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    Elisete Almeida Quinta, 29 de setembro de 2011, 17h13min

    moretti;

    Talvez este texto lhe ajude, retirei na net:

    http://www.leonildo.com/enci/bobbio11.htm em 29/09/2011

    Dicionário de Política -- Norberto Bobbio
    I. O direito como ordenamento normativo coativo
    Entre os múltiplos significados da palavra direito, o mais estreitamente ligado à teoria do Estado ou da política é o do direito como ordenamento normativo. Esse significado ocorre em expressões como "direito positivo italiano" e abrange o conjunto de normas de conduta e de organização, constituindo uma unidade e tendo por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais para a convivência e a sobrevivência do grupo social, tais como as relações familiares, as relações econômicas, as relações superiores de poder, também chamadas de relações políticas, e ainda a regulamentação dos modos e das formas pelas quais o grupo social reage à violação das normas de primeiro grau ou a institucionalização da sanção. Essas normas têm como escopo mínimo o impedimento de ações que possam levar à destruição da sociedade, a solução dos conflitos que a ameaçam, os quais tornariam impossível a própria sobrevivência do grupo se não fossem resolvidos, tendo também como objetivo a consecução e a manutenção da ordem e da paz social.
    Se juntar a isso, conforme ensina a tendência principal da teoria do direito, que o caráter específico do ordenamento normativo do direito em relação às outras formas de ordenamentos normativos, tais como a moral social, os costumes, os jogos, os desportos e outros, consiste no fato de o direito recorrer, em última instância, à força física para obter o respeito das normas, para tornar eficaz, como se diz, o ordenamento em seu conjunto. A conexão entre direito entendido como ordenamento normativo coativo e política torna-se tão estreita, que leva a considerar o direito como o principal instrumento pelo qual as forças políticas, que têm nas mãos o poder dominante em uma determinada sociedade, exercem o próprio domínio.
    Dessa conexão se tornou consciente a filosofia política e jurídica que acompanha o nascimento do Estado moderno, que lhe interpreta e reflete o espírito. Isso é patente desde Hobbes, por intermédio de Locke, Rousseau, Kant, Hegel, Marx, até Max Weber e Kelsen, de modo a fazer aparecer a estrutura jurídica e o poder político, o ordenamento e a força coativa, o momento da organização do poder coativo e a importância do poder, que se serve da organização da força para alcançar os próprios fins, enfim, direito e Estado nas acepções mais comuns dos termos como duas faces da mesma medalha.
    Uma das características principais das várias teorias do Estado moderno, uma espécie de fio vermelho que permite distinguir as várias doutrinas e compreender seu nexo e desenvolvimento, é precisamente aquele duplo e convergente processo de estatização do direito e de juridificação do Estado, para o qual, de um lado, o direito é considerado do ponto devista do Estado ou do ponto de vista do poder soberano – que é o ponto característico do poder do Estado –, de onde parte, depois de Hobbes, a tendência em definir o direito como um conjunto de regras postas ou impostas por aquele ou por aqueles que detêm o poder soberano e, de outro lado,o Estado é considerado do ponto de vista do ordenamento jurídico, ou seja, como uma complexa rede de regras, cujas normas constitucionais, escritas ou não escritas, são o teto e o fundamento,e
    as leis, os regulamentos, as providências administrativas, as sentenças judiciais são os vários planos (para repetir ainda uma vez a feliz metáfora kelseniana do ordenamento jurídico como uma estrutura piramidal), como o conjunto dos poderes exercidos no âmbito dessa estrutura (o assim chamado estado de direito no mais amplo sentido da palavra) e enquanto tais, e só enquanto tais, são aceitos como poderes legítimos.
    Esse processo de convergência entre estruturas jurídicas e poder político teve como conseqüência a redução do direito ao direito estatal (no sentido de que não existe outro ordenamento jurídico além daquele que se identifica com o ordenamento jurídico coativo do Estado) e, ao mesmo tempo, a redução do Estado a um Estado jurídico (no sentido de que não existe o Estado senão como ordenamento jurídico). Com duas fórmulas simples e simplificantes: a partir do momento em que nasce o Estado moderno como Estado centralizador, unitário, unificante, que tende à monopolização simultânea da produção jurídica (por meio da subordinação de todas as fontes de produção do direito até aquela que é própria do poder estatal organizado, isto é, a lei) e do aparelho de coação (por meio da transformação dos juízes em funcionários da coroa e da formação de exércitos nacionais), pode-se dizer que não existe outro direito além do estatal e não existe outro Estado além do jurídico.
