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A publicação dos atos administrativos e das leis municipais na imprensa oficial à luz do princípio constitucional da publicidade

A publicação dos atos administrativos e das leis municipais na imprensa oficial à luz do princípio constitucional da publicidade

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O sentido da palavra "publicação" deve ser atualizado: as leis devem ser publicadas na imprensa oficial, de existência obrigatória, não bastando a afixação de seu texto nos locais públicos.

SUMÁRIO: RESUMO. ABSTRACT. INTRODUÇÃO. 1 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1.1 Antecedentes constitucionais. 1.2 Previsão na Constituição de 1988. 1.3 Significado do princípio da publicidade. 1.4 Publicidade e publicação. 2 PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. 2.1 Natureza e finalidade. 2.2 Formas de publicidade. 3 PUBLICIDADE DAS LEIS. 3.1 Atos legislativos e atos administrativos. 3.2 Aplicação do princípio constitucional da publicidade aos atos legislativos. 3.3 Natureza e finalidade da publicação das leis. 3.4 Forma de publicação das leis e o problema específico dos Municípios que não dispõem de órgão oficial para publicação de seus atos. 3.5 Jurisprudência consultada. 4 NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO DAS LEIS NA IMPRENSA OFICIAL POR FORÇA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PUBLICIDADE. 4.1 Sentido atual da publicação das leis sob a ótica da Hermenêutica Constitucional. 4.2 Publicação e novas tecnologias. 4.3 Submissão dos Municípios aos princípios constitucionais de elaboração e publicação das leis CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

RESUMO

Todos os Poderes, entes federados e órgãos da Administração Pública direta e indireta brasileira submetem-se ao princípio constitucional da publicidade, resultante do princípio democrático, o qual determina sejam publicados seus atos administrativos. Os atos legislativos também se curvam a esse princípio, e as leis, para que produzam efeitos no mundo jurídico, devem ser publicadas. O princípio da simetria recomenda que Estados e Municípios observem as regras gerais do processo legislativo ordinário federal, traçadas pela Carta de 1988, inclusive quanto à etapa final da publicação, que deve ser realizada no órgão oficial. À luz da contemporânea Hermenêutica Constitucional, inspirada em Hans-Georg Gadamer, o sentido da palavra publicação deve ser atualizado e interpretado em cotejo com as tecnologias disponíveis, de sorte que as leis devem ser publicadas na imprensa oficial, cuja existência, nesse contexto, é obrigatória, inclusive para os Municípios, não bastando, para cumprimento da publicidade, o antigo costume de afixação de seu texto nos locais públicos, quando esse ente não possuir jornal oficial.

Palavras-chave: Princípio da publicidade. Publicação. Leis municipais. Diário oficial. Princípio da simetria.

ABSTRACT

All powers, federated entities as well as organs of the Brazilian direct and indirect Public Administration, submit to the constitutional principle of publicity, which is a result of the democratic principle that determines that administrative acts should be published. Legislative acts also comply with this principle, and laws must be published in order to be effective in the judicial world. The symmetry principle recommends that States and Municipalities observe the general rules of the ordinary federal legislation process traced by the 1988 Constitution, mainly in relation to the final stage of publication, which must take place at the official organ. In the light of the contemporary Constitutional Hermeneutics, inspired by Hans-Georg Gadamer, the meaning of the word publication must be updated and interpreted according to the available technologies, so that laws should be published by the official press whose existence, in this context, is compulsory, even in Municipalities. The dated custom of posting texts in public places when the entity has no official journal is not enough to the fulfillment of publicity.

Key words: Publicity principle. Publication. Municipal laws. Official journal. Symmetry principle.


INTRODUÇÃO

A Constituição da República de 1988, no art. 37, caput, elevou ao status de princípio constitucional da Administração Pública o princípio da publicidade.

Esse princípio constitui verdadeira garantia do cidadão, seja para que possa exercer seus direitos perante a Administração, seja para que tenha condições de controlar a própria atividade administrativa, através dos mecanismos legais à sua disposição.

As leis, por força do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657, de 04/9/1942), somente entram em vigor depois de publicadas, e a própria Constituição da República, no art. 84, IV, consagra o princípio da publicidade relativamente a tais atos normativos, na medida em que determina ao Chefe do Poder Executivo que publique as leis promulgadas.

Quando se cogita das leis federais, não existe dúvida quanto ao local para sua publicação, qual seja, o Diário Oficial da União, editado pela Imprensa Nacional. No tocante aos Estados-membros, também não existem questionamentos, possuindo, cada um, seu órgão oficial.

O problema surge nos Municípios de pequeno porte e situados nas regiões mais distantes dos grandes centros urbanos, ainda mergulhados na pobreza e no subdesenvolvimento, mesmo no final do Século XX e início deste Século XXI, os quais não instituíram seus Diários Oficiais, seja por falta de recursos financeiros, seja porque editam poucos atos para publicação, seja, ainda, porque seus administradores não dão relevância a uma imprensa oficial própria, e persistem nas antigas práticas de publicação dos atos administrativos e até das leis através de simples afixação de seu texto nos locais públicos, tais o átrio da Prefeitura, os postes da praça principal e as paredes do mercado público.

Diante desse quadro, indaga-se se tais práticas atendem ao sentido hermenêutico atual do princípio da publicidade, consideradas as modernas tecnologias e os meios de publicidade disponibilizados a todos, inclusive aos gestores municipais, e tendo em vista o crescente contingente de interessados nas leis desses entes federados, como exemplo aquelas que dispõem sobre o regime jurídico de trabalho dos servidores públicos e as que instituem o pequeno valor para fins de pagamento das dívidas decorrentes de condenações judiciais, independente da expedição de precatório.

