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Reflexos da forma como se pede o dano moral no valor da causa

Reflexos da forma como se pede o dano moral no valor da causa

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1. INTRODUÇÂO [01]

Em recente processo onde atuei, discutindo o pedido de indenização por danos morais, foi ofertado pela parte adversa um incidente de impugnação buscando a modificação do valor atribuído à causa, já que no entendimento do impugnante a quantia atribuída, para fins fiscais (no montante de hum mil reais), não corresponderia ao valor econômico colocado em discussão.

Transcreveu-se no incidente decisão judicial segundo a qual "pedindo o autor um valor mínimo como indenização por danos morais, não pode atribuir à causa valor menor", de modo que ao final foi requerida a correção do valor dado à causa, para que correspondesse a R$500.000,00 (quinhentos mil reais), instando o impugnado a proceder ao recolhimento de custas sobre apontada quantia, sob pena de extinção do feito e condenação em custas e honorários. Recordo-me que o valor acima e toda discussão travada partiu de um comentário feito no bojo da exordial de que a qualidade do autor, como empresário conhecido e conceituado - profundamente abalado com os fatos ocorridos - justificaria uma indenização, no mínimo, no montante acima mencionado, sem se perder de vista a elevada capacidade econômica da parte adversa.

O pedido de elevação do valor da causa foi julgado procedente e posteriormente confirmado na apreciação de um Agravo de Instrumento interposto no TJ/SP à época, ante o entendimento de que "implicitamente" foi realizado um pedido mínimo, justificando a aplicação do artigo 259 do CPC, ainda que no fecho da petição tenha sido requerido um arbitramento, já que a forma como o autor se manifestou acabou de fato "balizando" o montante pecuniário em discussão.

A experiência em questão me motivou a pesquisar um pouco sobre o tema e nas linhas a seguir resolvi expor sumariamente o que usualmente se vê na prática forense e o que, s.m.j., melhor se conforma com a técnica processual e reiteradas decisões das mais altas cortes.


2. DA IMPOSSIBILIDADE DA PRÈVIA DISCUSSÃO INDIRETA ACERCA DOS VALORES PRETENDIDOS POR MEIO DO INCIDENTE

Como observação inicial convém dizer que se faz preciso ponderar caso a caso o cabimento de uma discussão acerca do valor da causa.

Pedidos genéricos de fixação de indenização, seja por danos morais ou por qualquer outro motivo, segundo o arbítrio judicial, em conformidade com a praxe nesses casos, permitem que o valor da causa seja estipulado de modo simbólico.

É que somente a atividade cognitiva do juiz poderá determinar o montante de indenização ao autor, especialmente quando se segue a linha do pedido de arbitramento do "quantum" indenizatório, que oportunamente será conhecido em sentença, após o exame dos autos com todas as provas pertinentes à instrução e exame da condição das partes, tendo em conta que a indenização muitas vezes possui um caráter de pena.

Na hipótese, qualquer valor dado à causa, quando da propositura, poderá se distanciar para mais ou para menos daquilo que será arbitrado, em termos pecuniários, sendo ilógico exigir-se no início do feito precisão mediúnica na indicação de quantia que só será conhecida somente no futuro. Veja-se o tratamento dado ao tema pela jurisprudência:

"Valor da causa – Impugnação – Ação indenizatória – Discussão e deslinde sobre o exato valor da indenização – Invasão de questão afeta ao próprio mérito – Impugnação improcedente - Recurso provido – Discussão e deslinde sobre o exato valor da indenização que deve ficar reservada para a sentença final que solucionar a lide e cujo resultado nada tem a ver com a sorte do presente incidente (TJSP 3ª Câm. Cível – AI nº 206.503 – rel. Roberto Bedran – j. 31.8.93. – VU)"

"Valor da causa – Responsabilidade Civil – Acidente ferroviário – Incapacidade permanente da vítima – Apuração somente após o exame das provas – Impugnação afastada – Decisão mantida. (1ºTACivilSP 2ª Câm., AI 462358 – j. 28.11.90, V.U. )"

Pela razão exposta, será preciso observar, caso a caso, se a discussão do incidente irá invadir o próprio mérito da ação principal – o que os juízes não têm admitido.


