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Imposto de renda sobre benefícios acumulados

Imposto de renda sobre benefícios acumulados

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1. Introdução

Dispõe a lei que o primeiro pagamento de renda mensal de qualquer benefício previdenciário do RGPS deve ser pago até quarenta e cinco (45) dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão (art. 41, § 6º, da Lei n. 8.213/91).

Não obstante a previsão do referido prazo, é comum o recebimento acumulado de quantias atrasadas, em caso de demora na concessão ou na revisão de benefícios, com efeito retroativo.

Uma interpretação literal de dispositivo da legislação tributária (Lei n. 7.713/88, art. 7º, inciso II e § 1º) pode acarretar a incidência de imposto de renda sobre o montante acumulado, independentemente do valor da renda mensal ou da diferença mensal.

Além dos danos decorrentes da falta de recebimento correto por ocasião do vencimento de cada mensalidade do benefício, o beneficiário pode sofrer a incidência de imposto de renda que não seria devido se o pagamento tivesse ocorrido na data de vencimento de cada mensalidade, correndo o risco de cair na chamada malha fina da Receita Federal e de precisar acionar o Poder Judiciário para pleitear as medidas cabíveis.

A presente tese trata das principais conseqüências jurídicas decorrentes da apontada e injusta situação que atinge inúmeros credores do INSS.


2. Efeitos de uma ação civil pública

O Ministério Público Federal propôs a Ação Civil Pública nº. 1999.61.00.003710-0/SP, em face da União e do INSS, com alcance nacional, cujo pedido de tutela antecipada foi deferido para determinar ao INSS que se abstenha de efetuar o desconto na fonte do IR, nas hipóteses de pagamento realizado a destempo e de forma acumulada, administrativa ou judicialmente, de benefícios ou pensões previdenciárias ou assistenciais, com valores originais inferiores ao limite de isenção tributária.

Tal decisão deve ser respeitada pelo INSS, em todo território nacional, como se depreende do disposto no art. 390, alínea b, da Instrução Normativa INSS/PRES nº. 11/2006 (DOU 21/09/2006), do seguinte teor:

"b) em cumprimento à decisão da Tutela Antecipada, decorrente da Ação Civil Pública nº 1999.61.00.003710-0, movida pelo Ministério Público Federal, o INSS deverá deixar de proceder ao desconto do IRRF, no caso de pagamentos acumulados ou atrasados, por responsabilidade da Previdência Social, oriundos de concessão, reativação ou revisão de benefícios previdenciários e assistenciais, ou seja, relativos a decisão administrativa ou pagamento administrativo decorrente de ações judiciais, cujas rendas mensais originárias sejam inferiores ao limite de isenção do tributo, sendo reconhecido por rubrica própria". [Em sentido análogo dispunham as Instruções Normativas nº. 57/2001 e nº. 078].

A vigência nacional da determinação foi expressamente reconhecida em julgados do TRF4, que também citam precedente:

"2. A decisão na Ação Civil foi proferida com alcance nacional, de modo que deve ser cumprida também no âmbito da 4ª Região. 3. O entendimento da Terceira Seção deste Tribunal consolidou-se no sentido de que o INSS não deverá proceder o desconto do IRPF no caso de pagamentos acumulados ou atrasados, por responsabilidade da Previdência Social, oriundos de concessão, reativação ou revisão de benefícios previdenciários e assistenciais, cujas rendas mensais originárias sejam inferiores ao limite de isenção do aludido tributo, sendo reconhecido por rubrica própria (EIAC nº 1998.04.01.078304-3). 4. Agravo de instrumento provido. (TRF4ª R. - AI 2003.04.01.009467-3/SC - Rel. Des. Fed. Nylson Paim de Abreu - DJU 27.08.2003).

Em outra oportunidade, além do reconhecimento da validade nacional da referida decisão sobre imposto de renda na fonte, considerou-se a inconstitucionalidade de se restringir o alcance territorial das decisões proferidas em ações civis públicas sobre interesses que ultrapassam o âmbito regional:

"1 - A eficácia da liminar concedida em sede de ação civil pública é erga omnes, tendo abrangência em todo o território nacional. 2 - A nova redação dada ao art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pela MP nº 1570-5 (posteriormente convertida na Lei nº 9.494/97), para restringir a eficácia aos limites da competência territorial do órgão prolator, é de flagrante inconstitucionalidade, em afronta aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da isonomia, pois desmantela o principal intuito de uma decisão coletiva - a eficácia erga omnes irrestrita. 3 - Não constitui critério determinante da extensão da eficácia da liminar na ação civil pública a competência territorial do juízo, mas a amplitude e a indivisibilidade do dano que se pretende evitar. (...) 6 - Precedente desta Turma (AI nº 2002.04.01.008635-0/RS, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU de 02.10.2002). 7 - Agravo de instrumento provido. (TRF4ª R. - AI 2002.04.01.022377-8 - RS - 5ª T. - Rel. Des. Fed. A A Ramos de Oliveira - DJU 26.02.2003)".


