A desjudicialização e os métodos alternativos de resolução de conflitos na administração pública. análise a partir de conflito contratual ocorrido na fundac/BA

15/03/2023 às 22:47
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Marcos Antonio Cesar Sanches1

Resumo: Atualmente se discute a existência de um “Microssistema Normativo de Métodos Adequados de Tratamento de Conflitos”, composto pelo conjunto de normas que dispõem e estimulam a autocomposição, com destaque para o CPC/15, Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996). Afora esses diplomas estruturais, a aplicação da consensualidade na resolução de conflitos na Administração Pública encontra-se disciplinada em diversos atos normativos de entes federativos, sendo que alguns serão expostos no presente trabalho, com vistas a apresentar um panorama da matéria no Brasil. A apresentação será contextualizada com um leading case da FUNDAC, onde problemas contratuais relativos a serviços essenciais operados pela Fundação acarretaram ações judiciais, rescisões de contratos e prejuízos à Administração, o que evidenciou a ausência de diálogo entre as partes e a inexistência de uma cultura jurídica voltada à solução consensual.

Palavras-chave: Conflitos. Métodos. Diálogo. Administração. Consensualidade.

Abstract: There is current debate about the existence of a "Normative Microsystem of Adequate Conflict Treatment Methods", composed by the set of rules that provides and encourages self-composition, with emphasis on CPC/15, Mediation Law (Law No. 13.140/ 2015), Arbitration Law (Law No. 9,307/1996). Aside from these structural diplomas, consensuality and its application in conflict resolution in the Public Administration is disciplined in several normative acts of federative entities, some of them will be exposed in this work, with a view to presenting an overview of this theme in Brazil. The presentation will be contextualized with a leading case of FUNDAC, in which contractual problems related to essential services operated by the Foundation led to lawsuits, contract terminations and losses to the Administration, evidencing the absence of dialogue between the parts and the absence of a legal culture focused on consensual solution.

Sumário: 1. Introdução. 2. Dos conflitos contratuais ocorridos na FUNDAC. 3. Dos métodos alternativos / adequados de solução de conflitos e a aplicação na Administração Pública. 4. Conclusão. Referências.

1 – Introdução.

No âmbito da Fundação da Criança e do Adolescente - FUNDAC ocorreram conflitos contratuais derivados de situações alheias às vontades das partes, em que ficou clara a falta de diálogo entre os envolvidos, e o pouco apreço à tentativa de resolução pela via consensual, acarretando ações judiciais em que decisões foram prejudiciais ao interesse público e determinando, ao final, a rescisão e extinção dos contratos, em prejuízo aos entes privados participantes e à própria Fundação Pública.

O caso despertou a atenção para a necessidade de desenvolvimento, no Estado da Bahia, de instrumentos jurídicos que sejam capazes de levar conflitos, como os apresentados, a uma solução negociada, revisitando os termos do contrato, com fulcro numa leitura atual do princípio da legalidade, da eficiência e do próprio interesse público, de forma a alcançar o interesse das partes e manter a prestação do serviço sem solução de continuidade.

Assim, pretende-se no artigo apresentar um panorama atual da legislação brasileira acerca das soluções alternativas / adequadas de conflitos, com foco na Administração Pública, explorando ainda a experiência de outros entes federativos que desenvolveram legislações com vistas a alcançar o desiderato de estimular o consenso e apresentar mecanismos para tal finalidade.

Acredita-se que, a partir da apresentação dos paradigmas de legislações nacionais e de outros entes públicos sobre consensualidade, é possível uma reflexão, por parte de toda a comunidade jurídica que lida com litígios na Administração Pública da Bahia, para fins de caminhar no sentido da formatação de atos normativos que possam levar ao desenvolvimento da matéria no Estado.

2 – Dos conflitos contratuais ocorridos na FUNDAC.

A Fundação da Criança e do Adolescente – FUNDAC é uma fundação com personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, patrimônio próprio, e tem por finalidade o atendimento à criança e ao adolescente envolvido em ato infracional ou em situação de abandono, consoante previsto em seu Regimento Interno, Decreto Estadual nº 1.203/1992.

Referida instituição foi uma das entidades da Administração Indireta do Estado da Bahia que a Procuradoria Geral do Estado assumiu as atividades de representação judicial e extrajudicial, de consultoria e assessoramento jurídico, por força do art. 140 da Constituição Estadual, com a redação dada pelo art. 1 º da Emenda Constitucional n° 22, de 28 de dezembro de 20152, c/c Portaria PGE nº 49, de 30 de julho de 20213, tendo sido designado o Procurador do Estado que aqui subscreve, como integrante da Procuradoria de Controle Técnico, para atuar, de forma prioritária, em seu consultivo.

