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Destinação das taxas de inscrição em concursos públicos vis-à-vis princípio da unidade de caixa.

Estudo da legalidade

Destinação das taxas de inscrição em concursos públicos vis-à-vis princípio da unidade de caixa. Estudo da legalidade

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I - DO OBJETO

O presente artigo tem por objeto a análise da legalidade do pagamento de taxas de inscrição feito por candidatos, quando em benefício direto de Instituição contratada pela Administração Pública para a realização de concurso público, frente ao Princípio da Unidade de Caixa.


II - ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS E NORMATIVAS

Preliminarmente, lembramos que sobre o assunto em questão existe entendimento sumulado do Tribunal de Contas da União - TCU, no sentido da necessidade do recolhimento das taxas de inscrição na conta do Tesouro Nacional, in verbis:

"SÚMULA Nº 214

Os valores correspondentes às taxas de inscrição em concursos públicos devem ser recolhidos ao Banco do Brasil S.A., à conta do Tesouro Nacional, por meio de documento próprio, de acordo com a sistemática de arrecadação das receitas federais prevista no Decreto-lei nº 1.755, de 31/12/79, e integrar as tomadas ou prestações de contas dos responsáveis ou dirigentes de órgãos da Administração Federal Direta, para exame e julgamento pelo Tribunal de Contas da União."

Recentes decisões do TCU apontam para o pleno vigor da Súmula 214, é o que se pode constatar da leitura das ementas [01] que seguem abaixo:

"Assunto: CONCURSO PÚBLICO. DOU de 06.07.2005, S. 1, p. 221. Ementa: o Tribunal de Contas da União fez referência à Sumula/TCU n° 214, no sentido de que os valores correspondentes às taxas de inscrição em concursos públicos fossem recolhidos no Banco do Brasil S.A., por meio de documento próprio (item 1.1.4, TC-008.531/2005-1, Acórdão n° 1.239/2005-TCU-1a Câmara).

Assunto: OUTROS. DOU de 22.01.2007, S. 1, p. 67. Ementa: o TCU determinou à Fundação Universidade do Rio de Janeiro que: a) organizasse um sistema de controle de custos, de modo a permitir que fosse estimada (com maior precisão) o valor da taxa a ser cobrada dos candidatos quando da realização de vestibulares; b) considerasse como públicos os recursos financeiros oriundos de taxas de inscrição nos processos seletivos, consoante entendimento consubstanciado no Enunciado nº 214 da Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas da União (itens 9.3.1 e 9.3.6, TC-004.139/2002-5, Acórdão nº 6/2007-TCU-Plenário)." (g.n)

O professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, em artigo [02] que trata do valor da taxa de inscrição dos concursos, também nos lembra que "o recolhimento das taxas de concurso é um desses atos, sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União, que já definiu, de acordo com a Súmula nº 214, o recolhimento das taxas de inscrição à conta do Tesouro Nacional." (g.n)

Assim, constatamos que os recursos provenientes das taxas de inscrição devem ser inexoravelmente recolhidos à Conta Única, isto é, à Conta Tesouro.

Como podemos observar, a Súmula 214 do TCU, quando toca na sistemática de arrecadação das receitas federais, faz remissão ao Decreto-Lei nº 1.755/1979, que prevê em seu artigo 1º, litteris:

"Art 1º - A arrecadação de todas as receitas da União far-se-á na forma estabelecida pelo Ministério da Fazenda, devendo o seu produto ser obrigatoriamente recolhido à conta do Tesouro Nacional." (g.n)

De forma idêntica, o Decreto nº 93.872/86, que dispõe sobre a unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, prevê, nos artigos 1º e 2º do Capítulo I, a seguinte disposição:

"CAPÍTULO I

Da Unificação dos Recursos de Caixa do Tesouro Nacional

Art. 1º A realização da receita e da despesa da União far-se-á por via bancária, em estrita observância ao princípio de unidade de caixa (Lei nº 4.320/64, art. 56 e Decreto-lei nº 200/67, art. 74).

Art. 2º A arrecadação de todas as receitas da União far-se-á na forma disciplinada pelo Ministério da Fazenda, devendo o seu produto ser obrigatoriamente recolhido à conta do Tesouro Nacional no Banco do Brasil S.A. (Decreto-lei nº 1.755/79, art. 1º).