Mostra-se interessante, finalmente - após exame da legislação, da doutrina e da jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho que vêm enfrentando questionamentos acerca da validade de leis não veiculadas no Diário Oficial - apontar, à luz do sentido contemporâneo da expressão, o local adequado para a efetiva publicação das leis municipais, e, assim, dar plena efetividade ao princípio constitucional da publicidade.


1 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Os princípios jurídicos, no constitucionalismo contemporâneo, não são meras propostas, mas, sim, verdadeiros "conteúdos primários diretores do sistema jurídico normativo fundamental de um Estado", situados no topo do ordenamento constitucional, como resultado da transformação, pelo Direito, dos valores consolidados pela sociedade (ROCHA, 1994, p. 25).

1.1 Antecedentes constitucionais

A Administração Pública não foi objeto de expressa referência nas Constituições brasileiras de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e na Emenda Constitucional n. 1, de 1969, ressalvadas menções a temas esparsos, referentes, por exemplo, a cargos e funcionários públicos e à exploração de determinados serviços públicos.

Como observa Lima (2007, p. 63-67), no período imperial a Administração Pública foi marcada pelo privatismo, uma vez que seus agentes submetiam-se ao direito privado, considerando que o próprio Direito Administrativo ainda estava em formação no País. A primeira Carta republicana, por sua vez, desconhecia a doutrina dos atos administrativos, nada obstante aquele ramo do Direito já estivesse em desenvolvimento. Embora as Constituições seguintes contivessem avanços na seara da organização do Estado e do Governo, não chegaram a disciplinar, de modo explícito, a Administração Pública, nem se referiram aos seus princípios, então construídos pela doutrina, referidos na legislação ordinária e acatados pela jurisprudência dos tribunais.

1.2 Previsão na Constituição de 1988

Entre as grandes inovações trazidas pela Constituição de 1988 para o ordenamento jurídico nacional, consta a dedicação de um capítulo inteiro à Administração Pública, contemplando suas Disposições Gerais e a disciplina dos servidores públicos civis e militares, além das regiões administrativas com vistas ao "desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais" (art. 43).

Na redação original, seu art. 37 proclamou, textualmente, os princípios observáveis pela Administração Pública direta, indireta ou fundacional de todos os Poderes dos entes federados, isto é, os da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. A estes foi acrescido, pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998, o princípio da eficiência.

A Carta de 1988 tirou do legislador infraconstitucional o papel exclusivo de regular a função administrativa do Estado, chamando para si a missão de traçar a coluna dorsal do seu regime jurídico, a partir dos referidos princípios, como conseqüência do processo de constitucionalização do Direito Administrativo, característico do Estado Social, diante dos cuidados para com o cidadão - e não meramente com o administrado - perante o Poder Público.

1.3 Significado do princípio da publicidade

Interessa focalizar, neste estudo, o princípio constitucional da publicidade da Administração Pública.

Meirelles (2003, p. 93), a propósito, destaca que

A publicidade como princípio de administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não só no aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos de licitações e os contratos de quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isso é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, e dele pode obter certidão ou fotocópia autenticada para fins constitucionais.

Importante ressaltar, nesse contexto, que a Carta Federal de 1988 proclama o princípio da publicidade, de modo expresso, não apenas no art. 37, caput, mas, também, no art. 5º, XIV (garantia de acesso à informação), XXXIII (obtenção de informações de interesse particular e geral perante os órgãos públicos) e LX (publicidade dos atos processuais), e no art. 93, IX (julgamentos públicos do Poder Judiciário).

E, como explica Rocha (1994, p. 239-240), "o Estado traz a publicidade da Administração na sua própria denominação", traduzindo-lhe a essência mesma, ou seja, pública, mais do que um dos seus princípios constitucionais, não se podendo nem imaginar "uma Administração Pública sem publicidade", no Estado Moderno, como conseqüência do princípio democrático, de sorte a conferir "certeza às condutas estatais e segurança aos direitos individuais e políticos dos cidadãos".

1.4 Publicidade e publicação

Publicidade e publicação não se confundem - como adverte Clève (2000, p. 119, nota de roda-pé n. 51). Conforme se disse linhas atrás, a publicidade tem a ver com a própria essência da Administração Pública. A publicação, por sua vez, constitui uma das formas de viabilização dessa publicidade, mediante a veiculação do texto do ato emanado da Administração Pública.

Nas palavras de Gordillo (2003, p. X-35), "a publicação é uma espécie de publicidade requerida para os regramentos".


2 PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Consideradas as diversas definições de ato administrativo, elege-se, aqui, a formulada por Mello (1979, p. 463), segundo o sentido objetivo ou material: é a "manifestação da vontade do Estado, enquanto poder público, individual, concreta, pessoal, na consecução do seu fim, de realização da utilidade pública, de modo direto e imediato, para produzir efeitos de direito".

Os atos administrativos, por força do comando constitucional, sujeitam-se à publicidade - como visto acima.

2.1 Natureza e finalidade

A publicidade do ato, para Meirelles (2003, p. 92), não constitui seu elemento formativo, mas, sim, "requisito de eficácia e moralidade", uma vez que a "publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos".

Gordillo (2003, p. X-34), a propósito, ressalta a opinião doutrinária prevalecente, segundo a qual a publicidade não integra o ato, de modo que este aperfeiçoa-se quando da sua emissão, e que a publicidade constitui, sim, condição para sua eficácia, podendo ocorrer, inclusive, tempos depois daquela produção.

Rocha (1994, p. 246), por seu turno, sinaliza que a publicação do ato tanto pode constituir requisito de validade como de eficácia, conforme for determinado pelo legislador.

