campo sócio-econômico), de planos e programas com objetivos definidos, potencializando o aumento da falta de emprego, das dificuldades de educação, das enfermidades e da inexistência de recursos de cura, com precariedade de infra-estruturas de saneamento e de segurança, o que obriga o indivíduo a modificar seu processo e conceito de vida em comunidade.

    Ao lado, a competição industrial cria, por intermédio de tecnologias mais e mais avançadas, neoconceitos sobre a atuação do indivíduo na sociedade, com a poderosa mídia apontando-lhe, a cada dia, a necessidade de consumo de um novo produto. E nessa luta de mercado, os princípios de ética, de moral e de respeito às normas de convivência quase sempre são postos de lado, alargando, a passos firmes, a evolução de uma criminalidade fortalecida pelo poder de grandes monopólios, que passam a influir e a dirigir a forma de vivência social com muito mais eficiência do que o poder governamental.

    Dessa moldura nasce a reflexão jurídico-social consistente na visualização de que as condutas antijurídicas deixaram o patamar da individualidade, passando a um nível de corporativismo que fragiliza a reação do Estado, cujas formas de combate ao seu alcance sempre se direcionou unicamente à danificação do bem jurídico praticado, tão-somente, pelo indivíduo, enquanto pessoa física.

    De fato, a preocupação dos órgãos de repressão com os comportamentos ilícitos está atada à melhoria do seu armamento, dos meios de transportes e métodos de lutas corporais, enquanto as condutas oriundas das entidades corporativistas vêem sustentadas na utilização da eletrônica, da informática e em outros meios de tecnologia mais e mais avançada. Vejam-se, a propósito, as formas utilizadas para a lavagem de dinheiro. Não há como combater as entidades criadas com essa finalidade com métodos assentados em obsoletas formas de combate da criminalidade.

    E não pára por aí. A repressão do Estado às condutas antijurídicas encontra-se alinhavada, com exclusividade, às características do indivíduo, sobretudo no princípio da personalidade da pena e na adequação das finalidades de resposta penal.

    Só a partir da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra (e em outros países), é que o Estado se viu perplexo com a ineficiência desse sistema repressor. Por isso entendemos não ser ilógico dizer que a Revolução Industrial provocou uma evolução na seara jurídica, diante do fato de que a empresa, como um dos nódulos essenciais do poder de transformação social e de modificação da consciência ético-jurídica humana e por sua característica agregacional de interesses, configurou-se como um centro embrionário de condutas relevantes à seara jurídica, mormente nos grupos que se organizam em volta da idéia de que a paz e a segurança do cidadão vêm alongadas das garantias individuais que caracterizam todo Estado Democrático de Direito, assentando a busca de seus objetivos em comportamentos violadores das normas protetoras dos interesses individuais e coletivos, como aqueles pertinentes ao meio ambiente, e a todos os demais em que as empresas são o escudo para a conduta delituosa de indivíduos.

    E é na consideração desse conjunto que se visualiza um novo fenômeno criminal para onde a ciência penal moderna deve direcionar sua contrapartida. De um Direito Penal tradicionalista, alongado de uma posição reacionária, do ponto de vista político-criminal, nada se pode esperar em termos de embate a essa "evolução criminógena". Ressaltando-se daí o surgimento da necessidade de o Direito Penal alargar seus lindes e voltar os pensamentos jurídicos para o ente coletivo.

    Nessa concepção, cremos que o primeiro passo é clarividenciar o legislador da ideologia da Law and Order que inspirou a Constituição e as leis penais, afastando-o da ingerência dos meios de comunicação de massa (dramatizadores da violência e dos escândalos) que o arrebatam a "criar" leis distorcidas dos princípios político-criminais e alongadas da consciência jurídico-democrática, numa posição sustentada mais pela reação humano-instintiva do que pela função (racional) de ordenar a vida social, estabelecendo entre os membros comunitários uma justa relação.