No âmbito de suas atribuições, a Fundação administra seis unidades de internação de adolescentes, chamadas de Comunidade de Atendimento Socioeducativo (CASE) que, como descrito no site da instituição4, são os locais “que os adolescentes entre 12 e 18 anos aos quais se atribuem autoria de ato infracional cumprem a medida socioeducadiva de internação pelo período máximo de 03 anos e aguardam a decisão judicial em internação provisória (...) de acordo com a Lei 12.594/2012 – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase – e a Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, as unidades precisam ter espaços adaptados às necessidades de cada atividade, garantindo o cumprimento da medida socioeducativa e assegurando aos adolescentes dignidade, respeito e a garantia dos direitos humanos e da criança e do adolescente.”

Na gestão destas unidades, em 2018, a FUNDAC firmou contratos com duas empresas, “para prestação dos serviços de fornecimento de alimentação preparada dentro das unidades administrativas”, alimentação esta que compreendia desjejum, lanche matutino, almoço, lanche da tarde, jantar, café, lanche viagem e dieta, com quantitativo estimado de acordo com a capacidade de cada um dos CASEs, além do número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas na época.

As refeições do contrato eram preparadas no próprio local em que servidas, com aparelhagem das contratadas, que tinham, dentre outras obrigações, verificar a conduta, frequência e pontualidade de seus empregados, fornecer o fardamento padrão aos empregados, preparar os alimentos no próprio dia em que seriam consumidos, fornecer os alimentos nos horários programados e fornecer talheres e copos descartáveis.

Ocorre que, diante da declaração pública de situação de pandemia em relação ao novo coronavírus pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 11 de março de 2020, assim como a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da Organização Mundial da Saúde, em 30 de janeiro de 2020, da mesma OMS, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou a Recomendação nº 62, de 17/3/2020, na qual recomendou a Tribunais e Magistrados de todo país, com atuação nas áreas de infância e juventude, diversas medidas visando a redução dos riscos epidemiológicos, dentre os quais a aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto, conforme diversas situações detalhadas no documento.

Tal fato acarretou uma diminuição paulatina e expressiva da quantidade de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas nos CASEs da FUNDAC e, por consequência, da quantidade de alimentos / refeições utilizados a partir dos contratos em referência, vindo a Administração a diminuir o quantitativo estimado do contrato acima do percentual máximo de 25% autorizado no art. 143, §1º, da Lei Estadual nº 9.433/055.

Destaque-se que a conduta da Administração acima noticiada é irregular, e constitui motivo para rescisão unilateral do contrato por parte do contratado, com fulcro no art. 167, XVI6, da Lei Estadual de Licitações.

A diminuição do quantitativo noticiado, segundo argumentado pelas empresas, acabava por colocá-las em situação de prejuízo, considerando que os preços ofertados em licitação tinham como referência o quantitativo estimado em edital de fornecimento de alimentação, considerando ainda todos os aspectos que envolviam o cumprimento dos contratos, como a estrutura de administração dos alimentos, e os funcionários contratados para a preparação e disponibilização, dentre outros detalhes.

No entanto, ao invés de promover a rescisão dos contratos, as contratadas ingressaram com ações judiciais, obtendo êxito em medidas liminares que determinaram à FUNDAC que se abstivesse de realizar o pagamento de faturas mensais dos contratos com supressões superiores a 25%, sob pena de multa diária.

Neste contexto, a Fundação viu-se obrigada a realizar, mensalmente, pagamentos em favor das contratadas em valores que chegaram a ser três vezes maiores do que o efetivamente consumido das refeições contratadas, em manifesto prejuízo aos cofres públicos.

Assim, por orientação da Procuradoria Geral do Estado, houve a necessidade da Fundação promover a rescisão unilateral dos contratos, com fundamento no art. 167, XX, da Lei Estadual nº 9.433/05 (“ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato;”), tendo alguns contratos ainda sido extintos por força do término do prazo, onde não foram renovados, embora isso fosse possível legalmente.

Tal fato determinou que a Administração envidasse esforços para, às pressas, realizar a contratação de nova empresa para assumir o serviço, com todos os transtornos relacionados à desmobilização, fato agravado por se tratar de unidades em que estão pessoas privadas de liberdade, sendo preocupação comum dos agentes da FUNDAC a situação da regularidade de fornecimento e qualidade da comida, cujo comprometimento é um dos principais motivos para turbulências e rebeliões.

A situação narrada revelou hipótese em que a rescisão do contrato não era de interesse para nenhuma das partes, já que almejava a Administração manter o serviço com o qual os adolescentes já estavam acostumados, e os contratados desejavam manter seus contratos, contudo, com reestimativa de custos de produção, funcionários e aparelhamento, diante da nova necessidade diminuída de refeições.

Evidente, portanto, que o melhor caminho seria o de uma solução consensual entre as partes, com a formatação de um acordo onde as necessidades de cada um poderiam ser alcançadas, revendo os termos dos contratos a partir dos novos elementos fáticos que a realidade apresentou.