    II. Convergência entre ordenamento jurídico e poder estatal na filosofia política moderna.
    A filosofia política de Hobbes é um momento exemplar dessa convergência entre ordenamento político e poder estatal. Ela pode ser considerada também por boas razões a primeira e a mais significativa teoria do Estado moderno.
    A passagem do estado de natureza para o Estado civil, que é a passagem do não-Estado para o Estado, representa também a passagem de um Estado não-jurídico, no qual não existe um direito objetivo universalmente válido, sustentado por uma força comum, mas existem somente direitos subjetivos sustentados pela força de cada um e por isso mesmo relações de força, para o Estado jurídico, isto é, para o Estado que é fundado num ato jurídico, como é o pacto pelo qual os indivíduos se associam e colocam em comum os próprios bens e as próprias forças para atribuí-las a um só soberano, que, uma vez constituído, é fonte única e exclusiva do direito positivo.
    Em Locke, a passagem da sociedade natural, na qual se desenvolvem as relações familiares e econômicas, para o Estado pode ser representada como a passagem da sociedade de direito privado, ou seja, de um direito ainda imperfeito e não protegido, porque falta um poder super partes capaz de dirimir as controvérsias de modo imparcial, para a sociedade de direito público, ou seja, de direito protegido e perfeito.
    Nas duas formas de sociedade que antecederam o estado do contrato social descritas por Rousseau no Discurso sobre a origem da desigualdade, o estado de natureza é um estado não-jurídico porque não é essencialmente sociável. Nele, o homem é bom não porque seja freado pela lei, da qual não precisa, mas porque não tem vícios nem paixões. Na societè civile, que nasce da divisão entre o meu e o teu, as relações entre os indivíduos, não sendo muito diferentes das que acontecem no estado de natureza hobbesiano, relações essas de força, o direito vigente é o direito do mais forte.
    Esse direito é criticado no início do Contrato social como um não-direito. A sociedade jurídica é apenas a associação que nasce do contrato social, ou seja, o Estado no sentido próprio da palavra, cuja vontade se exprime por meio da forma mais alta de direito, a lei. Para Kant, tal como para Locke, a sociedade natural que precede o Estado é uma sociedade de direito natural ou privado. A tendência constante a integrar o direito no Estado, a considerar o direito perfeito, isto é, o direito protegido pela coação, como o momento que discrimina o Estado do não-Estado, revela-se por isso na contraposição entre o direito meramente provisório do Estado de natureza e o direito peremptório do Estado civil.
    O sistema de filosofia do direito de Hegel é muito complexo para ser compreendido na única temática das relações entre direito e Estado. O direito, em sentido amplo, compreende não apenas o direito privado e o direito público, mas também a moralidade; não apenas o direito em sentido estrito, que corresponde grosso modo ao direito privado, mas também a esfera da eticidade. É um fato digno de anotação que, se o direito em sentido amplo é "o reino da liberdade realizada", ele se realiza plenamente e só no Estado. Para Marx, direito e Estado pertencem ambos à esfera da superestrutura, denominada "superestrutura jurídica e política" na conhecida passagem, que constitui um texto, da Crítica da economia política.
    É como se se tratasse de um conjunto difícil de distinguir em partes diversas e separadas, de tal maneira que a extinção do Estado comporta também a extinção do direito e vice-versa. Em geral, todas as correntes sociais, tais como as correntes anárquicas e socialistas utópicas, moveram guerra contra o Estado, e moveram guerra contra o direito. E qual melhor prova de identificação entre direito e Estado no pensamento político que acompanha o crescimento do Estado moderno e da concepção prevalente do direito como fenômeno estatal do que essa polêmica simultânea contra o Estado e o direito da parte das correntes libertárias e socialistas?
    Se considerarmos, enfim, os dois maiores teóricos do Estado moderno do século XX, Max Weber e Hans Kelsen, a tendência em identificar o direito, entendido como ordenamento coativo, com o Estado, entendido como aparelho pelo do qual os detentores do poder legítimo exercem seu domínio, chega às suas extremas conseqüências. Para Weber, o grande Estado moderno é o Estado em que a legitimidade do poder depende de sua legalidade, isto é, do fato de o poder apresentar-se como derivado de um ordenamento normativo constituído e aceito e ser exercido segundo normas preestabelecidas.
