Obrigatoriedade de depor em processo administrativo
Duas servidoras publicas foram acusadas de subtração de merenda escolar. Haverá uma acareação pela chefia do departamento e processo administrativo. Os demais servidores são obrigados a depor ou podem usar o direito de falar somente em Juízo pois elas entraram com ação por calunia e difamação?
Via de regra, são sim obrigados a depor, ainda mais nessa situação, em que se pode estar, em tese, diante do crime de peculato (subtração de merenda).
O encargo de ser testemunha, seja em um processo administrativo ou judicial, não é uma faculdade de quem quer que seja, mas sim obrigação. Primeiramente, há de se verificar o que dispõe a respeito o estatuto do ente a que se vinculam os servidores (acusadas e testemunhas), especificamente na parte que trata de penalidades e PAD.
De todo modo, ainda que esse estatuto nada mencione, essa obrigação de testemunhar surge da possibilidade de aplicação subsidiária do CPP ao processo administrativo, e da aplicação analógica da Lei 8112/90.
O CPP preceitua:
"Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. (...)"
Já a lei 8112 diz:
"Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexado aos autos.
Parágrafo único. Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição."
Veja que o CPP é claro: a testemunha é obrigada a depor.
Já a lei 8112, ao fazer referência ao ato de chamamento do servidor para atuar como testemunha, é clara: fala em MANDADO, que não é convite, pedido, solicitação ou outro parecido, mas sim uma ORDEM.
Segundo o Dicionário Aurélio:
"mandado2 [Part. de mandar.] (...) 8.Ordem escrita que emana de autoridade judicial ou administrativa."
Veja que o parágrafo ainda diz que sendo a testemunha um servidor, o chefe imediato é COMUNICADO da intimação. Quer dizer: não se pede a ele que faça o favor de liberar o servidor, mas comunica-se que o servidor FOI INTIMADO a ser testemunha, com dia e hora para comparecimento.
Outra tese que reforça a obrigatoriedade é a previsão contida no art. 342 do Código Penal:
"Falso testemunho ou falsa perícia
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa."
Veja-se que mentir como testemunha em processo administrativo é crime. Se o encargo de testemunha em PAD fosse uma faculdade, o dispositivo penal seria inócuo no que se refere a esse tipo de processo (PAD), por um motivo simples.
Se o servidor não fosse obrigado a ser testemunha, não faria muito sentido prever pena em caso de ele mentir em um PAD. Ao invés de mentir e correr o risco de responder a um processo criminal, bastaria recusar-se a ser testemunha, pois nesse caso, não precisaria mentir, e assim não sofreria qualquer pena.
O PAD, muito mais que um instrumento de mero interesse das partes, é também e principalmente de interesse do Estado (sentido amplo) uma vez que visa a apurar se o servidor cometeu alguma irregularidade. Isso é de interesse de toda a coletividade. Exsurgem aí os princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse particular e o da indisponibilidade do interesse público.
Entendo ainda que a recusa em atender a ordem para tanto poderia configurar crime de desobediência.
Quanto à acareação, entendo que o momento adequado para que ocorra é durante a instrução do PAD, levado a efeito pela comissão processante, e não pelo chefe de departamento.
E os servidores serão oficialmente considerados testemunhas somente a partir do momento em que forem formalmente intimados, e desde que, óbvio, tenham conhecimento dos fatos sobre os quais irão depor.