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Direitos fundamentais no trabalho no Mercosul e nos acordos de integração regional nas Américas

Direitos fundamentais no trabalho no Mercosul e nos acordos de integração regional nas Américas

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Tomando como marco a Declaração Sociolaboral do Mercosul e a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, o ensaio examina a regulação e as condições reais do trabalho no Mercosul, estabelecendo um paralelo com o restante da América Latina e com a perspectiva da formação da ALCA.

Resumo

:

Adopting as references the "Declaração Sociolaboral do Mercosul" (1998) and the "ILO’s Declaration on Fundamental Principles and Rights in Labor" (1999), the essay examines regulation and real conditions of work in MERCOSUL, establishing a parallel to other countries of Latin America, and looking forward the Free Trade Area of America – FTAA. In the conclusions, author presents his vision over the future of Fundamental Labor Rights, under a global approach.


Palavras-chave: Direitos fundamentais; normas laborais; Mercosul.

Key words: Fundamental rights; labor regulations; Mercosul.


Súmula:1. Introdução. 2. Regulação laboral no MERCOSUL – primórdios. 3. Declaração Sociolaboral do Mercosul. 4.Mercosul: avaliação geral. 5.Paralelo com a América Latina. 6. A perspectiva da ALCA. 7.Conclusão


Introdução

Costuma-se dizer que o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL foi concebido de cima para baixo, nascendo da decisão dos Governos e, predominantemente, da vontade política dos Presidentes de quatro países do cone sul do continente americano – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai -, praticamente sem a participação das respectivas sociedades civis, especialmente dos parceiros sociais – empresários e trabalhadores – cuja maioria foi surpreendida com a assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991. A falta de um maior envolvimento desses parceiros sociais e até mesmo de setores políticos, somada às limitadas potencialidades dos Países Partes, resultou em um carimbo de ceticismo sobre o empreendimento, que não se apagou mesmo nos melhores anos da experiência até agora vivida.

Na perspectiva adotada pelo presente ensaio, deve registrar-se desde logo que a própria caracterização do acordo regional como um Mercado Comum já anunciava uma postergação das questões mais complexas, como a livre movimentação de fatores e a coordenação de políticas macroeconômicas, inclusive a do interesse central deste texto, qual seja a política de recursos humanos. De fato, o MERCOSUL avança com clara limitação nas etapas formuladas, se tomarmos como referência a trajetória percorrida pelo modelo mais festejado, que é o da União Européia (ver Quadro I). Chegamos à União Aduaneira e temos à frente, dentro do marco referencial do Tratado de Assunção, somente a escala seguinte do Mercado Comum, a qual não costuma adentrar na questão sociolaboral, eis que o trato desta não é requisito para o reconhecimento internacional. Isto ocorre por duas razões: a) a Organização Mundial do Comércio (OMC), a quem cabe institucionalmente tal reconhecimento, não tem competência constitucional para a regulação da matéria; b) já existe um sistema normativo multilateral específico, sob a égide da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que, por sua vez, não tem mandato para tratar das questões comerciais (situação que dá margem a lacunas graves, como se examinará adiante) (OIT, 2002).

Quadro I – Etapas de integração regional

Zona de Livre Comércio União Aduaneira Mercado Comum União Econômica União Monetária
Livre movimentação de bens Livre movimentação de bens Livre movimentação de bens Livre movimentação de bens Livre movimentação de bens
Tarifa externa comum Tarifa externa comum Tarifa externa comum Tarifa externa comum
Livre movimentação de fatores Livre movimentação de fatores Livre movimentação de fatores
Coordenação macroeconômica Coordenação macroeconômica

Moeda única

Fonte: Aspectos sociales y laborales de los procesos de integración. (OIT, 2002, p.5)

O modelo europeu aponta para o desenvolvimento harmônico das diversas coordenações que constituem o processo de integração (comercial, macroeconômica, de investimentos, etc.), incluindo, é claro, a sociolaboral. Dá importância, assim, às inequívocas influências recíprocas, de forma a buscar a sinergia desejável e evitar os descompassos que resultam em perda de energia do processo, podendo ameaçar sua própria viabilidade [01].

"A progressiva liberdade de intercâmbio comercial tem como conseqüência uma intensificação na mobilidade de fatores produtivos, gerando interdependências crescentes em termos de complementaridade econômica entre os distintos países e efeitos sociais relacionados à mobilidade geográfica da mão-de-obra, à adaptação cultural necessária para atuar em mercados mais abertos, à necessidade de reconhecimento das competências profissionais e das assimetrias laborais que interferem na concorrência intrabloco, aos impactos sobre o nível e a composição do emprego, à proteção legal e previdenciária dos trabalhadores migrantes, etc." (MTE, 2001, p. 5)

A experiência do MERCOSUL tem mostrado quanto pode custar um enfoque excessivamente centrado no desenvolvimento dos fluxos de comércio: assim, sofreu as conseqüências dramáticas da ausência de coordenação macroeconômica, especialmente com a desvalorização da moeda brasileira, nos princípios de 1999, seguida da crise da conversibilidade do peso argentino, que culminou na brusca queda do comércio intrabloco, em 2002; e acreditamos que somente em função dessa descontinuidade no movimento comercial é que não se apresentaram com a mesma evidência os problemas no campo laboral.