A finalidade da publicação, portanto, é divulgar, "pela forma escrita e nos meios oficialmente determinados", os atos estatais, de sorte que somente após a publicação do ato é que poderá seu cumprimento ser exigido dos cidadãos, além de introduzir modificações no universo jurídico (ROCHA, 1994, p. 246).

2.2 Formas de publicidade

A publicidade é regra decorrente de princípio constitucional, admitindo somente as exceções previstas na própria Constituição, a exemplo dos casos de segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5º, XXXIII, regulamentado pela Lei n. 11.111/2005), e se opera de dois modos: mediante a publicação e a notificação do ato.

A publicação é a espécie de publicidade utilizada quando o ato for de interesse geral, ou indistinto.

Meirelles (2003, p. 92, nota de roda-pé n. 53) relembra que foi o Decreto n. 572, de 12/7/1890, que obrigou a publicação dos atos administrativos - imposição reiterada pelo Decreto n. 84.555, de 12/3/1980. Obviamente que o dever ali previsto destinava-se à publicação dos atos federais.

É certo que compete à lei do ente federado indicar a forma de publicidade dos atos editados por cada um.

Mas, conforme reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal, em decisão reportada por Meirelles (2003, p. 93, nota de roda-pé n. 58), a publicação adequada para os atos da Administração deve ser feita no órgão oficial, não valendo a veiculação somente na imprensa privada, no rádio ou na televisão, enfatizando o mesmo autor que devem ser compreendidos na expressão órgão oficial, além do Diário Oficial, "os jornais contratados" pelas entidades públicas para efetivação das publicações oficiais (p. 93).

Rocha (1994, p. 246-247) ressalta que as "novas tecnologias e o aumento dos atos" administrativos dependentes de veiculação, têm provocado alterações na sistemática de publicação. Por isso que os bancos de dados abertos à consulta pública vêm ganhando espaço, devidamente autorizados em lei, cumprindo importante papel, também, relativamente à economia para os cofres públicos, na medida em que os extratos ou resumos são publicados no órgão oficial, e respectivo inteiro teor é disponibilizado nesses bancos de dados (entenda-se, na Internet), como ocorre, por exemplo, com os editais das licitações e concursos públicos. Adverte, outrossim, que o costume em desuso de divulgação dos atos administrativos através de boletins não pode ser utilizado no lugar da publicação no órgão oficial.

A notificação - forma especial de publicidade - por seu turno, acha-se reservada para o ato de interesse individualizado, quer dizer, que venha a exigir um comportamento individual de determinado cidadão, distinto da coletividade, perante a Administração Pública, na defesa de seus direitos (ROCHA, 1994, p. 248).

Pode ser realizada, para que produza efeitos jurídicos, segundo Gordillo (2003, p. X-35-36), em sintonia com a previsão legal, por exemplo, mediante entrega pessoal, ao interessado, de cópia autêntica do ato; através de notificação pessoal de que o ato está à sua disposição, para vista, na repartição; comunicação postal pessoal da decisão, com aviso de recebimento; telegrama; e-mail e até mesmo a apresentação espontânea do interessado.

Importante é que o particular, induvidosamente, tenha recebido a notificação do seu interesse, para validade da publicidade.


3 PUBLICIDADE DAS LEIS

Conforme inscrito no caput do art. 37 da Constituição da República de 1988, todos os Poderes e todos os entes federados submetem-se aos princípios constitucionais da Administração Pública, entre os quais, o da publicidade.

Tal previsão constitucional é bastante para autorizar a afirmação de que o princípio da publicidade, próprio do Estado de Direito, aplica-se aos atos legislativos, particularmente às leis.

É que não se concebe a idéia de uma lei não publicada.

A publicidade, diante do caráter genérico e abstrato da lei, realiza-se mediante a publicação de seu texto.

3.1 Atos legislativos e atos administrativos

É cediço que o Estado realiza a atividade pública através dos atos administrativos, legislativos e judiciais, sendo que os atos legislativos provêm do Poder Legislativo, os judiciais do Poder Judiciário e os administrativos do Poder Executivo - não, porém, de modo exclusivo, uma vez que Judiciário e Legislativo também praticam atos administrativos (MEIRELLES, 2003, p. 144-145).

Abre-se um parêntese neste tópico para uma breve referência ao regulamento inerente aos poderes do Chefe do Executivo, no passado visto, por alguns, de modo dissociado do ato administrativo (OLIVEIRA, 1992, p. 55-56), considerada a diversidade do regime jurídico da atividade administrativa levada a efeito. Na verdade, porém, o ato regulamentar não deixa de constituir um ato administrativo em sentido amplo - configura ato administrativo "geral e normativo", segundo Meirelles (2003, p. 124), acrescendo-se que, apesar da generalidade e da abstração de seus comandos, também se submete ao controle judicial, ao princípio da legalidade e ao princípio da publicidade - este na medida em que sua eficácia depende de publicação.

3.2 Aplicação do princípio constitucional da publicidade aos atos legislativos

"Publicação é o ato de tornar conhecida a lei por aqueles que lhe devem obediência" (RÁO, 1999, p. 283), ou, nas palavras de Ferreira Filho (2001, p. 75-76), é a "comunicação destinada a levar ao conhecimento daqueles a que obriga o texto da lei", constituindo tal comunicação a presunção de que todos conhecem a lei.

Melhor ainda:

A publicação é o ato pelo qual a decretação, sanção e promulgação da lei são levadas ao conhecimento dos componentes do Estado-sociedade e dos órgãos estatais, enfim, ao conhecimento de todos, para que lhe devam obediência. Então, determina o momento preciso que inicia a sua obrigatoriedade para com eles" (MELLO, 1979, p. 264).