Registre-se que uma das empresas chegou a entrar com pedido de reequilíbrio econômico financeiro do contrato, nos termos do art. 143, II, “d”, da Lei Estadual nº 9.433/057, contudo, quando a situação já estava judicializada, com liminares interferindo na relação contratual e impondo prejuízo à Administração. Ademais, entende-se que o caso não se limitava apenas a reajuste / revisão no valor de cada refeição, mas sim demandava toda uma análise de reconstrução contratual para adequação da nova realidade de menor demanda dentro das unidades da Fundação.

Na medida em que o caso acabou em ações judiciais e posteriores rescisões dos contratos, mesmo diante do fato da manutenção da relação contratual ser de interesse para as partes, revelou, sobretudo, a ausência de uma cultura da consensualidade, bem como a insuficiência ou não adoção dos instrumentos necessários para que a autocomposição fosse construída, sendo um leading case interessante para a abordagem de como a sistemática da resolução alternativa / adequada de conflitos encontra-se construída no Brasil, a experiência de outros entes federativos que desenvolveram a matéria e a necessidade de implantação e fomento dela no âmbito da Administração Pública no Estado da Bahia.

3. Dos métodos alternativos / adequados de solução de conflitos e a aplicação na Administração Pública.

A partir de uma abordagem normativa sobre métodos alternativos de resolução de conflitos, a doutrina defende a existência daquilo que se convencionou chamar de “Microssistema Normativo de Métodos Adequados de Tratamento de Conflitos”, composto pelo conjunto de normas que dispõem e estimulam a autocomposição, com destaque para o CPC/15, Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996).

Um dos embriões desse movimento foi a Resolução nº 125/2010 do CNJ, que em seu art. 1º, instituiu a “a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade”, dispondo seu parágrafo único que “aos órgãos judiciários incumbe oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.”

O CPC/15 veio, no âmbito legislativo, a consolidar a promoção da consensualidade como ponto central de interesse do sistema processual, dispondo logo em seu art. 3º e parágrafos que, embora não seja excluída da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, a arbitragem é permitida, na forma da lei, competindo ao Estado promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, e a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos, devendo ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Na Seção V, do Capítulo III, do Código, estabeleceu-se uma série de disposições acerca da mediação e conciliação, como a criação, pelos tribunais, de centros judiciários de solução consensual de conflitos, a indicação dos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada, como regentes da autocomposição, além de regras de escolha e conduta de mediadores e conciliadores.

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DIDIER advoga, inclusive, a existência atual de um princípio do estímulo da solução por autocomposição e de um princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil.

É também uma espécie de autocomposição, e caminha no objetivo de promover a consensualidade, o disposto no art. 190, caput, do CPC/15 (“versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”), que trata dos chamados negócios jurídicos processuais.

Como assevera DIDIER:

“Negócio processual é fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais. No negócio jurídico, há escolha do regramento jurídico para uma determinada situação.”

A respeito dos negócios jurídicos processuais, interessante a iniciativa da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, que editou a Resolução PGE nº 4.826, de 16 de março de 2022.

Em seu art. 1º, prevê a Resolução que “fica autorizada a celebração de negócios jurídicos processuais (NJPs) que tenham por objeto estipular mudanças no procedimento ou dispor sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais no âmbito das ações judiciais e execuções fiscais de competência das Procuradorias da Dívida Ativa, Tributária e de Sucessões, bem como nas correlatas atribuições da Coordenadoria Geral das Procuradorias Regionais e da Procuradoria da Capital Federal, observados os requisitos previstos na Lei Federal nº 13.105/2015 e as disposições desta Resolução.”

No art. 10, enumera espécies de negócios jurídicos processuais aplicáveis, como: “I - plano de amortização; II - aceitação, avaliação, substituição, liberação ou execução de garantias, inclusive previamente ao ajuizamento da execução fiscal; III - garantia fidejussória dos administradores e/ou sócios da pessoa jurídica devedora ou de terceiros; IV - legitimidade extraordinária concorrente entre os sócios-administradores; V - meios executórios, inclusive os referidos no art. 139, IV, da Lei Federal nº 13.105/2015; VI - definição do administrador-depositário na penhora de faturamento, empresa ou estabelecimento, nos termos do art. 862, § 2º, c/c art. 866, §3º, da Lei Federal nº 13.105/2015; VII - inclusão, permanência ou exclusão do crédito em redes de proteção de crédito ou de protesto de certidão de dívida ativa, quando for o caso, ou a submissão desses atos a termo ou condição; VIII - procedimento de conversão de depósito em renda; IX - reunião de execuções fiscais; X - calendarização do processo, nos termos do art. 191 da Lei Federal nº 13.105/2015; XI - prazos processuais; XII - novas modalidades de atos de comunicação processual, inclusive por correio eletrônico ou aplicativos de trocas de mensagens; XIII - procedimento da prova pericial, inclusive escolha do perito, nos termos do art. 471 da Lei Federal nº 13.105/2015; XIV - produção unificada de prova para litígios repetitivos, nos termos do art. 69, IV c/c § 2º, II, da Lei Federal nº 13.105/2015; XV - delimitação consensual das questões de fato e de direito, nos termos do art. 357, § 2º, da Lei Federal nº 13.105/2015; XVI - parcelamento de honorários de sucumbência; XVII - cumprimento de decisões judiciais; XVIII - recursos, inclusive sua renúncia prévia.”