Mas a deficiência não se restringe ao caso do MERCOSUL, como se depreende da manifestação do Secretário Geral Adjunto da ALADI (antecessora do MERCOSUL, como adiante se verá):

"... una primera autocrítica seria que mientras la prioridad de los procesos de integración en LA estuvo centrada en el ámbito comercial, se relegaron otras que hubieran permitido reducir la vulnerabilidad externa de la región. La evidencia de ello quedó al descubierto con las recientes crisis que han debido enfrentar los países de la región. [...] Distinto podría perfilarse el panorama si los países de la región, en lugar de promover la sola liberalización de los flujos comerciales fomentaran la adopción de un consenso para instrumentar la nueva estrategia de integración que se proyecte más allá de la simples suscrición de pactos comerciales entre los países, al incorporar nuevos ejes de acción esenciales a su desarrollo. Esta posición se torna crítica a la hora de avanzar las negociaciones del ALCA." (Mejía, 2002)

Tudo faz crer que os mentores da integração do Cone Sul preferiram um modelo "epigenético" (OIT, 2002), acreditando que seria possível ir interiorizando, de forma adaptada, as normas já experimentadas em outros blocos. Menos mal que, em que pese o retardo, a consciência sobre a importância da coordenação sociolaboral veio num crescendo, inclusive em decorrência da pressão dos interlocutores sociais. Hoje é o Ministério do Trabalho brasileiro que afirma:

"... o tema da dimensão social requer maior atenção e destaque na agenda de trabalho dos Estados Partes, exigindo um esforço dirigido a: a) aprofundar a compreensão dos problemas comuns relacionados ao mundo do trabalho; b) aproximar ou harmonizar legislações e normas trabalhistas; c) garantir um patamar de direitos fundamentais do trabalho e da seguridade social; d) intensificar a cooperação e o intercâmbio entre os serviços públicos dos quatro países." (MTE, 2001, p. 5)

Os passos dados nessa direção serão vistos a seguir.


Regulação laboral no MERCOSUL - primórdios

O antecedente imediato do projeto de integração do Cone Sul pode localizar-se no Tratado de Montevidéu (1980), que criou a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), que envolveria a região como um todo. Os modestos resultados obtidos com a Associação e uma ambição maior inspirada no exemplo europeu e na tendência geral para a formação de blocos regionais mais ativos, levaram ao já mencionado Tratado de Assunção, assinado em 1991, conformando o MERCOSUL como um Mercado Comum, com marco inicial em 31 de dezembro de 1994. O prazo reservado para a preparação dos agentes envolvidos na integração decretada pelos Presidentes foi desde logo considerado por demais exíguo pela maioria dos setores nacionais, com destaque para os produtores agrícolas brasileiros e os empresários industriais dos outros países. Outros setores alertavam para a necessidade de maior detalhamento do marco institucional, prevendo complicadas disputas judiciais (sem uma corte regional para dirimi-las) e problemas na área do trabalho (competição salarial e migrações), além de dificuldades causadas pelas assimetrias das legislações tributária e ambiental, entre outras.

Os únicos órgãos constituintes então criados foram:

- Conselho do Mercado Comum (CMC), constituído pelos Ministros de Relações Exteriores e de Economia (com a missão da condução política de todo o processo)

- Grupo do Mercado Comum (GMC), formado pelos representantes dos Ministérios citados e dos Bancos Centrais (órgão executivo permanente)

- 10 subgrupos auxiliares do GMC [02]

O Tratado não reservou nenhuma função aos Presidentes dos Estados Partes, que se limitam à realização de um encontro de cúpula, na mesma ocasião em que se reúne o Conselho. Destaque-se que nenhum desses órgãos recebeu como incumbência específica as questões atinentes ao trabalho, nem mesmo um dos citados subgrupos, embora o Tratado de Assunção referisse, no Preâmbulo, o compromisso de melhorar o "desenvolvimento econômico com justiça social e as condições de vida" dos habitantes dos quatro países. Talvez haja uma explicação para a contradição entre o propósito manifestado e a ausência de disposições respectivamente cabíveis que não seja a da simples crença na capacidade da "mão invisível" do mercado para garantir o resultado social almejado: pode ser que os signatários do acordo quisessem adiar o envolvimento na polêmica, então já em evidência nos foros de comércio internacional relativa ao "dumping social" – a suposta invasão dos mercados dos países desenvolvidos pelos produtos oriundos de regiões carentes de regulação protetora dos direitos dos trabalhadores – e às "cláusulas sociais", incluídas nos acordos comerciais para conter o alegado abuso [03].

"La discusión sobre el "Dumping Social es tan vieja que desde 1933 se debatía [...] una propuesta que fue conquistando posiciones es la de procurar contenerlo por la vía del establecimiento de "cláusulas sociales" en los tratados comerciales internacionales y obligatorias para aquellos países que desean insertarse adecuadamente en el juego del intercambio mundial." (OIT, 2002, p. 6-7)

Mas também já havia, à época, a denúncia de que as "cláusulas sociais" não seriam mais do que novos artifícios utilizados pelos países ricos para impor barreiras não-alfandegárias aos produtos das regiões em desenvolvimento. Seria o caso do "rótulo social" dos produtos importados (social label), promovido pela União Européia (UE), ligado à exigência do cumprimento das normas fundamentais e, mais objetivamente, ao uso dos convênios da OIT como padrões mínimos para a referida "rotulação social". Aparecia, ainda, sob menor suspeição, o Sistema Geral de Preferências, instituído pela UE para conceder reduções de tarifas alfandegárias para determinadas mercadorias provenientes de países menos desenvolvidos, que seria utilizado para promover as mesmas normas fundamentais da OIT.

De qualquer forma, nem os Ministérios do Trabalho nem os parceiros sociais dos Países Partes conformaram-se com sua quase total exclusão institucional e passaram a articular-se, numa reação que culminou, em 9 de maio de 1991, com uma Declaração Conjunta, assinada pelos Ministros e por sindicalistas, clamando por maior atenção aos aspectos sociais e laborais da integração e pela criação de um órgão dedicado ao trato dos mesmos. A pressão levou à criação, em dezembro do mesmo ano, pela Resolução Nº 11/91 do GMC, do "Subgrupo Nº. 11 – Assuntos Laborais", de formação tripartite, que veio a juntar-se aos demais órgãos auxiliares do GMC. O fato deve ser assinalado como de grande significado, no mínimo, por três aspectos:

a) foi a primeira manifestação concreta da busca da melhoria do "desenvolvimento econômico com justiça social e [d]as condições de vida", fora do âmbito comercial do Tratado de Assunção;

b) decorreu de expressa e legítima demanda dos parceiros sociais e das áreas sociais dos governos;

c) adotou a constituição tripartite para o subgrupo, a mesma que consagra a OIT como o organismo mais democraticamente representativo dentre todos os que constituem a Organização das Nações Unidas (ONU).