Ferreira Filho (2001, p. 76), reportando-se ao período do Direito Constitucional clássico, recorda que a Constituição Francesa de 1791, no art. 3, de modo expresso, determinava a publicação das leis "pela leitura de seu texto e por sua afixação em lugares públicos", em evidente preocupação de prestigiar a presunção juris et de jure de conhecimento da lei, por todos.

A Constituição brasileira de 1988 disciplina o processo legislativo nos arts. 59 a 69 sem mencionar, porém, expressamente, a publicação - o que é justificável, uma vez que tal medida situa-se em um momento posterior e externo desse processo de elaboração, como condição para eficácia da lei - como se demonstrará no item 3.3 adiante.

O comando para "fazer publicar as leis", formulado pela vigente Constituição, é encontrado no art. 84, IV, entre as competências do Presidente da República, a quem cabe, também, no plano federal, sancioná-las e promulgá-las, ou vetar os projetos de lei (art. 84, V).

É nesse dever de fazer publicar as leis, imposto ao Chefe do Executivo (e às demais autoridades incumbidas da promulgação dos atos legislativos), que se pode identificar o princípio constitucional da publicidade incidindo sobre os atos legislativos, o qual, em cotejo com o mesmo princípio proclamado no art. 37, caput, da Carta Constitucional de 1988, fundamenta e fortalece a publicação já regida e determinada na legislação infraconstitucional, qual seja, a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro - Decreto-Lei n. 4.657, de 04/9/1942, art. 1º.

3.3 Natureza e finalidade da publicação das leis

Discute-se, tal qual relativamente à publicação do ato administrativo, se a publicação da lei constitui requisito para sua validade ou para a eficácia.

Mello (1979, p. 265), ancorado no entendimento de Themístocles Cavalcanti e na jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, explica que é a promulgação que dá vida à lei, cabendo à publicação a função de torná-la obrigatória.

No mesmo sentido a lição de Meirelles (2003, p. 93), para quem a publicação no órgão oficial "produz efeitos jurídicos", quer dizer, constitui exigência para a eficácia da lei.

Ferreira Filho (2001, p. 247) assevera, igualmente, que "a publicação é condição de eficácia do ato normativo", já existente desde a promulgação, como se depreende do art. 1º, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Também assim posiciona-se Clève (2000, p. 119), assentando que a publicidade da lei é requisito de sua eficácia.

Dessa opinião majoritária, porém, não compartilham García de Enterría e Fernández (1991, p. 154-155), e defendem que a publicação da lei "é um requisito essencial para a existência da mesma, não uma simples regra formal ou uma simples condição de eficácia", como sustentam outros autores, uma vez que é a publicação "que faz fé, impede que os destinatários da lei objeto da mesma possam discutir sua existência e conteúdo com base em outras possíveis fontes de conhecimento".

Há de se considerar, nesse contexto, que os planos do mundo jurídico (existência, validade e eficácia) não se confundem, de sorte que a publicação e a promulgação, formam "uma fase de integração da eficácia da lei" (CLÈVE, 2000, p. 119).

A publicação dos atos normativos, pois, constitui condição de sua eficácia, e a finalidade dessa publicação é tornar exigível seu cumprimento, obrigatória a sua observância, presumindo-se, inarredavelmente, que todos os conhecem e que deles não poderão se escusar sob a alegação de ignorância (ignorantia legis neminem excusat).

A publicação cumpre o papel, também, de "determinar a data de entrada em vigor" da lei (GARCÍA DE ENTERRÍA e FERNÁNDEZ, 1991, p. 155).

Por outro lado, considera-se efetivamente publicada a lei quando veiculados todos os seus dispositivos, por mais longo que seja o texto, e, faltando alguma parte, somente produzirão efeitos aquelas disposições que tenham constado da publicação (MELLO, 1979, p. 266).

3.4 Forma de publicação das leis e o problema específico dos Municípios que não dispõem de órgão oficial para publicação de seus atos

É induvidoso que as leis se submetem, como ato jurídico estatal, ao princípio constitucional da publicidade (art. 37, caput"), e que devem ser publicadas (art. 84, IV, da CF de 1988).

Interessa examinar, agora, a forma dessa publicação, considerado o problema focalizado neste estudo, qual seja, o da possibilidade de sua realização senão pelo meio impresso, nos órgãos oficiais, sob a vigência da Carta Constitucional de 1988, e observado o princípio constitucional da publicidade.

A disciplina da forma de publicação das leis sobeja para a legislação ordinária, a qual, independente do meio eleito para veiculação da publicação, não pode perder de vista o sentido do princípio constitucional da publicidade.

A referida Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, em seu art. 1º, condiciona a vigência da lei para "depois de oficialmente publicada".

Comentando esse dispositivo, Diniz (1999, p. 46), pontifica que:

Após a promulgação, vem a sua publicação no Diário Oficial, visando tornar pública a nova lei, possibilitando seu conhecimento pela comunidade e pelos destinatários (LICC, art. 1º). "A vigência da lei pressupõe sua publicação, que integra o processo legislativo e há de ser feita em órgão oficial, sendo irrelevante a publicidade extraoficial. A data da publicação da lei não é a do órgão oficial que a veicula, mas a da efetiva circulação deste" (AASP, 1.868:321).

Infere-se, dessarte, que a citada autora considera que a publicação válida para a lei é apenas aquela realizada no Diário Oficial.

Clève (2000, p. 119), de igual modo, esclarece que, "atualmente, a publicidade opera-se por intermédio da publicação do texto legislativo no jornal oficial".

