Conversa informal
Pronto, inaugurado o tópico. Assim aqueles assuntos paralelos, sem ligação com os tópicos correspondentes podem vir para cá.
Prezada Dra. Elisete, Prezado colega Pedrão,
Com certeza esta valorização do EU em detrimento do OUTRO, se intensificou com o desenvolvimento da sociedade de consumo. Realmente consumir é individualista em excelência. E temos algo a agravar isto, a tecnologia. Parece que com a internet, as pessoas pararam de enxergar as outras como pessoas, mas apenas como seres virtuais, aqueles que podemos ofender, que quando nos aborrecemos basta desligar o computador.
O viver social, solidário, parece que agora passa a oprimir o cidadão. Estamos desaprendendo a viver em sociedade.
Hoje, o EU é tão superestimado, que pessoas matam em brigas de trânsito, porque "levaram uma fechada". Imagine o início do século XX, fiz algumas pesquisas e me surpreendi. Havia um valor no relacionamento entre as pessoas, mesmo que estranhas fossem. As pessoas tinham necessidade de serem polidas. Parece que a sociedade do "fast" tudo enterrou isso.
Saudações,
Caro Dr. O Pensador;
És do meu Estado, sou de Londrina.
Realmente, como disse, sofri um choque quando fui ao Brasil na última vez. Em Portugal ainda há a cordialidade, pede-se licença, faz favor, etc. Quando chego aí, uma senhora tenta furar a fila do caixa da farmácia, quando o caixa alerta que havia pessoas na frente a pessoa se enfurece, joga os produtos para cima do caixa e vai-se embora. Eu fiquei com cara de parva a olhar para o caixa. Devem ser vários os fatores a contribuirem para o individualismo, creio que comece pela educação conferida pelos pais aos filhos, depois vem a desresponsabilização, a falta de palavra e comprometimento, etc. O Doutor César Bueno de Lima, escreveu, há algum tempo atrás, um artigo sobre a forma que os filhos estão a ser criados. Bem interessante, vou procurar o link e depois posto aqui.
Cumprimentos
Prezado Vini,
Não sei qual o mestrado que fará, mas existe uma base comum para todos no direito.
Recomendo como ponto inicial um aprofundamento na filosofia do direito. Para tal - e não precisa comprar - recomendo a leitura da coleção História da Filosofia do Giovanni Reale, como ponto de início. Desta maneira poderá se situar e entender como chegamos onde hoje estamos. Dos gregos, dê uma atenção aos sofistas, a Platão e Aristóteles (irá precisar na continuidade). Depois já pode se fixar nos modernos (talvez uma parada mais demorada em Kant) depois para consultas sempre poderá retornar neles. Apenas para entender como se deu a superação da teoria do conhecimento. A partir daí, teremos muitas opiniões divididas. Vou passar o que creio ser melhor, mas espero que o Pedrão possa também indicar segundo a visão dele e também a Dra. Elisete. Bom, neste ponto eu pararia tudo e iria na leitura de Nietzsche, antes de todos os outros (mesmo que cronologicamente desordenado). Entender o ponto de vista de Nietzsche será de grande valia para entender filósofos contemporâneos que se fixam na questão do poder e vontade (Michel Foucault por exemplo).
A seguir, dividiria os estudos na questão linguística (semiótica) de onde chegará às teorias da argumentação e discursistas (Saussure, Perelman, Habermas), e, na hermenêutica, partindo de Gadamer (Verdade e Método) e Heidegger (Ser e Tempo). Para esta parte em específico tem um livro ótimo do Jean Grondin, Introdução à Hermenêutica Filosófica, da Ed. Unisinos. Também o inestimável livro do Richard Palmer, Hermenêutica, só tem pela Edições 70, uma editora de Portugal. Este demorei a encontrar, tive que encomendar, mas lhe asseguro que é importantíssimo. Um livro tão inestimável que meu exemplar já rodou entre mestres e doutores (nele, tirará todas as dúvidas acerca da superação da teoria do conhecimento).
(continua...)
(continuando)
Com esta base, poderá efetuar a leitura dos pensadores contemporâneos com certa tranquilidade e aproveitamento. Diversas pessoas desprezam este tipo de leitura, por não terem uma base filosófica sólida.
Desejo-lhe sorte nos estudos, e quaisquer dúvidas estaremos aqui, dentro de nossas limitações para ajudar no que pudermos.