Sem qualquer resultado concreto dos trabalhos do novo órgão, passam-se três anos até a assinatura do Protocolo de Ouro Preto (dezembro/1994), que reconhece o não cumprimento da meta do Mercado Comum, mas a realização de uma União Aduaneira, ainda que imperfeita, dando-lhe estruturação orgânica definitiva. Mas, é somente em 1995 que o tema laboral é objeto de nova disposição, através da Resolução Nº. 20/95, que reorganiza os subgrupos e reconstitui o Subgrupo Nº 10, agora englobando "Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade Social", com a constituição tripartite do extinto Subgrupo Nº 11 e uma extensa pauta temática: 1) relações individuais de trabalho; 2) relações coletivas de trabalho; 3) emprego; 4) formação profissional; 5) saúde e segurança no trabalho; 6) seguridade social; 7) custos laborais nos transportes terrestre e marítimo; 8) convênios da OIT; e 9) direitos fundamentais (OIT, 2002).

O propósito da formulação de uma Carta de Direitos Fundamentais logo despertou objeções, sob um duplo argumento: a) a provável repetição dos direitos já assentados nas declarações internacionais referendadas pelos Estados Partes ou até inseridas em suas próprias constituições; b) as dúvidas sobre as repercussões jurídicas que disposições internacionais, não ratificadas por um ou outro membro, ou inovações introduzidas na pretendida Carta viriam a ter sobre as legislações nacionais. Essa reação veio a ser, de certa forma, respaldada por um estudo de um pesquisador da Universidade de Stanford, mediante uma amostragem de cerca de 100 países em diferentes estágios de desenvolvimento, cobrindo o período entre 1980 e 1999, que chegou às seguintes conclusões (entre outras):

a) as condições laborais não são influenciadas pela ratificação de normas da OIT (ao contrário, a ratificação é função das condições laborais vigentes em um determinado país);

b) não se encontraram efeitos diretos ou indiretos da ratificação nos custos trabalhistas;

c) tampouco se identificaram relações significativas de ratificações com as exportações ou com Investimentos Estrangeiros Diretos [04];

d) países com uma política de comércio exterior aberta ou um grande setor exportador não apresentam condições laborais inferiores, considerados os respectivos estágios de desenvolvimento;

e) países com más condições laborais terão baixos níveis salariais, na medida em que más condições de trabalho contribuem para a baixa produtividade (Flanagan, 2002).

A maior atenção dedicada ao tema resultou em dois produtos significativos, em termos dos direitos dos trabalhadores (no âmbito do MERCOSUL), a saber: a) a proposta de um Acordo Multilateral da Seguridade Social (1997), apresentada pelo novo Subgrupo, com o objetivo de equiparar o acesso à seguridade social para os trabalhadores e suas famílias; b) a criação de um centro de informações relativas a emprego, migrações de trabalhadores e seguridade social [05] (OIT, 2002).

Atente-se para o fato de que o referido Acordo não conseguiu sua ratificação pelos Parlamentos dos Países Partes, o que revela a ausência de integração das visões políticas a respeito de um item importante dos direitos fundamentais no trabalho. Seria novamente no nível presidencial que tal convergência se afirmaria, com a assinatura, na Cúpula de 1998 (Rio de janeiro), da Declaração Sociolaboral do Mercosul.


3. Declaração Sociolaboral do MERCOSUL

Datada de 18 de junho de 1998, a Declaração assinala, no Preâmbulo, o compromisso dos Estados Partes com "as declarações, pactos, protocolos e outros tratados que integram o patrimônio jurídico da Humanidade", citando especificamente a Declaração da OIT relativa a

Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho [06], datada de 18 de junho do mesmo ano, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Declaração Americana dos Direitos e Obrigações do Homem (1948), a Carta Interamericana de Garantias Sociais (1948), a Carta da Organização dos Estados Americanos – OEA (1948), e a Convenção Americana de Direitos Humanos sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988). Além disso, referiu que "diferentes fóruns internacionais, entre os quais a Cúpula de Copenhague (1995), têm enfatizado a necessidade de se instituir mecanismos de acompanhamento e avaliação dos componentes sociais da mundialização da economia, a fim de assegurar a harmonia entre o progresso econômico e bem-estar social".

Não bastasse a proclamação do compromisso com tão densa matriz de direitos humanos e sociais, o longo Preâmbulo ainda ressalta que "a integração envolve aspectos e efeitos sociais cujo reconhecimento implica a necessidade de prever, analisar e solucionar os diferentes problemas gerados, neste âmbito, por essa mesma integração", creditando aos Ministros do Trabalho do MERCOSUL a insistência na diretriz de que "a integração regional não pode confinar-se à esfera comercial e econômica, mas deve abranger a temática social, tanto no que diz respeito à adequação dos marcos regulatórios trabalhistas às novas realidades configuradas por essa mesma integração e pelo processo de globalização da economia, quanto ao reconhecimento de um patamar mínimo de direitos dos trabalhadores no âmbito do Mercosul, correspondentes às convenções fundamentais da OIT".

A Declaração, com 25 artigos [07] enumera princípios e direitos, "sem prejuízo de outros que a prática nacional ou internacional dos Estados Partes tenha instaurado ou venha a instaurar", cobrindo os seguintes aspectos:

Direitos Individuais

- Não discriminação

- Promoção da Igualdade (pessoas portadoras de necessidades especiais; homens e mulheres)

- Trabalhadores migrantes e fronteiriços

- Eliminação do trabalho forçado

- Trabalho infantil e de menores

- Direitos dos empregadores (livre gestão econômica e técnica das empresas)

Direitos Coletivos

- Liberdade de associação

- Liberdade sindical

- Negociação coletiva

- Greve

- Diálogo social (tripartite)

Outros Direitos

- Fomento do emprego

- Proteção dos desempregados

- Formação profissional e desenvolvimento de recursos humanos

- Saúde e segurança no trabalho

-Inspeção do trabalho (fiscalização)

-Seguridade social

Merece destaque a expressa proscrição da discutida "cláusula social", constante na Declaração:

"Art. 25 – Os Estados Partes ressaltam que esta Declaração e seu mecanismo de seguimento não poderão ser invocados nem utilizados para outros fins que os neles previstos, vedada, em particular, sua aplicação a questões comerciais, econômicas e financeiras."