Trata-se, sem dúvida, de instrumento inovador, apto a viabilizar os negócios jurídicos processuais que são, como visto, uma espécie de instrumento jurídico posto à disposição da consensualidade no âmbito das ações judiciais e execuções fiscais que especifica.

Dispôs o CPC/15, outrossim, em seu art. 174, que a “União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo”, com a atribuição de “I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.”

Acerca da temática da solução consensual dos conflitos relacionados à Administração Pública, é possível trazer algumas ponderações de caráter doutrinário.

Define-se Democracia Participativa a partir da superação da ideia de que o Estado Democrático limita-se ao direito de votar e ser votado, adicionando-se pontos como transparência das ações estatais, participação de pessoas físicas e jurídicas nas escolhas das políticas públicas e eficiência na prestação de serviços públicos.

A materialização da democracia participativa pode ser ainda observada na Constituição Federal a partir do sufrágio universal (art. 14, caput), do plebiscito (art. 14, inciso I), do referendo (art. 14, inciso II), da iniciativa popular para propor projeto de lei (art. 14, inciso III), da possibilidade de ajuizamento de ação popular (art. 5º, inciso LXXIII), da responsabilidade da sociedade pela segurança pública, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, caput), e da participação de cidadãos no Conselho da República, no Conselho Nacional de Justiça e no Conselho Nacional do Ministério Público (art. 89, inciso VII, 103-B, inciso XIII e 130-A, inciso VI).

Nesta linha, a aplicação da consensualidade nos conflitos envolvendo a Administração Pública também pode ser associada a uma linha de participação cidadã no Estado Democrático, na medida em que seus interesses e sua interpretação da norma estatal será considerada na composição do conflito.

Nas palavras de MEDAUAR:

“Além disso, a atividade de consenso-negociação entre o Poder Público e os particulares assume importante papel na identificação de interesses públicos e privados, tutelados pela Administração Pública. A discricionariedade administrativa ganha novo significado, na medida em que a Administração não mais detém com exclusividade o estabelecimento do interesse público. A Administração volta-se para a coletividade, conhecendo suas aspirações, e disso decorre um novo modo de agir, não mais centrado sobre o ato como instrumento exclusivo de definição e atendimento do interesse público, mas como atividade aberta à colaboração dos indivíduos. Por isso, passam a ter relevo o consenso e a participação.”

Em sede de interpretação da norma, é possível ainda relacionar o objeto aqui tratado à “Teoria da Sociedade Aberta aos Intérpretes da Constituição”, de HÄBERLE, na qual se propõe que a interpretação do texto constitucional não deve estar limitada aos juízes e a procedimentos fechados, mas sim deve estar aberta a todos os que vivem a norma, e dela são os destinatários, sendo exemplo de sua aplicação a figura do amicus curiae e as audiências públicas, em especial nos processos de controle concentrado de constitucionalidade.

Trazendo o assunto à norma administrativa, e à interpretação que se faz dela dentro dos conflitos entre unidades da Administração Pública e entre esta e particulares, a consensualidade é uma manifestação dessa abertura dos destinatários da norma à sua interpretação.

Importa ao assunto, ainda, uma abordagem ao princípio da legalidade, ou ao dogma da estrita legalidade.

Diante da inserção do princípio da eficiência no rol de princípios constitucionais retores da Administração Pública, fala-se não mais em Administração com viés programático, mas sim focado no resultado, naquilo que se denominou de constitucionalismo de resultado.

O princípio da eficiência determina que o modelo de gestão deve estar focado em metas e resultados, com otimização de recursos financeiros e estrutura administrativa, o que acarreta uma própria releitura do princípio da legalidade e do interesse público, uma vez que o atuar administrativo só pode ser considerado legal se for eficiente.

Tal aspecto tem total relevância no âmbito da consensualidade, na medida em que, a partir dos conflitos que se apresentam, deve permitir ao Gestor Público agir com maior liberdade na construção de um caminho negocial, com viés não apenas legalista, mas, sobretudo, pragmático, no sentido de alcançar a melhor saída possível.

