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Contudo, esta C. 4ª Câmara de Direito
Privado, por meio de v. acórdão proferido pelo ilustre Desembargador
Francisco Loureiro já se manifestou sobre a partilha de bens na união
estável entendendo que:
“A questão envolve o exame da compatibilidade do art.
1.790 do Código Civil com o sistema jurídico de proteção
constitucional às entidades familiares e o direito fundamental
à herança.
Não há por isso como abordar o tema com visão simplista e
exegética do texto da lei, tirando os olhos dos valores
constitucionais que iluminam todo o sistema.
(...)
Não se justificam as diferenças, contudo, nos pontos em que
se identificam a união estável e o casamento. Tal ponto,
repita-se, é o afeto entre os seus membros e a função de
promoção e desenvolvimento da personalidade daqueles
que a compõem. Em termos diversos, no que se refere à
garantia da dignidade do viúvo, seja ele casado ou
companheiro, inexiste razão lógica para o discrímen, de
modo que se impõe, aqui, tratamento paritário entre as duas
situações.
Diz que 'a equiparação dos direitos dá-se em virtude do
princípio da igualdade substancial, cânone do direito
constitucional, cuja aplicação garante a atuação do princípio
fundador do ordenamento jurídico brasileiro: a dignidade da
pessoa humana' (Ana Luiza Maia Nevares A Tutela TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Sucessória do Cônjuge e do Companheiro na Legalidade
Constitucional, p. 238).
Uma interpretação literal e exegética do artigo 1.790 tão
ao gosto do pensamento liberal que orientou o Código de
1.916 levaria à fácil conclusão de que o regime
radicalmente distinto da sucessão do companheiro nada
mais é do que a melhor expressão da norma constitucional,
que não equiparou o casamento à união estável, mas, ao
invés, conferiu primazia ao primeiro.
Essa conclusão, a meu ver, não pode prevalecer, sob a
ótica civil-constitucional. Óbvio que o casamento não se
equipara à união estável, podendo gerar como gera
direitos e deveres distintos a cônjuges e companheiros. O
que se discute é a possibilidade da legislação
infraconstitucional alijar, de modo tão grave, alguns direitos
fundamentais anteriormente assegurados a partícipes de
entidades familiares constitucionalmente reconhecidas, em
especial o direito à herança.
A família, para Vicenzo Scalisi, deixa de ser uma estrutura
com valor em si e somente assume valor para o direito como
instrumento de promoção e desenvolvimento da
personalidade individual de seus membros (La Famiglia e le
famiglie, p. 274, apud Ana Luiza Maia Nevares, a Tutela
Sucessória do Cônjuge e do Companheiro na Legalidade
Constitucional, cit., p. 201).
A união estável é entidade familiar de estatura
constitucional, tanto quanto o casamento, de modo que não
há hierarquia entre ambas, ou, do dizer de Gustavo
Tepedino, não há famílias de primeira e de segunda classe.
(A Disciplina Civil-constitucional das Relações Familiares,
Temas de Direito Civil, p. 356).TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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É por isso que não se admite, na autorizada lição de Gomes
Canotilho, o singelo cancelamento do núcleo essencial dos
direitos sociais, já realizado e efetivado por medidas
legislativas, sem a concomitante criação de outros
esquemas alternativos e compensatórios à preservação do
bem fundamental que se pretende tutelar (JJ Gomes
Canotilho, Direito Constitucional e Direito da Constituição, p.
321).
A verdade é que o art. 1.790 criou situação insustentável e
que agride todo o sistema jurídico. Alijou o companheiro
sobrevivente da herança quanto este mais dela necessita,
por não se encontrar protegido pela meação. Em
contrapartida, deu ao companheiro já garantido pela meação
o direito de concorrer com os descendentes, em posição
superior à do próprio cônjuge.
Na lição de Karl Engish, na base de todas as regras
hermenêuticas para harmonizar normas aparentemente
conflitantes, figura como verdadeiro postulado o princípio da
coerência da ordem jurídica (Introdução ao Pensamento
Jurídico, Lisboa: Fundação Kalouste Gulbenkian, 6ª Edição,
p. 313). Há, no caso, uma contradição teleológica, entre os
fins que o legislador visou com determinada norma e a
redação conferida ao dispositivo, a ser resolvida com
interpretação prestigiando a finalidade tutelada pelo
preceito.
Reconheço ser o tema polêmico e controversas as soluções
da jurisprudência. Lembre-se, porém, forte corrente
doutrinária no sentido de que não há distinção, em termos
de afeto e dignidade, entre as famílias constituídas pelo
casamento ou união estável, “razão pela parece não ser
aceitável que sejam diferenciadas pelo legislador quanto à TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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questão sucessória” (Mauro Antonini, Código Civil
Comentado, diversos autores coordenados por Antonio
Cezar Peluso, Manole, 2ª. Edição, p. 1.941; ver também
Euclides de Oliveira, Direito de Herança, Saraiva, ps.