A Declaração constituiu-se num indubitável avanço em termos conceituais, dados seu sólido embasamento e a grande amplitude dos direitos consagrados. Entretanto, como costuma acontecer com esse tipo de manifestação, de reduzida eficácia jurídica (pelo limitado e polêmico poder vinculatório de suas disposições), dela não resultaram efeitos concretos apreciáveis. No caso específico, contribuíram para essa ineficácia: a) a excessiva amplitude da Declaração - quando comparada, por exemplo, com a correspondente Declaração da OIT) -, bastante distanciada da heterogênea realidade socioeconômica da região (especialmente da de algumas sub-regiões), resultando em perda ou imprecisão do foco e da escala das prioridades com maior possibilidade de materialização dentro daquela realidade; b) a falta de definição clara das tarefas a serem cumpridas por cada um dos Estados Partes, na busca da referida materialização de princípios e direitos.

É verdade que os Presidentes preocuparam-se com a implementação da vontade política expressa na Declaração, incluindo nesta a recomendação da criação de uma "Comissão Sociolaboral Regional", com o objetivo de "fomentar e acompanhar a aplicação do instrumento". A despeito do mérito da previsão e de sua democrática constituição tripartite, a Comissão Sociolaboral (CSL), efetivamente criada pela Resolução Nº. 15/99 do GMC, não tem, até agora, muitos resultados a apresentar, principalmente tendo em vista três fatores identificados: a) seu caráter meramente consultivo; b) a superposição de funções com o Subgrupo Nº 10, gerando paralelismo e dispersão de esforços; c) a insuficiência de recursos técnicos alocados pelos Países Partes.


4. Avaliação Geral

Sob o ângulo do trabalho e das relações laborais, pode-se dizer:

1. Existe um marco institucional, fortemente alicerçado nos mais importantes pactos internacionais (em especial com as prescrições da OIT), ora em processo de implantação e fortalecimento (o Quadro II reúne os instrumentos normativos centrais).

Quadro II - Instrumentos normativos [08]

-Tratado de Assunção (1991)
-Protocolo para a Solução de Controvérsias (1991)
-Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional (1992)
-Protocolo Adicional sobre a Estrutura Institucional (Ouro Preto - 1994)
-Acordo Multilateral da Seguridade Social (1997)
- Declaração Sociolaboral (1998)

2.A aplicação e o seguimento dos propósitos instituídos vai-se configurando, de forma lenta e tentativa, através de órgãos de promoção e controle (o Quadro III apresenta os principais).

Quadro III - Órgãos de Promoção e Controle do MERCOSUL

- Subgrupo de Trabalho Nº 11 – Assuntos Laborais (1991)
- Fórum Consultivo Econômico e Social (1994)
- Autoridade Central (1994)
- Subgrupo Nº 10 – Relações Laborais, Emprego e Seguridade Social (1995)
- Comissão Sociolaboral (1998)

3.A tendência à expansão do Bloco está institucionalizada, na previsão de "Terceiras Partes Associadas", como é o caso do Chile (com o Acordo de Livre Comércio ACE 35) e da Bolívia.

4.Os pontos altos do processo estão na Declaração Sociolaboral (e na decorrente Comissão Sociolaboral) e no Observatório do Mercado de Trabalho.

5.As principais dificuldades localizam-se nos seguintes pontos:

- falta de clareza institucional (indefinição e/ou superposição de tarefas e funções, especialmente entre o Subgrupo nº. 10 e a Comissão Sociolaboral);

- dispersão do foco, em virtude da amplitude e complexidade dos temas;

- deficiência vinculatória das decisões (inclusive com respeito aos princípios e direitos objeto da Declaração Sociolaboral);

- insuficiência de capacitação técnica e econômica dos órgãos de promoção e controle:

- déficit de participação da sociedade civil nos órgãos decisórios [09]

Estendendo a avaliação para o pleno geral do processo de integração do Bloco, faz-se mister ressaltar dificuldades específicas que se somam aos problemas genéricos de qualquer integração regional: a) a acentuada disparidade das dimensões dos Países Partes; b) as dificuldades macroeconômicas, generalizadas no Bloco; c) os paralelismos encontrados nas matrizes produtivas, que dificultam a complementaridade econômica; d) a presença de movimentações, mais ou menos evidentes, por parte de Países Membros na direção de acordos isolados com terceiros países ou outros blocos econômicos regionais.

Mas o que sobressai, no exame conclusivo, é a capacidade que o projeto MERCOSUL tem demonstrado de superar crises de gravidade aparentemente intransponível, como ocorreu no episódio da desvalorização do real, em 1999, ou na atual crise argentina da conversibilidade, aguçada no decorrer de 2002. Isto, ao longo de um já largo trajeto de onze anos, desde o Tratado de Assunção, atravessando vários mandatos presidenciais, inclusive com acentuadas inversões ideológicas (como foi o caso da transição Collor/Cardoso, no caso do Brasil). Nesta visão, o sinal mais recente da persistência na busca da integração veio da Cúpula Presidencial de Brasília, em dezembro de 2002, assinalada por importantes avanços [10], a começar por aquele de grande significado sob o ângulo laboral, qual seja o que garante aos imigrantes do MERCOSUL [11] liberdades e direitos civis, sociais, culturais e econômicos iguais aos dos cidadãos nacionais, particularmente o direito de trabalhar e desenvolver qualquer atividade legal, com igualdade em termos de remuneração, condições de trabalho e seguridade social (OIE, 2002).