    À grande dicotomia a-histórica da filosofia política jusnaturalista, entre sociedade natural e sociedade civil, Weber substitui a dicotomia historicamente fundada entre poder tradicional e poder legal, à qual, em termos jurídicos, corresponde a distinção não mais entre direito privado ou natural e direito público ou positivo, e menos ainda entre não-direito e direito, mas entre direito consuetudinário, próprio da sociedade patriarcal, e direito legislativo, próprio do estado de direito, no qual, aliás, o direito legislativo representa, a respeito do direito consuetudinário, um direito mais perfeito, mais "racional", não diversamente do direito público-positivo em relação ao direito privado-natural.
    Para Kelsen, o Estado não é nada fora do ordenamento jurídico. Desde o momento em que o Estado é a organização da força monopolizada e essa organização se exprime por meio de um ordenamento coativo – o ordenamento específico normativo que é o direito – direito e Estado são unum et idem e aquilo a que se chama habitualmente poder político não é mais do que poder que torna real um ordenamento normativo e faz desse ordenamento um ordenamento efetivo e não imaginário. Weber e Kelsen interpretam no fundo o mesmo fenômeno da convergência do Estado e do direito, embora olhando-o de dois pontos de vista diferentes. Weber, a partir de um ponto de vista da juridificação do Estado, ou seja, do poder estatal, que se racionaliza por meio de uma complexa estrutura normativa articulada e hierárquica; Kelsen, a partir da estatização do direito, ou seja, do sistema normativo que se realiza por meio do exercício do máximo poder, poder que se utiliza da força monopolizada.
    Weber considera o direito ou a estrutura normativa em função do poder; Kelsen considera o poder em função do direito. A racionalização do poder pelo direito é a outra face da realização do direito pelo poder. O direito é a política vista por meio seu processo de racionalização, assim como o poder é o direito visto em seu processo de realização. Mas como não pode existir poder sem direito, para que o poder do Estado moderno possa ser legal, assim também não pode haver direito sem poder, na medida em que o direito é ordenamento que se realiza apenas pela força.
    III. A supremacia da lei
    O processo que acabamos de delinear em traços rápidos, relativo à convergência entre direito e Estado, contribui para pôr em relevo, entre as várias formas que uma regra imperativa pode assumir, a forma da lei, entendendo-se por lei aquela norma geral em relação aos destinatários, que é abstrata em relação à ação prevista, mas imposta por um ato
    deliberado da vontade do poder dominante. Isso é o mesmo que dizer que no processo de desenvolvimento do Estado moderno, a par da resolução do direito entendido como ordenamento normativo no Estado, por meio da identificação do direito com o ordenamento coativo e do Estado com a força monopolizada, assiste-se também à redução de todas as fontes tradicionais do direito à fonte única da lei.
    Esse duplo processo pode ser resumido nesta fórmula: enquanto o direito, em sentido estrito, cada vez se torna mais direito estatal, o direito estatal, em sentido estrito, torna-se cada vez mais direito legislativo. Em síntese: ao processo de juridificação do Estado se associa um processo de legificação do direito. As manifestações históricas mais relevantes desse processo são, de um lado, as Constituições escritas que acompanham os grandes acontecimentos dos fins do século XVIII – revolução americana e Revolução Francesa – e, de outro, as grandes codificações.
    Na filosofia política, que tem como ponto de partida a doutrina de Hobbes, podemos encontrar vestígios claros desse segundo processo. Uma das principais prerrogativas do soberano, segundo Hobbes, é "estabelecer e promulgar normas, quer dizer, critérios de medida, gerais, de tal modo que cada pessoa saiba o que deve entender como próprio e como alheio, como justo e como injusto, como honesto e desonesto, bom e mau" (De cive, VI, 9). Essas normas "costumam ser chamadas de leis civis, ou seja, de leis do Estado, porque são ordens de quem detém a soberania no Estado".
