Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/12066
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O trânsito do triciclo automotor de cabine fechada nas rodovias.

A (in)inteligência da Resolução nº 129/2001 do Conselho Nacional de Trânsito

O trânsito do triciclo automotor de cabine fechada nas rodovias. A (in)inteligência da Resolução nº 129/2001 do Conselho Nacional de Trânsito

Publicado em . Elaborado em .

O Conselho Nacional de Trânsito, no uso das suas atribuições legais [01], editou a Resolução nº 129, de 06 de agosto de 2001, estabelecendo os requisitos de segurança e dispensando a obrigatoriedade do uso do capacete de segurança para o condutor e passageiro do triciclo automotor com cabine fechada, quando em circulação somente em vias urbanas.

Ocorre que, como é comum às Resoluções daquele Colegiado, a redação do art. 1º da epigrafada norma regulamentar conduz o intérprete menos atento a uma conclusão equivocada quanto à exata extensão da proibição dali decorrente.

Preceitua o art. 1º da Resolução nº 129/2001 do CONTRAN, in verbis:

Art. 1º. A circulação do triciclo automotor de cabine fechada está restrita às vias urbanas, sendo proibida sua circulação em rodovias federais, estaduais e do Distrito Federal.

Destarte, a interpretação meramente literal do citado artigo faz o leitor acreditar que o triciclo automotor de cabine fechada somente pode circular nas vias urbanas, estando proibido o seu trânsito nas rodovias federais, estaduais e do Distrito Federal.

Desta equivocada interpretação surgem, ab initio, alguns questionamentos: O triciclo automotor de cabine fechada pode circular nas rodovias municipais? Caso positivo, qual o fundamento para tal diferenciação? O triciclo automotor de cabine aberta pode circular nas rodovias federais, estaduais e do Distrito Federal? Caso positivo, qual o fundamento para tal diferenciação?

A incongruência à que leva os questionamentos acima demonstra claramente que a interpretação do art. 1º da Resolução nº 129/2001 do CONTRAN não pode ser aquela que conduz à proibição pura e simples da circulação do triciclo automotor de cabine fechada nas rodovias federais, estaduais e do Distrito Federal.

Na verdade, a vedação que deflui do art. 1º da Resolução nº 129/2001 do CONTRAN somente ganha sentido se for interpretada em consonância com os seus "considerandos" e com as Resoluções nº 14/1998 e 203/2006 [02] do CONTRAN, delimitando assim a esfera da proibição em discussão.

O triciclo automotor, veículo dotado de três rodas, pode ser de cabine fechada ou aberta.

Conforme estabelece o art. 1º, IV da Resolução nº 14/1998 do CONTRAN [03], o cinto de segurança não é equipamento obrigatório para qualquer triciclo, seja de cabine aberta ou de cabine fechada.

Em contrapartida, à despeito da discussão acerca da legalidade de tal exigência [04], a Resolução nº 203/2006 do CONTRAN [05] determina que o condutor e o passageiro do triciclo automotor - tanto faz que seja de cabine fechada ou aberta - devem usar o capacete de segurança para circular "nas vias públicas".

Destarte, conclui-se que, em regra, para circular nas vias públicas do território nacional, sejam rurais (rodovias e estradas) ou urbanas (de trânsito rápido, arterial, coletora e local) [06], (i) o cinto de segurança não é equipamento obrigatório para o triciclo de cabine fechada ou aberta e (ii) o condutor e o passageiro devem usar o capacete de segurança.

Diante deste quadro geral e com fundamento em parecer favorável da sua Câmara Temática de Assuntos Veiculares, o CONTRAN editou a Resolução nº 129/2001 para disciplinar o não uso (trata-se de uma exceção) do capacete de segurança pelos ocupantes de triciclos de cabine fechada.