5. Paralelo com a América Latina

Do já citado documento "Aspectos sociales y laborales de los procesos de integración" (OIT, 2002), extraímos (como abaixo apresentados) elementos suficientes para, em confronto com o acima visto sobre o andamento do processo de integração do MERCOSUL, evidenciar: a) que os esforços na busca de integração cobrem praticamente toda a América Latina; b) que todos os acordos de integração (e até alguns de simples Livre Comércio) manifestam, em maior ou menor grau, atenção ao tema das relações laborais.

O Quadro IV resume a situação dos principais acordos, com respeito ao reconhecimento dos DFT:

Quadro IV – Freqüência de reconhecimento de Direitos Fundamentais no Trabalho (DFT)

TLC [12]

Não discriminação X X X X X
Igualdade de remuneração X X X X
7 7 7 0 1 7

Fonte: Adolfo Ciudad R. (OIT, 2002)

A Comunidade Andina de Nações (CAN) ou Pacto Andino

O projeto de integração que reúne Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia, apóia-se em quatro elementos, em matéria sociolaboral: a) o propósito de desenvolvimento de uma Agenda Social Multidimensional (emprego, educação, saúde, habitação social e política migratória); b) o Conselho Assessor de Ministros do Trabalho, criado em julho de 2000, voltado para a harmonização ou homologação de normas em matéria laboral, previdenciária, de saúde e segurança no trabalho, e de direito de residência, bem como a organização de um Observatório Laboral; c) a elaboração de um Plano Integrado de Desenvolvimento Social, para enfrentar os graves problemas de pobreza, e exclusão social da região; d) o Convênio Simon Rodriguez (2001), do qual se originou o Fórum de Debate, Participação e Coordenação para os temas sociolaborais da Comunidade.

Desde a carta de Carabobo (2001), o Conselho Andino de Ministros de Relações Exteriores recebeu o encargo de formular uma Carta sobre os Direitos Humanos, com inspiração na Declaração Sociolaboral do MERCOSUL e os correspondentes documentos da União Européia, o que ainda não ocorreu. Entretanto um dos pontos de maior preocupação tem sido o referente às questões migratórias, assunto por sinal debatido na Primeira Reunião de Ministros de Trabalho do MERCOSUL e da CAN (Santa Cruz de la Sierra, outubro de 2000), mas têm ocorrido episódios que mostram estar a realidade ainda longe dos propósitos de facilitar a livre movimentação das pessoas (inclusive para efeitos laborais).

Um último destaque deve ser dado à instituição de dois mecanismos de participação: o Conselho Consultivo Empresarial Andino (CCEA) e o Conselho Consultivo Laboral Andino (CCLA), integrados por representantes de organizações de empresários e de trabalhadores, respectivamente, o que parece ser uma concepção mais promissora do que a do Fórum Consultivo Econômico e Social do MERCOSUL. (OIT, 2000)

Comunidade e Mercado Comum do Caribe (CARICOM)

O processo de integração dessa região tem origem remota no ano de 1958 e culminou, até o presente, com o Tratado de Chaguaramas, de 1973, que concretizou a Comunidade e Mercado Comum do Caribe, a CARICOM. A CARICOM foi conformada para reunir os seguintes doze países do Caribe: Antígua; Barbados; Belice; Dominica; Granada; Guyana; Jamaica; Montserrat; St. Kitts-Nevis-Anguilla; St. Lucia; St. Vincent; Trinidad y Tobago. Mas poderá integrá-la qualquer outro Estado caribenho que, na opinião da Conferência de Chefes de Estado prevista no Tratado que estabelece a Comunidade do Caribe, esteja em condições e disposto a exercer direitos e assumir as obrigações de membro previstas no mesmo Tratado (já são associados: Anguilla, Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Turks e Caicos).

Sem dúvida, em termos institucionais, é a CARICOM uma das experiências de integração que trata com maior amplitude os temas laborais, não apenas quanto aos DFT (ver Quadro IV), como relativamente às condições de trabalho. Os DFT foram objeto da Carta de Direitos Civis (Acta de Liberdades Civiles) para a Comunidade do Caribe e da Declaração de Princípios Laborais e de Relações Industriais (1995). Em 1996, surgiu o Acordo sobre Seguridade Social, estabelecendo obrigações de fomento aos Estados Partes. Como órgãos, a CARICOM instituiu o Comitê Permanente de Ministros do Trabalho (1973), como formulador de políticas em matéria laboral, e o Conselho para o Desenvolvimento Humano e Social (1997), como responsável pela melhoria das condições de saúde, educação e laborais dos trabalhadores da região. (OIT, 2000)

Sistema de Integração Centro-Americana (SICA)

Nesta região, a integração tem como ponto de partida a criação da Organização de Estados Centro-Americanos (ODECA), em 1951, que incluiu a adoção de tratados bilaterais de comércio; em 1960, o Tratado Geral de Integração Econômica Centro-Americana instituiu o Mercado Comum Centro Americano (MCCA); e, em 1991, O Protocolo de Tegucigalpa atualizou a estrutura jurídica da ODECA e estabeleceu o Sistema de Integração Centro-Americana (SICA), reunindo Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá.

Embora posteriormente tenham sido assinados vários instrumentos visando a complementar a integração, o foco esteve praticamente restrito aos aspectos comerciais. Pouca atenção mereceram os temas laborais e, em termos de DFT, só foi regulado o de não discriminação, pelo Tratado de Integração Social, de 1960 (o qual faz, ainda, uma referência genérica a remuneração justa) (OIT, 2000).

Tratado de Livre Comércio Canadá-Chile

O interesse neste Tratado – que se distingue dos demais casos de integração envolvendo vários países – está no fato de ter ele dado origem ao Acordo de Cooperação Laboral (1997), firmado entre os dois países sob inspiração do Acordo de Cooperação Laboral da América do Norte, com a manifesta intenção de facilitar ao Chile o acesso a este Acordo (e, fica subentendido, ao próprio NAFTA [13]). Até agora, a aplicação daquele Acordo se tem dado predominantemente sob forma de cooperação técnica, sem afirmar-se como instrumento de regulação. (OIT, 2000)


6. Perspectivas do Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) [14]

Além do citado Acordo de Livre Comércio Canadá-Chile, outros, envolvendo países latino-americanos e países ou blocos de fora da região, estão em vigor - como Costa Rica-Canadá e Costa Rica-União Européia – ou em tratativas para implantação, como EUA-Chile, EUA-Uruguai, EUA – Centro-América (exclusive o Panamá), Canadá-CA4 (El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. Mas a mais importante e polêmica expectativa centra-se no Acordo que visa estabelecer uma Área de Livre Comércio abrangendo o continente americano inteiro (34 países, ficando apenas Cuba de fora), conforme os entendimentos iniciados na Cúpula de Chefes de Estado de Miami, em 1994, que prosseguiram nas reuniões similares de Santiago (1998) e Quebec (2001).