3. Pagamento acumulado como mera recomposição

O tributo em questão denomina-se imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, cujo fato gerador é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda (produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos) ou de proventos de qualquer natureza (outros acréscimos patrimoniais), conforme dispõe o art. 43, I e II, do Código Tributário Nacional. A correta noção de renda é incompatível com a interpretação que a Fazenda Nacional atribui ao art. 7º, II e § 1º, da Lei n. 7.713/88, pois é fictício o aumento ocasionado por pagamento único de inúmeras mensalidades atrasadas, conforme aresto publicado em ação de repetição de indébito, ajuizada em face da União Federal:

"1. Nos casos de recebimento de valores decorrentes de percepção acumulada de benefício previdenciário, a interpretação literal da legislação tributária implica negação ao conceito jurídico de renda. A incidência do imposto de renda pressupõe o acréscimo patrimonial, ou seja, a diferença entre o patrimônio preexistente e o novo, representando aumento de seu valor líquido.

2. Cuidando-se de verbas que já deveriam ter sido pagas, regularmente, na via administrativa, cujo inadimplemento privou o segurado do recebimento de seu benefício, obrigando-o a invocar a prestação jurisdicional para fazer valer o seu direito, a cumulação desses proventos não gera acréscimo patrimonial, pois, caso fossem pagos mês a mês, a alíquota do imposto de renda seria menor.

3. Apelação e remessa oficial improvidas." (TFR4 – 1ª T., Apelação Cível nº. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.00.008890-8/RS, Rel. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik, Porto Alegre, 26/04/2006 – DJU 10/05/2006).

O referido acórdão menciona que o STJ adotou entendimento análogo, em que foi mantida a faixa mais baixa de contribuição de imposto de renda, em vez da mais alta, merecendo transcrição os seguintes tópicos:

"2. Dos autos, resulta claro que a autora permaneceu na mesma faixa de tributação para fins de imposto de renda. Não auferiu uma elevação em sua capacidade econômica, mas simplesmente buscou o restabelecimento de um benefício previdenciário, cujo atendimento demandou o tempo necessário para que a Autarquia examinasse a pretensão.

3. Não se pode impor prejuízo pecuniário à parte em razão do procedimento administrativo utilizado para o atendimento do pedido à seguridade social que, ao final, mostrou-se legítimo, tanto que deferido, devendo ser garantido à contribuinte a observância da alíquota de imposto de renda que, efetivamente, corresponda ao nível de rendimentos que obtém. Na espécie, o percentual de 15%. O emprego dessa exegese confere estrito cumprimento ao disposto no art. 3º, § único da Lei 9.250/95" (STJ – 1ª T. - REsp 667238/RJ, Rel. Min. JOSÉ, DJ 28.02.2005 p. 243).


4. Conclusão

Em caso de pagamento acumulado de prestações previdenciárias atrasadas, o imposto de renda a ser retido na fonte ou a ser pago pelo beneficiário, não deve ser superior ao que o mesmo pagaria (ou seria isento), caso tivesse recebido seu benefício mês a mês, na data de vencimento de cada parcela.

A mesma solução é aplicável, seja em decorrência da demora no esgotamento das vias administrativas ou da demora da solução jurisdicional.

Outra solução ofenderia o princípio da igualdade, porque segurados ou dependentes da mesma faixa de rendimentos sofreriam tratamento diferenciado. O que recebeu em dia seria isento ou pagaria menos imposto de renda sobre seu benefício do que teria que pagar quem veio a receber valores acumulados apenas porque sofreu as conseqüências da demora na concessão.

O pagamento tardio apenas recompõe o patrimônio do credor, o que não pode ser confundido com renda nova para fins do cálculo do imposto de renda.

É cabível o ajuizamento da ação com pedido de repetição de indébito fiscal, a ser proposta pelo contribuinte prejudicado em face da União Federal (Fazenda Nacional), perante o Juizado Especial Federal ou perante a competente Vara da Justiça Federal, para reaver imposto de renda retido indevidamente ou recolhido acima do que seria devido se o pagamento tivesse ocorrido mês a mês, nas datas de vencimento de cada mensalidade.

Uma outra alternativa, não excludente, consiste em pleitear indenização contra o INSS pela demora na concessão do benefício.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Antonio Borges de; OLIVEIRA, Marcela Gallo de. Imposto de renda sobre benefícios acumulados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1657, 14 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10840. Acesso em: 19 abr. 2024.