    Aponte-se, como ilustração desse entendimento, a Lei que altera dispositivos do Capítulo III do Título VIII do Código Penal, incluindo na classificação dos delitos considerados hediondos os crimes contra a saúde pública (Lei nº 9.677/98), que estabelece pena de até quinze anos a quem, v.g., distribui algum produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais se o adquiriu de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. Ora, no combate à criminalidade, já é fato reconhecido que a política repressiva é um fracasso. Jamais houve qualquer comprovação científica de que a criminalidade tenha sido controlada pelo rigor nominal da lei.

    Observa-se aí os limites excedidos pelo legislador, o que já se transformou em fato comum, alocando ao Direito Penal o drama de conciliar a tutela da segurança social com o respeito à pessoa humana. E dessa premissa é que nasce a exigência de evolução do Direito Penal, direcionado não ao homem, mas ao ente coletivo, gerando a possibilidade de combate adequado a transgressões praticadas em circunstâncias que possam imputá-las à pessoa jurídica.

    O tema é um dos aspectos do Direito que, modernamente, tem chamado a atenção dos juristas de todo o mundo, sendo o punctum saliens de contraposições apaixonantes.

    Expostas estas considerações, pode-se verificar a complexidade da questão, objeto deste estudo. O homem já não resume em si mesmo todo o mundo jurídico. Estamos felizes por notarmos a conscientização cada vez maior por parte dos operadores do Direito da importância do assunto e da necessidade de enfrentar o problema, fundados nas bases sólidas dos princípios da Ciência Criminal.

    A Evolução do Pensamento

    Com o advento do liberalismo, após a Revolução Francesa, extinguiram-se as sanções às corporações e todas as referências associadas à responsabilidade de caráter coletivo que pudessem pôr em risco as liberdades individuais. A razão fundamental dessa mudança "encontrou-se, antes, no fato de ter desaparecido a necessidade de punir as pessoas colectivas, pelo simples motivo de elas terem perdido o poderio que tinham obtido durante a Idade Média. Com efeito, na época do absolutismo, o Estado sentiu a necessidade de aplicar sanções adequadas a essas colectividades, que cresciam dentro de si, ameaçando sua soberania".

    Na segunda metade do século XIX, a redistribuição dos capitais e forças produtivas nos planos nacional e internacional, a transformação acelerada dos processos técnicos, o aperfeiçoamento dos meios de transporte e de comunicações, os problemas sociais gerados no seio da classe trabalhadora e a expansão demográfica fizeram surgir diversas maneiras de grupismos como técnica de dominação de mercado. As grandes sociedades, irmanadas pelo interesse do monopólio, aparecem como tiranas insurportáveis, ditando ordens, impondo-se até mesmo às regras governamentais. Uma tendência monopolista surge tanto na forma coativa (truste), como na voluntária (cartel). A união dos interesses passaram a estruturar-se em modalidades fundamentais de associativismo conhecidas como ententes, cartéis, concentrações de empresas, holding, trustes e tantas outras denominações, as quais variam de país para país, mas sempre supedaneadas no princípio de abolição do caráter competitório nos mercados.

    Tal painel requereu do Poder Público providências para limitar o poder econômico dos grandes grupos e coibir as suas práticas abusivas, surgindo, assim, uma série de preceitos legislativos regulando as relações dos concorrentes entre si, com fundamento nas teorias do abuso do direito (ou da emulação), da contrariedade às normas morais (práticas não eqüitativas de comércio) e da eqüidade (específica do direito anglo-americano).

    Esta tutela estatal, no entanto, era restrita à esfera civil e não alcançava os novos fenômenos que a era industrial, ou era "digital", passou a apresentar, descurando-se daquelas atividades empresariais danosas, não só aos valores de natureza econômica, como também aos de cunho ecológico, à saúde e segurança do consumidor, etc., de tal sorte que, nos principais congressos internacionais realizados neste século, as reflexões jurídicas começaram a visualizar a possibilidade de impor aos grandes grupos sanções punitivas de natureza penal.