No foco do presente ensaio, o que importa é registrar que os propósitos de incrementar o comércio que nucleiam o projeto da ALCA estão claramente ligados ao compromisso, reafirmado a cada Cúpula presidencial, de assegurar pleno respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, bem como o princípio de que toda a integração visa a reduzir a pobreza e a injustiça no hemisfério, a elevar os níveis de vida e promover o desenvolvimento sustentável e a melhorar as condições laborais dos povos das Américas (Quadro V).

Quadro V - Objetivos fundamentais do ALCA

-Preservar e fortalecer a democracia
-Prover a prosperidade através da integração econômica e o livre comércio
-Erradicar a pobreza e a discriminação
-Garantir o desenvolvimento sustentável e conservar o meio ambiente para as gerações futuras

Quanto aos propósitos no âmbito laboral, a Cúpula de Chefes de Estado de Quebec (2001) foi muito clara:

"Promoveremos o cumprimento das normas trabalhistas fundamentais reconhecidas internacionalmente e incorporadas na Declaração relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento, adotada, em 1998, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Consideraremos a ratificação ou a adesão as convenções fundamentais da OIT, se necessário. A fim de avançar no nosso compromisso de criar maiores oportunidades de emprego, melhorar a qualificação dos trabalhadores e aprimorar as condições de trabalho em todo o Hemisfério, reconhecemos a necessidade de considerar, nos foros hemisférico e internacional competentes, as questões da globalização relacionadas com o emprego e o trabalho. Instruímos a Conferência Interamericana dos Ministros do Trabalho a que continue a considerar os temas relacionadas com a globalização que afetam o emprego e o trabalho." (Ver Nota 14)

Com o apoio de um Comitê Tripartite, composto do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID), da Organização de Estados Americanos (OEA) e da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (CEPAL), estabeleceram-se nove Grupos de Trabalho para se ocuparem das principais áreas das negociações: serviços; investimentos; contratos públicos; acesso ao mercado (abrangendo tarifas, medidas não tarifárias, procedimentos aduaneiros, regras de origem, normas e obstáculos técnicos ao comércio); agricultura; direitos da propriedade intelectual; subsídios; direitos anti-dumping e de compensação; política de competição; e resolução de disputas. Também se criaram três comitês especiais, não negociadores, para tratar de questões sobre as menores economias, a sociedade civil e o comércio eletrônico.

Note-se que, tal como ocorrera nos primórdios do MERCOSUL, nenhum Grupo de Trabalho foi criado especialmente para o trato das questões laborais. Um dos citados comitês, o Comitê de Representantes Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil do ALCA, em seu informe de abril de 2001, deixa transparecer duas tendências: a) uma que considera o tema do trabalho já devidamente tratado pela OIT, ainda mais levando em conta que esta e a OMC buscarão dar um trato comum ao tema, de forma que reconhece apenas a importância da criação de organismos de cooperação em matéria laboral; b) outra que defende a inclusão, nas disposições fundamentais do Acordo, das normas laborais básicas reconhecidas internacionalmente. Os integrantes desta segunda tendência afirmam que o futuro Acordo deverá garantir que os membros não obtenham nenhuma vantagem comparativa desleal, que derive de salários mínimos, de trabalho de crianças ou presidiários, e da ausência de sistemas de seguridade social.

De qualquer forma, existe consenso no respeito ao marco normativo da OIT. E a última minuta do texto do Acordo traz disposições que devem atenuar as preocupações quanto à preservação dos DFT, a saber:

"[Artigo 3:[Princípios]]

[Este Acordo será governado pelos seguintes princípios:]

.......................

[d) A coexistência deste Acordo com acordos bilaterais e sub-regionais, na medida em que os direitos e obrigações decorrentes desses acordos tenham maior alcance do que os deste Acordo;]

[e) O tratamento especial e diferenciado, considerando as amplas diferenças nos níveis de desenvolvimento e tamanho das economias das Partes, para promover a plena participação das Partes;]

[f) a adoção de decisões por consenso;]

[g) a igualdade soberana das Partes;]

[h) a boa fé no cumprimento dos compromissos assumidos pelas Partes no âmbito do Acordo.]" (ALCA, 2002)

Ainda na mesma minuta, o artigo 18 do capítulo Investimentos estabelece:

"Artigo 18. COMPROMISSO DE NÃO TORNAR MENOS ESTRITAS AS LEIS NACIONAIS DE TRABALHO PARA ATRAIR INVESTIMENTO

[1. As Partes reconhecem a inconveniência de promover investimentos que tornem menos estritas as leis nacionais em matéria de trabalho. Assim sendo, cada uma das Partes envidará esforços de modo a assegurar que essas leis não deixem de ser aplicadas ou não sejam prejudicadas de alguma outra maneira e que não se ofereça deixar de aplicá-las ou prejudicá-las de alguma outra maneira como forma de promover a realização, aquisição, ampliação ou conservação de um investimento de um investidor em seu território.]