3. DO RECOMENDADO ANTE A PRAXE FORENSE

O recomendado em ações relativas a dano moral é deixar ao cuidado e prudente arbítrio do julgador a fixação do quantum pecuniário da condenação, de acordo com a melhor técnica.

A parte, se desejar, pode lançar no bojo de sua inicial informações sobre valores que tem sido arbitrados em causas análogas, visando fornecer maiores subsídios ao Juiz para eventual ponderação em sua avaliação subjetiva do caso. Nesse ponto, convém buscar subsídios na jurisprudência, percebendo as semelhanças entre o caso em discussão e o que já foi decidido.

É preciso ter bastante cuidado nessa hora. Se a indenização pedida é de 300 salários em virtude de pequena lesão, tal como um olho roxo, não convém juntar jurisprudência que manda indenizar uma pessoa no mesmo montante em virtude de aleijão e deformidades permanentes.

É sabido, como brevemente se comentou na introdução, que, em uma só voz, a doutrina e a jurisprudência estipulam que o quantum indenizatório nas lides que versam sobre dano moral depende, inexoravelmente, de arbitramento. A propósito, assim se expressa o professor, desembargador aposentado e advogado militante HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [02] em texto voltado ao tema:

"O arbitramento da indenização do dano moral é ato exclusivo e indelegável do Juiz

Por se tratar de arbitramento fundando exclusivamente no bom senso e na equidade, ninguém além do próprio juiz está credenciado a realizar a operação de fixação do quantum com que se reparará a dor moral.

Está, portanto, solidariamente estabelecido na doutrina que, não apenas o poder de decidir sobre a existência e configuração do dano moral e do nexo causal entre ele e a conduta do agente, mas, também, e sobretudo, a sua quantificação, correspondem a temas que somente podem ser confiados às mãos do julgador e seu prudente arbítrio (AMARANTE, ob. Cit., p. 276; CASTRO Y BRAVO, ob. Cit., loc. Cit.).

É inaceitável, nessa ordem de idéias, relegar a determinação do valor da indenização do dano moral a uma atividade de arbítrios em procedimento comum de liquidação por arbitramento. Isto equivaleria, "in casu", a uma delegação de jurisdição,o que é inadmissível, segundo os princípios. O julgamento por equidade apenas o juiz está credenciado a promover, em tais circunstâncias.

Por isso mesmo, a jurisprudência tem sido enfática em proclamar que "O arbitramento do dano moral é apreciado ao inteiro arbítrio do juiz, que, não obstante, em cada caso, deve atender a repercussão econômica dele, a dor experimentada pela vítima e ao grau de dolo ou de culpa do ofensor" (TJSP, Ap. 219.366-1/5, Rel. Des. FELIPE FERREIRA, ac 28-12-1994, RT 717; TSJP, Ap. 6.303-4/1, Rel. Des. GUIMARÂES E SOUZA, ac. 2-4-1996, RT 730/207. No mesmo sentido: 2.º TACivSP, Ap. 490.355/6, Rel. Juiz RENATO SARTORELLI, e Ap. 501.974-0/3, Rel. Juiz MILTON SANSEVERINO)." (g/n)

Em reforço, HELOISA HELENA GONÇALVES [03], em dissertação sobre o tema do valor da causa nas ações indenizatórias por dano moral, destaca o seguinte:

"Muito embora, ninguém melhor do que o próprio autor para estabelecer o quantum a que faz jus, pois é sua dor, seu sofrimento, seus sentimentos íntimos que serão objeto da compensação pecuniária, vigora em nosso sistema jurídico, deixar a quantificação da indenização por dano moral ao prudente critério do juiz"


4. DO CABIMENTO DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO GENÉRICO NA HIPÓTESE

Justamente pelo inerente desconhecimento do quantum que será arbitrado pelo julgador em sentença, aplicável se mostra às lides que tratam de dano moral os artigos 258, "caput", c/c o inciso II do artigo 286 do CPC, relativos à fixação do valor da causa e à possibilidade formulação de pedido genérico, que pedimos vênia para transcrever:

Art.258. A toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato.

Art. 286. O pedido deve ser certo ou determinado. é lícito, porém, formular pedido genérico:

(.....)

II quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou fato ilícito;

O primeiro não deixa dúvidas de que é inexorável, essencial, a fixação de um valor à causa, ainda que simbólico, especialmente se tivermos em mente as disposições do artigo 282 da lei adjetiva civil, "ainda que não se possa mensurar de imediato o contéudo econômico da demanda".