Dispositivo importante previsto na Lei de Mediação, que tem o nítido propósito de conferir garantias e segurança aos profissionais da área pública que atuam em iniciativas de solução consensual de litígios, principalmente em face dos órgãos de controle e considerando a necessidade de releitura do princípio da legalidade e do próprio interesse público – ou seja, criação de teses, que nem sempre encontram acolhimento entre outros intérpretes do direito -, é o art. 40, ao prever que “os servidores e empregados públicos que participarem do processo de composição extrajudicial do conflito, somente poderão ser responsabilizados civil, administrativa ou criminalmente quando, mediante dolo ou fraude, receberem qualquer vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção por terceiro, ou para tal concorrerem.”

Voltando à seara normativa, verifica-se da Lei 13.140/2015 – Lei da Mediação, a existência de um capítulo próprio (Capítulo II), destinado à Fazenda Pública, nominado “da autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público”, no qual, logo em seu primeiro dispositivo (art. 32), direciona a União, os Estados e os Municípios, a criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, a indicar o protagonismo que os órgãos jurídicos dos entes federativos devem assumir no processo de autocomposição dos litígios administrativos.

Ressalte-se que, no art. 21-I, da Lei Complementar Estadual nº 34/20098 (Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado da Bahia), com redação dada pela Lei Complementar nº 43/2017, consta a previsão das Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos, nos moldes do indicado na Lei de Mediação e no CPC/15, contudo, a estrutura ainda carece de efetiva implantação e regulamentação.

Observa-se que outros entes federativos foram além da mera aplicação dos diplomas normativos nacionais em referência e criação dessas câmaras, e instituíram verdadeiras políticas de resolução alternativa de conflitos, com vistas a estimular a consensualidade frente aos litígios administrativos.

É o caso do Município de São Paulo, que editou a Lei nº 17.324, de 18 de março de 2020, que “institui a Política de Desjudicialização no âmbito da Administração Pública Municipal Direta e Indireta.”

Em seu art. 1º, a lei elenca como objetivos “I - reduzir a litigiosidade; II - estimular a solução adequada de controvérsias; III - promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos; e IV - aprimorar o gerenciamento do volume de demandas administrativas e judiciais.”

No art. 2º, a lei elenca as ações relacionadas ao seu objeto, nos seguintes termos:

Art. 2º A Política de Desjudicialização será coordenada pela Procuradoria Geral do Município, cabendo-lhe, dentre outras ações:

I - dirimir, por meios autocompositivos, os conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública Municipal Direta e Indireta;

II - avaliar a admissibilidade de pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e a Administração Pública Municipal Direta e Indireta;

III - requisitar, aos órgãos e entidades da Administração Pública Municipal, informações para subsidiar sua atuação;

IV - promover o arbitramento das controvérsias não solucionadas por meios autocompositivos, na hipótese do inciso I;

V - promover, no âmbito de sua competência e quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta nos casos submetidos a meios autocompositivos;

VI - fomentar a solução adequada de conflitos, no âmbito de seus órgãos de execução;

VII - propor, em regulamento, a organização e a uniformização dos procedimentos e parâmetros para a celebração de acordos envolvendo a Administração Direta, bem como as autarquias e fundações representadas judicialmente pela Procuradoria Geral do Município, nos termos desta Lei;

VIII - disseminar a prática da negociação;

IX - coordenar as negociações realizadas por seus órgãos de execução;

X - identificar e fomentar práticas que auxiliem na prevenção da litigiosidade;

XI - identificar matérias elegíveis à solução consensual de controvérsias.

Digno de nota a coordenação da política de desjudicialização pela Procuradoria Geral do Município – consolidando o papel de protagonismo que a advocacia pública deve assumir na matéria, na forma como já dispunha a Lei de Mediação, acima citada -, a função de fomentar a solução adequada de conflitos no âmbito de seus órgãos de execução, a identificação de práticas que auxiliem na prevenção de litígios, e a identificação de matérias passíveis de solução consensual.

Outro ponto relevante da referida norma é a disposição de seu art. 6º, no qual dispõe que “a Administração Pública Municipal Direta e Indireta poderá prever cláusula de mediação nos contratos administrativos, convênios, parcerias, contratos de gestão e instrumentos congêneres.”

O Estado de Santa Catarina, por sua vez, editou recentemente a Lei nº 18.302, de 23 de dezembro 2021, em que institui “o Programa de Incentivo à Desjudicialização e ao Êxito Processual (PRODEX), no âmbito do Poder Executivo.”

Em seu art. 1º criou o PRODEX, vinculando-o à Procuradoria Geral do Estado, elencando ainda, como princípios do programa, a juridicidade, a boa-fé, a celeridade, a acessibilidade, a redução da litigiosidade e a vantajosidade financeira.