[2.Para as economias menores, o compromisso de não tornar menos estritas as leis nacionais em matéria de trabalho deverá estar associado ao acesso ao Fundo Regional de Integração para a formação profissional com vistas a aumentar a produtividade dos trabalhadores e a competitividade das empresas associadas.]]" (ALCA, 2002)

Com todos esses pontos de apoio, não é difícil acreditar que será possível perseguir os objetivos da integração econômica sem prejuízo dos DFT. Na verdade, a questão crucial está na garantia de uma verdadeira integração comercial, que funcione em termos justos e equânimes, capaz de realmente alavancar o desenvolvimento econômico sustentável. Pois, em primeiro lugar, há que considerar que uma das condições essenciais da sustentabilidade política, num hemisfério governado democraticamente é, sem dúvida, o respeito aos Direitos Humanos e aos DFT; e em segundo, convém lembrar as conclusões da já citada pesquisa de Flanagan, que reforçam a tese de que o respeito aos DFT dependem menos da regulação (normas laborais oficiais) do que da compreensão de que o bem-estar e a motivação dos trabalhadores são indispensáveis aos ganhos de produtividade que conduzem ao sucesso econômico. Em trabalho interessante sobre a globalização e o desenvolvimento social, Syrian de Silva aponta as características da moderna gestão empresarial, dentre as quais destacamos:

"

- reducción de unas estrechas clasificaciones de puestos y líneas divisorias entre administradores y trabajadores, acompañada por el mejoramiento de aptitudes, lo que permite a los trabajadores realizar trabajos con una gama más amplia de tareas;

- aumento de campos para la participación del trabajador en cuanto a concepción, ejecución y control del trabajo;

- mayor atención a las relaciones en el sitio de trabajo, con políticas y práticas que conduzcan a una mayor motivación y rendimiento, como pueden ser el acto de compartir información y la comunicación de doble vía;

- mayor atención a los contratos individuales de trabajo y menos interés por parte del empleador en la negociación organizada." (Silva, 2001, p. 9)

A este elenco se poderiam acrescentar tantos outros aspectos de uma administração flexível, capaz de desenvolver e aproveitar o insuperável fator de competitividade que constitui o chamado "capital humano". Mas o essencial é sintetizado por Pelle Ehn: "Democratization of the work place is mandatory for a successful enterprise" [15] (Graham, 2000, p. 169). Isto porque os empresários de vanguarda, que há mais tempo haviam aprendido que, para vencer a concorrência, é preciso encantar o consumidor, descobriram também que é indispensável fazer o mesmo com os seus empregados e colaboradores. Este é o referencial das relações de trabalho na sociedade pós-industrial. Até mesmo críticos do chamado modelo neoliberal, que colocaria o empresariado como eixo articulador hegemônico, reconhecem a mudança:

" De manera [...] que el nuevo empresariado latinoamericano se vea en principio obligado a un cambio de matriz ideológica usualmente proteccionista, estatista y patrimonialista que le caracterizó bajo el esquema sustitutivo de importaciones. Esto implicará de su parte la asunción de un rol de liderazgo sociopolítico que lo llevará a cumplir un papel dirigente en el manejo del conflicto social. En principio esto conlleva el abandono del viejo esquema corporativo en que se apoyó tanto en sus relaciones con los trabajadores como con el propio Estado, y su sustitución por un esquema de liderazgo hegemónico, lo que supone el desplazamiento del eje central del conflito [...] del campo microeconómico-corporativo al macropolítico-social." (Lozano, 1998)


7. Conclusão

Os DFT são uma conquista irrevogável da civilização humana. Cada vez mais presente nas discussões sobre o MERCOSUL e o desenvolvimento integrado da América Latina, a regulação da matéria esbarra, como se viu acima, em duas graves dificuldades:

a) a de encontrar-se uma formulação normativa que se adapte à grande heterogeneidade dos estágios de desenvolvimento e das culturas dos países da região, bem como que seja imune a um desvirtuado uso como barreira não-alfandegária ("cláusula social");

b) a de garantir-se o efeito vinculatório de normas transnacionais, não só pela resistência à institucionalização de cortes regionais com supremacia decisória sobre as nacionais [16], como pelas divergências doutrinárias quanto à delimitação entre os Direitos Fundamentais e os Direitos Sociais, que se agravam quando se trata de considerá-la em um universo tão díspar como a América Latina [17].

Não obstante, o processo evolutivo é irreversível e deve seguir os passos assinalados pelo Diretor Geral da OIT, Juan Somavía:

1) manter o compromisso com economias e sociedades abertas, com a democracia e com o respeito aos direitos das pessoas, incluídos os direitos laborais;

2) buscar com afinco uma adequada integração dos objetivos e políticas econômicas e sociais [18];

3) buscar conjuntamente e adotar políticas que façam possível a geração de bons empregos, respeitando as normas internacionais ratificadas (e que pressupõem a disponibilidade do país para cumpri-las, em função de seu grau de desenvolvimento e em virtude de uma decisão soberana), outorgando aos trabalhadores e trabalhadoras uma justa remuneração e uma adequada proteção social;

4) seguir intransigentemente na defesa da democracia e de sua institucionalidade, do respeito às liberdades e aos direitos das pessoas, assim como na exigência de que, a par de exercer seus direitos, todos cumpram cabal e eficazmente suas obrigações (Somavía, 2002).

É provável que o próximo passo dessa evolução seja "um sistema global de regulação" (Zylberstajn, 2000), talvez até voluntário, como sinalizam os códigos de conduta adotados por inúmeras empresas nacionais e transnacionais. Quem sabe, em sua evolução futura, o que hoje chamamos de globalização possa chegar à superação do Estado nacional, ou à idéia da sua "suprassunção", como propõe Habermas, antevendo o surgimento de "figuras capazes de agir em um plano supranacional e capazes de dar condições às Nações Unidas e às suas organizações regionais para que iniciem uma nova ordem mundial e uma nova ordem econômica global", embora ele mesmo se pergunte "se uma formação democrática de opinião e vontade realmente poderá alcançar a força vinculativa necessária, mais além da fase de integração ligada ao estado nacional" (Habermas, 2002, p. 145) [19]. Muito antes dele, em seu projeto de Paz Perpétua, Emmanuel Kant já percebera que não seria suficiente a adoção de regimes constitucionais nacionais, pelo que propôs uma união entre as nações livres, sob forma de uma Federação, que não teria poderes como os de um Estado universal, mas visaria à manutenção da paz entre as nações e, além disso, preservar e assegurar a liberdade dos indivíduos em cada Estado (Vieira, 2000). Já Niklas Luhmann proclamou existirem "argumentos claros e teoricamente consistentes" para optar por uma única sociedade mundial (a single world society), em vez de um sistema global de sociedades regionais [20] (Luhmann, 1997).