    Enquanto exalta a lei, Hobbes minimiza, como é conhecido, os costumes e o direito dos juízes (o common law), considerando-os fontes de direito a que falta o selo da vontade do soberano. De tal maneira que, depois de ter identificado o direito exclusivamente com o direito estatal, identifica também o direito estatal exclusivamente com o direito legislativo. O "Governo civil" de Locke funda-se no primado do poder legislativo: "a lei primeira e fundamental e positiva de todas as sociedades políticas consiste no estabelecimento do poder legislativo". Esse é "não apenas o poder supremo da sociedade política, mas permanece sagrado e imutável nas mãos em que a humanidade o colocou". O escopo que leva os indivíduos a se reunirem em sociedade é o de evitar o arbítrio da interpretação e da execução das leis naturais, o que aconteceria inevitavelmente se os homens continuassem a viver no estado de natureza.
    O principal remédio contra o arbítrio é a constituição de um poder a quem se confia o ofício de estabelecer leis certas e fixas, iguais para todos, e o de nomear juízes autorizados para aplicá-las: "a autoridade legislativa ou suprema não pode dar-se o poder de governar com decretos extemporâneos e arbitrários, mas é obrigada a cumprir a justiça e a decidir sobre os direitos dos súditos, com leis promulgadas e fixas e juízes revestidos de autoridade e conhecidos" (Segundo tratado sobre o Governo civil, §§ 134 e 136).
    Em Rousseau, a propriedade essencial que possui a vontade soberana de ser geral é a mesma que tem o direito na sua forma característica da lei, que se distingue de uma ordem, de um decreto, de uma manifestação de vontade particular, precisamente enquanto "geral". "Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, entendo dizer que a lei considera os súditos como corpo coletivo e as ações abstratamente, e nunca um homem como indivíduo nem uma ação particular" (Contrato social, II, 6).
    A vontade geral não pode exprimir-se senão por meio daquelas normas gerais que são as leis, mas ao mesmo tempo não poderia haver leis ou normas gerais voltadas para todos, indistintamente, que compõem o corpo político se não houvesse uma vontade geral. Só o Estado regido por leis é um Estado conforme o ideal que inspira o Contrato social e é digno, segundo Rousseau, de ser chamado república. O que significa que a lei é a forma privilegiada de manifestação da soberania popular, que é, aos olhos de Rousseau, a única legítima. A vontade geral produz e não pode deixar de produzir leis.
    A produção do direito sob a forma de lei é a principal garantia contra o despotismo. Nas pegadas de Rousseau, Kant distingue a sociedade civil, que deriva de um contrato originário, ideal mas não fictício, das várias formas de Governo, em que a soberania popular pode ser exercida." "A única Constituição permanente é aquela em que a lei é soberana e não depende de nenhuma pessoa particular" (Metafísica dos costumes. Doutrina geral do direito, § 52). Aqui se entende por lei aquela norma geral e abstrata que por si só permite dar cidadania a interesses que não são particulares, garantindo assim a igualdade.
    É conhecido o lugar central que a lei ocupa no pensamento hegeliano, desde os escritos da juventude até a Filosofia do direito. Nesse sentido, basta lembrar que a lei, como expressão da vontade geral, declarada, promulgada e pública, é a máxima expressão da racionalidade do Estado, no sentido de que o Estado exprime o interesse universal e a consciência própria do povo organizado. Um Estado cuja vontade não seja expressa pela forma da lei não é um Estado completo, nem atingiu sua mais alta expressão, como acontece com o moderno Estado representativo e burocrático de que Hegel é, ao mesmo tempo, teórico e ideólogo. É sobejamente conhecido que Hegel, ao mesmo tempo que exalta a lei, condena o sistema inglês fundado sobre um direito não legislativo, critica a escola histórica que valoriza o direito consuetudinário e alinha ao lado dos fautores da codificação, chamando de benfeitores da humanidade os governantes que, como Justiniano e Napoleão, deram um código de leis a seus povos.
    IV. Poder legal e poder de direito
    A mais completa e sábia teorização desse processo de identificação do direito com a forma específica da lei, próprio do Estado moderno, é a tipologia weberiana das diversas formas de poder legítimo que identificou na passagem das várias formas de poder tradicional – Estados patriarcais e patrimoniais, nos quais o direito é fundamentalmente consuetudinário ou judiciário – ao poder legal, em que o direito assume sempre mais a forma de norma estabelecida, a passagem dos Estados pré-modernos para o Estado moderno representativo e administrativo.
