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Por uma nova cultura dialógica no processo.

O princípio da oralidade como instrumento de efetivação de uma escuta criativa

Por uma nova cultura dialógica no processo. O princípio da oralidade como instrumento de efetivação de uma escuta criativa

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Resumo: Neste trabalho tratamos do princípio da oralidade como instrumento de efetivação de uma escuta criativa no processo, na luta por uma nova cultura jurídica dialógica. Observando o discurso jurídico tradicional, pautado no senso comum teórico dos juristas, buscamos elementos e exercícios de escuta e de diálogo, de forma a auxiliar o juiz no julgamento das demandas, bem como proporcionar às partes um maior entendimento e preservação de suas relações afetivas.

Palavras-chave: Princípio da Oralidade, Escuta Criativa, Discurso Jurídico, Cultura Jurídica Dialógica.

For a new culture in forensic dialogue: the orality''s principle as an instrument of effecting a criative listening

Abstract: In this work, we deal with orality''s principle as an instrument of effecting a creative listening, in search for a new culture in forensic dialogue. Observing a traditional forensic speach, based on the jurisconsul’s theoretical common sense, we search for elements and listening dialogue practices, trying to help a judge in the process of judgement, as well as offering the sides a better understanding and maintenance of their afective relationships.

Keywords: Orality’s principle, Creative Listening; Judicial speech; listening dialogue practices.


INTRODUÇÃO

Percebe-se na atual prática do Direito e no discurso jurídico, a mitigação do princípio da oralidade em face da preferência de atos escritos, o que gera a "papelização [01]" do processo e acaba impedindo a formação de uma cultura ouvinte dos atos processuais.

As pessoas participantes do sistema de justiça costumam cumprir papéis pré-estabelecidos que lhes roubam a criatividade, a originalidade e a interação. Ao cumprir os rituais jurídicos de forma alienada, sem questioná-los, perdemos a sensibilidade que nos caracteriza como seres humanos. No paradigma dominante, a justiça possui um viés antidemocrático o qual pretendemos combater.

Desta forma, emerge a necessidade de criarmos meios e exercícios de escuta que recupere o nosso sentido auditivo. Percebendo esta necessidade a partir da conexão entre oralidade e escuta, pretendemos investigar a possibilidade de efetivação de uma cultura dialógica no processo.

Mas, afinal, o que se entende por processo? Segundo leciona Ovídio Baptista:

Processo (processus, do verbo procedere) significa avançar, caminhar em direção a um fim. Todo processo, portanto, envolve a idéia de temporalidade, de um desenvolver-se temporalmente, a partir de um ponto inicial até atingir o fim desejado. Nem só no direito ou nas ciências sociais existem processos. Também na química as transformações da matéria se dão através de um processo; e na biologia costuma-se falar em processo digestivo, processo de conhecimento dos seres vivos etc. (BAPTISTA DA SILVA, 2000, p. 13).

Sobre o elo do processo ao Direito, o referido autor refere:

No direito, o emprego da palavra processo está ligada à idéia de processo judicial, correspondente à atividade que se desenvolve perante os tribunais para obtenção da tutela jurídica estatal, tendente ao reconhecimento e realização da ordem jurídica e dos direitos, sejam individuais ou coletivos que ela estabelece e protege. (OVÍDIO BAPTISTA, 2000, p. 13).

Isto nos faz pensar sobre a necessidade da criação do processo. O mesmo foi forjado com a finalidade de impedir que os sujeitos agissem por seus próprios meios, afastando a autotutela. Para isso, foi estabelecida a necessidade de recorrer ao Estado – o detentor da jurisdição –, para que este outorgasse, protegesse ou restabelecesse o direito a quem o tivesse.

O processo, assim, ao tentar impedir a vitória do mais forte para garantir uma boa convivência social, acabou criando mecanismos que ameaçam o acesso à Justiça dialógica, ou seja, à oralidade e à escuta.

Mas como realizar uma tarefa que priorize a escuta e a oralidade de forma a possibilitar a composição de uma cultura dialógica ao processo? O passo inicial para compreender uma dimensão criativa da escuta é encarar o processo desde seu primeiro ato como se fosse um processo único, pois, como lembra o processualista Piero Calamandrei, "no processo o advogado está a defender uma causa grave, uma dessas causas que não são raras, mesmo no cível. A vida de um homem, a felicidade de uma família inteira dependem do resultado do advogado" [02].

A partir desta colocação do processualista italiano, percebemos a importante e árdua tarefa que o advogado tem a sua frente. Ele é sabidamente um dos responsáveis pela papelização do processo, uma vez que, em geral, os advogados preferem a utilização de atos escritos. Ainda uma boa parcela dos profissionais do direito têm dificuldade em expressar-se da forma oral, apegando-se a máximas e brocardos jurídicos, ou seja, ao discurso jurídico e suas formalidades, ao invés de se preocuparem efetivamente com a causa depositada em sua confiança, que significa diretamente preocupar-se com alguém.

Porém, com o volume de trabalho, demora no deslinde das causas, burocratização da justiça, isto não tem ocorrido. Atualmente, os nossos tribunais superiores desenvolvem uma espécie de linha de montagem jurídica, em que até os estagiários trabalham por cota de produtividade, uma forma de estimular a competitividade entre os gabinetes. (PINHEIRO, 2006, p. 21).

Esta realidade de competição e estímulo à produtividade convive com a descrença popular em relação à Justiça. A "clientela" do Judiciário tende a ver o sistema jurídico com desconfiança e até medo. Isto ocorre, porque os conflitos humanos têm sido encarados como problema, como se não tivessem uma dimensão pedagógica [03].

A descrença na Justiça retrata a crise da modernidade, que estabeleceu lugares seguros não mais sustentáveis. Diante desse quadro de insuficiência do Direito para regular as relações sociais, o desafio é a abertura democrática do sistema de justiça aos cidadãos. (PINHEIRO, 2006, p. 4).

A partir destas questões, trataremos da oralidade como o princípio efetivador de uma escuta criativa no processo, pois escuta e oralidade, em nosso entendimento, é uma combinação indissociável se pretendemos realizar a justiça e compor uma cultura dialógica no processo.


1.A ORDEM DO DISCURSO E O DISCURSO DA ORDEM DO JUIZ

O discurso judicial moderno, já percebemos, não é capaz de fornecer respostas e soluções completas para todos os problemas jurídico-processuais. No que tange ao processo em geral, o discurso normalmente é apegado a dados como forma, prazos, verdade, validade, natureza jurídica, todos elementos de dominação e de exercício de poder do discurso jurídico.