Como objetivos do programa, elencou:

I – promover a desjudicialização e a adoção de medidas para a composição administrativa de litígios no âmbito da Administração Pública Estadual, com vistas à resolução de conflitos e pacificação social e institucional;

II – reduzir o dispêndio de recursos públicos na instauração, na condução e no acompanhamento de processos administrativos e judiciais, nos quais os custos superem o potencial benefício decorrente dos prognósticos dos seus resultados;

III – reduzir os passivos financeiros decorrentes de controvérsias de repercussão individual ou coletiva;

IV – fomentar a cultura de uma administração pública consensual, participativa e transparente, buscando soluções negociadas que logrem resolver os conflitos e as disputas;

V – fazer da advocacia pública um instrumento para a promoção de políticas públicas e procedimentos fomentadores de uma cultura de resolução de conflitos célere e eficiente; e

VI – instituir instrumentos de incentivo ao êxito financeiro e à eficiência nos processos judiciais e administrativos.

Destaque para os incisos II e III, que, ao prever a necessidade de redução de recursos públicos na condução e acompanhamento de litígios, promove uma preocupação com o custo dos processos administrativos e judiciais, e como esse fator deve ser considerado para fins de valorar o interesse público e uma estratégia processual, indo no caminho da conjugação do princípio da legalidade com o da eficiência, bem como do viés pragmático que deve nortear o intérprete da norma pública, conforme foi defendido em parágrafos acima.

Interessantes também os incisos IV, ao tratar expressamente da necessidade de fomento da cultura da consensualidade e busca de soluções negociadas dos conflitos e disputas, V, de fazer da advocacia pública instrumento para esse desiderato, e VI, da criação de instrumentos de incentivo ao êxito financeiro e à eficiência em processos judiciais e administrativos.

O art. 2º da lei elenca os instrumentos do programa: “I – a Câmara Administrativa de Gestão e Solução de Conflitos, na forma de lei específica; II – acordos judiciais e administrativos; III – participação de Procuradores do Estado em mutirões de conciliação; IV – a Câmara de Conciliação de Precatórios, na forma de lei específica; V – cobrança administrativa de créditos inscritos em dívida ativa; VI – negócios jurídicos processuais; VII – mediação e arbitragem; e VIII – incentivo ao êxito processual.”

Destaque-se ainda para a criação da Câmara Administrativa de Gestão e Solução de Conflitos vinculada à PGE/SC, pela Lei Complementar 780, de 23 de dezembro de 2021, daquele Estado, na qual elencou como competência, além dos pontos comuns verificados nas previsões da Lei de Mediação e do CPC/15, a de “encaminhar ao Procurador-Geral do Estado proposta de determinação de providências e de enunciados de súmulas administrativas ou outra proposição capaz de prevenir, diminuir ou extinguir conflitos individuais ou coletivos.”

Trata-se de ponto salutar e de consonância com o propósito de diminuição da litigiosidade judicial, em especial para as demandas de massa que assombram as procuradorias, uma vez que traz para a Câmara o papel de ser ator importante na definição de teses e solidificação de entendimentos, aproximando as áreas do consultivo e do contencioso, implicando na atuação deste último, inclusive para a possibilidade de construção de acordos judiciais, reconhecimento de pedido e desistência de recursos.

Importa menção ainda, quanto a esta lei complementar, seu art. 4º, quando prevê a possibilidade de inclusão de cláusula de submissão à Câmara Administrativa de Gestão e Solução de Conflitos nos contratos e convênios firmados pelo Estado, indo além, inclusive, da lei do município de SP, que fala em submissão à mediação, sem especificar o mediador.

Voltando ao Município de São Paulo, importante também a edição da Lei nº 16.873, de 22 de fevereiro de 2018, que “reconhece e regulamenta a instalação de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos administrativos continuados celebrados pela Prefeitura de São Paulo.”

Trata-se do método de solução ou prevenção de conflitos denominado "Dispute Resolution Board" (DRB), expressão que pode ser traduzido no português por "Comitê de Resolução de Controvérsias", geralmente aplicado a grandes contratos, no qual as partes elegem um comitê, formado por pessoas com conhecimento técnico, que passam a acompanhar a execução do contrato, com vistas a prevenir conflitos e emitir recomendações para saneamento.

O art. 2º da lei paulistana estabelece que “o Comitê de Prevenção e Solução de Disputas poderá ter natureza revisora, adjudicativa ou híbrida, conforme os incisos deste artigo, a depender dos poderes que lhe forem outorgados pelo contrato administrativo de obra celebrado.”

Dispõe, outrossim, os incisos do mesmo dispositivo que “I - ao Comitê por Revisão é conferido o poder de emitir recomendações não vinculantes às partes em litígio; II - ao Comitê por Adjudicação é conferido o poder de emitir decisões contratualmente vinculantes às partes em litígio; e III - o Comitê Híbrido poderá tanto recomendar quanto decidir sobre os conflitos, cabendo à parte requerente estabelecer a sua competência revisora ou adjudicativa.”