§ 1º Para os fins deste decreto, entende-se por receita da União todo e qualquer ingresso de caráter originário ou derivado, ordinário ou extraordinário e de natureza orçamentária ou extra-orçamentária, seja geral ou vinculado, que tenha sido decorrente, produzido ou realizado direta ou indiretamente pelos órgãos competentes.

§ 2º Caberá ao Ministério da Fazenda a apuração e a classificação da receita arrecadada, com vistas à sua destinação constitucional.

§ 3º A posição líquida dos recursos do Tesouro Nacional no Banco do Brasil S.A. será depositada no Banco Central do Brasil, à ordem do Tesouro Nacional."(g.n)

O inciso II do art. 98 da Lei nº 10.707/2003 - Lei de Diretrizes Orçamentárias - atualizando as normas até então referidas, estabeleceu que a arrecadação de receitas far-se-á por intermédio do documento de recolhimento a ser instituído pelo Ministério da Fazenda. O art. 3º do Decreto nº 4.950/2004 autorizou então a Secretaria do Tesouro Nacional - STN - órgão vinculado ao Ministério da Fazenda - a instituir e regulamentar a Guia de Recolhimento da União- GRU, e a Instrução Normativa nº 3 de 2004 da STN instituiu e regulamentou o modelo de GRU.

Pois bem, é justamente esta Guia, GRU, o documento padronizado para ingresso de valores na Conta Única, a ser utilizado pelas Unidades Gestoras (órgãos, fundos, autarquias, fundações e demais entidades da administração pública federal) para a arrecadação de receitas e demais valores ao Tesouro Nacional. Essa Guia visa a substituir o Depósito Direto na Conta Única, objetivando reduzir custos com despesas bancárias e oferecer maior controle e transparência na classificação das receitas.

O tipo de Guia mais adequado ao recolhimento de valores relativos a concurso público é a GRU Cobrança, porquanto pode ser paga pelo candidato em qualquer instituição financeira até a data de vencimento, e não só no Banco do Brasil S.A..

Assim, o depósito feito pelo candidato, segundo o código de recolhimento da futura contratada (v.g.: fundação pública federal), obtido exclusivamente junto à STN (COFIN), entende-se como ingresso feito na Conta Única.

Aliás, há expressa previsão dessa faculdade no art. 2º do citado Decreto nº 4.950/2004, como consta do extrato da norma a seguir apresentado.

"Art. 2º Nos casos de receitas que têm origem no esforço próprio de órgãos e entidades da administração pública nas atividades de fornecimento de bens ou serviços facultativos e na exploração econômica do patrimônio próprio, remunerados por preço, bem como o produto da aplicação financeira, o Ministro de Estado da Fazenda poderá autorizar que a apropriação contábil da receita e o recolhimento do produto da arrecadação sejam realizados no SIAFI nos respectivos órgãos e entidades." (g.n)


III - SISTEMÁTICAS PRESENTES EM CONCURSOS PÚBLICOS - ESTUDO DE CASOS

Não é por outro motivo que, mui recentemente, o próprio Tribunal de Contas da União [03], através do Instituto Serzedello Corrêa ISC, adotou a sistemática de depósito feito pelo candidato por meio de GRU Cobrança, tendo como favorecido o órgão contratado por dispensa de licitação (inc. XIII do art. 24 da Lei 8.666/93), no caso, a Fundação Universidade de Brasília – FUB - (CESPE/UnB), sem se descuidar, por óbvio, da necessidade de reversão ao Tesouro Nacional de eventual diferença a maior relativa ao preço do serviço previamente ajustado no respectivo contrato, tudo conforme previsão das cláusulas 8.2.1 e 8.5 do respectivo contrato, verbis:

"8.2.1 - Os valores das taxas de inscrição serão depositados em conta única do Tesouro Nacional, por meio de GRU (Guia de Recolhimento da União), na Unidade Gestora 154079 e Gestão 15257 - Centro de Seleção e de Promoção de Eventos - CESPE, Banco do Brasil S/A - 001, Agência: 1607-1, Conta-corrente: - 997380632.

...