Porém, um discurso só pode ser discurso se tiver alguém como ouvinte. Assim, pretendemos demonstrar que a oralidade e a escuta precisam andar de mãos dadas, pois oralidade sem escuta é justiça surda e escuta sem oralidade é justiça muda. Conjugando oralidade e escuta, vislumbramos um potencial emancipador ao direito e ao processo, pois este último pode ter uma finalidade extra: de aprendizagem sobre o diálogo e a escuta.

Porém, sabemos que no âmbito forense, de maneira peculiar, impõem-se restrições ao falar [04], ou seja, ninguém está autorizado a dizer o que bem entende, da forma que bem quer – há mecanismos que controlam a forma e o próprio acontecimento discursivo.

O presente trabalho pretende qualificar a sala de audiências [05] como o lugar principal de exercício da oralidade e da escuta, ou seja, ela é o palco do grande espetáculo jurídico. A sala de audiências é, neste sentido, uma oportunidade do sujeito constituir sua identidade. Ao participar do diálogo realizado na sala de audiências, o sujeito ocupa o papel de interlocutor e de locutor em relação a um outro.

Contudo, a sala de audiência é um lugar de movimentos e espaços pré-estabelecidos, que pode parecer hostil e frio. Neste local, o olhar do jurista e seu ouvido são disciplinados. Isto serve para que as regras do discurso judicial sejam automaticamente seguidas, concentrando-se na análise normativa do litígio, numa atividade técnica que rouba a originalidade dos conflitos, despreocupada com as sensações de angústia sentida pelas partes. (PINHEIRO, 2006, p. 1-2).

Raras vezes é noticiada a existência de medidas alternativas e sensíveis nas audiências. Mais comum é o seguimento da pauta das audiências no modelo tradicional, com média de cinco a quinze minutos em cada audiência, a depender da complexidade do conflito. O juiz normalmente não analisou o processo e faz a análise de forma rápida enquanto o escrivão prepara a ata e os advogados se arrumam nas cadeiras em posição de ataque e defesa.

Nos dizeres do processualista Darcy Guimarães:

O acúmulo de serviço hoje no Brasil é tamanho, tanto que o magistrado não possui tempo para preparar o processo antes da audiência preliminar, resumindo-se a ler o processo no início da sessão, o que prejudica totalmente o saneamento e a fixação dos pontos controvertidos; pois, como pode o magistrado sanear algo que não conhece? (GUIMARÃES, 1999, p. 778).

O juiz então propõe suas perguntas, os advogados respondem, as partes observam apreensivas, pois têm sua participação limitada pela ordem do discurso e pelo discurso da ordem do juiz, que é quem tudo determina e autoriza, e também pela instrução pessoal do advogado, que normalmente orienta os clientes a falar o menos possível.

Segundo Foucault, "a disciplina é um princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma ritualização permanente das regras". (FOUCAULT, 2007, p. 36).

Assim, à disciplina interessa estabelecer os lugares que devem ou não ser ocupados, os discursos que devem ou não ser incentivados e os que devem ou não ser interrompidos, sem que o controle possa ser percebido. (PINHEIRO, 2006, p.19).

No entendimento de Carolina Pinheiro:

A disciplina organiza um espaço analítico, onde é possível caracterizar cada indivíduo como único e ao mesmo tempo ordenar a multiplicidade assinalada de maneira que nada saia do lugar. Para manter tudo em ordem, as normas e o poder de criá-los, a igualdade e liberdades formais se inserem como importantes elementos na quase invisível rede disciplinar. (PINHEIRO, 2006, p.19).

Segundo Foucault, existem condições de imposição aos indivíduos que pronunciam certo número de regras e assim de não permitir que todo mundo tenha acesso a elas. Rarefação dos sujeitos que falam; ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer algumas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo. Ou seja, nem todas as regiões do discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são altamente proibidas. (FOUCAULT, 2007, p. 36-37).

No sistema jurídico percebemos a prática de atos em seqüência mecânica de produção, como um ritual, o que, para Foucault, é a forma mais superficial e visível de restrição do discurso. Segundo ele,

[...] O ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (e que, no jogo de um diálogo, da interrogação, da recitação, devem ocupar determinada posição e formular determinado tipo de enunciado); define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção. Os discursos religiosos, judiciários, políticos não podem ser dissociados dessa prática de um ritual que determina para os sujeitos que falam, ao mesmo tempo, propriedades singulares e papéis preestabelecidos. (FOUCAULT, 2007, p. 38-39).

Sabemos que muitos são os mecanismos que disciplinam nossa subjetividade no âmbito judicial, cujos efeitos se localizam bem perto de nós: nos nossos corpos, na determinação dos comportamentos, no discurso repetido e pré-estabelecido etc. É preciso ter o ouvido atento para os pequenos ruídos que indicam as incongruências que passam despercebidos aos olhos dos operadores jurídicos. (PINHEIRO, 2006.).

Porém, muitas vozes romperam o silêncio e analisaram o discurso judicial tal como ele é, como foi o caso do professor Luis Alberto Warat. O referido autor realizou uma contundente crítica ao discurso jurídico, reivindicando um saber crítico que o analisasse do ponto de vista epistemológico.

Assim, para o referido autor, o conjunto de hábitos dos operadores do Direito formou um sistema de verdades, que ele argutamente denominou de senso comum teórico dos juristas, que estabelece uma série de conceitos estereotipados sobre o direito.

E adiante explica o que significa a referida expressão:

Metaforicamente, caracterizamos o senso comum teórico como a voz "off" do direito, como uma caravana de ecos legitimadores de um conjunto de crenças, a partir das quais, podemos dispensar o aprofundamento das condições e das relações que tais crenças mitificam". (WARAT, 1982, p. 54).

Warat adverte que existe uma violência estrutural na linguagem do discurso jurídico, cujo efeito central é transformar os sujeitos sociais em objetos de poder. O autor identifica algumas regiões do senso comum teórico: região das crenças ideológicas, região das opiniões éticas, região das crenças epistemológicas e a região dos conhecimentos vulgares. (WARAT, 1982, p. 56-57).

Nas palavras do autor:

Todas essas regiões influem, conscientemente ou inconscientemente, na formação do espírito jurídico; num saber que provocando conotativamente a opacidade das relações sociais, afasta os juristas da compreensão do papel do direito e do seu conhecimento na sociedade. (WARAT,1982, p. 57).

Neste cenário, o processo tornou-se um espaço de formas e de repetição frenéticas, um dos campos férteis para o senso comum teórico se proliferar. Lá é o seu esconderijo preferido e lá descansa o seu sono tranqüilo e calmo até nos darmos conta do verdadeiro papel do direito: o papel emancipador. Estamos presos a um discurso que se prolifera mas que não escuta, que não interage, um discurso egoísta e surdo. Um discurso que nos aprisiona, que não liberta e não alforria.

