Caro Marcelo,
Primeiramente desculpe a demora.
Está ficando interessante.
Finalmente alguém apareceu para debater efetivamente.
Já estava um tanto decepcionado com o fórum porque a grande maioria das questões são muito simplificadas. Às vezes só encontramos umas perguntas e suas respectivas respostas.
Isso é compreensível, pois na nossa área, tempo é um bem precioso.
Agradeço o amigo ter se dignado elevar o debate para uma esfera mais alta. Era isso que eu queria.
Você se dirigiu a mim em dois debates distintos, mas eu vou tentar te responder em apenas uma mensagem.
Você disse que tinha ficado intrigado com minhas posições. Ao que parece, isso se explica pelo fato de você me ver em um dos debates atacando o Estado forte, defendendo aparentemente a liberdade, a "igualdade" (!), a anarquia (!), o povo, etc; e no outro debate eu, por outro lado, ataco a democracia, as utopias igualitárias, o marxismo, defendo a monarquia, a ditadura brasileira, expressões, a princípio, do Estado Forte.
Suas razões de estar intrigado comigo, se for por causa dessa aparente contradição de minhas posições, eu entendo perfeitamente.
Essa aparente contradição se resolve com uma simples frase do grande São Tomás de Aquino: IN MEDIO VIRTUS, ou seja, a virtude está no meio.
Primeiramente, eu NÃO acredito, conforme suas próprias palavras, naqueles juvenis ideários anarquistas e rebeldes, na qual o Estado é um usurpador da liberdade, que é um inimigo no qual a sociedade têm a necessidade de combater e eliminar, enfim naquela velha ideologia inconsequente de Bakunin.
Aliás, defender esses ideários falidos é bem típico da juventude do final da década de 60, que encontra na revolução da Sorbonne seu ponto de mira.
Contudo, eu não fiz parte dessa juventude, hipie, anarquista absurda. Meu pai, em 1968, ano da dita revolução, tinha apenas 13, daí você pode ver que na época eu nem era nascido, como pode também calcular, mais ou menos, a minha idade agora.
Se tem algo que eu sou contra é o pai do anarquismo, o famigerado Bakunin.
Mas também sou contrário ao super-estado leviatã de Hobbes e Maquiavel, que você, Marcelo, defende. Apesar de na sua última mensagem você elogiar as teorias de Montesquieu, a teoria da divisão dos poderes, etc., mas que na verdade, com uma análise mais pormenorizada é possível provar que o super-pai-Estado-cuida-de-tudo ainda existe, mesmo no poder tripartido dos governos hodiernos.
Para cada doença existe um respectivo remédio, por exemplo, um antibiótico. Apenas apliquei o antibiótico necessário para cada doença. Mas é absurdo considerar que depois da cura o uso do antibiótico será continuado.
Bakunin e Maquiavel são duas posições extremadas. Por isso em cada debate ataquei os dois pelo seu respectivo oposto. Pois IN MEDIO VIRTUS.
Uma autoridade com amplos poderes é legítima, como também a independência do povo, a liberdade, a livre-iniciativa são também legítimos.
Como equilibrar as duas posições, sem cair nos extremos de Bakunin e Maquiavel?
Permita-me apresentá-lo o princípio da SUBSIDIARIEDADE, infelizmente olvidado nos dias de hoje, também nos meios acadêmicos.
Cada indivíduo deve cuidar si mesmo, deve ser independente e livre, e só recorrer a uma esfera mais elevada da sociedade naquilo que não conseguir resolver por si só. Assim é (ou deveria ser) cada homem, com relação à sua família. Cada homem deve cuidar de sua própria vida, deve se preocupar consigo e com os rumos que deseja para si. Mas, como é óbvio, o homem não consegue resolver toda a gama de dificuldade do dia a dia por si só. Desse forma ele recorre a uma esfera da sociedade mais perfeita, digamos assim, que é a família.
Veja que o ponto, Marcelo, é que a família deve exercer um papel SUBSIDIÁRIO na vida do indivíduo isolado. Ela não deve fazer TUDO para ele. Caso contrário, logo se vê, esse indivíduo será como que um parasita. Ele não conseguirá fazer nada sem, por exemplo, que o pai lhe ajude.
Hoje, aliás, isso acontece não poucas vezes. Com a super proteção dos pais, as crianças acabam não tendo autodeterminação, não têm muita personalidade.
Mas, continuemos.
A família, por sua vez, deve ser independente, mas deve recorrer a uma esfera mais alta da sociedade quando encontra situações que não consegue resolver por si. Aqui, depende de cada caso, pode ser tanto a reunião de várias famílias poderíamos usar a expressão clã, mas a palavra leva a interpretações equivocadas pode ser o bairro onde se encontra tal família, ou até mesmo, a própria vila ou cidade. A essa esfera também mais elevada cabe ajudar SUBSIDIARIAMENTE a esfera mais baixa, a família.
Também com relação à vila ou cidade, o princípio deve ser aplicado. Devem recorrer, por exemplo, à província ou ao estado (região, não nação) em todas as questões que não competem a elas ou não têm capacidade de resolver diretamente.