8.5 - Caso o valor pertinente à arrecadação das taxas de inscrição seja superior ao preço do serviço acertado neste contrato, esta diferença a maior deverá ser revertida ao Tesouro Nacional."

O que dito acima não impede a adoção de outra sistemática, qual seja que os depósitos dos candidatos sejam feitos também por GRU, mas em conta específica do Tesouro Nacional, e o órgão contratante, por seu turno, pague a prestação de serviços à contratada com recursos orçamentários próprios. Procedeu, recentemente, dessa forma o Tribunal Superior Eleitoral [04] - TSE - ao contratar a mesma Fundação Universidade de Brasília (CESPE/UnB), conforme itens 2.2.4 e 4 do respectivo Termo de Referência, vejamos:

"2.2.4. O valor da taxa de inscrição fixado pelo TSE, deverá ser depositado pelo candidato, em conta específica do Tesouro Nacional, mediante recolhimento por meio da GRU (Guia de Recolhimento da União).

...

4. DO PAGAMENTO - O pagamento será efetuado, pelo TSE, de acordo com o cronograma abaixo:

20% após o encerramento das inscrições;

40% após aplicação das provas;

20% após resultado definitivo da prova objetiva e resultado provisório da prova discursiva;

20% após a homologação do resultado do concurso."

Com efeito, é o planejamento do respectivo certame licitatório, mormente como contratação direta ou não, que vai balizar a opção por uma das duas sistemáticas de pagamento pelos serviços prestados pela contratada para a realização do concurso público. Ao se enquadrar a modalidade do certame como dispensa de licitação, viabiliza-se, a depender da escolha da Instituição contratada (se órgãos, fundos, autarquias, fundações e demais entidades da administração pública federal), a opção pelo pagamento da prestação de serviços diretamente pelos candidatos. De outro ponto, caso se opte por realizar a licitação, o caminho natural é o do pagamento à contratada com o orçamento do próprio órgão contratante, isso, por óbvio, por não se conhecer de plano a Instituição vencedora, que poderá não ser apta ao recolhimento em Conta Única (por exemplo: fundação pública estadual).


IV - DECISÃO PARADIGMÁTICA

Por oportuno, ex vi do embasamento legal utilizado pelo TCU, via Instituto Serzedello Corrêa - ISC, para a contratação direta da Fundação Universidade de Brasília - FUB, fazemos alusão ao Acórdão no 569/2005 TCU- Plenário - que julgamos extremamente elucidativo pelo seu conteúdo didático-pedagógico.

O referido Acórdão recomenda, por exemplo, no caso de contratação direta com espeque no inc. XIII do art. 24 da Lei 8.666/93, a observância de "todos os requisitos constantes do citado artigo e demonstre, com critérios objetivos, no seu plano estratégico ou em instrumento congênere, a essencialidade do preenchimento do cargo objeto do concurso público para o seu desenvolvimento institucional". De igual sorte, há expressa determinação para a necessidade de elaboração de "projeto básico e orçamento detalhado anteriormente ao procedimento licitatório".


V - CONCLUSÃO

Como afirmamos alhures, o depósito feito pelo candidato, segundo o código de recolhimento da futura contratada (se órgãos, fundos, autarquias, fundações e demais entidades da administração pública federal), obtido exclusivamente junto à STN (COFIN), tem plena legalidade, porquanto o mesmo é entendido como ingresso feito na Conta Única.


NOTAS

01 In Ementário de Gestão Pública - por Paulo Grazziotin - endereço eletrônico http://groups.google.com.br/group/prgg

02 Fernandes, Jorge U. Jacoby - Concurso Público: O Valor da Taxa de Inscrição. Artigo disponível no seguinte sítio eletrônico: www.jacoby.pro.br

03 Concurso Público para Técnico e Analista de Controle Externo (Contrato nº 01/2007 - ISC/TCU).

04 Contrato TSE nº 65/2006


Autor

  • Marcelo José das Neves

    Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes UCAM, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio. Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro -UniRio. Pós-graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas - FGV/RJ. Articulista e Especialista em Direito Administrativo. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região TRT/RJ.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Marcelo José das. Destinação das taxas de inscrição em concursos públicos vis-à-vis princípio da unidade de caixa. Estudo da legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1732, 29 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11097. Acesso em: 25 abr. 2024.