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As transações relativas a alimentos e o referendo da Defensoria Pública.

Lei nº 11.737/08

As transações relativas a alimentos e o referendo da Defensoria Pública. Lei nº 11.737/08

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Em julho de 2008, entrou em vigor a Lei nº 11.737/08, que alterou o art. 13 da Lei nº 10.741/03 - Estatuto do Idoso - e atribuiu aos Defensores Públicos o poder de referendar transações relativas a alimentos [01].

Indiscutível a importância, notadamente simbólica, de referida lei, haja vista que, se por um lado reafirma o disposto no art. 585, II, do CPC [02], por outro ressalta a importância do direito fundamental de acesso à justiça, através do oferecimento e do estímulo à utilização de meios rápidos e eficazes de composição da lide.

Em uma sociedade complexa, marcada por problemas estruturais, econômicos e sociais de toda ordem, a solução dos conflitos de interesses individuais, através da intervenção estatal, acaba por não conseguir dar resposta ao anseio mais legítimo dos litigantes, qual seja, o de uma efetiva prestação jurisdicional através da conferência eficaz ao detentor do direito material de tudo aquilo que lhe é devido.

Atualmente, em decorrência da malsinada morosidade do Judiciário para a solução dos conflitos, o significado do direito à jurisdição equipara-se, cada vez mais, ao existente nos séculos XVIII e XIX, ou seja, o de apenas possuir a parte o direito formal de propor ou contestar uma ação.

Nesse contexto, visando a dar maior celeridade à solução dos litígios que envolvessem alimentos (legítimos ou legais), foi introduzida em nosso ordenamento a Lei nº 11.737/08, em resposta aos reclames da sociedade (notadamente dos mais carentes) na busca de mecanismos que promovessem a justa e efetiva resolução dos conflitos, verdadeiro significado do conceito de acesso à justiça.

Como é sabido, a solução de conflitos de interesses dá-se através da intervenção absoluta do Estado (prestação jurisidicional), ou à margem de qualquer atividade estatal (composição particular), e, finalmente, em meio às duas formas de solução de conflitos, com os auspícios do Estado, apesar de ser a decisão delegada a particular (composição paraestatal).

Quanto às formas de composição particular, a transação é um dos exemplos mais salutares, já que, apesar da sua natureza contratual (típico negócio jurídico bilateral, estando, inclusive, prevista no Código Civil de 2002 no título referente aos contratos em espécie (Título VI, Capítulo XIX), funciona, em última análise, como meio altamente eficaz de promover a rápida composição de conflitos (legítimo meio alternativo de pacificação social) [03].

Nessa toada, inverossímil imaginarmos a concepção de novos instrumentos de acesso à justiça sem a vinculação desses instrumentos às Defensorias Públicas, já que respondem pelo bom andamento de número considerável de processos em nossa Justiça, ou seja, atuam de forma decisiva para a concretização da chamada justiça social.

Somente a título de exemplo, "As ações cíveis correspondem a 76% das ações ajuizadas ou respondidas pelo país pela Defensoria Pública (...) No ano passado, cada defensor público no país respondeu por uma média de 308,2 ações cíveis e 112,8 ações criminais, realizou 1.594,3 atendimentos e participou de 298,7 audiências." (dados do 2º Diagnóstico da Defensoria Pública, coordenado pelo Ministério da Justiça).

Quanto à Lei nº 11.737/08 propriamente dita, em que pese promover a alteração específica do Estatuto do Idoso (art. 13), verifica-se, desde logo, seu amplo espectro de atuação, sendo, pois, aplicável em qualquer transação que envolva prestação alimentar, tendo ou não idosos como transatores (a mera questão topográfica da norma não funciona como agente limitador de seu âmbito de aplicação) [04].

Tal assertiva decorre da interpretação de referido preceito à luz da Constituição Federal, notadamente da busca da efetivação do acesso à ordem jurídica justa, o que somente se concebe através do alargamento dos mecanismos de pacificação social, sejam ou não jurisdicionais.

Na lição de Marinoni, "Ao estudarmos o direito processual civil através da perspectiva do acesso à justiça, temos que fazer aflorar toda uma problemática inserida em um contexto social e econômico (...) O processualista precisa certificar-se de que toda técnica processual, além de não ser ideologicamente neutra, deve estar sempre voltada a uma finalidade social; deve convencer-se, ainda, de que não somente os órgãos judiciários tradicionais têm condições para solucionar os conflitos de interesses." (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas de Processo Civil. 4ª ed. Malheiros Editores : São Paulo, 2000, pág. 27).

Ademais, a simples interpretação literal do art. 13 modificado já indica que não houve qualquer intenção de limitar seu âmbito de aplicação ao Estatuto do Idoso (não há qualquer indicador limitador no texto em análise), perfazendo-se imperioso, sob a égide de um Direito Constitucional Processual, o alargamento de seu espectro de incidência para todo e qualquer caso que envolva transação de alimentos, pouco importando a figura dos partícipes (se idosos ou não).

Importante ressaltar que, na lição de Fernando Calmon (Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP), "Modernamente, a idéia de assistência judiciária foi substituída pela de assistência jurídica (não limitada a uma demanda judicial), permitindo, assim, uma enorme gama de atuação de Defensoria Pública nas diversas áreas do direito, judicial ou extrajudicialmente..." (in Defensoria Pública de Minas Gerais – legislação aplicável. 2ª ed. Belo Horizonte : Del Rey Editora, 2008).

Desta feita, a conjugação do moderno conceito de assistência jurídica com o postulado constitucional de acesso à justiça resulta no ofertamento de instrumentos efetivos de pacificação social em prol das Defensorias Públicas, como o trazido pela Lei nº 11.737/08, a qual, pela sua singular finalidade, deve e exige o alargamento de seu campo de incidência, para além das fronteiras do Estatuto do Idoso.


BIBLIOGRAFIA:

CALMON, Fernando. Defensoria Pública de Minas Gerais – legislação aplicável. 2ª ed. Belo Horizonte : Del Rey Editora, 2008

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. 10ª Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2004.

DIDIER JR., Fredie. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol. 1. 8ª ed. Salvador JusPODIUM, 2007

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas de Processo Civil. 4ª ed. Malheiros Editores : São Paulo, 2000, pág. 27


Notas

01 Art. 2o O art. 13 da Lei no 10.741, de 1o de outubro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 13. As transações relativas a alimentos poderão ser celebradas perante o Promotor de Justiça ou Defensor Público, que as referendará, e passarão a ter efeito de título executivo extrajudicial nos termos da lei processual civil." (NR)

02 "Art. 585: São títulos executivos extrajudiciais (...) II – ...o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores (...)"

03 DIDIER JR., Fredie. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol. 1. 8ª ed. Salvador : JusPODIUM, 2007, Pág. 69

04 Tem-se, como exemplo: art. 57 da Lei 9.099/95, que não se restringe às causas cíveis de menor complexidade; o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, que não se restringe às relações de consumo


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANO, Cláudio Miranda. As transações relativas a alimentos e o referendo da Defensoria Pública. Lei nº 11.737/08. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1850, 25 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11534. Acesso em: 19 abr. 2024.