LUIS CLAUDIO AMERISE SPOLIDORO, [04] em amplo estudo sobre o tema, chama a atenção para casos em que se mostra impossível imediata aferição do conteúdo econômico da causa, dando exemplo que se aplica à vertente discussão:

"A lide acidentária encerra pretensão cujo conteúdo econômico não é suscetível de imediata aferição, dado que a extensão de eventual incapacidade laborativa e a determinação do reparo infortunístico cabível estão subordinadas aos atos posteriores do processo, somente deslindáveis a final."

Jurisprudência:

Valor da causa – Acidente do trabalho – Fixação Prévia – Impossibilidade, visto que este depende de apuração da existência e extensão de dano indenizável (JTACiv 68/68)"

Convém dizer, ademais, que está pacificada nos tribunais pátrios a aplicação do artigo 258 do CPC às lides que versam sobre dano moral. A propósito, vem bem a menção às seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça:

"Valor da causa – Artigo 259 do CPC –Aplicação indevida –Recurso Provido – Em ação de indenização por dano moral, o valor da causa não encontra parâmetros no elenco do artigo 259 do CPC, mas sim, no disposto no artigo 258 do mesmo estatuto – Recurso conhecido pela alínea "a" e provido. (STJ- 3ª Turma, RESP 6571-SP – j. 28.05.91 – V.U. )

"Valor da Causa – Indenização Moral - Em ação de indenização por dano moral, o valor da causa não encontra parâmetro no elenco do art. 259, mas, sim, no disposto no artigo 258 do mesmo estatuto (RSTJ 29/384).

"Em ação de indenização por dano moral, o valor da causa não encontra parâmetros no elenco do artigo 259 do CPC, mas, sim, no disposto no artigo 258 do mesmo estatuto" (RSTJ 29/384)

Quanto ao artigo 286, inciso II, suso transcrito, anota-se que ampara todas aquelas ações em que o peticionante sabe o que é devido, mas não tem idéia do quanto é devido. Nesse sentido, o renomado MOACYR AMARAL DOS SANTOS [05] esclarece que:

"Admite-se o pedido genérico segundo os termos do artigo 286, II, do CPC, quando se sabe o "an debeatur" (o que é devido), mas não o "quantum debeatur" (o quanto é devido).

Ressalte-se que a jurisprudência do STJ vem destacando a aplicação dos dois artigos sob análise e indicando como desnecessária, na exordial da ação de dano moral, a formulação de pedido certo relativamente ao montante da indenização buscada pelo interessado:

"Superior Tribunal de Justiça.

ACÓRDÃO: RESP 175362/RJ (199800385134)

318530 RECURSO ESPECIAL

DECISÃO: Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.Custas, como de lei.

DATA DA DECISÃO 07/10/99

ORGÃO JULGADOR: QUARTA TURMA

E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. INSCRIÇÃO NO SPC. EXIGÊNCIA JUDICIAL DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO CERTO DO QUANTUM PRETENDIDO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO. DISPENSABILIDADE. VALOR DA CAUSA. CPC, ARTS. 286, II, E 258. INCIDÊNCIA.

I. Desnecessária, na ação de indenização por dano moral, a formulação, na exordial, de pedido certo relativamente ao montante da indenização postulada pelo autor. Aplicação à espécie do art. 286, II, da lei adjetiva civil.

II. Valor da causa regido pelo preceito do art. 258 do CPC.

III. Recurso especial conhecido e provido.

RELATOR: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR

INDEXAÇÃO: DESCABIMENTO, EXIGENCIA, AUTOR, FIXAÇÃO, VALOR, INDENIZAÇÃO, DANO MORAL, PETIÇÃO INICIAL, HIPOTESE, ERRO, INSCRIÇÃO, SPC, POSSIBILIDADE, DECISÃO JUDICIAL, DETERMINAÇÃO, VALOR. DESCABIMENTO, JUIZ, EXIGENCIA, VINCULAÇÃO, VALOR DA CAUSA, AÇÃO DE INDENIZAÇÃO, DANO MORAL, VALOR, PEDIDO, AUTOR, DECORRENCIA, AUSENCIA, REU, IMPUGNAÇÃO, VALOR DA CAUSA.