Companheiro Vini,
De fato, Lenio Streck assunta muitos, que dizem que é muito complexo, e ele mesmo responde dizendo que isso é óbvio, pois o Direito é Complexo.
No seu último livro ele escreveu:
“Dizia o antropólogo Darci Ribeiro que Deus é tão treteiro, faz as coisas tão recônditas e sofisticadas, que ainda precisamos de certo tipo de gente – os cientistas – para desvelar as obviedades do óbvio. É da ‘natureza’ do óbvio estar no anonimato. Está aí para ser des-velado. Desobnubilado. Dizer que algo está aí. Apontar para ele. E perguntar o que isto é ou ‘o que é isto’. Essa é a tarefa de qualquer pesquisa. Pois uma das coisas que parecem óbvias é que o direito é um fenômeno complexo.” (STRECK, Lenio Luiz. O Que é Isto: Decido Conforme Minha Consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 9).
Em síntese, a última frase: “pois uma das coisas que parecem óbvias é que o direito é um fenômeno complexo.”.
Eu nunca fiz Mestrado, porém, já me programei para fazer vários (que, por motivos diversos, nenhum deu certo), então um pouco eu sei dizer.
Sobre os livros e temas, depende muito da área de concentração do Mestrado que você queira fazer e também do projeto acadêmico da Instituição. Por exemplo: o Mestrado em Ciências Criminais da PUC-RS é interdisciplinar, mas pelo que eu pude notar pelas matérias e suas ementas, o forte é criminologia e sociologia. Muito pouco de Teoria do Direito e Filosofia.
Eu sei que o estudo filosófico é muito forte na Unisinos, Instituição que Lenio Streck é professor, indicado acima pelo Pensador.
Em Brasília eu sei que UNB e UniCEUB são interdisciplinares, e, pelas matérias, o estudo filosófica, de Teoria do Direito, hermenêutica e até de criminologia é muito forte.
Conferir UNB:
http://www.fd.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=210&Itemid=2860&lang=br
Eu tenho a impressão que Mestrado com área de concentração em Processo Civil, entre outros, não são interdisciplinares. E isso se pode notar pelas dissertações e teses, que o estudo da Teoria do Direito e da Filosofia é zero, ou quase zero. No máximo um pouco de teoria dos direitos fundamentais, e aí a maioria vai de Alexy (quando vai).
Pedrão,
Tem disponível na internet o artigo original de Heidegger, já traduzido pelo Ernildo Stein: "o que é isto". Muito bom, tive acesso alguns anos atrás.
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/isto.pdf
Não tinha visto ainda este do Streck, mas à primeira vista deve ser uma contextualização do texto do Heidegger ao direito ou uma reflexão baseada nela.
Saudações,
Vini_1986;
É sempre bom querermos aprimorar os nossos conhecimentos, por isso, deixo aqui, o meu incentivo nesta sua futura jornada. Primeiramente, e creio que já o sabes, deves escolher uma área que queiras dedicar os seus esforços. Segundo, deves ter uma ideia do tema que irás abordar. Quando tiveres com estes dois elementos concretizados, passarás à pesquisa bibliográfica. Isto significa passar dias fechado numa ou várias bibliotecas a ler. Uma leitura leva a outra, descobrirás as notas de rodapé, há sempre boas indicações nelas. Durante esta pesquisa convém ver a parte histórica e livros de metodologia, filosofia, sociologia, etc. Para além do material indicado pelos colegas Pedrão e O Pensador, há uma coleção, muito boa, que já comentei com o Pedrão: Digesta - António Castanheira Neves. Também costumo utilizar um livro que é um resumo do pensamento jurídico, pequeno (98 pgs) e com letras garrafais, chama-se "Nótulas de História do Pensamento Jurídico" - António dos Santos Justo - Coimbra Editora, é um bom começo para se ter uma noção geral. Para o Direito Romano, não dispenso: "Direito Romano (Ius Romanum) - I - Introdução. Fontes" - Sebastião Cruz - Coimbra Editora. No entanto, para estudar a parte histórica deves delimitar o tema antes de mais. Este trabalho, por experiência própria, convém ser feito antes de se candidatares ao mestrado, depois parece que o tempo nos come.
Os melhores cumprimentos.
Dra. Elisete,
Muito bom o artigo, pena que tão breve. Retratou bem a dinâmica atual. Fica claro que com a não realização das promessas da modernidade, adentramos nesta pós-modernidade sem rumos ou objetivos claros.