Comentando o Direito espanhol, García de Enterría e Fernández (1991, p. 155), evidenciam que essa publicação deve ser procedida nos Boletins Oficiais do Estado ou das Comunidades Autônomas - estes quando se tratar de lei local - descartada outra forma de publicação.

Voltando à situação brasileira, Mello (1979, p. 265) escreveu, antes da Constituição de 1988, que "a publicação faz-se no órgão oficial do governo, ou em local oficialmente determinado para sua fixação ou seu registro".

O local de publicação das leis e demais atos normativos federais não padece de dúvidas, posto que a bicentenária Imprensa Oficial tem a incumbência de "registrar diariamente a vida administrativa do Brasil pelos Diários Oficiais" (BRASIL. Imprensa Nacional. Disponível na Internet em: <http://portal.in.gov.br/imprensa/menu/a-imprensa-nacional>. Acesso em: 01 Set.2008). Os Estados, por sua vez, criaram seus órgãos oficiais, destinados à publicação de suas leis, não havendo notícia que algum deles não disponha do próprio Diário Oficial.

A dificuldade surge relativamente aos Municípios, notadamente aqueles situados nas regiões mais remotas e pobres do País, marcados pela carência material e de recursos humanos, que não instituíram nem mantêm um órgão oficial impresso, de circulação regular, para publicação de suas leis, regulamentos, editais e atos administrativos.

Para situações tais, a saída tradicional é aquela descrita por Meirelles (2003, p. 93):

Vale ainda como publicação oficial a afixação dos atos e leis municipais na sede da Prefeitura ou da Câmara, onde não houver órgão oficial, em conformidade com o disposto na Lei Orgânica do Município.

E, à luz dessa praxe antiga, não é difícil encontrar municipalidades, mesmo na vigência da Carta Constitucional de 05/10/1988, "publicando" suas leis no mural do gabinete do Prefeito, na porta da Prefeitura, no poste de energia elétrica ou no tronco da velha árvore da praça central, ou, ainda, em locais tidos como acessíveis à comunidade local, como as paredes do mercado público.

Daí surgiram os questionamentos judiciais que inspiraram o presente estudo, sobre a eficácia das leis municipais instituidoras do regime jurídico de trabalho dos servidores públicos desse ente federado, ou das leis regulamentadoras do pequeno valor para fins de afastamento do rito do precatório para pagamento dos débitos da Fazenda Pública municipal objeto de condenações judiciais, como permitido pelo art. 87 e parágrafo, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com texto dado pela Emenda Constitucional n. 37, de 12/6/2002.

Em específico artigo sobre a publicação das leis municipais intitulado Da Publicação Oficial de Lei Municipal, Moraes (2003) conclui que:

1º- Publicação oficial não se confunde com publicação em Diário Oficial;

2º- A publicação oficial de lei das respectivas esferas de competência faz-se segundo o modo fixado por cada ente; Município fixa seu modo, o Estado, o seu e a União, idem.

3º- A edilidade fixando em Lei Orgânica ou por norma costumeira como forma de publicação oficial a afixação de cópia dos atos normativos no átrio da Prefeitura ou da Câmara Municipal atende-se à exigência legal e constitucional de publicação;

4º- A publicação em Diário Oficial próprio é apenas uma das hipóteses de fixação de modo de publicação;

5º- A publicação de ato municipal em Diário Oficial do Estado ou da União, salvo por imposição legal heterônoma e em casos específicos, só se faz legitima quando o conteúdo do ato transcende os limites da edilidade, sem prejuízo da publicação normal.

Tal conclusão, no entanto, não é compartilhada no presente artigo, como se demonstrará no Capítulo 4.

3.5 Jurisprudência consultada

Pesquisa realizada nos julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho ilustra o dissenso [01] sobre a validade, ou não, da publicação de lei municipal fora do Diário Oficial.

Confiram-se as ementas dos acórdãos adiante transcritas, nos dois sentidos, a título de exemplificação.

Dispensando a publicação no Diário Oficial:

INCOMPETÊNCIA DO JUDICIÁRIO TRABALHISTA - Não cabe desprezar texto legal que instituiu o regime jurídico único sob o argumento de que a publicação não obedeceu o ordenamento legal, pois é sabido que em locais distantes, onde não circula o diário oficial, o conhecimento é dado aos munícipes pela simples afixação nos lugares de amplo acesso, como nos mercados municipais, entrada da Prefeitura e outros. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região - Amazonas e Amapá - 4. Turma, Proc. n. REXRO-5334/1999, sem indicação de relator, julg. em 01/02/2001. Disponível na Internet em: <http://brs02.tst.gov.br/cgi-bin/nph- brs?d=JR08&s1=publica%E7%E3o+e+lei+e+municipal+e+diario+e+oficial&u=http://www.tst.gov.br/brs/juni.html&p=1&r=7&f=G&l=0>. Acesso em: 03 Set.2008).

Exigindo a publicação no Diário Oficial como requisito de eficácia da lei:

Incompetência da Justiça do Trabalho - Ausência de publicação da lei instituidora do regime estatutário no Diário Oficial - Contrato regido pela CLT - Manutenção do julgado. A lei para se tornar obrigatória deve ser integralmente publicada de forma oficial ou seja no Diário Oficial a fim de ser conhecida pela sociedade e obedecida pelos seus destinatários. Em não sendo observado tal requisito a lei municipal instituidora do regime jurídico único (estatuário) não teve sua vigência iniciada e portanto as reclamantes foram contratadas pelo regime da CLT. Além disso postulam títulos de natureza trabalhista e não aqueles assegurados aos estatutários. Portanto a competência para julgar este processo é desta justiça especializada... (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região - Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, Proc. n. RO-00749-2003-003-21-00-2, rel. José Barbosa Filho, publ. no DJE-RN n. 10.762, de 26/6/2004. Disponível na Internet em: <http://brs02.tst.gov.br/cgi-bin/nph-rs?d=JR21&s1=publica%E7%E3o +e+lei+e+municipal+e+di%E1rio+e+oficial&u=http://www.tst.gov.br/brs/juni.html&p=1&r=1&f= G&l=0>. Acesso em: 03 Set.2008).

