Posso deixar meu carro estacionado na frente da minha casa?
Olá,tenho um carro estacionado em frente de casa,que atualmente não estou usando,e a guarda municipal veio dizer que estava caracterizando abandono e queriam guincha-lo,e eu acabei dizendo que eles não podiam fazer isso pois o carro era meu,e estava na frente de casa e todos os vizinhos sabem que é meu o carro,e não tem placa nenhuma proibindo estacionar. Qual atitude devo tomar?Será que existe alguma lei que proíba estacionar meu carro por tempo indeterminado na frente de casa?
Prezado sinvall,
Sua pergunta não mereceu resposta por que é de óbvia resolução. Se vc não abandonou o veículo, use-o, preze-o, faça manutenção, guarde-o em locais diferentes ou estacione em locais diferentes, pois o que caracteriza o abandono é o desprezo, inclusive evidenciado pelo estado de conservação do bem.
Não existe essa vedação.
O que ocorre é que alguns municípios, de modo inconstitucional, e usurpando a esfera de competência de outro ente federativo (União) "legislam" no sentido de que se um veículo estiver parado no mesmo lugar por mais de X dias, ele pode ser removido por abandono.
Primeiro, não há no CTB qualquer norma nesse sentido, e o município, por não deter competência para legislar sobre trânsito (competência da União), não pode inovar criando regras nele não previstas, mas apenas regulamentar as já existentes, e ainda assim no que diz respeito aos seus interesses locais.
Segundo, o termo "abandono" é caracterizado na lei como uma das formas de perda da propriedade. E por ser matéria afeta ao Direito Civil, que é também de competência legislativa da União, não pode o município querer vir e elastecer-lhe o conceito de acordo com a sua conveniência, dando-lhe contornos que a própria lei civil não dá. Eis o que diz o CC:
"Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: (...) III - por abandono;"
O abandono de um bem, como causa da perda da propriedade, caracteriza-se, segundo a doutrina, por dois requisitos: a) objetivo: o não-uso da coisa (disposição material), como quem joga fora um sofá velho e b) subjetivo: o chamado "animus dereliquendi", ou seja, a intenção de renunciar à coisa. A vontade de abandono deve estar presente.
Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro - Vol. V) diz que:
"Exemplificativamente, perde-se a posse das coisas: a) Pelo abandono, que se dá quando o possuidor renuncia à posse, manifestando, voluntariamente, a intenção de largar o que lhe pertence, como quando atira à rua um objeto seu. (...) A configuração do abandono (derelictio) depende, além do não uso da coisa, do ânimo de renunciar o direito, realizando-se, concomitantemente, o perecimento dos elementos corpus e animus."
Desse modo, ao querer legislar considerando "abandono" o simples fato de o veículo estar na via pública parado por X dias (desde que obviamente não esteja em situação que fira as regras do CTB), o município está retirando, via lei sua, um requisito (animus dereliquendi) para o abandono, retirada essa que o próprio Código Civil não fez. E se não o fez, prevalecem os dois requisitos da doutrina: disposição material (corpus) + intenção de abandono (animus).
Basta pensarmos que por ser modo de perda da propriedade, se considerássemos que o veículo estivesse mesmo abandonado, qualquer pessoa que passasse pela rua poderia chamar um reboque e levá-lo para a casa, pois seria considerado "res derelicta" (coisa sem dono, abandonada) sem que se pudesse cogitar sequer a penalização dessa pessoa pelo crime de furto. Afinal, não se furta aquilo que não tem dono.
Só que aí vem o problema: o município, para efeito de guinchar o veículo, o considerou coisa abandonada (sem dono). Mas para efeito de cobrar as diárias de estadia e do valor do reboque, vai querer cobrar adivinhem de quem?? Daquela mesma pessoa para quem ele (município) disse que o bem estava abandonado ou seja, DO DONO!!! Quer dizer: para guinchá-lo, por estar abandonado, não tem dono... mas para cobrar diárias e reboque, tem...
Situação diversa é se se tratar de carcaça, de "restos" de um veículo sem qualquer possibilidade de utilização. Nesse caso, além de ser potencial foco de doenças (dengue), pode servir de local de ocultação de marginais. Nesse caso, o seu recolhimento não se dará por questão de trânsito, e sim de posturas municipais, com a utilização do poder de polícia pelo município.