Defendo o pleno direito de discordar de alguma ideia ou pensamento. Nada mais normal. O que não admito é quando ocorre colega que confundir o direito de discordar com irritar-se ..., o que não é o caso concreto.
Sendo assim, digo, sejamos todos felizes, sempre. E para quem gosta de uma boa leitura, eis o texto o qual, filio-me:
O escrever corretamente assume no campo do Direito valor maior do que em qualquer outro setor. O advogado que arrazoa ou peticiona ou o juiz que sentencia ou despacha têm de empregar linguagem escorreita e técnica. A boa linguagem é um dever do operador do Direito para consigo mesmo, que o mantém preocupado em expressar as idéias com precisão, sem sacrificar o estilo solene que deve nortear a linguagem forense.
É claro que, para levar a cabo tal mister, não se pode utilizar a fala pedante, com dizeres mirabolantes, na qual sobeja a terminologia enrolativa, que vem de encontro à precisão necessária à assimilação do argumento aduzido. A linguagem hermética e "centrípeta" só agrada ao remetente, não ao destinatário. Com efeito, o preciosismo é vício de linguagem marcado pela afetação. Deve-se evitar sacrificar a idéia, fugindo do natural, a fim de causar "impressão", sem lograr transmitir o pensamento com clareza.
Tal modo "egoísta" de transmissão de idéia, não raro nos ambientes forenses, deve ser banido com presteza. Estamos chegando a um ponto em que a convivência com a prolixidade no redigir, de centenas de aplicadores do Direito menos avisados, gera, até mesmo, certa estranheza no leitor do texto, se o encontra "enxuto" e despido de rodeios. Parafraseando o eminente Padre Antonio Vieira, "o estilo há de ser fácil e muito natural".
Portanto, é questão de urgência: devemos evitar a terminologia pernóstica utilizada em textos jurídicos, procurando alcançar o conceito de precisão na exposição do pensamento, que, necessariamente, passa pela idéia de "boa linguagem", cujos pilares conheceremos a seguir, por meio das qualidades da boa linguagem. Aliás, o dito popular é claro: "Quem muito fala, muito erra e muito enfada".
Sabe-se que o advogado despreparado possui vocabulário limitado, desconhece o sentido das palavras e raramente consulta o dicionário. Esse distanciamento do vernáculo é maléfico porque o retira do "mundo das letras", alienando-o em um ambiente de "falso conhecimento" do léxico, o que é de todo condenável.
O dicionário, como é cediço, é repositório vocabular que deve ser consultado. Não é adereço, mas objeto de pesquisa, sob pena de se aderir ao que chamamos de "substituísmo" - mau hábito de "substituir" as palavras, trocando-as por outras de fácil escrita ou significado, em vez de consultar o nosso querido "paizão", a fim de esclarecer a dúvida. Os medrosos "substituístas" nunca dirimem a dúvida, deixando de enfrentá-la, mas perpetuam o desconhecimento, adotando uma postura arredia. Isso nos faz lembrar a curiosa história da secretária de um ex-Presidente da República, que, ao redigir um memorando para marcar reunião para uma certa sexta-feira, viu-se na dúvida se tal dia da semana era escrito com -x ou -s. Perguntando ao Presidente, este respondeu: "Mude para sábado!". E ninguém abriu o dicionário para aprender...
Ademais, é comum encontrar operadores do Direito que opinam sobre regência de verbos, concordância de nomes, uso de crase e ortografia,sem que se dêem ao trabalho de se dedicar à intrincada tarefa de assimilar as bases da gramática do idioma doméstico. Encaixam-se, portanto, no perfil de ousados corretores que, no afã de corrigirem, extravasam, na verdade, um descaso com o idioma, ao contrário do que pensam exteriorizar: domínio do português. Não é por acaso que, segundo os árabes, "nascemos com dois olhos, dois ouvidos, duas narinas e...uma boca". É para ter mais cuidado no falar...
Com notável propriedade, Theotonio Negrão ("Revista de Processo", 49/83, p.5;) assevera que "o operador do direito que não consegue ter linguagem correta não consegue expressar adequadamente seu pensamento."
Em entrevista ao Jornal do Advogado (OAB), em 8 de junho de 2001, Miguel Reale, ao ser inquirido sobre quais eram os pré-requisitos para o exercício da carreira do advogado, respondeu:
"Em primeiro lugar, saber dizer o direito. Nos concursos feitos para a Magistratura, para o Ministério Público e assim por diante, a maior parte das reprovações são devidas à forma como se escreve. Há uma falha absoluta na capacidade de expressão. Então, o primeiro conselho que dou é aprender a Língua Portuguesa. Em segundo lugar, pensar o Direito como uma ciência que envolve a responsabilidade do advogado por aquilo que diz e defende. Em terceiro lugar, vem o preparo adequado, o conhecimento técnico da matéria."