A juventude, lançada assim numa sociedade sem rumos, obviamente já não respeita os valores pregados na modernidade, dado o seu fracasso. Nisto, criam seus próprios (e deturpados) valores.
A questão é que não temos respostas satisfatórias, o Estado anda num sem rumo ao sabor do noticiário econômico. Em nome do capitalismo, criamos o monstro que agora não sabemos combater. Num mundo de recursos limitados e cada vez mais concentrados em grandes corporações globais, temos uma geração com desejos de consumo ilimitados.
Os protestos destes dias na Europa e nos Estados Unidos são o sinal claro disso. Protesta-se não se sabe contra o quê. O vilão da vez são os bancos. Ledo engano.
No Brasil, a situação é muito mais crítica, temos de um lado uma sociedade rica e consumista; de outro, miséria, pobreza e vontade-necessidade de consumo. Vendemos a idéia de consumo a quem não pode consumir. Fazemos diuturnamente apologia ao ter, ninguém mais se lembra de ser. Obviamente se ser nada representa e ter é tudo, todos os meios justificarão os fins. Roubo, fraude, corrupção tudo em nome do ter.
Educação, respeito, solidariedade se tornam apenas palavras vazias. Na busca do ter (e mostrar que tem) todo o resto (incluindo as outras pessoas) apenas nos atrapalha.
Abraços,
Caro Dr. O Pensador;
Creio que, no Brasil, os "pseudo" novos ricos estão a contribuir, em muito, na cultura do "ter", mas, se formos ver bem, não têm nada, é tudo dos bancos, restando-lhes apenas a arrogância e o "pseudo".
Quanto a Europa, Portugal em especial, sinto-me frustada em ter que dizer que, em nome do Estado de Direito Social, estão a tirar, aos poucos, a dignidade às pessoas.
Hoje fui à uma livraria comprar "A Crítica da Razão Indolente", estava esgotado. No entanto, comprei outro livro que, pelo pouco que li, é muito bom, chama-se "O Direito Geral de Personalidade" - Rabindranath V. A. Capelo de Sousa - Coimbra Editora.
Abraços.
Sobre a indicação de livros, eu tenho dificuldades em ler os clássicos.
Por exemplo: em criminologia, muitos iniciam seus estudos pelo Beccaria, depois a parte de Direito Penal do Leviatã de Thomas Hobbes etc., até chegar às Teorias atuais, do labeling approach em diante.
Eu já comecei por Alessandro Baratta, Hassemer, Loïc Wacquant etc.
Em Direito Penal eu já Roxin, várias livros do Jakobs, Wolfgang Frisch, Zaffaroni etc., mas nunca li Hans Welzel e outros finalistas, tampouco doutrinadores do sistema causal-naturalista (Von Liszt e Beling) e do neokantismo (Mezger).
Eu tenho Hans Welzel, Von Liszt, Armin Kaufmann, entre outros, mas nunca consegui ler. Abro o livro, mas não consigo ler mais do que três páginas e volto para os livros atuais.
Na Filosofia mesma coisa. Eu tenho vários livros de filosofia da linguagem, e praticamente todos os clássicos, mas o que eu li de filosofia antes do Linguistic Turn foram pouquíssimos, quase zero.
Tenho muito a dizer sobre Teoria da Imputação Objetiva, funcionalismo etc., mas praticamente nada de finalismo, entre outros.
Assim, se algum desses temas que eu citei aí for de interesse, aí posso citar alguns livros.
Pedrão e O Pensador;
Hoje estive a ler o Fuero Juzgo e Las Siete Partidas, encontrei uma coisa que achei estranha, no Fuero Juzgo vem a proibição da venda dos filhos e Las Siete Partidas permite esta venda em situações de pobreza. Quais serão os movimentos sócio-econômicos que levaram a tal alteração? Observem que a citação no Fuero Juzgo é do Rei Don Rescindo, portanto, inspiração visigótica.
Desde já agradeço a atenção.
Abraços
Caro Pedrão,
Só eu sei o quanto que esta minha busca é solitária. O que hoje é um crime em nossos países de residência há algum tempo atrás era legalizado. Em alguns países da África este comércio dos filhos ainda existe. Acho engraçado que a história está sempre às voltas. Vc já percebeu que a falta de culpa no divórcio faz com que voltemos ao repudium romano? Bem como o divórcio, com várias outras figuras do Direito, acontece o mesmo, olha a história da união estável. Parece que vivemos num círculo, em que o Direito se move (com objetivos diversos) influenciado por motivos sociais, econômicos, religiosos, etc.