    A Associação Internacional de Direito Penal, no segundo Congresso que realizou em Bucareste, nos idos de 1929, deu ao assunto a merecida ênfase, não obstante sua conclusão final não admitir, de forma absoluta, a responsabilidade penal dos entes coletivos.

    Em 1953, o VI Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em Roma, no que diz respeito à criminalidade econômica teve como uma de suas conclusões que "a repressão a estas infrações requer uma certa extensão da noção de autor e das formas de participação, bem como a faculdade de aplicar sanções penais às pessoas jurídicas". Quatro anos mais tarde, no VII Congresso de Atenas, estabeleceu-se que ficaria a cargo de cada país a fixação da responsabilidade penal da pessoa jurídica, fixada, na hipótese, a pena de multa.

    No XII Congresso Internacional de Direito Penal, em Hamburgo, reconheceu-se que "sendo os atentados graves contra o meio ambiente praticados em geral pelas pessoas morais (empresas privadas ou públicas), é necessário admitir sua responsabilidade penal ou lhes impor o respeito ao meio ambiente através de ameaça das sanções civis e administrativas".

    Em 1994, o Rio de Janeiro foi o palco da realização do XV Congresso de Direito Penal, onde a comunidade jurídica internacional aprovou algumas recomendações pertinentes aos delitos cometidos contra o meio ambiente.

    Esta é a evolução mais recente da responsabilidade penal das pessoas jurídicas no século corrente.

    O professor Shecaira aponta, atualmente, a existência de três sistemas pertinentes à responsabilização das entidades coletivas que imperam no mundo. O primeiro, seguido basicamente pelos países do Common Law, mas que hoje recebe a adesão de outros países do Civil Law, em que se reconhece plenamente a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. O segundo, refuta substancialmente tal responsabilidade. A maioria dos países da Europa continental adota tal postura. O terceiro, dominante na Alemanha e em outros países, tem posicionamento intermediário, isto é, às pessoas jurídicas podem ser impostas sanções pela via do chamado "direito penal administrativo", ou "contravenção à ordem". Estas se constituem em infrações de menor gravidade, tendo como sanção uma "multa administrativa" (Geldbusse) e não uma multa penal (Geldstrafe). Nestes casos não se indaga sobre a culpabilidade das empresas, mas utiliza-se de uma punição com um espírito mais pragmático.

    Legislações estrangeiras

    No direito inglês a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, reconhecida primeiro para os delitos omissivos (public welfare offences), passou a ser admitida de maneira geral a partir da Revolução Industrial e do crescente número de delitos praticados por intermédio de grandes empresas. Os principais fatos dessa mudança foram a superação da exigência da presença pessoal do acusado em juízo (Sumary Jurisdiction Act of 1879) e a necessidade de imposição de uma regulamentação à atividade societária, a fim de inibir algumas atividades ilícitas das corporações. A partir de 1948, com o advento do Criminal Justice Act, é que ficou estabelecida a possibilidade de conversão das penas privativas de liberdade em penas pecuniárias, perfazendo-se o quadro evolutivo. Atualmente, as pessoas coletivas podem ser punidas por infrações mais leves ou mais graves, exceto por aqueles fatos que, pela própria natureza, não possam ser cometidos por uma corporação. As penas aplicáveis são pecuniárias, dissolução, apreensão e limitação de atividades.

    O princípio da responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, no Estados Unidos da América, é ainda mais amplo do que na Inglaterra, sendo a admissão da responsabilidade penal das corporações a regra, embora não seja unânime em todos os Estados, em face do sistema federado. No direito desse país é admissível que as infrações culposas sejam imputadas às empresas quando cometidas por um empregado no exercício de suas funções, mesmo que a empresa não tenha obtido proveito com o fato delituoso. Além disso, a corporação será responsável quando o fato criminoso for cometido a título de dolo e se praticado por um executivo de nível médio. A legislação atualmente em vigor estabelece que qualquer ofensa praticada, seja autorizada, solicitada, requisitada, ou tolerada pela diretoria da empresa ou por um agente que possa ser considerado seu alto gerente, traduz-se em medida passível de persecução penal contra a corporação (parágrafo 20.20, inciso 2).