Para a exata compreensão do tema em análise, faz-se mister a transcrição de dois dos "considerandos" da epigrafada Resolução nº 129/2001, in verbis:

Considerando que a Câmara Temática de Assuntos Veiculares emitiu parecer favorável visando a dispensa do uso obrigatório do capacete de segurança pelo condutor e passageiros do triciclo automotor, dotado de cabine fechada e equipado com dispositivos de segurança complementares, quando em circulação nas vias urbanas, conforme consta na Ata da 12ª Reunião Ordinária realizada em 06 de abril de 2001 quando em trânsito nas vias urbanas. (grifo nosso)

Considerando que para circular nas vias urbanas, sem a obrigatoriedade do uso de capacete de segurança pelo condutor e passageiros, o tricicilo automotor com cabine fechada deverá atender requisitos de segurança complementares aos exigidos no inciso IV do art. 1º, da Resolução nº 14/98- CONTRAN. (grifo nosso)

Primeiramente, é irrefutável que a exceção da obrigatoriedade do uso do capacete de segurança só se estende ao condutor e passageiro do triciclo automotor de cabine fechada. O condutor e o passageiro do triciclo automotor de cabine aberta ainda continuam obrigados a usarem o capacete de segurança, seja em vias urbanas ou rurais.

De outro lado, o não uso do capacete de segurança pelo condutor e passageiro do triciclo automotor de cabine fechada somente é autorizado quando em circulação nas vias urbanas. Em nenhuma hipótese o condutor e o passageiro do triciclo automotor de cabine fechada poderão deixar de usar o capacete de segurança quando em circulação nas vias rurais (rodovias [07] ou estradas [08]).

Entretanto, o não uso do capacete de segurança pelo condutor e passageiro do triciclo automotor de cabine fechada nas vias urbanas ainda exige que o veículo esteja equipado com dispositivos de segurança complementares aos exigidos no inciso IV do art. 1º da Resolução nº 14/1998 do CONTRAN.

Os referidos dispositivos de segurança complementares [09] encontram-se elencados no art. 2º da Resolução nº 129/2001 do CONTRAN, in verbis:

Art. 2º. Para circular nas áreas urbanas, sem a obrigatoriedade do uso de capacete de segurança pelo condutor e passageiros, o triciclo automotor com cabine fechada deverá estar dotado dos seguintes equipamentos obrigatórios:

1-espelhos retrovisores, de ambos os lados;

2-farol dianteiro, de cor branca ou amarela;

3-lanterna, de cor vermelha, na parte traseira;

4-lanterna de freio de cor vermelha;

5-iluminação da placa traseira;

6-indicadores luminosos de mudança de direção, dianteiro e traseiro;

7-velocímetro;

8-buzina;

9-pneus em condições mínimas de segurança;

10-dispositivo destinado ao controle de ruído do motor;

11-pára-choque traseiro;

12-pára-brisa confeccionado em vidro laminado;

13-limpador de pára-brisa;

14-luzes de posição na parte dianteira (faroletes) de cor branca ou amarela;

15-retrorefletores (catadióptricos) na parte traseira;

16-freios de estacionamento e de serviço, com comandos independentes;

17-dispositivo de sinalização luminosa ou refletora de emergência, independentemente do sistema de iluminação do veículo;

18-extintor de incêndio;

19-cinto de segurança;

20-roda sobressalente, compreendendo o aro e o pneu;

21-macaco, compatível com o peso e a carga do veículo;

22-chave de roda.

Dentre os citados equipamentos obrigatórios complementares merece destaque o cinto de segurança, cujo uso passa a ser obrigatório para o condutor e passageiro do triciclo automotor de cabine fechada que estiver em circulação nas vias urbanas sem o uso do capacete de segurança.

Destaque-se que o cinto de segurança só é equipamento obrigatório para os triciclos de cabine fechada, em trânsito nas vias urbanas, desde que seu condutor e/ou passageiro não estejam usando o capacete de segurança, pois foi esta a situação que desejou disciplinar a Resolução nº 129/2001 do CONTRAN. Não se pode exigir o cinto de segurança do triciclo automotor de cabine fechada – e muito menos do de cabine aberta – nas rodovias, pois ali o condutor e o passageiro jamais poderão circular sem usar o capacete de segurança. Da mesma forma, também não se deve exigir o cinto de segurança do triciclo automotor de cabine fechada em circulação nas vias urbanas se o seu condutor e/ou passageiro estiver usando o capacete de segurança.

