A respeitável sentença de fls. 86/91,
proferida pelo MM. Juiz de Direito Doutor Arnaldo Luiz Zasso
Valderrama, cujo relatório se adota, julgou parcialmente
procedente a ação penal condenando xxxxxxx como incursa no
artigo 133 caput, do Código Penal, à pena de 08 meses de
detenção, em regime aberto, substituída a pena privativa de
liberdade pela restritiva de direitos, consistente em prestação
de serviços à comunidade, absolvendo-a, ainda, nos termos do
artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, da
acusação de incursa no artigo 244, do Código Penal.PODER JUDICIÁRIO
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Irresignada, a nobre Defensoria da ré
apelou, alegando, em síntese, ausência de provas que
justifiquem o decreto condenatório (fls. 98/103).
O Ministério Público respondeu, se batendo
pelo acerto do decisum (fls. 110/114) e, a douta Procuradoria
Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do
reclamo (fls. 120/124).
É o relatório do essencial.
Consta da denúncia que, no período entre
os dias 08 a 10 de fevereiro de 2010, na residência localizada
na Avenida Luiz Gama, n. 244, Vila Garcez, na comarca de
Martinópolis, a ré abandonou suas filhas menores Michaeli
Carla Pereira e Micheli Carolina Pereira, pessoas incapazes de
se defender dos riscos resultantes do abandono, que estavam
sob sua autoridade.
A apelante, genitora das vítimas, ouvida
perante a autoridade policial, afirmou que esta foi a única vez
se ausentou, deixando as duas filhas sozinhas. Disse que foi
para a cidade de Regente Feijó, para procurar casa para
morarem e acabou demorando mais para retornar,
oportunidade que as menores receberam a visita do conselho
tutelar. Explicou que as crianças têm um “comportamento
adulto” e negou que deixasse seus filhos sozinhos com
freqüência (fls. 28).
Em Juízo, reiterou a negativa, asseverando
que estava sendo despejada, razão pela qual foi procurar uma
casa para alugar próxima à residência de seu namorado, em
Regente Feijó. Disse que pediu para as filhas ficarem com a
“dona Josefa”, mas elas não foram e permaneceram sozinhas
em casa, sendo certo que havia comida para elas, bem como
poderiam comer na casa do avô. Acrescentou que Angélica
também tomava conta das menores e na época dos fatos
admitiu ter saído em um dia pela tarde, somente retornando no
dia seguinte, também à tarde (fls. 83 e verso).
Sua confissão parcial foi corroborada peloPODER JUDICIÁRIO
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conjunto probatório.
O conselheiro tutelar Antonio Maurício
Trevisanuto, ouvido no pretório, disse que recebeu uma
denúncia informando que havia duas crianças sozinhas em
casa, há cerca de 3 ou 04 dias. Comparecendo ao local
constatou que as menores, com dez anos, estavam efetivamente
sozinhas, pois a ré teria ido a Regente Feijó para comprar
material escolar, para procurar emprego e uma casa para
alugar. O avô das meninas asseverou que a genitora saía e as
deixava sozinhas. As crianças estavam assustadas e
descuidadas, dizendo que a mãe voltaria logo, sendo certo que
lhes havia deixado comida. A vizinha, que era tia das meninas,
não quis se envolver, dizendo que cuidava da própria casa (fls.
178 verso).
Mara Lucia Nochi, também conselheira
tutelar, em seu depoimento em Juízo, confirmou a denúncia
anônima recebida, bem como a visita à casa das menores,
juntamente com Antonio. Conversando com as meninas, foi
por elas informada que estavam sozinhas somente aquele dia,
enquanto que a denúncia dava conta de uma ausência de 03
dias de sua genitora, fato ratificado pelo avô e vizinhos (fls.
179).
A testemunha Josefina do Nascimento
declarou-se ex-cunhada da ré, acrescentando que mora nos
fundos da casa dela, sendo que sua filha também é vizinha da
apelante. Afirmou que davam uma “olhada” nas crianças
quando a acusada não estava em casa, sendo que ela por vezes
deixava a comida pronta e por outras as meninas comiam em
sua casa. Declarou não saber para onde Cíntia foi naquele dia,
tampouco soube precisar quanto tempo ficou fora (fls. 180).