Afinal, vemos os acordos de integração regional como uma espécie de "operação-piloto", na direção dos belos sonhos (que o autor humildemente partilha) da suprassunção do Estado nacional (Habermas), da Federação mundial (Kant) ou da sociedade mundial (Luhmann). Sonhos que, quando se realizarem, farão os DFT respeitados em todas as partes de um mundo então mais equilibrado e, assim, muito melhor e mais justo.


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Notas

01 Conhece-se por "preformismo" o enfoque que leva a tomar o modelo da União Européia como paradigma para as políticas de integração regional (OIT, 2002).

02 Os Subgrupos foram: Assuntos Comerciais, Assuntos Aduaneiros, Normas Técnicas, Políticas Fiscal e Monetária relacionada com o Comércio, Transporte Terrestre, Transporte Marítimo, Política Industrial e tecnológica, Política agrícola, Política Energética, Coordenação de Políticas Macroeconômicas.

03 O fato é que, como assinala Santiago González, Diretor da Secretaria Administrativa do MERCOSUL: "Se dio prioridad entonces a aquellas [instituciones] que garantizaran ejecutividad y pragmatismo, postergando así instancias deliberativas, más lentas aunque más representativas [...] tuvieron también prioridad las actividades comerciales y la facilidad de diálogo entre empresas, aunque no fue así con los trabajadores, las ONG’s, las pequeñas y medianas empresas y la ciudadanía en general." (González, 2002, p.9)

04 Foreign Direct Investments (FDI).

05 www.observatorio.net.

06 O texto dessa Declaração está em www.oit.org.

07 A íntegra da Declaração pode ser encontrada em:

www.mercosur-omisec.gub.uy/DOCUMENT/DECLARAC

08 O Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional criou uma "Autoridade Central", encarregada de receber e processar os pedidos de assistência jurisdicional, inclusive os de natureza trabalhista. E o Protocolo de Ouro Preto deu origem ao "Fórum Consultivo Econômico e Social do MERCOSUL (FCES)", composto por diferentes entidades sindicais (de empregados e de empregadores), de consumidores e de outros setores, atendendo as áreas de União Aduaneira, Aprofundamento do Processo de Integração, Relações Externas e, a que mais interessa a este ensaio, Aspectos Sociais da Integração.

09 Não obstante a realização, em paralelo com as Reuniões Ministeriais, de Foros Empresariais reconhecidos, os participantes destes não passam da chamada "sala ao lado" das conversações oficiais. Pior ainda é a situação dos trabalhadores, que não tem sequer essa participação secundária.

10 Outros pontos positivos da Cúpula de Brasília foram a decisão de um Acordo-Marco com a Comunidade Andina de Nações (CAN), com o agendamento de imediatas negociações para redução de tarifas aduaneiras entre MERCOSUL e Perú); e a propósito de trabalho conjunto do BNDES com CAF (para apoiar joint-ventures) e FONPLATA (em projetos de integração física da América Latina).

11 Estima-se que haja, no mínimo, 380.000 brasileiros (os denominados "brasiguaios") vivendo irregularmente no Paraguai.

12 Tratado de Livre Comércio Canadá – Chile.

13 NAFTA – Sigla inglesa do Acordo de Livre Comércio da América do Norte.

14 A íntegra dos documentos citados pode ser encontrada em: www.ftta-alca.org

15 "A democratização do local de trabalho é obrigatória para uma empresa bem sucedida". (tradução livre do autor)

16 É emblemática a frustração da Corte Centro-Americana de Direitos Humanos, que não conseguiu tornar-se permanente, "ya que durante us diez años de actividades conoció de seis reclamaciones de particulares contra Estados, tres demandas de Gobierno a Gobierno, pero no resolvió en cuanto al fondo ninguna de ellas" (Fix-Zamudio, 1997, p. 176). Outra referência esclarecedora é a que Fix-Zamudio faz à limitada função jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem caráter potestativo para os Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e está limitada à interpretação e aplicação da referida Convenção (Fix-Zamudio, 1997, p. 190)

17 Tome-se como evidência de tais divergências a orientação da Suprema Corte dos Estados Unidos, que, atuando em um âmbito menos heterogêneo do que o mosaico latino-americano, tem recusado natureza constitucional aos direitos econômicos e sociais que transcendem o mínimo tocado pelos interesses fundamentais (Torres, 1999, p. 279)

18 "El progreso social no debería seguir sendo visto como una consecuencia a posteriori (y, en muchos casos, una consecuencia tardía y que no elimina las desigualdades sociales existentes) del desarrollo económico, sino como las dos caras, complementarias y sinérgicas, de un mismo y único proceso." (OIT, 2002, p. 4)

19 Aqui cabe a pergunta de Torres: "que instrumentos possuem as nações pobres para que possam reivindicar das ricas, em nome de uma justiça internacional, a redistribuição das rendas dos seus cidadãos?" (Torres, 1999, p. 307)

20 Segundo Luhmann, o sistema autopoiético dessa sociedade mundial pode ser descrito sem qualquer referência a particularidades regionais, sem que isso signifique que tais diferenças são de importância menor (Luhmann, 1997).


Autor

  • Dagoberto Lima Godoy

    Dagoberto Lima Godoy

    Advogado e consultor empresarial. Mestre pela Universidade de Caxias do Sul (RS). Membro titular do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra (Suíça). Vice-presidente da Organização internacional de Empregadores (OIE), em Genebra (Suíça). Consultor sênior da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Professor da UCS (licenciado)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Dagoberto Lima. Direitos fundamentais no trabalho no Mercosul e nos acordos de integração regional nas Américas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1680, 6 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10902. Acesso em: 25 abr. 2024.