Foucault propõe a "genealogia" como uma das formas de se insurgir contra os efeitos de poder e de saber do discurso científico. A genealogia trata de conferir escuta aos:

[...] saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica e unitária que pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome dos direitos de uma ciência detida por alguns. As genealogias não são portanto retornos positivistas a uma forma de ciência mais atenta ou exata, mas anti-ciências. [....] São os efeitos de poder próprios a um discurso considerado científico que a genealogia deve combater (FOUCAULT, 2000, p.171).

Porém, a práxis jurídica e sua frenética repetição alienadora de atos, canibaliza formas periféricas de saber e de realizar a justiça, nos roubando a sensibilidade.

Segundo Carolina Pinheiro, "a ousadia de expressar quem realmente somos perante a justiça é constantemente ajustada, quando não punida, em casos cujos desvios do padrão se apresentam como graves". (PINHEIRO, 2006. p. 19).

Assim, seguimos os modelos, sem questioná-los, deixando pelo caminho nossa memória de liberdade e criatividade. Nestes termos, faz-se necessária uma releitura do princípio da oralidade, pois, se o mesmo for utilizado em uma nova perspectiva, aliado à escuta, pode fornecer maior interação entre as partes no processo, o que nos permitirá compor uma cultura dialógica, que veja no processo uma possibilidade de emancipação do homem.

Apesar da tímida defesa de atos orais em relação a atos escritos, muitos autores pregam a preferência por atos escritos em prol da sonhada e mitológica segurança jurídica. Em nome desse outro princípio, mitiga-se a oralidade e com ela castram-se a criatividade e a escuta sensível.

A partir da análise de alguns dispositivos da legislação, encontramos alguns meios que privilegiam a oralidade, como veremos adiante. Porém, estes dispositivos criados para facilitar o diálogo entre as partes, não são vistos com bons olhos por muitos advogados que, na sua maioria, têm preferência pela produção de atos escritos.

Assim, existe um grande potencial a ser desenvolvido entre a oralidade e a escuta no processo. Se for excluído este potencial criativo, nossos sentidos perderão efetividade e as palavras proferidas tornar-se-ão ruídos estéreis, sem sentido, ou seja, muito pouco continuará sendo aproveitado pelo juiz no contato com as partes.


2. O FINO TRATO SOCIAL DA AUDIÊNCIA: O DISCURSO DA ETIQUETA JURÍDICA E DAS BOAS MANEIRAS NOS TRIBUNAIS

Mário Antônio Lobato de Paiva, advogado, talvez por estar cansado das incongruências nos rituais jurídicos que ocorrem dentro das salas de audiências, escreveu um artigo sobre o comportamento da partes, lá onde é o local privilegiador da escuta [06].

Neste artigo, o referido autor demonstra claramente sua vontade em cooperar com seus colegas advogados, para que não sejam surpreendidos no momento em que estarão atuando em defesa de seus clientes. Isto fica claro quando ele refere:

Após alguns anos de exercício da advocacia participando de diversas audiências das mais variadas causas penais, trabalhistas e cíveis em Cortes Estaduais e Federais inferiores e superiores vemos a necessidade de tecer alguns comentários sobre o comportamento das pessoas que atuam efetivamente na realização de uma audiência com o objetivo de evitar inconvenientes desastrosos bem como auxiliar os colegas para que haja uma melhor e mais pacífica instrução e realização dos fins a que se predispõe a audiência. (PAIVA, 2005).

Quanto ao comportamento das partes, o advogado recomenda:

O advogado deve primeiramente, orientar seus clientes, se possível, antes da realização da audiência, de como deve ser seu comportamento perante o juiz. Deve a parte trajar-se de forma condigna, ou seja, os homens de calça, sapato e camisas de manga e, as mulheres devem evitar decotes e saias curtas sob pena de nem mesmo conseguir adentrar na Corte. (IDEM, 2005).

Mais adiante, o autor se refere ao comportamento dos advogados de forma específica:

Aos advogados observo certa confusão na defesa dos interesses de seus clientes. Veja bem caro colega. Quando estiver defendendo seu cliente em audiência seja cortês, cumprimente a parte adversa, não assimile as emoções vividas pelo seu cliente pois você deve se comportar como uma espécie de instrumento de acesso à justiça para que o litigante tenha assegurado um deslinde eficaz de sua demanda ou pelo menos uma defesa digna que respeite o amplo contraditório.

Evite caro colega exageros e palavras grosseiras, tanto nas peças apresentadas como em suas perguntas e exposições. Seja técnico e se atenha a causa e aos fins para que foi constituído evitando o uso de caminhos que dificilmente levarão a conquista de seus objetivos bem como a efetiva e válida prestação de seus nobres serviços.

Consideramos a necessidade de exposição destas simples recomendações acima delineadas em virtude de nos deparamos freqüentemente com essas situações que devem ser observadas por quem exerce a atividade jurídica para que tenhamos um melhor desenvolvimento em audiência e consigamos realizar os fins almejados por uma audiência". (IDEM, 2005.).

Estas recomendações nos servem para mostrar que alguns advogados travam verdadeiras batalhas e acabam por prejudicar o acesso à justiça, exatamente o contrário que deveriam estar realizando. Segundo Calamandrei,

Hoje, todos sabem que um processo, mesmo cível, não é uma competição atlética, mas a mais ciosa e elevada função do Estado. As escaramuças já não são admissíveis nas audiências judiciárias. Os advogados não são palhaços de circo, nem conferencistas mundanos, e a justiça é coisa séria. (CALAMANDREI, 2006, página 23).

Calamandrei, após anos de experiência como advogado na Itália, refere que os advogados quando não têm vestida a toga, são pessoas amáveis e discretas, que conhecem e usam as regras da civilidade. Sabem que não devem levantar a voz quando se conversa, usam palavras simples e têm o cuidado de não interromper o seu interlocutor. No entanto, quando estão em audiência, esses homens de agradável companhia esquecem as boas maneiras e arrancam das profundezas da gorja uma voz furiosa, mudam seus gestos, vocabulários e até a pronúncia de determinadas consoantes. (CALAMANDREI, 2006, p. 24).

Isto nos faz pensar se ainda quem berra mais alto pensa que será o campeão, o que mais gesticula, o que mais interrompe o interlocutor, o que mais fala e que faz mais solicitações. Mas não nos parece este o caminho para uma nova cultura dialógica emancipadora para o processo. A advocacia que se preocupa apenas com estas questões e trabalha com esta perspectiva está a blasfemar sobre a justiça, pois pode apenas resolver de forma aparente os conflitos, maquiando-os. Esse tipo de advocacia despreocupada com a cidadania faz com que todos sejamos perdedores, não importando o resultado do processo. Este tipo de trabalho reverencia a força, o desprezo pelo sentimento alheio e pela convivência.