A província, também ela, deve recorrer a uma esfera mais elevada, que poderíamos chamar agora de Estado (governo, nação), naquilo que não consegue solucionar por si.
No Estado, a escala, a princípio, se encerra. Ele não recorre a mais ninguém. Por isso o Estado é chamado de sociedade perfeita. Não no sentido de que não tenha defeitos, mas sim porque ele não depende de mais nenhuma esfera acima dele, para atingir os seus fins, naquilo que ele tem de resolver e buscar para o bem de todos.
È importante ressaltar que, de cima para para baixo, ou seja, a atuação do ente ou da esfera superior em relação à inferior é uma atuação SUBSIDIÁRIA, é uma ação SUPLETIVA.
Acho que não é difícil ver aqui que tanto a autoridade como a liberdade são aspectos exercidos plenamente, mas de maneira equilibrada.
Eu não digo que o Estado, tendo uma atuação supletiva, não tem autoridade para governar o povo e até, por vezes, suprimir alguns direitos em prol do bem comum. Mas tal situação é excepcional, e não normal.
Veja que todos os entes dessa sociedade conservam suas respectivas liberdades de atuação. Atuação no sentido de criar suas próprias leis ou seus próprios rumos, sempre considerando, contudo, a não afronta à esfera mais elevada da sociedade.
Uma família, seguindo esse raciocínio, tem muito mais condições de saber o que é melhor para si diretamente do que o governante da cidade, por exemplo. Da mesma forma, podemos dizer das cidades em relação à província, a assim por diante.
Para você enxergar melhor, veja o que acontece hoje em dia.
O super mega Estato leviatã cuida de tudo. Ele edita leis que devem ser aplicados a todas as diversas situações encontradas na nação. As leis trabalhistas, por exemplo, são um caso contumaz de ineficiência. Trata-se de uma legislação federal que abarca todas os casos de relações privadas em todos os confins desse imenso país. Ela dita a quantidade de horas de serviço, os dias de descanso, o período de férias, a hora do almoço, horas extras, salário mínimo, FGTS, INSS, multas, impostos, etc, etc, etc. E TODOS têm de seguir exatamente o que essa mega lei, feita na maioria das vezes por teóricos, determina, mesmo que as condições e as realidades de cada região, cidade, cultura, povo sejam bem discrepantes.
O nosso super Estado tem fábricas, redes de TV e rádio, bancos, editoras, empreses de transporte urbano. Ele fabrica o cigarro e nos vende o fósforo, nas palavras do historiador Pierre Gaxotte. Compre uma simples bicicleta e você terá que prestar conta dela!!!
50% dos empregados do país trabalham para o Estado, e ou outros 50% desejariam ser empregados dele!!!
Se você tem um terreno e constrói uma casa, vem imposto encima. Se você NÃO constrói, também vem imposto, e você até pode ficar sem o terreno!!!
Ele cuida da sua segurança, ou melhor, ele DIZ que cuida da sua segurança, tanto é assim que te proíbe de se defender a si, aos seus, e ao seu patrimônio. Se você é um homem de bem e tem uma arma em casa para se defender, o Estado vem e te prende!!!
Enfim, ele está em toda parte. Não se pode fazer nada sem ele.
Veja que minhas objeções contra o Estado não se referem à sua autoridade quanto tal, que é legítima, como já disse, mas sim contra a sua ingerência em todos os detalhes da vida da sociedade. Como se ele fosse capaz de entender e resolver todos os assuntos de todas as esferas da sociedade, sendo que é mais do que patente que cada esfera tem de si melhor conhecimento de causa, conhecimento direto de seus respectivos problemas.
Uma imagem que se costuma representar o Estado é de um imenso guarda-chuva, que cobre todos os interesses dos membros da sociedade. Mas me parece que tal simbolismo é falho.
Uma imagem melhor seria a do telhado: ele continua protegendo a todos, mas está alicerçado na própria organização social. Se o alicerce e as parede NÃO são firmes (equilibrada independência dos organismos sociais), o telhado (Estado) ou não tem sustentabilidade (dando margem aos anarquistas de Bakunin) ou se apoia em outra coisa que não a própria sociedade (Maquiavel), acaba se apoiando nele próprio e SÓ nele. Daí surge o mega Estado.
Poderíamos tecer inúmeras outras considerações sobre a questão, Marcelo. Mas acho que já escrevi demais, não é verdade?
Tenho certeza que você formaria algumas objeções contra tudo isso. Mas devo lembrá-lo que isso é apenas um esboço de tudo que se poderia dizer do princípio da Subsidiariedade.
Espero que tenha feito você enxergar que não sou anarquista, nem tampouco absolutista.
Sobre o Estado encerro aqui. Haveria outras questões das suas mensagens que demandariam algumas observações, mas deixo-as para uma outra oportunidade, se houver.
Peço desculpas pela prolixidade, mas como disse no começo, não sou do tipo que gosta de simplificar as coisas.
Até a próxima, Marcelo. E aguardo sua resposta...
Henrique.