Prezados,
Acredito que os senhores estejam enganados e estão analisando a questão sob a ótica errada.
Se o art. 39, I, do CDC define a venda casada como o ato de " condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço", a questão então é saber se cada canal ofertado cuida de ser um serviço autônomo, ou se o serviço prestado é o "pacote" de canais.
A meu ver é cristalino que cada canal se trata de um serviço autônomo.
Acontece que cada canal possui uma programação diferente, um enfoque diferente e uma frequência de transmissão diferente e comumente pertencem a fornecedores diferentes.
O problema surge a partir do momento em que a companhia de TV a cabo não vende seus canais isoladamente.
A fábrica de balas sortidas, utilizada como exemplo anteriormente, não incorre em venda casada pois lida com o revendedor, o que não configura relação de consumo. Assim, se o consumidor não encontra os produtos individualizados nas padarias e no supermercado, é porque eles não são fabricados dessa forma, ou seja, os produtos individualizados não existem.
Diferentemente acontece com as empresas de TV a cabo. Não existe necessidade técnica no sentido de que a empresa me forneça um canal de documentário para que eu tenha acesso a um canal de desenhos animados, por exemplo. Cada serviço possui a viabilidade técnica de ser fornecido individualmente. Não há uma limitação quanto à existência do serviço individual no mercado, mas sim uma artificialidade, ou melhor, um "empacotamento" do seu fornecimento ao consumidor.
Uma comparação mais justa é a da papelaria que resolve montar kits de escritório ou de desenho, utilizando-se dos lápis e canetas de várias marcas distintas, e proíbe que seus clientes comprem esses produtos individualmente. Fica muito mais fácil de enxergar a venda casada nesse caso, não é mesmo? O revendedor ou distribuidor final do serviço não pode condicionar o consumidor a adquirir ou cancelar canais se os mesmos forem passíveis de fornecimento individual.
Uma comparação que acho ainda mais adequada é a da oficina (uma prestadora de serviços) que condiciona a troca de óleo do veículo à realização de outros serviços, dando o nome de "revisão especial" para o conjunto. Outra hipótese, esta absolutamente análoga à situação das companhias de TV a cabo, em que é cristalina a venda casada.
Em resumo, a existência dos pacotes não é um problema per se, o problema surge quando a empresa trabalha APENAS com os pacotes.
Por fim, recorro ao ordenamento infralegal para por fim à discussão:
Resolução 488/2007 da ANATEL:
(...)
Art. 2º Para fins deste Regulamento são adotadas as seguintes definições:
(...)
VIII - Plano de Serviço: conjunto de programas ou programações e outras facilidades de serviço contratadas pelo Assinante junto à Prestadora;
(...)
Art. 3º São direitos do Assinante:
(...)
III - não discriminação quanto às condições de acesso e fruição do serviço, desde que presentes as condições técnicas necessárias, observado o disposto na regulamentação vigente;
(...)
Art. 24. Qualquer que seja o plano de serviço contratado, os mecanismos necessários para aquisição de programação ofertada individualmente ou outras facilidades, devem estar sempre à disposição do assinante, desde que a Prestadora ofereça esse serviço.
(...)
Art. 26. Em nenhum caso a Prestadora pode discriminar os serviços oferecidos aos seus Assinantes em razão do plano de serviço contratado.
Simples assim. Levando-se em conta que cada canal cuida de ser um serviço autônomo, a operadora simplesmente não pode se recusar a vendê-los individualmente, tampouco impedir que o consumidor os contrate em função do plano atualmente contratado.