As normas jurídicas somente passam a vigorar quando oficialmente publicadas nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil. Cumpria ao Município reclamado, em não dispondo de imprensa oficial local, publicar a Lei nº 139/01, instituidora do regime jurídico estatutário, no Diário Oficial do Estado, mas não se desincumbiu de tal mister. Em não havendo o requisito legal da publicidade, não há se falar em vigência da aludida lei. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - Ceará - Proc. n. RO-1552-2005-025-07-00-6, rel. José Antonio Parente da Silva, publ. no DOE/CE de15/9/2006. Disponível na Internet em: <http://brs02.tst.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=JR07&s1=publica%E7%E3o+e+lei+e+municipal+e+di%E1rio+e+oficial&u=http://www.tst.gov.br/brs/juni.html&p=1&r=1&f=G&l=0>. Acesso em 03 Set.2008) [02].


4 NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO DAS LEIS NA IMPRENSA OFICIAL POR FORÇA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PUBLICIDADE

Após a explanação das previsões constitucional e legal sobre a publicidade e a publicação das leis, bem assim uma rápida menção ao entendimento da doutrina e da jurisprudência consultadas, faz-se pertinente demonstrar a posição da autora deste artigo relativamente à necessidade da publicação das leis municipais no Diário Oficial, para que tenham eficácia jurídica.

4.1 Sentido atual da publicação das leis sob a ótica da Hermenêutica Constitucional

Não se pode ignorar, principalmente na vigência da Constituição da República de 1988 - a qual, no seu art. 37, elegeu, entre os princípios que regem a Administração Pública, o princípio da publicidade - que todos os atos emanados da Administração devem dotar-se de publicidade.

Especificamente no que se refere aos atos legislativos, a mesma Constituição traça, a partir do art. 59, mais que o roteiro para edição das leis federais, uma verdadeira linha mestra do processo legislativo a cargo dos entes federados, coroado com a obrigação de publicação, após a promulgação, contida no seu art. 84, IV.

É certo, portanto, que somente produzem efeito no mundo jurídico, sem ofensa à Constituição da República, as leis que passaram por regular processo legislativo, compreendidas a legitimidade da iniciativa da proposição conforme a matéria versada na lei, a discussão, votação, aprovação e remessa para sanção (ou veto), pelo Chefe do Executivo, fechando esse itinerário a publicação na Imprensa Oficial.

A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942), em seu art. 1º, caput, reproduz regra geral segundo a qual "salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada".

Considerando a natureza das disposições gerais contidas nessa Lei (DINIZ, 1999, p. 3), seus ditames se aplicam às relações privadas e públicas e não apenas na seara federal, mas, igualmente, nos planos estadual e municipal. Isso quer dizer que, por simples força da citada Lei, as normas positivadas por Estados e Municípios já estavam submetidas à obrigatoriedade de publicação, para que entrassem em vigor, independente da proclamação constitucional do princípio da publicidade, em 1988.

Diniz (1999, p. 3), após ressaltar que a mencionada Lei independe do Código Civil, apesar da sua denominação, particularmente em seus arts. 1º a 6º contém "limitações específicas às leis em geral", em sintonia com a Constituição da República, relativas "à publicação e a obrigatoriedade das leis".

Inadmissível, portanto, sob pena de inconstitucionalidade, que algum Município disponha, por exemplo, que suas leis entrarão em vigor antes da publicação, ou que não precisem de publicação, muito menos que sejam veiculadas de modo que não cheguem, efetivamente, ao conhecimento público – impossibilitando a presunção de que ninguém pode ignorar as leis, ou a comprovação da data em que, realmente, entraram em vigor – como ocorre nos casos em que os textos das leis são meramente afixados nas paredes ou quadros de avisos das repartições ou locais públicos.

A publicação efetiva, portanto, é indispensável para que a lei produza efeitos no mundo jurídico, notadamente para submeter todos a seus ditames.

Resta, então, delimitar o que se entende por publicação, nos dias atuais, sob a vigência da Carta Federal de 1988.

E, para tanto, melhor recorrer à Hermenêutica Constitucional contemporânea, muito bem representada pela filosofia de Hans-Georg Gadamer, explicada, com clareza, por Pereira (2007).

Para que se obtenha o sentido da obra ou do texto legal alvo da interpretação, de modo mais aproximado da verdade – uma vez que o sentido perfeito é inatingível – o hermeneuta não deve postar-se estático no tempo, nem enclausurar-se no significado existente à época em que produzida a obra, editado o texto, a palavra ou a expressão examinada, muito menos fiar-se na intenção do legislador. Deve, sim, munido de experiências e preconceitos, produto da fusão de horizontes, buscar conhecer novamente o objeto, dando-lhe conteúdo adequado ao momento presente.

Diz, a propósito, Pereira (2007, p. 45), que:

Em conseqüência disso, GADAMER nega qualquer tentativa de pautar o acesso à verdade dos fenômenos através da reconstituição das condições originais subjacentes ao surgimento da obra (no caso, p. ex., da consciência estética) ou do evento histórico (no caso da consciência histórica), o que implica ser inadequado tomar, como ponto de referência, o conhecimento da intenção do autor. Para ele, essa tarefa reconstrutiva é impotente em face da historicidade do nosso ser, porque implica a ilusão de podermos atingir o passado em seus próprios termos, independente de nosso horizonte atual, de nossa situação hermenêutica. Toda atividade interpretativa é reconhecimento (conhecer novamente) e por isso carrega sempre uma parcela de criação, ainda que se dirija à coisa em si.