Agradeço a atenção.
Abraços
Deveria ter dito desde o início, mas fico “balançando” entre Civil e Processo Civil – como sou de São Paulo, pretendo fazer mestrado na PUC ou na USP.
Eu já havia pensado em começar a estudar Filosofia, porém não fazia ideia de por onde começar.
Pensador, encontrei 7 volumes em português (História da Filosofia – Giovanni Reale e Dario Antiseri), é isso mesmo?
Sei que a pergunta é idiota, mas por que você disse que eu não preciso comprar os livros?
Você baixa da internet?
Pedrão, apenas por curiosidade, qual o seu “problema” com os clássicos?
Elisete, muito obrigado pelas indicações!
Eu já tinha lido uma postagem sua no tópico “Estátua com os olhos vendados...” e fiquei interessado no livro do Prof. António dos Santos Justo.
Com certeza colocarei esses livros na minha lista e espero que um dia eu consiga lê-los. rs
Agradeço a ajuda de todos os colegas!
Abraços a todos!
Vini,
Eu sei que a leitura é importante, porém, falta-me motivação. Como disse, eu abro os livros, leio um pouco e abandono a leitura, salvo algumas exceções.
É mais uma questão, talvez, de prioridade, consciente e inconsciente, que determina o meu estudo. Por exemplo: eu comprei, entre outros, quando era aluno de graduação o Tratado de Direito Penal do Von Liszt, mas até hoje só li o pequeno capítulo que fala da Ação. Já comecei ler umas cinco anos, mas não passo de cinco páginas. É tipo um bloqueio. É só abrir o livro que me lembro das discussões atuais da doutrina e abandono.
Roxin, que também comprei quando era aluno de graduação, li e reli várias vezes (alguns capítulos).
A vontade de estudar o funcionalismo (e depois aprofundar) foi e é a minha motivação no Direito Penal.
E nos outros assuntos ocorre o mesmo fenômeno.
Pensador,
Pesquisando no site da própria editora, encontrei duas coleções, uma com três volumes e outra com sete (encontrei os volumes 8, 9 e 10 no site da Livraria Cultura, porém apenas em italiano):
História da Filosofia - Volume 1 - Antiguidade e Idade Média
História da Filosofia - Volume 2 - Do Humanismo a Kant
História da Filosofia - Volume 3 - Do Romantismo até nossos dias
e
História da Filosofia - Volume 1 - Filosofia pagã antiga
História da Filosofia - Volume 2 - Patrística e Escolástica
História da Filosofia - Volume 3 - Do Humanismo a Descartes
História da Filosofia - Volume 4 - De Spinoza a Kant
História da Filosofia - Volume 5 - Do Romantismo ao Empiriocriticismo
História da Filosofia - Volume 6 - De Nietzsche a Escola de Frankfurt
Historia da Filosofia -Volume 7 - De Freud a Atualidade
Por acaso o conteúdo é o mesmo?
Pergunto isso porque o total de páginas não é muito diferente entre as duas coleções...
Pedrão,
Sei como é isso...rs
Vini,
Danilo Marcondes tem um livro chamado “Iniciação à história da filosofia”. É tipo uma sinopse da Filosofia, porém, de qualidade. Não é como um “dicionário”, mas sim um pequeno estudo.
É de fácil de leitura e todos os conceitos básicos estão lá, desde os pré-socráticos até a filosofia da linguagem.
Acho que é o que você procura. Uma pequena introdução para começar bem.
Danilo Marcondes também tem um livro chamado “Textos básicos de linguagem”, desde a história inicial (com Crátilo de Platão), até os temas atuais.
É bem sucinto, mas para quem nunca leu nada é uma boa introdução.
Após a leitura desse livro eu recomendo o livro Reviravolta Linguístico-Pragmática na Filosofia Contemporânea de Manfredo Araújo de Oliveira, onde há capítulos dedicados a Gadamer, Habermas, Wittgenstein, Karl Otto Apel, etc. É muito bom esse livro, e da para começar por ele também, pois é de fácil leitura.
A meu ver, é um bom começo.