    O Japão, sob a influência dos Estados Unidos, adotou um sistema mais pragmático do que aquele em vigor nos países da Common Law, sem, no entanto, admitir a responsabilidade sem culpa, enquanto o Canadá a admite, reservando a "doutrina da identificação" aos true crimes. A Holanda, por sua vez, teve a introdução da responsabilidade penal das pessoas jurídicas pela Lei de Delitos Econômicos de 1950. Entretanto, com a modificação do Código Penal holandês, em 1976, toda a legislação passou a contemplar a responsabilidade penal das pessoas morais.

    A Alemanha abraça o princípio de que societas delinquere non potest desde a derrogação da legislação econômica estabelecida pelas potências de ocupação após a II Grande Guerra, que permitia a responsabilização penal dos entes coletivos. Adota, entretanto, um pujante Direito Administrativo penal da pessoa jurídica (ou contravenção à ordem), bastando o comportamento antijurídico, sem exigência da culpa. No processo, vigora o princípio da oportunidade e não o da legalidade.

    O artigo 30 prescreve a aplicação de multa contra pessoa jurídica ou associação de pessoas, se seus órgãos tiverem cometido delitos ou contravenções à ordem e lesado, assim, a legislação referente à empresa, ou tenham atuado com o fim de favorecer esta. Os artigos 8 e 10 contemplam o confisco do superavit, ou seja, a diferença entre o benefício permitido e o obtido, da pessoa jurídica ou das sociedades sem responsabilidade jurídica de direito mercantil. O superávit deve ser conseqüência da violação dos preceitos legais sobre a delinqüência econômica, relativa à regulação de preços. Não somente as leis especiais dispõem sobre medidas acerca das pessoas jurídicas, mas no Código Penal, no artigo 73, prescreve o confisco de bens, nos casos de atuação por outro (regulado no art. 14), desde que o outro (pessoa jurídica) tenha sido beneficiado.

    No direito francês, a responsabilização das empresas teve ingresso por intermédio do Código Penal que entrou em vigor em 01.03.94. Nessa seara, a condenação da pessoa jurídica ocorre em decorrência do reconhecimento da responsabilidade da pessoa natural que a dirige, numa segunda etapa, portanto. A pessoa jurídica responde, pois, por responsabilidade penal presumida transportada para ela do nexo da responsabilidade penal pessoal, a qual é resultante do elemento subjetivo da pessoa natural dirigente.

    Esta mesma direção legislativa já havia sido adotada por Portugal no Código Penal de 1982, o qual tinha o complemento de três decretos-leis concernentes a infrações fiscais, aduaneiras e de subvenções. O decreto-lei nº 630/76, que estabeleceu novas incriminações para a prática de determinados atos ou operações cambiais, o decreto-lei nº 187/83, que aplicava às pessoas coletivas e às associações sem personalidade jurídica as multas previstas para os crimes de contrabando e descaminho, quando praticados pelos respectivos "órgãos" no exercício de suas funções, e o decreto-lei 28/84, onde o legislador estabeleceu três penas principais e onze penas acessórias.

    São estes alguns dos ordenamentos jurídicos que admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica, os quais, acreditamos, poderão servir como molde das bases de construção dessa nova fôrma dogmática que, certamente, não poderá ser a mesma concernente ao indivíduo, nada impedindo, entretanto, que caminhem paralelamente.

    A Dogmática Penal Brasileira

    As principais dificuldades na atual dogmáticas penal pátria para acolher a responsabilidade penal das pessoas jurídicas encontram sustento nos conceitos penalísticos de conduta e culpabilidade. Numa ótica primeira, em Direito Penal, a conduta está sempre vinculada a um comportamento humano e a culpabilidade a uma reprovação ético-moral que estaria excluída no caso das pessoas jurídicas, as quais não poderiam ser as destinatárias (sujeito passivo) de penais criminais com finalidades preventiva e/ou retributiva.