O Decreto Municipal nº 60.067, de 10 de fevereiro de 2021, que regulamentou a lei em referência, dispôs que os contratos de obras públicas e de concessão ou permissão que tenham como objeto ou parte do objeto a execução de obras, desde que acima de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), podem prever a adoção dos Comitês de Prevenção e Solução de Disputas - Dispute Boards, sendo este, sem dúvida, mais um instrumento importante disponibilizado à Administração no caminho de prevenir litígios e processos judiciais.

Não se pode deixar de mencionar ainda, inclusive pelo fato de ter ganhado vigência recentemente, o disposto acerca do tema na nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), que dedicou um capítulo inteiro para tratar dos meios alternativos de resoluções de controvérsias (Capítulo XII), nos seguintes termos:

Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.

Parágrafo único. Será aplicado o disposto no caput deste artigo às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações.

Art. 152. A arbitragem será sempre de direito e observará o princípio da publicidade.

Art. 153. Os contratos poderão ser aditados para permitir a adoção dos meios alternativos de resolução de controvérsias.

Art. 154. O processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes.

No que tange à arbitragem, há também um expressivo número de atos normativos de outros entes federativos que buscam regulamentar a matéria na Administração Pública, sendo exemplos, na União, a Portaria AGU nº 320/2019, que instituiu o Núcleo Especializado em Arbitragem – NEA; no Estado do Rio de Janeiro o Decreto nº 46.245/2018, que regulamentou a adoção da arbitragem para dirimir os conflitos que envolvam o Estado; no Estado de São Paulo, o Decreto 64.356/2019, que dispôs sobre o uso da arbitragem para resolução de conflitos em que a Administração Pública direta e suas autarquias sejam parte; e no Estado de Minas Gerais, a Lei Estadual nº 19.477/2011, que regulamentou a arbitragem pública por meio de lei, muito provavelmente porque à época sequer a Lei de Arbitragem previa expressamente o uso do instrumento para a Administração Pública.

Nessa temática, ganha destaque o Estado do Rio Grande do Sul, que regulamentou a arbitragem no Decreto nº 55.996/2021, o qual aparenta ser o ato normativo mais completo já proposto entre os entes federativos para esse assunto específico.

Dentre outros pontos dispõe que (art. 2º) a arbitragem é recomendada para controvérsias relativas a direitos patrimoniais disponíveis, em especial a) questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos; b) indenizações decorrentes de extinção ou de transferência de contratos; e c) inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluída a incidência das respectivas penalidades.

Prevê que a arbitragem somente pode ser de direito, vedada a arbitragem por equidade (art. 5º, III), e somente em órgão arbitral institucional, em câmaras previamente cadastradas; e que a arbitragem é preferível quando a divergência esteja fundamentada em aspectos eminentemente técnicos e quando a demora na solução possa gerar prejuízo à prestação do sérvio ou inibir investimentos prioritário (art. 4º, §1º, I).

Estabelece que o Procurador Geral do Estado é competente para celebrar convenção de arbitragem nos instrumentos contratuais, a partir de manifestação da autoridade competente, “contendo a justificativa pela qual entende conveniente e oportuno, em especial em razão da especialidade, da complexidade ou do valor, incluir cláusula compromissória no instrumento contratual;” e que é possível compromisso arbitral para “para submeter divergências à arbitragem após o surgimento da disputa, mesmo na ausência de cláusula compromissória, ou para esclarecer ou integrar lacuna de cláusula compromissória, independentemente de previsão no contrato ou edital de licitação.”

Previsão interessante também é a possibilidade de intervenção anômala pelo Estado, representado pela PGE, “nas causas arbitrais cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer” (art. 8º, parágrafo único).

Por fim, interessa a previsão de pagamento por meio de Requisição de Pequeno Valor e Precatório em caso de sentença arbitral com imposição de obrigação pecuniária à Administração Pública (art. 15); a remissão ao CPC/2015 em caso de condenação em honorários sucumbenciais (art. 15, §4º); e a delegação ao Procurador Geral do Estado para edição de regras complementares (art. 18).

No trabalho que se apresenta, de nenhuma forma há a intenção de esgotar toda a abordagem dos atos normativos nacionais e de outros entes federativos que disciplinam instrumentos jurídicos ligados à solução negociada de conflitos, mas apenas de expor alguns pontos e diplomas considerados mais relevantes e evoluídos e que, de alguma forma, possam ser utilizados como paradigmas para o desenvolvimento da matéria no Estado da Bahia.

Com a existência dos instrumentos devidos, aliados a uma atuação séria e competente dos atores institucionais pertinentes, situações contratuais como a aqui narrada poderiam ter caminho diverso do que ocorreu , atingindo de forma eficaz o interesse de ambas as partes.