Combater esta prática institucionalizadora de conflitos e proliferadora de processos esbarra em muitas dificuldades. Pois além desta prática, convivemos com atos atentatórios ao acesso à justiça. Um exemplo disso foi o que ocorreu no ano de 2007, quando fomos surpreendidos com a notícia de que um juiz da comarca de Cascavel, no Paraná, suspendeu a audiência de um trabalhador, por este calçar chinelos. Para o juiz, aquele calçado não estava de acordo com a dignidade da justiça [07] e o mesmo negou-se a abrir o processo. O caso tomou repercussão nacional, com a manifestação de várias entidades de Direitos Humanos, da Justiça do Trabalho e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. O trabalhador foi procurado e apenas disse que seus pés estavam limpos e que não possuía sapatos, razão pela qual calçava chinelos. Este um típico caso de surdez de magistrado. O juiz não estava interessado em ouvir, em saber porque o trabalhador estava ali, qual injustiça poderia ter sido cometida contra ele, qual o seu pedido, ou seja, faltou vontade de escuta.

Este episódio mostra claramente o que Joaquín Herrera Flores chama de paixões tristes [08]. O referido juiz, ao fechar os olhos para a causa do trabalhador, perdeu uma grande oportunidade. Naquele momento o juiz perdeu de vista o humano, ou seja, a possibilidade de se transformar e transformar o mundo. Perdeu a oportunidade de ser tolerante, de respeitar a diferença e a cidadania. Ele perdeu a oportunidade de "fazer-desfazer,"criar-recriar" seu mundo.

Entendemos que mais do que regras de etiqueta judiciárias, é preciso criar e proteger nossa cidadania, que volte nosso olhar e nossa escuta para perspectivas de vida e de convivência entre as pessoas. Que veja no direito uma possibilidade emancipadora e faça com que o processo torne possível a constituição da identidade cidadã do sujeito, a ser obtido por meio do diálogo.

A partir desta análise podemos diagnosticar os problemas enfrentados no dia-a-dia forense, o que nos faz propor alternativas para uma nova cultura no processo, que seja habitada pelo diálogo e pela escuta. Seguimos em direção de um sistema de justiça que dê voz às partes para que possam propor, dar sugestões, compor seus conflitos. Assim, a voz do advogado não deve ser a única voz proclamada e escutada.


3.A SALA DE AUDIÊNCIAS: EM BUSCA DE UMA MELHOR CONVIVÊNCIA

Já destacamos que a sala de audiência é um dos locais do grande aprendizado sobre a convivência humana. Mas não é o único. O aprendizado sobre novos caminhos para a realização da Justiça Dialógica, nos é ensinada nos corredores dos Fóruns, nas filas dos Cartórios, na ante-sala dos Gabinetes dos Juízes e dos Desembargadores, nos elevadores dos Prédios da Justiça, na sala dos advogados, no suor e nas lágrimas das partes, transeuntes dos Fóruns. Basta observar, ouvir esses ruídos, perceber com todos os sentidos que nos falta "vontade de escuta". Só assim transformaremos a experiência em aprendizado apto a colaborar na construção de identidades cidadãs.

Nas palavras de Carolina Pinheiro:

A audiência de instrução e julgamento é um dos momentos mais importantes do processo no qual, pretensamente em busca da descoberta da verdade, as provas orais são produzidas, as escritas são completadas, e em tese há o debate entre as partes. Inicialmente, os peritos e assistentes técnicos respondem os quesitos da perícia; seguem-se os depoimentos do autor, do réu e as declarações das testemunhas arroladas por cada parte, respectivamente. Durante qualquer depoimento, somente com a autorização do juiz pode haver intervenções. Ao fim, o juiz permite que ambos os procuradores façam perguntas ao depoente, que se realizam tradicionalmente de forma indireta. As perguntas são dirigidas ao juiz, que as defere ou não. Em caso de deferimento, o magistrado repete a questão ao depoente. O caminho da resposta é o mesmo: o depoente responde e o juiz repete suas palavras em discurso indireto para o escrevente. (PINHEIRO, 2006, p. 24-25)

O ritual das audiências é, assim, formal e monótono. O juiz fica no centro, o que expressa uma relação vertical. Os juízes são chamados de Vossa Excelência, os procuradores de doutor e doutora e as partes de senhora e senhor. O juiz exerce o poder de polícia podendo retirar da sala de audiências os que não se comportarem convenientemente. (PINHEIRO, 2006, p. 25).

Esse ritual e a forma de tratamento utilizadas nas salas de audiências, desprezam os sentimentos sob o pretexto de preservá-los. Obrigam o juiz e o Ministério Público a serem imparciais em suas decisões e pareceres. Um processo frio e hostil que acaba desumanizando a justiça, afastando o juiz das partes e o Ministério Público de sua mais importante missão: a de proteger os interesses e o convívio da sociedade.

A mudança de símbolos das salas de audiência pode desestabilizar alguns dos estados de dominação que obstruem os fluxos de comunicação. É possível mudar o texto alterando o contexto. Modificar as posições dos corpos e a linguagem presa a jargões técnicos pode transformar as relações. Tais mudanças movimentam imaginários, pois fragilizam os lugares comuns e abrem espaço para a criatividade. (PINHEIRO, 2006, p. 27).

Nestes termos, usando a criatividade e sensibilidade, podemos utilizar meios que desestabilizem os lugares comuns e seguros organizados pelos rituais jurídicos e, desta forma, poderemos pensar em mudanças e ações transformadoras que humanizem a justiça e melhorem as relações sociais.


4.ORALIDADE E ESCUTA: EM BUSCA DA CULTURA DIALÓGICA

Buscamos agora uma compreensão sobre os princípios da oralidade e da escuta, conjugando-os de uma forma criativa, para que juntas, sejam capazes de forjar uma nova cultura dialógica no processo. Analisaremos os princípios, principalmente, sob o prisma do paradigma dominante, ou seja, individualmente, a fim de conjugá-los, ao final, em busca de uma ação transformadora que nos indique caminhos para a criação de condições materiais para uma nova cultura que evidencie e privilegie o diálogo.


5.O PRINCÍPIO DA ORALIDADE

O princípio da oralidade é uma das bases para uma escuta criativa. Porém encontramos muitas barreiras na legislação pátria e nos rituais jurídicos, que impedem e dificultam o exercício da fala. A dificuldade reside, em parte, no tempo curto que se dispõe para exercitar a oralidade nas audiências. Outra dificuldade é o exercício da escuta.

Quem fala não quer falar para as paredes. E mais, quem fala não quer ser mal julgado. Sabemos que prolifera na nossa sociedade a cultura de que quem fala demais é bobo, de péssima educação. Porém, uma coisa parece certa: quem fala quer ser ouvido. E, assim, dá-se conta da relação entre oralidade e escuta, ou seja, não existe outra forma de exercitar um sem o outro.