    Poder legal é para Max Weber o que recebe a própria legitimidade quando é exercido em conformidade e no âmbito de regras preconstituídas e pressupõe órgãos especificamente destinados à produção e à contínua modificação dessas regras, como são exatamente os órgãos legislativos, que vão se diferenciando por meio de um processo natural de divisão de trabalho dos órgãos do poder judiciário e administrativo. Enquanto os Estados de poder tradicional são caracterizados por ordenamentos de regras que se transmitem por tradição e se renovam por obra do corpo judiciário, os Estados de poder legal são caracterizados pela distinção entre os órgãos cuja competência específica é produzir novas regras e os órgãos cuja competência específica é a de aplicar regras já estabelecidas; são caracterizados pela importância que assume sobre todas as outras formas de direito o direito sob a forma de lei.
    Um dos pressupostos do poder legal, segundo Weber, é que "qualquer direito pode ser estatuído racionalmente quanto ao valor e quanto ao escopo ou quanto a ambos, mediante um pacto ou uma imposição". Um segundo pressuposto é que "todo direito é em sua essência um cosmos de regras abstratas e de normas estatuídas propositadamente" (Economia e sociedade, I, p. 212). É inútil dizer que o direito assim definido, estatuído racional e intencionalmente, é o direito legislativo, oposto ao direito consuetudinário. A nova forma de poder legítimo, própria do Estado moderno, nasce do fato de o direito legislativo, estatuído por órgãos ad hoc, ter suplantado pouco a pouco o direito consuetudinário.
    Finalmente, nas mais autorizadas teorias gerais do direito contemporâneo, o ordenamento jurídico estatal é distinguido dos outros ordenamentos jurídicos simplesmente normativos. Isso deu-se graças a um gradual processo de divisão do trabalho jurídico em atividades de produção e atividades de aplicação das normas jurídicas. A produção das normas gerais foi tirada do costume e entregue a um órgão para isso especificamente criado, como é o Parlamento dos Estados representativos, com a conseqüência de que o ordenamento jurídico do Estado é caracterizado pelo fato de produzir direito sob a forma de lei.
    Por causa dessa relevância da lei, o Estado se distingue, segundo Kelsen, de outros ordenamentos jurídicos, como o ordenamento das sociedades primitivas e o ordenamento internacional, enquanto ordenamento relativamente concentrado, ou seja, enquanto ordenamento em que as normas jurídicas gerais não são produzidas pelo costume, mas por um órgão ad hoc, assumindo a forma de lei. Essa diferença de ordenamento estatal em relação aos ordenamentos das sociedades primitivas e aos ordenamentos internacionais constitui o tema central da teoria de direito de Hart. Uma das características distintivas do Estado é colocada por Hart na presença de normas (secundárias) que atribuem a órgãos determinados a função de produzir novas normas gerais ou de mudar as existentes.
    A superposição, característica das teorias políticas e jurídicas que acompanham a formação do Estado moderno, da imagem do direito como ordenamento normativo relativamente concentrado com a do Estado como aparelho para uso da força concentrada deu lugar à persistente imagem do "estado de direito", na qual as duas idéias do direito e do Estado estão estreitamente unidas, até constituírem um corpo só. Nenhuma coisa é mais válida do que a doutrina do estado de direito tornada doutrina oficial do direito público europeu durante quase um século pelos juristas da Restauração até a República de Weimar, para sintetizar plasticamente o processo da estatização do direito e de juridificação do Estado, que acompanha a formação do Estado moderno. Dessa doutrina podem dar-se duas interpretações, uma teórica e outra ideológica.
    Teoricamente, ela exprime, como já o acentuou Kelsen, a exigência meramente científica de descrever o Estado como um ordenamento jurídico, e ficaria ainda para provar que uma teoria não ideológica do Estado pudesse ser construída sem ser como teoria jurídica. Ideologicamente, a doutrina referida exprime o ideal do moderno constitucionalismo, ou seja, o ideal do Estado limitado pelo direito, cujos poderes agem no âmbito do direito e cuja legitimidade depende do fato da sua ação se desenvolverdentro dos limites de regras preconstituídas.
    BIBLIOGRAFIA
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    WEBER, MAX, Wirtschaft und Gesellschaft, Mohr, Tübingen, 1922, Comunità, Milano, 1961.

    Verbete redigido por Norberto Bobbio

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