FONTE: DJ DATA: 06/12/99 PG: 00095 –

VEJA:(VALOR DA CAUSA) RESP 6571-SP (STJ) DOUTRINA: OBRA: DANO MORAL, 2ª ED., RT, P. 20-21. AUTOR: YUSSEF CAHAL REF. LEGIS: LEG: FED 5869 ANO: 73* CPC-73 ART: 258 ART: 00261 PAR: UNICO ART: 286 INC: 2"


5. DA INFLUÊNCIA DO PEDIDO GENÉRICO SOBRE O VALOR DA CAUSA

A doutrina indica que, nas causas de pedido genérico, existe uma certa liberdade da fixação do valor da causa. Em dissertação, a mestra em direitos da personalidade HELOISA HELENA GONÇALVES [06], observa que: "não se tratando de pedido certo e determinado, mas de simples estimativa do montante a ser ressarcido, aceita-se o valor fornecido pelo demandante, que equivale ao valor de alçada, e não ao valor estimado. A estimativa dessa soma é irrelevante, porque será obtida em definitivo por arbitramento judicial. Sendo o pedido, mesmo com valores tarifados, mera estimativa da quantia indenizável, tem de ser mantido o valor conferido pelo proponente da demanda."

GELSON AMARO DE SOUSA, por sua vez, destaca que nas ações de indenização por dano moral somente será possível saber o efetivo valor da causa através da atividade do juiz, anotando o seguinte:

"O elemento subjetivo anteriormente visto e que foi antevisto pelos filósofos, evidentemente não se apresenta nem mesmo terá força propulsora para diminuir ou aumentar o valor do pedido, ou, em outras palavras, fixar o valor da causa.

Em verdade, no campo do processo civil, o elemento subjetivo não é o elemento capaz de qualquer propulsão. Na esfera do processo, o que interessa para valorar a causa é, sem sombra de dúvida, o valor material da relação jurídica. Poder-se-ia imaginar que, em se tratando de uma ação por perdas e danos por indenização ao dano moral sofrido, estava-se diante de um elemento subjetivo. Á primeira vista pode até parecer verdadeira tal assertiva, mas com um pouco de reflexão é possível esquecê-la e compreender o caráter objetivo do valor da causa ou da ação. Nesse tipo de ação precisa-se fazer a separação em duas etapas, para se descobrir em qual delas entra o elemento subjetivo. O elemento subjetivo que é capaz de indicar qual o montante de prejuízo não entra no valor da causa no campo estritamente processual. O valor da causa somente aparece depois de fixado o valor da indenização (este buscado subjetivamente). Não se pode confundir esse valor subjetivo encontrado pelo lesado com o valor a ser apurado para efeito de pagamento."

Ao encontro dessa linha de pensamento, segue a seguinte linha de jurisprudência:

"Em face da inexistência de previsão expressa do Código de Processo Civil, é de se admitir que a fixação do valor da causa fique sempre ao prudente critério do juiz, para que se cumpra fielmente o disposto em seu artigo 258" (RT 601/140)"

Em comentários ao CPC, HÉLIO TORNAGHI [07] destaca que, muitas das vezes, adota-se uma estimativa provisória para o valor da causa:

"Convém lembrar que o valor da causa é, por vezes, uma estimativa provisória, exatamente por ser impossível dizer desde logo qual o valor do pedido. O próprio código admite a hipótese de pedido genérico, de valor não determinável desde o início."

Na acepção técnica, o pedido é considerado de forma restritiva, nos termos do artigo 293 do CPC, que determina a sua interpretação restritiva. Não tendo a parte dito ao final de sua inicial que requeria o valor de x ou y como mínimo para fins de ressarcimento, não há que se acolher a alegação de foi "pedido um mínimo".

O já citado GELSON AMARO DE SOUSA [08] destaca que "pouco importa se o autor queria pedir mais ou menos, o que importa é o que realmente pediu. O pedido é que vai fixar os limites da lide e seu valor, dentro de um ângulo objetivo, sendo que nesta fase a vontade do autor já não serve para impor valor ao pedido e em conseqüência ao valor da causa".