A oralidade pressupõe a palavra, mas o que é a palavra? Conjunto de fonemas que possuem um significado? Palavra vem do grego parabole e significa fala, meio pelo qual podemos mudar algo, permissão ou direito de falar. Também está ligada à palavra grega logos; vem também do latim, verbum, que pode significar linguagem oral ou escrita.

Aristóteles, ao proferir sua famosa frase de que o homem é um animal político, referiu:

Que o homem é um animal político em um grau muito mais elevado que as abelhas e os outros animais que vivem reunidos é evidente. A natureza, conforme freqüentemente dizemos, não faz nada em vão; ela deu somente ao homem o dom do discurso (lógos). (ARISTÓTELES, 2007, p. 56).

No direito, porém, o discurso tem sido mais utilizado para manter relações de poder do que veículo para emancipação e autonomia dos indivíduos. Neste ínterim, a doutrina processual tradicional estabeleceu algumas verdades e mitos sobre a oralidade, as quais tentaremos desconstruir. Tal, não é tarefa fácil, pois os apegados ao paradigma hegemônico não acreditam em novas perspectivas, vendo-as como utopias, sonhos, subversão ou algo inatingível.

As salas dos Tribunais e das audiências também não parecem dispostas a tornar o diálogo agradável. Pelo contrário, conforme lembra Calamandrei,

As grandes salas, onde a intimidade é nula, incitam naturalmente o orador a levantar a voz, tal como a solidão convida a cantar. Como se pode deixar de levantar a voz e de ampliar os gestos na grande sala das câmaras reunidas do Supremo Tribunal? Aí, o advogado sente-se minúsculo e perdido entre a majestade das colunas; enxerga os juízes ao longe, lá no fim, por detrás da bancada alta, tal como ídolos imóveis no fundo de um templo, olhados por um binóculo ao contrário. Esta sala com a sua ornamentação solene é um convite à grande eloqüência.[...] (CALAMANDREI, 2006, p.40).

Outra questão proposta por Calamandrei a qual nos filiamos é sobre o discurso de defesa. Segundo o referido autor, "o discurso de defesa não deve ser um monólogo estirado, mas um diálogo vivo com o juiz, que é o verdadeiro interlocutor e que responderia com seus olhos, os seus gestos e suas interrupções". (CALAMANDREI, 2006, p. 43).

Apenas acrescentamos que, em nosso entendimento, não só o juiz é o verdadeiro interlocutor, mas também o Ministério Público, os advogados, testemunhas e, principalmente, as partes, que são os maiores interessados em uma solução para seus conflitos, pois neles incidirão diretamente os reflexos da decisão judicial.

Segundo Calamandrei o advogado deve gostar das interrupções feitas pelo juiz, porque provam que seu discurso não deixa o magistrado inerte e indiferente. Interromper quer dizer: reagir, e a reação é o melhor reconhecimento da ação estimulante. O discurso deve ser substituído por um diálogo: a arte oratória perde mas a justiça há de ganhar. (CALAMANDREI, 2006, p. 43)

Segundo o processualista italiano, "o discurso dos advogados é considerado por muitos juízes como um momento de férias mentais. Quando o advogado se cala, o juiz volta em espírito à sala". (CALAMADREI, 2006, p. 44).

Mas porque o discurso tornou-se desinteressante? Será pela repetição e pela falta de criatividade destes mesmos advogados? Será que todos nós também não somos responsáveis por essa compulsão repetidora?

Esta é uma questão delicada que esbarra em muitos temas, como no código de ética do advogado, na práxis jurídica, ou seja, em algo que foi historicamente solidificado e ritualizado. O novo e o diferente podem causar estranhamento e até repulsa. Mudar os papéis, possibilitar o novo, abrir caminho para que uma cultura dialógica traga mudança nos papéis dos advogados, juízes e promotores, encontrará resistência como costuma ocorrer em qualquer mudança. Mas não parece que temos outra alternativa. Aliás, uma cultura dialógica caracteriza-se por sua abertura, por sua incompletude, por sua capacidade de transformação e de acompanhar o eterno devir do mundo. A cultura dialógica no processo é uma construção, possui uma capacidade imaginativa, lúdica, carnavalizadora.

Luis Alberto Warat, inspirado na obra de Bakhtin, viu a possibilidade de carnavalizar as práticas discursivas jurídicas para outorgar-lhes as capacidades criadora e transformadora. Para o referido autor:

O primeiro traço decisivo, a meu ver, de uma prática discursiva carnavalizadora passa por seu auto-estabelecimento como uma ordem semiológica democrática. Pode-se dizer que, a partir do momento em que nos situamos no interior de um processo de significações carnavalizadas, não é mais possível a sociedade representar-se na imagem de uma comunidade orgânica e unificada, na imagem de um mundo "um" firmemente definido na razão e na imagem de uma sociedade que conta papéis claramente determinados.

Busca-se, assim, uma versão democrática do mundo, num exercício de democracia participativa, pois só desta forma poderemos abrir espaço para que o Direito crie. Para tanto, precisamos de meios processuais que aumentem a participação social. Assim, o processo deixaria de ser um processo de regras instituídas para ser um local de invenção permanente, um lugar de escuta, que possam ser levadas sugestões, críticas e quem sabe, na própria sentença, pudessem constar essas inconformidades, sugestões e críticas, aptas a colaborar em outros processos.

Atualmente, porém, o processo ao receber seu número de origem passa pelo leito de Procusto. Ou seja, partes e advogados sabem que ali um longo e árduo caminho se inicia até a sala do juiz. No caminho, o processo será analisado superficialmente e colocado em uma pilha ou prateleira onde será acomodado com outros iguais, até que alguma nobre e generosa alma possa levá-la a julgamento. A forma como o sistema de justiça se habituou e engessou suas práticas não levou em conta a polissemia e a pluralidade da vida, que nunca se acomoda e está sempre em movimento.

Porém, ainda esbarramos em muitos outros obstáculos, um deles é o medo. Sabemos que o medo paralisa, vitimiza, distrai. O princípio da oralidade recebeu um apelido na práxis jurídica, que a nomeou como a prostituta das provas, por ser a mais fácil de ser comprada. Podemos perceber uma vontade de utilizar mais proficuamente o princípio da oralidade, mas como acima referido, esta vontade esbarra no medo e na desconfiança do homem no seu próximo. Segundo, Darcy Ribeiro,

O problema maior da oralidade não reside no campo do direito, mas sim no campo da Filosofia e, em especial, na Ética, pois, na medida em que se agrava a crise ética, agrava-se a crise nas relações humanas. Vivemos no mundo da aparência, onde os valores são facilmente alterados e dificilmente absorvidos pelo espírito humano, e, por conseguinte, na pessoa do magistrado. A oralidade corre em sentido contrário, na proporção em que pressupõe maior credibilidade, confiança na pessoa do homem juiz, porquanto um procedimento eminentemente oral significa aproximar o juiz do fato.[...] (RIBEIRO, 1999, p. 172).