    Elementos inconciliáveis com a teoria do crime

    A conduta

    O Direito Penal materializa-se, substancialmente, por intermédio de um conjunto de normas que proíbem, determinam ou simplesmente permitem fazer ou não fazer. Tais normas dirigem-se a todo aquele que seja capaz de realizar a ação proibida, ou de omitir a determinada, e que, nas circunstâncias, tenha o dever de realização ou de abstenção do ato. Pacífico, pois, que inexistindo a ação (lato sensu), inexiste o crime (nullum crimen sine conducta). Daí concluirmos que, na estrutura do fato típico, a conduta (ação ou omissão) é a base, o alicerce.

    É neste ponto do Direito Penal vigente que repousam sérios obstáculos à compabitilização da responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

    Já com acomodação tranqüila na doutrina brasileira, o conceito de conduta, como "atividade humana conscientemente dirigida a um fim", implica no poder de decisão pessoal entre o fazer o que está proibido ou não fazer o que está determinado. Quero dizer, a ação (lato sensu) é visualizada sempre como um apanágio inerente ao ser humano, ou seja, somente através da ação é que as tendências e deliberações criminosas do sujeito podem tornar-se juridicamente relevantes e colocar em funcionamento a justiça penal.

    Neste passo, encontramos Damásio de Jesus: "Conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade", seguido por Júlio Fabrini Mirabete, como exemplos da quase totalidade dos doutrinadores, independentemente das concepções particulares acerca das teorias sobre a ação, no plano nacional, o que está substancialmente esposado pela doutrina internacional.

    Não há, pois, como deixar de entender que o fato-crime sempre está, necessariamente, assentado em uma atividade humana, tenha ela caráter positivo ou negativo, pois a contrariedade ao comando da norma só se estabelece se houver a existência de uma conduta que seja originária de uma vontade plenamente orientada pelo dever-ser da norma, uma vez que "o elemento teleológico da norma leva-nos a enxergar nela um fator de motivação do homem...", ou conforme assevera Juarez Tavares: ´A vontade eleva-se à condição de ´espinha dorsal da ação´.

    É de fácil observação, pois, que a conduta caracterizadora do fato típico vem, necessariamente, sustentada por uma vontade conscientemente dirigida a um fim, e como capacidade de vontade, é inerente ao ser humano, uma vez que somente este pode atuar voluntariamente. Não há, assim, como visualizar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, diante da impossibilidade de se emprestar a estas uma "capacidade de ação". A pessoa jurídica deve ser vista com as particularidades que lhe são próprias. A sua responsabilidade jurídica não pode decorrer como se dotada fosse de vontade.

    A culpabilidade

    É de Francisco Assis Toledo que acatamos, com maior ênfase, a definição acerca da culpabilidade. Conceitua-a o Ministro como "a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apoia sobre a crença de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, agir de outro modo". Assim, a noção de culpabilidade está inteiramente vinculada a um aspecto de inerência peculiar ao ser humano: a evitabilidade do fato. Ainda da pena do ilustre doutrinador, a evitabilidade do fato reside no interior do ser humano, no seu psiquismo, isto é, na faculdade que tem o homem de prever os acontecimentos, de não querer ou de querer esses acontecimentos e, portanto, de evitá-los, de provocá-los em certas circunstâncias, de manipulá-los.

    Destarte, só a pessoa natural é possuidora da capacidade de entender, diante de suas condições psíquicas, o caráter ilícito de sua conduta e de adequar essa conduta à sua compreensão.

    A culpabilidade é considerada como um dos elementos estruturais do delito a fim de se evitar a adoção da responsabilidade objetiva. A contrariedade do fato ao ordenamento jurídico, não se esgota, atualmente, nessa relação "sino que además fundamenta el reproche personal contra el autor, en el sentido de que no omitió lá acción antijurídica aun cuando podia omitirla. La conducta del autor no es como se la exige el Derecho, aunque él habría podido observar las exigencias del deber ser del Derecho".