Na hipótese, há quem entenda que seria possível a complementação de custas correspondentes ao valor arbitrado em sentença, de acordo com o valor que venha a surgir do arbitramento. Usualmente, recolhe-se o mínimo legal, porque o interessando não tem idéia do quanto será arbitrado. Tal entendimento é um tanto isolado e controvertido, mas não é absurdo já que há jurisprudência do STJ a esse respeito, indicando a efetiva possibilidade de uma complementação de custas em face da existência de lides com pedido inestimável ou de difícil estimativa ab initio:

"Tratando-se de ação de perdas e danos, se o pedido for inestimável, "há que se considerar como válido o valor da causa atribuído na inicial, completando-se-o, posteriormente, em execução, quando apurado, se for a maior" (STJ –3.ª Turma, Resp 8.323-SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 29.4.91, deram provimento, v.u., DJU 3.6.91, p. 7.427) No mesmo sentido: RSTJ 109/87."

"Objetivando-se a reparação por danos morais, só fixado o "quantum" se procedente a ação, ao final, licita a estimativa feita pelo autor, posto que de caráter provisório, podendo ser modificada quando da prolação da decisão de mérito" (JTJ 203/241, a citação é da p. 243)

"Se não se sabe qual o valor da causa e o recolhimento de custas foi feito pelo mínimo, este prevalece (TFR–2ª Turma, RO 5.267-DF-Edcl, rel. Min. Gueiros leite, j. 26.10.82, rejeitaram os embargos de declaração, v.u., DJU 9.12.82, p. 12.710).

"Valor da causa – Pretensão patrimonial (honorários advocatícios) de difícil mensuração "ab initio". Quando o valor da causa for dificilmente tangível desde logo, por depender de complexo arbitramento, equipara-se a pretensão inestimável. Valor mínimo, para efeito de taxa judiciária, que atende, na hipótese, ao preceito do artigo 258 do CPC. Agravo desprovido (TACCIVILRS –5ª Câmara – Agr. Instrumento n.º 189050610 – Porto Alegre –rel. Dr. Vanir Perin – j. 15.08.89 – v.u., "in" JTARS 73/149"

Num eventual incidente acerca do valor da causa, a linha relativa à complementação das custas poderia, em tese, abrir ao Juízo a possibilidade de sobrestar a apreciação do mesmo até o momento da sentença nos autos da ação principal. Nesse sentido, é a lição dada pelo jurista THEOTÔNIO NEGRÃO [09] em seu Código de Processo Civil, tecendo ensinamentos acerca do artigo 261 do CPC, que regulamenta a impugnação ao valor da causa:

"O incidente de impugnação ao valor da causa não suspende o curso da ação principal, e deve ser julgado antecedentemente. Caso ocorra omissão na decisão e só depois da sentença de mérito seja descoberto o incidente cabe o seu julgamento" (RSTJ 140/206). Todavia, se não houver elementos para a fixação, pode o juiz deixar para fazê-la na sentença, pode o juiz deixar para fazê-lo na sentença (STJ-6ª Turma, Resp 134.801-RS, rel. Min. Willian Patterson, j.1.7.97, não conheceram, v.u., DJU 18.8.97., p.37.946). No mesmo sentido: STJ-4ª Turma, RESp 132.261-RJ, rel. Min. Ruy Rosado., j.19.8.97, não conheceram, v.u., DJU 22.9.97, p.46.501; RT 629/167)."

Há que se ponderar que esse sobrestamento revela-se, no mínimo, prudente, em certas lides. Se a parte muitas vezes dá à causa um valor simbólico, recolhendo pequena taxa pelas custas, o faz simplesmente porque não dispõe de bola de cristal para saber sobre o resultado da aguardada sentença.

A partir daí há quem proteste pela complementação das custas quando da prolação da sentença e conhecimento do valor da condenação. Mas, s.m.j., tal providência é exagerada.

A atribuição de um valor da causa é obrigatório, configurando-se requisito essencial da petição inicial, conforme disposto no CPC; sua ausência enseja a determinação de emenda, sob pena de indeferimento, ou ainda, o reconhecimento posterior de inépcia. Em algumas ações, nem sempre é possível ter exata dimensão do que poderá resultar a apreciação judicial, razão pela qual, muitas vezes, afasta-se do valor da causa sua vinculação a um patrimônio, a um dano (de difícil aferição e mensuração), conferindo a ela outros efeitos, como o fiscal, face à necessidade de recolhimento de custas para o exercício do direito de ação, ressalvados os casos de justiça gratuita aos pobres, na acepção jurídica do termo.