Ocorre que, para nós, este não é o maior problema da oralidade. O preceito fundamental para trabalharmos a oralidade é a escuta. A oralidade para o autor acima citado esbarra na questão ética e isso é abandonar e tornar inócua a cultura dialógica.

É muito comum na doutrina processual, encontrar autores que identifiquem o campo da prova como o mais fértil para a oralidade, como é o caso do mesmo processualista Darcy Ribeiro. Segundo ele, a colheita da prova deve ser tanto quanto possível oral, visto que a oralidade permite o contato direto do juiz com a prova, trazendo, uma maior simplificação e abreviação dos processos. (RIBEIRO, 1999, p.773).

Sendo assim, concordamos que é na sala da audiência que a oralidade é efetivamente posta à prova. Lá, o local do diálogo vivo, da escuta, da atenção, do respeito à diferença. Porém, identificamos que esbarrar em estereótipos jurídicos é uma oportunidade de desqualificar preconceitos e corrigir os erros criados no sistema jurídico processual. A oralidade só foi considerada a prostituta das provas porque o ouvido do juiz desacostumou-se a ouvir e este não mais prestava atenção ao que estava sendo dito. Mas qual a participação das partes e dos advogados neste processo? Para quê ouvir se depois tudo está papelizado?

Em busca da oralidade e da escuta no processo, encontramos alguns dispositivos que têm a oralidade como escopo, como é o caso do art. 2º, da Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais, escolhendo a oralidade como um de seus critérios essenciais.

Já na legislação pertinente ao Código de Processo Civil, encontramos o parágrafo 3º do artigo 454 do CPC, que refere que se a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, os debates orais podem ser substituídos por memorais escritos. Porém, esta prática se tornou rotina até para as causas ditas "não complexas", o que demonstra que o referido dispositivo foi distorcido.

Em busca da oralidade perdida ainda encontramos o parágrafo 3º do art. 523 do CPC, que refere que das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo retido, devendo este ser proferido oral e imediatamente. Essa substituição da forma escrita pela forma oral de interposição, porém, é objeto de diversas críticas por parte dos advogados, apesar de ter por finalidade desenvolver a escuta e o diálogo.

Devemos ter em mente que o processo tem mais de uma finalidade, além de dar uma solução para o caso em concreto. Deve ser também um processo de aprendizagem. Não uma forma de educação tardia ou coativa, vigilante e disciplinadora, mas um processo de aprendizagem apto a criar condições de resignificar o conflito de modo a potencializar um ideal emancipador ao processo.

Porém, para uma maior compreensão da oralidade, precisamos aliá-la à escuta, pois só assim poderemos vislumbrar a possibilidade de uma nova cultura dialógica.


6.O PRINCÍPIO DA ESCUTA OU O DIREITO DE SER OUVIDO

O princípio da escuta pode ser encontrado sob outra denominação na doutrina e nos textos normativos. Na Constituição Federal de 1988 o direito de ser escutado faz parte do devido processo legal, habita tanto no direito à ampla defesa quanto no direito ao contraditório.

Tratando os direitos humanos em uma perspectiva mais ampla, Luis Aberto Warat refere-se aos mesmos como Direitos Humanos da Alteridade. E o direito de ser escutado é um dos mais relevantes destes direitos. (CARVALHO;GOULART, 2007, p. 176).

Segundo Warat, o direito de ser ouvido é de grande relevância, pois é a partir do contato com o outro que produzimos a diferença e construímos a nossa subjetividade. Ouvir o outro é uma forma do sujeito construir sua própria identidade.

Porém, exercitar a escuta é um dos direitos mais complexos de serem observados, pois resta-nos pouco tempo para exercitar a escuta, falta qualificação profissional, falta vontade de escuta. Sendo assim, além de vontade, precisamos de profissionais aptos à formação de novos operadores. Só assim é possível pensar no desenvolvimento de uma cultura dialógica no processo.

Analisando a legislação e a jurisprudência, podemos perceber que o lugar da escuta e da oralidade é um elo perdido, um lugar da falta. Duas ilhas que precisam se encontrar para desenvolver a cultura da diferença. A partir dessa conjugação surgirá o novo e encontraremos abertura para a criatividade.

Sabe-se que essa falta de escuta na cultura jurídica se deve pela falta de exercício do saber ouvir. O homem sempre preferiu pensar em mecanismos para exercer seu individualismo. Exercitamos muito pouco ou quase nada a escuta criativa nos lugares comuns do direito, ou seja, nos Fóruns, nos Tribunais, nos Cartórios etc. Porém, não podemos ser injustos com alguns que já exercem esta tarefa social como é o caso da Escola Judicial e de Administração Judiciária do TRT/SC [09], que oportuniza aos juízes e aos funcionários da Justiça do Trabalho de Santa Catarina atividades de visita aos locais de trabalho de empregados de diversas profissões, cursos de aperfeiçoamento e de discussão de questões teóricas, práticas e interdisciplinares, aproximando diferentes realidades vivenciadas, humanizando a Justiça.

No ano de 2007, foi veiculada uma reportagem de televisão que mostrou a visita por juízes da referida Escola Judicial a uma mina de carvão localizada no Município de Forquilhinha, no sul do Estado de Santa Catarina, com o objetivo de conhecer com mais profundidade alguns dos aspectos daquela atividade, que são objeto de discussão na sala de audiências. A partir deste encontro com a diferença os juízes exercitam seus sentidos, o que lhes proporciona novos nuances e novos olhares sobre as causas postas a seu julgamento.

Outro exemplo de escuta nos é dada pelo juiz Gersino Donizete do Prado. Segundo o site www.exjure.com.br [10], especializado em temas jurídicos, o ato de sair do Fórum para realizar uma inspeção, antes de dar um parecer sobre a situação de mais de 500 famílias carentes residentes em uma área de manancial no Jardim Scaff, em São Bernardo do Campo, região do ABC paulista, fez com que o referido juiz da 7ª Vara Cível do município, recebesse indicação para o Prêmio Nobel da Paz.

Segundo o referido site de notícias, a ação que motivou a indicação foi a suspensão do processo de reintegração de posse dos moradores do Jardim Scaff - a desapropriação havia sido solicitada para a construção do trecho sul do Rodoanel. O magistrado percebeu que no Jardim Scaff há moradores que não invadiram a região, mas sim que compraram o terreno em que vivem, fatos que podem ser comprovados por documentação. Segundo ele, os que pagaram pela propriedade não serão retirados do local, e caso haja necessidade de desocupação, para ele é preciso criar estratégias para se evitar o confronto.