Como se nota, o desconhecimento do vernáculo torna o advogado um frágil defensor de interesses alheios, não sendo capaz de convencer sobre o que arrazoa, nem postular adequadamente o que intenciona. Pode até mesmo se ver privado de prosseguir na lide, caso elabore uma petição inicial ininteligível ou em dissonância com as normas cultas da língua portuguesa, uma vez que o Código de Processo Civil , no artigo 156, obriga o uso do vernáculo em todos os atos e termos do processo.
Assim, aquele que peticiona deve utilizar uma linguagem castiça, procurando construir um texto balizado em parâmetros que sustentem a boa linguagem. Nos dias atuais, a comunicação humana precisa ser eficiente, devendo o usuário da linguagem estar atento para as virtudes de estilo ou qualidades do léxico de rigor. Os fatores que influem positivamente no processo da comunicação verbal são: a correção gramatical, a concisão, clareza, precisão, naturalidade, originalidade, harmonia. Neste artigo (parte I), detalharemos a "correção gramatical" e a "concisão". Os demais fatores serão expostos oportunamente.
A Correção Gramatical traduz-se na obediência à disciplina gramatical, com respeito às normas lingüísticas. A "correção" deve ser almejada com o uso de uma linguagem escorreita, livre de vícios, formando uma imagem favorável perante os receptores das mensagens. Há, pois, a necessidade de uma linguagem inatacável, quer sob o aspecto técnico-jurídico, quer à luz da própria casticidade do idioma.
Observe algumas equivocidades que denotam o mau uso da correção gramatical:
Na oração "Assim, requer o Autor à Vossa Excelência...", há vício gramatical quanto à crase, uma vez que se deve grafar "Assim, requer o Autor a Vossa Excelência...", sem o sinal grave indicador da contração, uma vez que não há crase antes de pronome de tratamento.
Nesse diapasão, observe a frase: "Arquive-se os autos". O equívoco é palmar, na medida em que o sujeito da oração é "autos", devendo o verbo concordar com o sujeito. Portanto, procedendo à correção: "Arquivem-se os autos."
Observe que não são raras as encruzilhadas, diante das quais tantas vezes param perplexos os usuários da língua portuguesa. No entanto, deve-se tomar cautela, a fim de que a preocupação exagerada com o purismo ou com aquilo que não deve ser dito não sacrifique a espontaneidade, podando a idéia a ser transmitida.
A Concisão é qualidade inerente à objetividade e justeza de sentido no redigir. Como se sabe, falar muito, com prolixidade, é fácil; o difícil e invulgar é falar tudo, com concisão. A sobriedade no expor, traduzindo o sentido retilíneo do pensamento, sem digressões desnecessárias e manifestações supérfluas, representa o ideal na exposição do pensar. Não há como tolerar arrazoados e petições gigantes e repetitivas, vindo de encontro aos interesses perquiridos pelo próprio subscritor do petitório, embora, às vezes, não perceba o resultado.
Portanto, deve-se buscar transmitir o máximo de idéias com o mínimo de palavras, evitando a "enrolação". Pense que, quase sempre, o leitor do seu texto tem pouco tempo e quase nenhuma paciência disponível. A linguagem direta, sem rebuscamentos, comunica melhor.
Segue um retumbante exemplo que denota a falta de concisão do emissor da mensagem:
"Protesta, assim, o reconvinte pela produção de todos os meios de prova permitidos em Direito, sem exceção, especialmente, depoimentos pessoais, por parte da reconvinda, por parte de funcionários, por parte da Autoridade Policial e Investigadores, de vizinhos, de testemunhas outras, da juntada de novos documentos, prova pericial, expedição de ofícios e tantas quantas necessárias no decorrer da instrução processual."
Na verdade, o pedido poderia ter sido simples:
"Protesta, assim, o reconvinte pela produção de todos os meios de prova permitidos em Direito, incluindo depoimentos pessoais, a juntada de novos documentos, provas periciais e outras que se fizerem necessárias."
É mister elucidar que a concisão passa por táticas simples, às vezes imperceptíveis por sua singeleza. Nosso léxico é farto de termos variados. Podemos usar a substituição à vontade, na busca da objetividade da transmissão do pensamento. Nas peças forenses, é comum encontrarmos expressões supérfluas, cuja simples supressão importaria em aperfeiçoamento da frase. Observe o exemplo abaixo:
"O acusado foi citado por edital, por não ter sido encontrado pessoalmente."
Procedendo ao devido "enxugamento frasal", ter-se-ia:
"O acusado foi citado por edital, por não ter sido encontrado."
Na mesma esteira, deve-se evitar o uso excessivo de advérbios de modo. Evite, portanto, "precariamente", "tocantemente", "tangentemente", "editaliciamente". Observe os exemplos:
"Eles foram editaliciamente citados" (Corrigindo: Eles foram citados por edital.); ou "Tangentemente a esse caso, ..." (Corrigindo: No que tange a esse caso,...).
Posto isso, faz-se mister a preservação da boa linguagem, evitando-se distanciar dos postulados acima expendidos, a fim de que possa o causídico alcançar o que se busca: o êxito na arte do convencimento.
Jornal Carta Forense, terça-feira, 7 de março de 2006
Fonte- http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=267