O advogado precisa ter cautela no trato e na menção de valores, sob pena de prejudicar o assistido, levando o mesmo a recolher quantias vultuosas a título de custas iniciais e de preparo (estas últimas, que prevalecem também para o autor, caso o mesmo venha a interpor algum recurso, indicando que estamos diante de uma "faca de dois gumes").

No espírito de zelar pela observância dos mais amplos princípios constitucionais que asseguram acesso ao Judiciário, e mesmo por questões de bom senso e razoabilidade, poderá o Juiz, na sua decisão acerca do incidente, detectar que os valores tratados são exagerados. Nessa linha, THEOTONIO NEGRÃO destaca em nota ao Artigo 258 do CPC que "deve o juiz repelir o exagero do valor da causa, estimado arbitrariamente pelo autor [10]" (Bol. AASP 2.002/146).

O mesmo professor, inclusive, observa, com grande sabedoria que, "em caso de dúvida quanto ao real valor da causa, e havendo impugnação, é preferível que seja ele fixado de modo a propiciar recurso ao Tribunal" (TRF-1.a Turma, Ag. 46.235-RJ, rel. Min. Carlos Thibau, j.22.2.85, deram provimento, v.u., DJU 18.4.85. p 5.336). No mesmo sentido: RTFR 156/73 TFR-2ª Turma, Ag.53.821-RJ, Rel.min. Bueno de Sousa, j. 20.10.87, negaram provimento, v.u., DJU 9.6.88, p.14.215; TFR-3ª Turma, Ag. 53.786-SP, re. Min. Flaquer Scartezzini, j. 20.10.87, deram provimento, v.u, DJU 25.2.88, p. 3.020; TFR-4ª Turma, Agravo 54.806-RJ, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 9.5.88, deram provimento, v.u., DJU 8.8.88, p. 18.876."

NELSON NERY JÚNIOR [11], grande nome do processo civil, transcreve ementa oriunda do 1.º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, segundo a qual:

"(...) O direito não pode admitir que o elevado valor atribuído à causa por estimativa unilateral de uma das partes possa violar o amplo acesso à justiça da parte contrária, por mais poderosa que essa possa ser, por ser garantido e assegurado constitucionalmente a todos (1º TACivSP, 4ª Câm., Ag 857235-2, rel. Juiz Rizzato Nunes., v.u, j. 9.6.1999)."

Já o Segundo Tribunal de Alçada tratou do seguinte caso em que foi determinada a redução do valor da causa, face às dificuldades que proporcionava a uma das partes:

"2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Responsabilidade Civil. Acidente do Trabalho. Indenização. Direito Comum. Valor da Causa. Redução. Fixação Exorbitante. Impugnação Apresentada. Autor Beneficiário da Assistência Judiciária. Admissibilidade – A questão relativa à possibilidade do custeio da causa não pode deixar de ser apreciada, porque o autor, em razão da assistência beneficiária gratuíta, não se verá tolhido de praticar quaisquer atos processuais, enquanto o réu, em caso de apelação, deverá recolher o preparo, tendo como base o valor da causa e não de eventual condenação, o que poderia causar-lhe dificuldade ou até mesmo inviabilizar a reapreciação da decisão monocrática pelo tribunal." (AI 824.615-00/4, 00/4, 2ª Câmara, rel. juiz Marcondes D´Angelo., j.09/02/2004). (G/N) (fonte: Coletânea de jurisprudência exposta no caderno de jurisprudência do jornal "Tribuna do Direito", Agosto/2004).

Valor da causa- Ação Indenizatória – Dano moral – Demanda ajuizada com estimativa de altíssima expressão monetária, gerando elevado custo no preparo de recursos–Juiz que, em tal hipótese, deve exercer um controle efetivo sobre a fixação do "quantum" atribuído à causa – Observância da par condicio, base do princípio da igualdade processual.