Ao comentar sua indicação, Gersino Donizete do Prado destacou que o Judiciário precisa conhecer melhor o tema daquilo que julga. Segundo ele, é necessário que o juiz saia do castelo, e não fique apenas no Fórum. Ele precisa conhecer a população e, principalmente, saber exatamente o que está julgando. Para ele, é dever da justiça pacificar os conflitos e valorizar a dignidade das pessoas, diminuindo as desigualdades sociais.

Assim, existe luz no fim do túnel, uma luz que insiste em não apagar, que brilha, que luta, que deseja iluminar novos caminhos para a escuta e para uma perspectiva dialógica no processo. Neste trabalho pretendermos fortalecer esta luz, para torná-la uma chama capaz de iluminar as mentes dos juristas para que percebam que sua tarefa é de extrema relevância para uma boa convivência na sociedade.


7. POR UMA NOVA CULTURA OUVINTE E DIALÓGICA NO PROCESSO:

Como criar condições para uma cultura dialógica no processo, ou seja, como fazer com que a escuta se dê de forma criativa?

Joaquín Herrera Flores ensina que os produtos culturais se constroem sempre em relação a outros produtos culturais com um determinado tipo de contexto. Todos dependem de todos. Não há criação cultural sem mestiçagem e sem intercâmbio. Ninguém tem o copyright cultural. Todos somos minorias no processo de humanização do nosso mundo, das relações que vamos construindo ao longo da história. (FLORES, 2007, p. 64-66).

Segundo o referido autor:

Criamos, transformamos o mundo e construímos novas possibilidades porque não estamos sós. São os "outros" os que garantem a esfera de possibilidades do novo; são eles que afirmam a existência de "fissuras" que nos permitem canalizar tal esfera de possibilidade em um sentido ou outro. (FLORES, 2007, p. 99).

Conforme Herrera, não podemos construir a verdade partindo de nós mesmos. Assim, temos que reconhecer a imperfeição do nosso sistema de convicções, pois só desta forma poderemos construir as condições materiais de igualdade e de reconhecimento exigíveis a partir de espaços culturais nos quais todas e todos possam fazer valer suas propostas e escolhas.

Precisamos assim, repensar o processo, aceitar e escutar as propostas de alteração, a partir das diferentes experiências e espaços culturais múltiplos. É necessário criar as condições materiais para este debate, que faça valer a democracia participativa. Em nosso entendimento, o discurso tradicional deve abrir espaço a outras vozes, e isso ocorre de forma ainda muito tímida, como, por exemplo, no instituto chamado amicus curiae [11].

Porém, é preciso ir além. Segundo Joaquín Herrera é preciso partir da "vontade do encontro". Para ele, "será a partir daí que todos teremos a possibilidade de criar algo que não existia antes, algo que tenha propriedades novas". (FLORES, 2007, p. 100).

Herrera, para incitar a mudança, propõe a lógica do vulcão. Segundo o autor o mundo não é um lugar pronto, com tudo dado, devemos converter nossas vidas em um campo de possibilidades criativas.

Segundo ele,

Não negamos a necessidade de encontrar estabilidades. Rechaçamos, sim, tudo o que nos impõe como dado de uma vez para sempre. A lógica do vulcão produzirá vertigem a quem não aceitar o caráter multiforme e metamórfico da condição humana. O que se repele é que haja uma única forma de gerir essa vertigem e a tendência de se impor o estático e o homogêneo como único âmbito do político, do ético e do cultural. (FLORES, 2007, p. 32).

A lógica do vulcão causará uma mudança de cena e dará muito trabalho pois é

Lógica que deve capacitar-nos para a ação e para o movimento, para uma práxis que nos permita compreender por que e para que existem as idéias e os valores. E, sobretudo, para aceitar o fato de que toda produção cultural – seja um romance, uma teoria ou uma norma jurídica – muda e se transforma ao largo das histórias pelas quais atravessa o ser humano, nesse contínuo processo de reação cultural em meio aos sistemas de relações em que vivemos. (FLORES, 2007, p. 33).

Assim, para o referido autor:

A reivindicação, assim, deve ser pela vida, pela alegria que produz a constatação da pluralidade, da diversidade, da multiplicidade e do contínuo movimento da realidade. Assumir o risco de viver com alegria é o que fará o vulcão do humano entrar em erupção em espaços onde as diferenças se encontrem e onde se criem as condições materiais para lutar contra todo tipo de injustiça. (FLORES, 2007, p. 33).

Mas sob que bases podemos qualificar a escuta como um habitante do processo junto com a oralidade? Como pensar em uma nova cultura processual que seja coerente e que ao mesmo tempo se mostre aberto às mudanças? O que lhe dará o ethos necessário transformador? Como mudar tristes realidades e criar paixões alegres?

Para o autor,

Somente precisamos prestar atenção ao que ocorre ao nosso lado, sentir a necessidade de vida do ser humano que grita em silêncio pelas ruas e reconhecer que, para poder desfrutar da dignidade, temos que construir elementos que potenciem nossa criatividade. Nesta tarefa, estamos envolvidos muito mais do que se pode pensar. Somente ao olhar ao nosso redor sentimos a presença de gente que segue acreditando no poder transformador da palavra e do gesto artístico como um meio de mudar mundo. Apesar do ensurdecedor ruído consumista que transforma a cultura em espetáculo, ainda podemos ouvir o pulsar de muitos corações.(FLORES, 2007, p).

Um primeiro exercício que indicamos, que mostra nossa fragilidade, finitude e sensibilidade, é ouvir o coração de outra pessoa. Encostar o ouvido no peito de alguém e ouvir o som da nossa fragilidade. Dentro de nós pulsa um coração e em poucos momentos podemos refletir sobre isto. Se você não pode ouvir, aperte o pulso de um amigo ou parente. Você vai sentir o pulsar de vida de alguém. Bem, este é um exercício para o saber ouvir. Mas isto não basta, é preciso ainda mais. O processo é contínuo, por toda a vida. Muitas vezes vai mostrar dificuldades. Ouvir, implica prestar atenção, ter tempo e disposição. É preciso sair do olhar em si mesmo e olhar o outro.

Joaquín Herrera acredita na arte a cooperar com a incitação ao movimento, ao deslocamento e à criatividade. Para ele,

[...] a grandeza da arte consiste em recordar-nos continuamente que podemos mudar de hábitos e percepções. Que podemos nos separar dos continentes – os marcos referenciais e simbólicos que aprendemos para poder atuar em nosso mundo – e rumar para a invenção constante de ilhas – novos limites, novos hábitos, enfim, novas formas criativas de entender e atuar em nossas relações com os outros, com a natureza e conosco mesmos." (FLORES, 2007, p. 19).