    A "culpabilidade da pessoa jurídica" é, assim, uma hipótese incompatível com o refinado conceito de culpa, observada como "reprovabilidade da conduta ilícita (típica e antijurídica) de quem tem capacidade genérica de entender e de querer (imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento que se ajuste ao Direito", consoante Heleno Cláudio Fragoso, em suas Lições (p. 202).

    A pretensão de se incriminar as pessoas coletivas, segundo o professor Dotti, esbarra na impossibilidade de se conceber que uma empresa comercial, v.g., tenha capacidade de formar a "consciência de ilicitude" da atividade que é desenvolvida pelos seus prepostos e servidores. Acentue-se que a culpa deve ser livre, não somente em sua causa, isto é, na formação da consciência do proibido, mas, também, durante o itinerário do delito. E não é possível afirmar-se a autonomia da liberdade da pessoa jurídica que atua em conseqüência da conduta de seus agentes.

    Em obra que aborda o universo da criminalidade econômica, Gérson Pereira dos Santos pondera que falar-se em responsabilidade das pessoas jurídicas continua parecendo a muitos cegueira científica, malgrado o magistério de tantos estudiosos. No entanto, e apesar de, como nós, reconhecer que a factual hipótese da responsabilidade da pessoa coletiva não compagina com o império dos conceitos de culpa, o mestre baiano adverte que "o dissídio não é insuperável".

    Outros elementos de inconciliação

    a) O tipo subjetivo: dolo - Na definição de dolo, estampada no artigo 18 do Código Penal (quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo), há também a distinção entre o dolo direto (o agente age querendo o resultado de sua conduta) e o dolo eventual (o agente age assumindo o risco de produzir o resultado). O conhecimento da vontade é ponto de apoio para a separação dessas modalidades, o que se agrava quando se trata de apartar o dolo eventual da culpa inconsciente. De tais dificuldades é que vem a moldura de impossibilidade de se visualizar em qual dessas modalidades assentar-se-ia a conduta da pessoa jurídica.

    b) circunstâncias comunicáveis - Aduz o artigo 30 da Lei Penal que "não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime". A expressão "circunstâncias e condições de caráter pessoal" indica o cunho subjetivo do co-autor ou partícipe, referem-se às condições ou qualidades do sujeito. Assim, v.g., em um fato delituoso (peculato, por exemplo) cometido por um servidor público não teríamos como estender a acusação à pessoa jurídica, caso esta "participasse", de qualquer modo, para o evento.

    c) os tipos culposos - O delito culposo contém, em lugar do tipo subjetivo, uma característica normativa aberta, qual seja, o desatendimento ao cuidado objetivo exigível do autor. O crime omissivo anexa-se à infração do dever-ser de agir (legalmente determinado) ou de impedir o resultado (tendo a real possibilidade física de realizar a ação. Uma das mais freqüentes modalidades de responsabilidade civil imposta aos entes coletivos, tanto públicos ou privados, se situa muito mais nos domínios da negligência que da imperícia ou da voluntariedade (CC, art. 159). O problema da negligência, na seara penal, jamais seria resolvido com a atribuição de imputabilidade penal à pessoa jurídica. A questão da ação típica é bastante complexa nos delitos negligentes, pois envolve tanto os elementos constitutivos da conduta humana em geral, como os requisitos da estrutura normativa, expressa no dever de cuidado.

    d) os elementos subjetivos do tipo - Não se confundem as hipóteses de dolo ou culpa stricto sensu, como tipos subjetivos da conduta ilícita, com os elementos subjetivos do tipo. Luiz Luisi observa que o legislador, ao elaborar os tipos legais de ilícito, muitas vezes insere neles expressões que traduzem, "além do dolo, certos estados de consciência do agente, bem como situações sentimentais e afetivas, e outras de matizes inquestionavelmente subjetivas". São várias as indicações em tal sentido: a) quando o agente deve ter conhecimento de determinada circunstância (ofensa à pessoa jurídica), b) quando o tipo fixa um determinado fim (o rapto); c) quando o tipo fixa um determinado fim que se realiza com o delito (o homicídio com o objetivo de ocultar outro crime), d) quando o tipo prevê a conduta com determinado ânimo (furto); e) quando o tipo estabelece um estado psicofísico do autor (infanticídio).