Ementa Oficial: Cumpre ao juiz exercer um controle efetivo sobre a questão do valor da ação de indenização por dano moral (artigo 258 do CPC), sob pena de violentar a par condicio, base do princípio da igualdade processual, pelo elevado custo do preparo de recursos em demandas ajuizadas com estimativas de altíssima expressão monetária. - AI 136.389.4/6 –3ª Câm – 30.11.1999 – Rel. Des. Ênio Santarelli Zualini (publicado na RT 775/243)

A extensa discussão proporcionada pelo tema permite encontrar farta jurisprudência:

"Tribunal de Justiça de São Paulo

Valor da Causa- Ação Ajuizada por professora. Estabilidade e enquadramento. Impugnação não acolhida. Aplicação do artigo 258 do Código de Processo Civil.

Incide, então, o artigo 258, pelo qual "a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato"

A estabilidade e o enquadramento em cargo não tem conteúdo econômico imediato.

Podia a autora estimar o respectivo valor, com base no artigo 258 com certa liberdade" (AI 258.540–5ªCâmara–Civ. do TJSP – RT, 505: 96-7)

"Tribunal de Justiça de São Paulo

Valor da causa- Impugnação – Fixação por estimativa- Irresignação sugerindo valor bem maior mas também arbitrário.

Acolhimento inadmissível. Se qualquer dos dois valores da causa – o dado e o sugerido – vem marcado pelo simbolísmo, não existe fundamento para se optar pela maior alternativa apresentada na impugnação. Não se mantém o "arbitrário" contra o "razoável": apenas, dentre dois arbitrios, mantém-se a clara declaração do simbolismo da opção

AI 97.396-1 –6ª Câm. Do TJ/SP, j.10.3.88, rel. Des. Roberto Grassi (RT 630/91)."

"STJ -Valor da causa – Processo Civil – Ação de indenização por perdas e danos morais – programa radiofônico – Difamação – Valor da Causa – Negativa de vigência de lei Federal (art. 284, do CPC). Art. 105, III "a",da Constituição Federal – Verificando-se que a petição inicial não contém os requisitos exigidos no artigo 282, V, do CPC, impõe-se ao Dr. Juiz determinar, expressamente ao autor emende ou complete o pedido, atribuindo à causa valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato – Inteligência do art. 284, do CPC. III Configurada ofensa ao dispositivo de Lei apontado, conhece-se do recurso. (STJ – 3ª Turma, Resp nº 1.909-PR – j. 20.03.90, v.u.)"

"Valor da causa – Mandado de Segurança – Procedimento que não se enquadra no âmbito do artigo 259 do CPC – Ação envolvendo pagamento de tributo – Impossibilidade de se calcular de plano em quanto importaria o benefício auferido com a impetração - Fixação como inestimável, pagando-se para os efeitos fiscais a taxa judiciária mínima –Difícil seria enquadrar o mandando de segurança no âmbito do artigo 259 do CPC, mormente tratando-se de caso de pagamento de tributo, que envolve operações presentes e futuras, sem uma projeção definitiva no tempo. Assim, não se podendo calcular de plano em quanto importaria o benefício com a impetração, aceitável considerar o valor da causa como inestimável, pagando-se para efeitos fiscais a taxa judiciária mínima. (RT 630/172)

Tem se por certo que muitas das decisões que aqui foram expostas encontram esteio no princípio constitucional da razoabilidade. Não poderia ser diferente, pois esse princípio se reflete na sensatez e no equilíbrio visto em destacadas decisões judiciais.

A mera estimativa dissociada do pedido não tem o condão de vincular o Juiz e não se presta como quantia correspondente do valor da causa.

Convém ressaltar, finalmente, que a identificação e a delimitação do valor econômico da demanda, mesmo que relativas a dano moral, têm conduzido à perigosa aplicação do artigo 259 do CPC, como se extrai do seguinte julgado do STJ:

"REsp 512082 / SC ; RECURSO ESPECIAL 2003/0041693-9

Rel. : Ministro HUMBERTO MARTINS (1130)

SEGUNDA TURMA

Data do Julgamento : 06/02/2007

Fonte: DJ 14.02.2007 p. 206

Ementa: PROCESSUAL CIVIL - VALOR DA CAUSA - ART. 259, II, DO CPC – BENEFÍCIO ECONÔMICO INDICADO NO PEDIDO DE CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS - VALORDA CAUSA CORRESPONDENTE.

1. Havendo cumulação de pedidos autônomos entre si, economicamente identificados segundo os elementos constantes da inicial, o valor da causa é fixado pelo somatório de todos, ao teor do art. 259, II, do CPC. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido."