Percebe-se assim que a confusão na interpretação do art. 1º da Resolução nº 129/2001 do CONTRAN se dá em razão da sua incongruente redação, o que conduz o leitor menos atento a acreditar que o triciclo de cabine fechada nunca poderá circular nas rodovias federais, estaduais ou municipais.

Como visto, não é esta a melhor exegese. Aliás, seria um contra-senso autorizar o triciclo de cabine aberta a circular na rodovia e não autorizar o triciclo de cabine fechada.

Aliás, a autorização para o não uso do capacete de segurança pelo condutor e passageiro do triciclo automotor de cabine fechada se dá justamente em razão da proteção que a estrutura da própria cabine oferece aos seus ocupantes, que para isto deverão estar "presos" pelo cinto de segurança.

Desta feita, melhor seria se a redação do atacado artigo fosse similar à seguinte: "A circulação do triciclo automotor de cabine fechada, sem o uso do capacete de segurança, está restrita às vias urbanas, sendo proibida sua circulação (sem o uso do capacete) em rodovias federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal."

À guisa de conclusão, parece-me que se o condutor e/ou passageiro do triciclo automotor de cabine fechada, em circulação nas vias urbanas, não estiver usando o capacete de segurança e o veículo não estiver equipado com o cinto de segurança, deverá ser lavrada autuação por infração ao art. 244, I ou II do CTB [10]. De outro lado, se o condutor e/ou passageiro não estiver usando o capacete e tampouco o cinto de segurança, apesar do veículo possuir tal equipamento obrigatório, a infração será a descrita no art. 167 do CTB [11].


REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro e Legislação Complementar em vigor. 2ª ed., Brasília: DENATRAN, 2006.


NOTAS

  1. CTB, art. 12, I
  2. A resolução nº 203/2006 revogou os artigos 1º, 2º e 4º da resolução nº 20/1998, ambas do CONTRAN, que também determinava o uso obrigatório do capacete de segurança para o condutor e passageiro do triciclo automotor, de cabine aberta ou fechada.
  3. O art. 1º, IV da resolução nº 14/1998 do CONTRAN elenca os equipamentos obrigatórios a serem exigidos das motocicletas, motonetas e triciclos e, dentre eles, não se alinha o cinto de segurança.
  4. Os artigos 54, 55 e 244 do CTB somente exigem o uso do capacete de segurança para o condutor e passageiro das motocicletas, motonetas e ciclomotores. A obrigatoriedade do uso do capacete de segurança pelo condutor e passageiros do triciclo e do quadriciclo automotores foi estabelecida inicialmente pela resolução nº 20/98 e reproduzida na resolução nº 203/2006, ambas de CONTRAN.
  5. Resolução 203/2006 do CONTRAN, art. 1º, caput. È obrigatório, para circular nas vias públicas, o uso do capacete de segurança pelo condutor e passageiro da motocicleta, motoneta, ciclomotor, triciclo motorizado e quadriciclo motorizado.
  6. CTB, art. 60.
  7. CTB, Anexo I: Rodovia é a via rural pavimentada.
  8. CTB, Anexo I: Estrada é a via rural não pavimentada.
  9. Resolução nº 129/2001, art. 2º, § 1o. A relação de que trata este artigo contempla e inclui os equipamentos obrigatórios exigidos no inciso IV, do artigo 1º da Resolução nº 14/98 – CONTRAN. (grifo nosso)
  10. CTB, Art. 244. Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor: I – seu usar o capacete de segurança com viseira ou óculos de proteção e vestuário de acordo com as normas e especificações aprovadas pelo CONTRAN; II – transportando passageiro sem o capacete de segurança, na forma estabelecida no inciso anterior, ou fora do assento suplementar colocado atrás do condutor ou em carro lateral.
  11. CTB, Art. 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARANÃO, Adriano. O trânsito do triciclo automotor de cabine fechada nas rodovias. A (in)inteligência da Resolução nº 129/2001 do Conselho Nacional de Trânsito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1990, 12 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12066. Acesso em: 23 abr. 2024.