A testemunha de defesa Carolina do
Nascimento Pinto, disse nada saber sobre os fatos tratados na
denúncia, uma vez que mora distante da casa da acusada.
Afirmou que não sabe se a genitora costumava deixar as
meninas sozinhas, contudo considera seu comportamento em
relação às crianças exemplar (fls. 181).PODER JUDICIÁRIO
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Por sua vez, Angélica Maria do Nascimento
Pinto, declarou ser vizinha da ré e disse que esta lhe pedia para
cuidar das crianças durante sua ausência. Ratificou que Cíntia
chegou a ficar dois dias fora de casa, sendo certo que as
menores comiam, por vezes, com sua mãe e, em outras
oportunidades, o pai delas é que as alimentavam. Não soube
expor os motivos para a ausência da apelante, mas confirmou
que ela estava sendo despejada da casa em que morava e que
sobrevive com a pensão de R$120,00 (fls. 182).
Como se sabe o delito de abandono de
incapaz, nos termos do artigo 133, do Código Penal, tem como
objeto jurídico a proteção à vida e saúde da vítima, sendo
exigido apenas o dolo de perigo, ou seja, não é necessário que
o sujeito ativo tenha a vontade específica de colocar o ofendido
em perigo.
Nessa esteira também está o entendimento
de Guilherme de Souza Nucci:
“Exige-se dolo de perigo. Não cremos
haver, no tipo, nenhuma menção ao
elemento subjetivo específico ou dolo
específico, vale dizer, a especial intenção
de colocar em perigo”(Código Penal
Comentado, 10ª Ed., Ed. RT, pág. 660).
No presente caso, o conjunto probatório
coligido judicialmente foi contundente em demonstrar que as
meninas, que se encontravam sob a guarda da ré, estavam
efetivamente sozinhas quando foram abordadas pelos
conselheiros tutelares, que narraram suas precárias condições
de higiene e a desordem da casa, tornando claros os riscos,
sejam eles domésticos ou não, que elas correram ficando
abandonadas em casa por dois dias, tornando tal ausência
juridicamente relevante.
Não se deve ser insensível aos parcos
recursos da genitora, bem como seu esforço para educar seus
filhos, contudo, conforme afirmado pelas testemunhas, ela porPODER JUDICIÁRIO
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diversas vezes se retirou, deixando suas filhas sozinhas, sem a
constante guarda de um adulto.
Anote-se que criança é absolutamente
incapaz e não têm condição de se autodeterminar, sendo,
portanto, irrelevante seu eventual consentimento. Destarte,
cabe àquele que detém sua guarda zelar e garantir seu bem
estar, não a expondo a perigo de qualquer sorte.
Desse modo, a apelante, necessitando se
ausentar, deveria ter usado de sua autoridade e ter colocado as
filhas sob a constante guarda de um adulto e não simplesmente
pedir que alguém eventualmente desse uma “olhada”.
A causa de aumento prevista no §3º, inciso
II, do artigo 133, do Código Penal também restou comprovada
visto que a ré é genitora das vítimas, sendo mais grave sua
conduta, vez que tem especial dever de cuidado e assistência.
Diante dos fatos era de rigor a condenação
e, proferida a sentença, passou o MM. Juiz à dosimetria da
pena.
Observadas as circunstâncias previstas no
artigo 59, do Código Penal, a pena-base foi fixada no mínimo
legal, ou seja, em 06 meses de detenção, a desmerecer, pois,
qualquer reparo.
Em seguida, reconhecida a causa especial
de aumento, a sanção foi acrescida em 1/3, totalizando 08
meses de detenção.
A pena privativa de liberdade foi
substituída por restritiva de direito e acertadamente fixado o
regime aberto em caso de descumprimento, devendo também
ser mantido.
Ante o exposto, nego provimento à
apelação interposta pela ré, mantendo a respeitável sentença
proferida, por seus próprios e jurídicos fundamentos.PODER JUDICIÁRIO
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PEDRO Luiz Aguirre MENIN
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