Perigosa porque, se o valor mínimo estipulado for, por exemplo, de 10 milhões, teria o requerente (que, por distração ou visando economia, deu à causa o valor de apenas R$1.000,00) uma obrigação de pagar custas consideráveis. Em São Paulo, exemplificando, as custas iniciais estabelecidas para a fase inicial do processo estão estipuladas em 1% do valor da causa, gerando, no exemplo dado, obrigação de pagamento de uma GARE complementar de R$99.000,00 (noventa e nove mil reais), montante que permite à parte adquirir uma casa ou 4 veículos novos. Isto, em tese, porque possivelmente o Juiz repelirá tal exagero.

Finalizando, independentemente da postura e da linha adotada, será sempre adequado que se dê especial atenção aos princípios da ampla defesa e do amplo acesso à justiça, porque o valor da causa não poderá se transformar num obstáculo à propositura ou à continuidade de uma ação.

Convém, pois, uma meditação sobre as conseqüências que poderão resultar a estipulação de valores aleatórios à demanda, sendo importante que o patrono verifique em cada caso o melhor caminho a seguir – sendo recomendável, por todo o exposto, que se opte pelo mero pedido de arbitramento judicial.


BIBLIOGRAFIA

01 Sobre o tema e àqueles que queiram ir além na leitura é possível encontrar os seguintes textos no www.jus.com.br: A) SILVA, Gustavo Passarelli da. O valor da causa nas ações de dano moral. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3358>; B) LAUS JUNIOR, Linésio. Aspectos destacados da ação por dano moral. Pedido ressarcitório desvinculado do valor da causa e pressupostos recursais satisfeitos sem a certeza do pedido. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2616>; C) ANDRADE, André Gustavo C. de. Dano moral e pedido genérico de indenização. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2608>; D) DANTAS, Adriano Mesquita. O pedido, o valor da causa e a sucumbência nas ações de indenização: questões polêmicas e controvertidas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1437, 8 jun. 2007. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/9994>.

02 "Dano Moral" – Editora Juarez de Oliveira, 3ª Edição, Revista e Ampliada, ano 2000. p. 34/35.

03 "O valor da causa na ação de indenização fundada em dano moral: um aspecto processual relevante de um direito fundamental", autora: GONCALVES, Heloisa Helena, Tese de Mestrado preparada em 2003, sob a supervisão do orientador Antônio Carlos de Campos Pedroso. Exemplar disponível para consulta na biblioteca da UNIFIEO, campus "Narciso" em Osasco/SP.

04 "Do valor da causa e sua impugnação: doutrina; jurisprudência, ementas, acordãos na integra - Editora Lejus, São Paulo, 1997

05 Lembrado por THEOTÔNIO NEGRÃO em nota de n.º6 ao artigo 286 do seu CPC anotado, p. 362

06 ob. citada, p.166.

07 Comentários ao Código de Processo Civil, v. II, página. 258, conforme menção no AI 174.161-1, publicado na LEX JTJ 138/327.

08 Do Valor da Causa, Gelson Amaro de Sousa, 1986, Editora Augustos Literaria, p.17

09Código de Processo Civil Anotado, Theotônio Negrão, 36ª Edição, E. Saraiva, p. 346/347, (notas ao artigo 261) e p. 321/322 (notas ao art. 258).

10 "IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – 1 – De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (RSTJ 29/384) "Em ação de indenização por dano moral, o valor da causa não encontra parâmetro no elenco do art. 259 do CPC, mas, sim, no disposto no art. 258 do mesmo estatuto". 2 – De acordo, ainda, com a jurisprudência (Theotonio Negrão – CPC Anotado – 29 ed., pág. 243) "Deve o juiz repelir o exagero do valor da causa, estimado arbitrariamente pelo autor". (TAPR – AI 147776100 – (12042) – Londrina – 1ª C.Cív. – Rel. Juiz Conv. Antônio Renato Strapasson – DJPR 18.02.2000"

11 Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, CPC comentado, 7.ª Edição, revista, ampliada e atualizada até 07/07/2003.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AFFONSO JÚNIOR, Carlos Morais. Reflexos da forma como se pede o dano moral no valor da causa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1545, 24 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10445. Acesso em: 19 abr. 2024.