Como visto, há, no acontecer histórico, relativamente a um determinado fenômeno (um quadro, um poema, uma norma), uma pluralidade de camadas de sentido, uma constante mobilidade de significados cambiantes em função de cada época, de cada conjunto de experiências, de cada situação concreta.

Em sendo assim, a palavra publicação, tomada do início até a metade do Século XX, era interpretada em consonância com os meios de comunicação então disponíveis para documentar e fazer chegar as leis ao conhecimento público, considerando, outrossim, que o contigente populacional dos pequenos Municípios era menor, caso em que se podia aceitar, normalmente, a singela afixação do texto legal na porta de uma repartição municipal, cumprindo-se, daquela forma, o princípio da publicidade.

Mas, em tempos de globalização, na era da informação, final do Século XX e início do Século XXI ora vivenciado; no mundo contemporâneo em que a população aumentou e que, por outro lado, as leis municipais passaram a interessar a pessoas radicadas além dos seus limites territoriais, o sentido do termo publicação deve ser atualizado, novamente conhecido, adaptando-se a essa realidade, de sorte que há de se entender como publicado não apenas o texto da lei disponibilizado aos poucos habitantes da comuna que tiverem acesso aos salões da Prefeitura interiorana, da Câmara Municipal, ou ao mercado público local, mas, sim, o texto impresso, integralmente veiculado no órgão oficial da municipalidade legiferante, à moda da publicação das leis federais e estaduais.

4.2 Publicação e novas tecnologias

A relação entre publicação e novas tecnologias foi objeto de observação de Rocha (1994, p. 246), no sentido de que a Administração Pública deve acompanhá-las, na medida em que servem ao aprimoramento da efetividade do princípio constitucional da publicidade, com economia para os cofres públicos e abertura de acesso a um número crescente de interessados, por exemplo, através dos bancos de dados oficiais.

Na era da informação e da comunicação ultimamente vivenciada, em que as distâncias foram encurtadas por veículos como o telefone, o fac-simile, a Internet e o correio eletrônico, não mais se justifica que alguns Municípios, por mais interioranos e subdesenvolvidos que sejam, recusem-se a sair do atraso e resistam à instituição de uma Imprensa Oficial própria, de circulação diária ou com outra periodicidade, consentânea com suas necessidades, para publicação das leis e demais atos expedidos pela Administração Pública local.

Outra experiência interessante é a reunião de vários Municípios, identificados regionalmente, em associações com finalidade de ajuda mútua, inclusive para manutenção de um órgão impresso destinado à publicação dos seus atos oficiais (Diário Oficial dos Municípios) [03].

Não se justifica, portanto, que se continue ignorando a plena possibilidade e a obrigatoriedade da efetivação das publicações das leis municipais na Imprensa Oficial própria.

4.3 Submissão dos Municípios aos princípios constitucionais de elaboração e publicação das leis

Os Municípios, desde 05/10/1988, gozam do status de ente federado (art. 1º, caput, da CF) e, não, meramente, de uma divisão administrativa dos Estados, ou uma autarquia territorial, como ocorria anteriormente.

Para justificar a publicação das leis locais onde bem entenderem, não vem ao caso falar-se de autonomia dos Municípios, o que permitiria legislarem de modo totalmente diferente do estabelecido, como linha principiológica, pela Constituição da República, no tocante ao processo legislativo federal.

Ferreira Filho (2001, p. 248-249) destaca que a Carta Federal de 1988, ao contrário da anterior (art. 200), não traz expressa determinação de fiel observância do processo legislativo federal pelos Estados-membros, de sorte que eles, a priori, têm autonomia para dispor sobre o processo legislativo estadual, não se lhes podendo exigir que apenas copiem as normas federais. No entanto, a teor do art. 25 dessa Carta, devem ser respeitados os princípios, ou seja, "normas abstratas e genéricas – que se possam deduzir do processo legislativo federal e que sejam suficientemente relevantes para que se justifique sua obrigatoriedade" (p. 249).

Nesse contexto, não pode ser desprezada, porque decorrente de princípios constitucionais, segundo o mesmo autor (p. 249), por exemplo, "a estrutura do processo legislativo ordinário", abrangendo a iniciativa legislativa, a deliberação do parlamento e a sanção do titular do Poder Executivo, ou derrubada do veto mediante quórum qualificado. A isso se acresce a regra da publicidade, seja fundada no princípio constitucional que ilumina toda a Administração Pública (art. 37 da CF de 1988), seja por força desse mesmo princípio voltado especificamente para a publicação das leis (art. 84, IV, da mesma Carta de 1988).

Os Municípios também gozam de auto-organização, nos termos do art. 29, caput, da Constituição da República, mas, não obstante isso, a exemplo dos Estados federados e conforme o citado dispositivo, devem atender os princípios estatuídos na Constituição Estadual e na Carta Federal, como realça Ferreira Filho (2001, p. 249), de modo que

[...] o Município tem ampla autonomia para determinar as regras de seu processo legislativo. Contudo, com a reserva de eventual princípio estatal, essa autonomia é limitada, apenas, pelos mesmos princípios apontados acima como obrigatórios para os Estados-Membros.

Em outras palavras: os Municípios, apesar da autonomia de que gozam, subordinam-se, no processo de elaboração e edição das leis locais, aos princípios traçados para a esfera federal, pela Constituição da República. É a aplicação do princípio da simetria.