    Elementos inconciliáveis com os princípios da teoria das penas

    O momento decisivo da sistemática do Direito Penal, sem embargos, constitui-se na individualização judicial da pena. Pressupõe um conjunto de elementos de fato e de Direito sobre os quais o julgador vai refletir para a escolha e a quantidade da reação necessária e suficiente, a fim de reprovar e prevenir o crime (princípio da proporcionalidade), bem como sobre o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade e a substituição desta espécie por outra (penas restritivas de direito e multa).

    A culpabilidade, os motivos e as circunstâncias subjetivas compõem parte de um roteiro indispensável a ser seguido, além da verificação de outros indicadores como os antecedentes, a conduta social, a personalidade, as conseqüências do crime e o comportamento da vítima. Se a pessoa jurídica, em tese, pode ser portadora de alguns desses elementos (conseqüências do crime, v.g.), obviamente terá incompatibilidade com a maioria deles, uma vez que os mesmos são inerentes à condição do ser humano.

    Execução da pena

    A pena criminal, na sua compreensão generalizada, é expressão de sofrimento e tormento. Observa-se o seu caráter aflitivo no sistema positivo ao tratar das medidas penais não institucionais como o livramento condicional e a suspensão da pena mediante condições que recortam a liberdade do condenado, conforme leciona o professor René A. Dotti. A exemplo de tal identificação da pena como sofrimento é de se citar o § 5º do artigo 121 do Código Penal.

    Pertinente às medidas de segurança, retira-se do conceito normativo trazido no artigo 26 e seu parágrafo único, do estatuto acima citado, que o seu pressuposto é a periculosidade do agente, além da prática do fato previsto como crime, evidentemente.

    As espécies de medidas de segurança (internação e tratamento ambulatorial) têm caráter pessoal, em face da natureza das providências adotadas para lutar contra a periculosidade do agente.

    De tal premissa depreende-se, com clareza, que tanto a pena como a medida de segurança têm como destinatário das reações contra o delito, exclusivamente, o homem, uma vez que somente este é portador de dor, sofrimento e tormento, em contrapartida à pena, e de anomalias bio-psicológicas a justificar tratamento ambulatorial e internação.

    Elementos de inconciliação com princípios e regras processuais

    A simples condição de pessoa não é suficiente para a existência da capacidade processual para ser imputado. O ser pessoa viva física constitui pressuposto objetivo da capacidade processual para sê-lo. Mas não é só. Ao lado dos pressupostos objetivos devem estar os pressupostos subjetivos, isto é, aqueles que, na lição de Fenech, "condicionan la capacidad de un sujeito".

    A atuação da justiça penal, necessariamente, deve vir gerida por ritos garantidores da boa administração da justiça. O sistema processual vigente direciona-se a assegurar o equilíbrio entre o interesse social e o da defesa individual; o direito do Estado de punir os criminosos deve ser eqüitativo ao direito do indivíduo às garantias e seguranças de sua liberdade. A repressão autoritária, assentada em sistemáticas violações de direitos e garantias individuais, não encontra acolhimento no Estado Democrático de Direito abraçado pela atual Constituição Federal. E isto encontra sustentáculo no preceito de que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". O que se quer aqui dizer é que ao direito do Estado de penalizar é assegurado ao indivíduo o direito da demonstração de fatores impeditivos, extintivos, modificativos ou de não ser devido aquele direito.

    Assim, quando há manifestação estatal direcionada a exercer o direito de punir contra o indivíduo, em reprimenda a fato ilícito, necessariamente deve abrir-se ao mesmo a oportunidade de defender-se. E o primeiro ato dessa manifestação é dar ciência ao indivíduo desse interesse.

    A citação

    A audiência do réu é necessária para a legitimação do procedimento judicial. E o preceito constitucional, insculpido no art. 5º, LV, no sentido de que "aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", erigiu a citação

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