4. Conclusão.

Não há dúvidas que os conflitos contratuais vivenciados pela FUNDAC e as empresas de fornecimento de alimentos contratadas poderiam ser solucionados pelas vias consensuais, caso os instrumentos jurídicos pertinentes estivessem efetivamente disponíveis na Administração Pública do Estado e, além disso, houvesse confiança das partes acerca do seu funcionamento.

No primeiro momento, diante da diminuição do quantitativo necessário de alimentos em percentual acima do permitido em lei, caberia à própria FUNDAC buscar as vias de resolução consensual de conflitos, visando remodelar e garantir a vigência dos contratos. No segundo momento, caso a Administração não buscasse a solução, seria o caso das empresas terem iniciativa para o acordo, preferindo a disputa no âmbito da mediação / negociação ao invés de buscar o Poder Judiciário, justamente pelos seus interesses não apenas de reaver prejuízos, mas também de manter os contratos.

Diante do atual estágio de desenvolvimento dos institutos jurídicos ligados à solução adequada ou alternativa de conflitos, como demonstrado no presente trabalho, é imperioso que o Estado da Bahia busque a formulação e implantação de todos os métodos possíveis, através de uma legislação que, como no Município de São Paulo e no Estado de Santa Catarina, discipline todos os instrumentos, e que efetivamente tenha a capacidade de fomentar a prática da consensualidade na esfera pública estadual.

É impositivo, outrossim, que a Procuradoria Geral do Estado da Bahia assuma o papel de protagonista no desenvolvimento da matéria no Estado, fazendo implantar suas Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos e, mais do que isso, seja o canal indutor para a promoção de políticas públicas e procedimentos fomentadores de uma cultura de resolução de conflitos consensual, célere e eficiente, imprimindo, ainda, no âmbito da interpretação da lei, uma visão pragmática do interesse público.

Importa o registro da existência atual, na Procuradoria Geral do Estado, de um Grupo de Trabalho criado com vistas a regulamentar o uso da arbitragem na Administração Pública da Bahia, assim como um Projeto Institucional criado para tratar de demanda de massa, no qual foi formado um grupo específico (Grupo III) relativo a Métodos Alternativos de Solução de Conflitos.

Espera-se que os estudos derivados desses grupos possam resultar em proveitos à Administração quanto ao objeto aqui retratado, inclusive com propostas de legislação / regulamentação para a matéria.

Referências:

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no Processo Civil. In: CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Org.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 19-25.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil; 17ª edição. Salvador. Editora Jus Podvm, 2015.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.


  1. Procurador do Estado da Bahia com atuação no consultivo das entidades da Administração Indireta. Foi Procurador do Município de São Paulo e Analista Processual do Ministério Público Federal. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pós Graduado em Processo Civil pelo ILFG.

  2. Art. 140 - A representação judicial e extrajudicial, a consultoria e o assessoramento jurídico do Estado, de suas autarquias e fundações públicas competem à Procuradoria Geral do Estado, órgão diretamente subordinado ao Governador.

  3. Art. 1° A segunda etapa de assunção das atividades de representação judicial e extrajudicial, de consultoria e assessoramento jurídico das autarquias e fundações públicas contemplará as seguintes Entidades: (...)

    II - Fundações:

    a) Fundação da Criança e do Adolescente - FUNDAC;

  4. http://www.fundac.ba.gov.br/?page_id=197

  5. Art. 143 - Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, mediante justificação expressa, nos seguintes casos:

    (...)

    § 1º - O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

  6. Art. 167 - Constituem motivos para rescisão dos contratos, sem prejuízo, quando for o caso, da responsabilidade civil ou criminal e de outras sanções:

    (...)

    XVI - supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando a modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no art. 143, § 1º, desta Lei;

  7. Art. 143 - Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, mediante justificação expressa, nos seguintes casos:

    (...)

    II - por acordo das partes:

    (...)

    d) quando necessário o restabelecimento da relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou seja, em caso de força maior, caso fortuito, fato do príncipe ou fato da Administração, configurando área econômica extraordinária e extracontratual;

  8. Art. 21-I - As Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos serão instituídas, no âmbito da Procuradoria Geral do Estado, com competência para:

    I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública;

    II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público, inclusive para a renegociação de obrigações contratuais vigentes visando à redução de encargos do poder público;

    III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.

    Parágrafo único - A instalação e o funcionamento das Câmaras serão definidos por ato do Chefe do Poder Executivo.

Sobre o autor
Marcos Antonio Cesar Sanches

Procurador do Estado da Bahia com atuação no consultivo das entidades da Administração Indireta. Foi Procurador do Município de São Paulo e Analista Processual do Ministério Público Federal. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pós Graduado em Processo Civil pela Anhanguera Uniderp.

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