CONCLUSÃO

O princípio da publicidade, resultante do princípio democrático e proclamado, com ênfase, no art. 37 da Carta Republicana de 1988, entre os princípios constitucionais da Administração Pública, aplica-se, indistintamente, a todos os Poderes e entes federados, bem assim a todos os órgãos da Administração Pública direta e indireta, ressalvados os casos de sigilo autorizados pela própria Constituição.

Por isso que os atos produzidos pela Administração Pública, para que tenham validade ou eficácia no mundo jurídico, devem ser publicados de modo induvidoso, ficando disponíveis e chegando ao conhecimento do particular com interesse específico perante a Administração, bem como do público em geral, quando se tratar de ato do interesse comum.

Os atos legislativos, particularmente as leis, também se submetem ao princípio constitucional da publicidade, devendo a publicação ser providenciada por quem as promulgou, via de regra o Chefe do Poder Executivo, conforme art. 84, IV, da Carta Federal de 1988.

Somente com a publicação é que as leis produzem efeitos no mundo jurídico, seja para se tornarem de observância compulsória por todos, seja para comprovação da data em que entraram em vigor.

A palavra publicação - sob a ótica da Hermenêutica Constitucional contemporânea, à luz da filosofia de Gadamer, na qual o sentido do texto interpretado deve ser atualizado ou conhecido novamente - deve ter um sentido consentâneo com a época vivenciada no presente, sob os ditames da Constituição de 1988.

Então, nesta era da globalização, da comunicação e da informação, demarcada pelo encurtamento das distâncias geográficas e pela popularização da tecnologia, não se pode entender a forma de publicação das leis municipais, a não ser pela via impressa, no órgão destinado à divulgação dos atos oficiais, entendido aqui como Diário Oficial, seja o órgão oficial privativo do Município expedidor da lei, seja o órgão oficial mantido por vários Municípios associados, para publicação de seus atos, seja, ainda, o órgão oficial do Estado, quando permitido por lei estadual.

Registre-se o avanço já constatado nas formas de publicação dos atos do Poder Público, representado pela veiculação eletrônica (Internet) desses atos, ampliando, certamente, o acesso e o conhecimento de seu conteúdo.

O que não mais se pode conceber como publicação da lei municipal é a simples afixação do seu texto no átrio da Prefeitura, ou no Gabinete do Prefeito, ou no tronco da árvore ou do poste de energia elétrica da praça pública, nem nas paredes do mercado público, para fins de dar validade e força coercitiva à lei - como se fazia no início do século passado, antes do acesso à imprensa e demais meios de comunicação contemporâneos.

Não se pode aceitar, outrossim, que cada gestor público invente ou escolha a forma de publicar as leis locais, conforme suas conveniências, trazendo o caos e a insegurança jurídica aos cidadãos, com desprezo aos princípios e às regras gerais pertinentes à publicação.

A autonomia municipal, por sua vez, não pode ser levada ao exagero equivocado de liberar os Municípios quanto ao cumprimento das regras gerais aplicáveis aos entes da federação, como a publicação de seus atos na imprensa, é claro - como fazem União, Estados e Distrito Federal, relativamente às leis de sua competência – considerado o princípio da simetria.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. O tema ainda não foi aceito pelo Tribunal Superior do Trabalho, através do recurso adequado à unificação do entendimento trabalhista acerca de lei federal (recurso de revista), por defeito na formulação do apelo, como exemplifica o seguinte aresto: "RECURSO DE REVISTA. LEI MUNICIPAL. REGIME ESTATUTÁRIO. PUBLICAÇÃO. AUSÊNCIA DE ÓRGÃO DA IMPRENSA OFICIAL NO MUNICÍPIO. A divergência jurisprudencial suscitada não se presta ao fim pretendido, porquanto inexistente nos arestos colacionados a necessária identidade fática delineada no acórdão regional, nos termos da Súmula 296, I, do TST. Recurso não conhecido". PROC. Nº TST-RR-00538/2001-022-21-00.6, 8. Turma, rel. Min. MÁRCIO EURICO VITRAL AMARO, DJU de 30/5/2008). Disponível na Internet em: <http://aplicacao.tst.jus.br/consultaunificada/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%20538/2001-022-21-00.6&voBase.name=acordao&rowid=AAARiBAAlAAAKCLAAV&dataPublicacao=30/05/2008&query=publicação%20e%20lei%20e%20municipal%20e%20diário%20e%20oficial>. Acesso em: 03 Set.2008.
  2. O TRT-7ª Região, sobre o mesmo tema, qual seja, a necessidade de publicação da lei municipal no Diário Oficial para que produza efeitos jurídicos, expediu a Súmula n. 1, nos seguintes termos: "Somente de admitir, como válida e eficaz, lei que instituir R.J.U., quando sua publicação houver sido feita em órgão oficial, nos termos do art. 1º da LICC" (DJT de 15/10/2008).
  3. Confira-se, por exemplo, dois desses Diários Oficiais na Internet em: <http://www.diariomunicipal.sc.gov.br/> e <http://www.pi.diariooficialeletronico. org/conheca_dom.cfm>. Acesso em: 04 Set.2008.

Autor

  • Evanna Soares

    Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho na 7ª Região (CE). Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires). Mestra em Direito Constitucional (Unifor, Fortaleza). Pós-graduada (Especialização) em Direito Processual (UFPI, Teresina).

    Textos publicados pela autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Evanna. A publicação dos atos administrativos e das leis municipais na imprensa oficial à luz do princípio constitucional da publicidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1982, 4 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12040. Acesso em: 19 abr. 2024.