187/192; Zeno Veloso, Novo Código Civil Comentado,
coordenação Ricardo Fiúza, Saraiva, 5a edição, 2006, p
1485).
5. O Tribunal de Justiça de São Paulo, embora colecione
julgados em sentido opostos, aparentemente começa a se
inclinar no sentido da inaplicabilidade do ilógico art. 1.790 do
Código Civil.
Luminoso aresto desta Quarta Câmara de Direito Privado,
da letra do Des. Ênio Zuliani, deixou assentado o seguinte:
“União estável - Provado que o companheiro falecido deixou
um único bem, adquirido na constância da união estável e
mediante esforço comum, deverá ser deferida à totalidade
da herança ao companheiro supérstite, quando concorre
com colaterais, proibindo-se, com a não incidência do art.
1790, III, do CC, de 2002, o retrocesso que elimina direitos
fundamentais consagrados, como o de equiparar a
companheira e a esposa na grade de vocação hereditária
[com preferência aos colaterais] - Aplicação do inciso III, do
art 2o, da Lei 8971/94 e 226, § 3o, da CF” (AGRAVO DE
INSTRUMENTO N° 507.284-4/6, j. 30 de agosto de 2007).
Do corpo do julgado consta passagem que vem ao encontro
do que acima foi dito, ou seja, da impossibilidade de se alijar
entidade de estatura constitucional de direito fundamental
herança sem a criação de mecanismos compensatórios:
'CRISTINA QUEIROZ em estudo comparativo de
precedentes dos Tribunais Constitucionais europeus [O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais
sociais, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p 69], afirmou o
seguinte "Concretamente, a proibição do retrocesso social
determina, de um lado, que uma vez consagradas
legalmente as prestações sociais, o legislador não pode
depois eliminá-las sem alternativas ou compensações Uma
vez dimanada pelo Estado, a legislação concretizadora do
direito fundamental social, que se apresenta face a esse
direito como um lei de proteção (Schutzgesetz), a ação do
Estado, que se consubstanciava num dever de legislar,
transforma-se num dever mais abrangente o de não eliminar
ou revogar essa lei'.
Outros precedentes recentes deste Tribunal de foram no
mesmo sentido:
'ARROLAMENTO - Reconhecimento de união estável -
Falecimento do companheiro que não deixou descendentes
ou ascendentes - Pretensão de se afastar a concorrência
dos colaterais (art. 1790, III, CC) - Aplicação da Lei
9.728/96, que não revogou o artigo 2o da Lei 8.791/94, que
assegurou ao companheiro sobrevivente o mesmo status
hereditário do cônjuge supérstite - Prevalência da norma
especial sobre a geral. Recurso provido' (Agravo de
Instrumento n° 522.361-4/8-00 , 1ª. Câmara de Direito
Privado, Rel. Paulo Alcides, j. 09 de outubro de 2007).
'Impossibilidade de se conceder à companheira mais do que
se casada fosse. Decisão modificada de ofício, para
determinar que seja apresentado outro plano de partilha, de
forma que à companheira seja reconhecido apenas o direito
à meação, com repartição da outra meação entre os
descendentes' (Agravo de Instrumento no. 467.591-4/7-00
Rel. Des. Grava Brasil, j. 16.01.2007).TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Destaca-se, ainda, os enunciados proferidos sobre o tema,
pelos Juizes de Família do Interior do Estado de São Paulo,
sob coordenação da Corregedoria Geral da Justiça:
'49. O art.1790 do Código Civil, ao tratar de forma
diferenciada a sucessão legítima do companheiro em
relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a
Constituição não permite a diferenciação entre famílias
assentadas no casamento e na união estável, nos aspectos
em que são idênticas, que são os vínculos de afeto,
solidariedade e respeito, vínculos norteadores da sucessão
legítima'.
'50. Ante a inconstitucionalidade do art.1.790, a sucessão do
companheiro deve observar a mesma disciplina da sucessão
legítima do cônjuge, com os mesmos direitos e limitações,
de modo que o companheiro, na concorrência com
descendentes, herda nos bens particulares, não nos quais
tem menção'.” (AI 567.929.4/0-00, j. 11.9.08).
Diante de tais assertivas, restou claro o
necessário reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 1790 do
Código Civil devendo ser aplicada à agravada o mesmo regime sucessório
previsto para o cônjuge, nos termos do artigo 1829, incisos I e III, também
do Código Civil.