Assim, a arte pode cooperar na tarefa do saber ouvir e no estímulo a uma cultura dialógica no processo. Isto ocorre porque a arte estimula nossa sensibilidade, incita à imaginação, à criatividade, a inventar novos rumos, novos olhares, novas sensações aptas a nos fornecer elementos, novos símbolos, novos significados, recriação, enfim, nos mostra a infinidade de possibilidades que existem à disposição do homem. Temos que estimular nossa tarefa criativa. Já temos, pois, os elementos necessários para criar essa ação transformadora, basta que as utilizemos em nosso favor. Apenas precisamos ir, agora, em direção das condições materiais para realizar esta transformação.

Joaquín Herrera faz coro com a advertência de Michel Maffesoli, quando este último indica que [...] é preciso, imediatamente mobilizar todas as capacidades que estão em poder do intelecto humano, inclusive os da sensibilidade. (MAFFESOLI, 2005, p.27).

Ainda segundo o autor francês,

[...] é preciso saber desenvolver um pensamento audacioso que seja capaz de ultrapassar os limites do racionalismo moderno e, ao mesmo tempo, de compreender os processos de interação, de mestiçagem, de interdependência que estão em ação nas sociedades complexas. (MAFFESOLI, 2005, p.37).

A escuta criativa apresenta-se, assim, como uma das formas de abrir efetivamente o sistema de justiça ao exercício democrático de afirmação de subjetividades, que promove a aprendizagem autônoma das pessoas que fazem parte dos processos judiciais. (PINHEIRO, 2006, p. 5).

Nesses termos, buscamos um caminho de superação do racionalismo, que invoque todos os sentidos para libertar as nossas pretensões de verdades eternas, em busca de um caminho emancipador ao processo, e este só pode ser pensado em uma perspectiva dialógica, capaz de fazer soltar a voz, e preparar os ouvidos para uma tarefa libertadora que nos fará construir uma nova cidadania, uma nova cultura processual dialógica.


8.A ESCUTA CRIATIVA

Já vimos que para uma nova cultura dialógica no processo precisamos aliar oralidade à escuta, o que dará vida à escuta criativa. Porém, podem surgir algumas questões importantes que precisam ser esclarecidas.

Escutar criativamente é escutar de forma sentimentalista? Segundo Carolina Pinheiro, como esta muitas outras perguntas surgem, pois existe o medo de se confundir a dimensão afetiva do processo com explosões sentimentais. Para a referida autora, estas perguntas surgem no ideário moderno, porque não sabemos lidar com sentimentos que extrapolem nossos modelos de racionalidade. Assim, nossa primeira reação é negá-las, excluí-las, ao menos no ambiente de trabalho. Porém, estes sentimentos são apenas contidos e em algum outro momento serão extravasados. (PINHEIRO, 2006, p.34).

Nas palavras da referida autora,

[...] escutar criativamente é compor uma experiência hermenêutica de perseguir sentidos polifônicos, silêncios, sentimentos, expressões, desconfortos, menos texto e mais contexto. Essa busca sensível é o que permite reconhecermos os mecanismos de coerção e controle que se materializam nos ritos judiciais. (PINHEIRO, 2006, p.36).

A escuta criativa trabalha um roteiro democrático participativo aberto, pois quando ouvimos e criamos em uma audiência ela deixa de ser apenas um ato processual-burocrático e passa a ser um momento de singularização da subjetividade, pois estaremos exercendo nossa autonomia. (PINHEIRO, 2006, p.37).

Criar é mais do que um exercício de autonomia, é um exercício de democracia. Exercitar a escuta criativa,

[...] Constrói relações democráticas no nível da disciplina dos corpos e não das leis e programas políticos, que não alcançam as capilaridades das relações de poder. Isso não significa, contudo, abandonar a lei, negar o poder judiciário, nem ceder a um relativismo anárquico com o qual não se pode minimamente operar o sistema de justiça. Trata-se de cogitar uma atuação que não considera o poder como algo que se possui, mas que se encontra em uma rede ativa e dispersa, produtora daquilo que somos. (PINHEIRO, 2006, p. 39).

A escuta criativa busca, assim,

[...] fortalecer a dimensão do reconhecimento entre os envolvidos em um processo judicial, que atualmente se olham nas salas de audiências, mas se comunicam como personagens desempenhando papéis estereotipados. Ela constitui uma proposta revolucionária em níveis moleculares porque, ao invés de propor inovações que estabelecem diferentes lugares seguros, mas igualmente imóveis, abre espaços para a edificação de subjetividades que lidem com a única certeza atual: a condição humana incerta e incompleta, e por isso mesmo, criativa. (PINHEIRO, 2006, p. 41).

Assim, a escuta criativa confere uma dimensão pedagógica ao direito. Pois ao escutar, ao iniciar uma ação transformadora, transformamos a nós mesmos. Exercitar a escuta é um processo de crescimento democrático da sociedade pós-moderna, apto a compor uma nova cultura processual. Escutar criativamente, pode ensinar sobre a nós mesmos, sobre os outros, e acima de tudo, sobre a diferença.


9.ALTERNATIVAS À DOGMÁTICA PROCESSUAL TRADICIONAL: A PSICANÁLISE

Não faz muito tempo que novos temas foram lançados de forma a fornecer elementos alternativos à dogmática tradicional. Assim, o processo vem sofrendo transformações, ainda que de ordem não muito expressiva, mas aos poucos novos temas e olhares são lançados para que forneçam alternativas e modos diferentes de condução do julgamento dos processos.

Muitos autores do discurso pós-positivista, percebendo as inúmeras aporias do processo, lutam por um novo paradigma, que se afaste do discurso da ciência e se aproxime mais da sensibilidade e da alteridade humana.

Alguns doutrinadores sugerem o diálogo intercultural para oferecer novos olhares sobre o direito e o processo. Paulo Roney, lembra que "o Oriente traz a meditação, a contribuição do taoísmo de Ghandi para que se possa gerir os conflitos humanos". Ainda segundo o autor, a psicanálise pode oferecer novos rumos para o processo, pois o discurso do analista é flexível e quer que o analisado seja o centro. Com relação às teorias científicas, estas não dão conta da complexidade dos problemas modernos (FAGUNDEZ, 2007, p. 248).

Esta tendência de analisar o direito à luz da psicanálise tem sido desenvolvida no Brasil em diversas Universidades e Centros de Ensino. Porém, tal atividade se mostra eficaz, no momento, apenas no campo na mediação. É que, em âmbito processual, as formas ainda são observadas com rigor e com mais atenção do que o conflito em si, bem como seus desdobramentos. A preocupação tradicional do processo é com o conflito, a da mediação é com os afetos, com a convivência humana, ao menos em sua versão Waratiana [12]. A mediação sempre oferece a possibilidade de crescimento, do exercício de aceitar o diferente e de tirar lições. Já o processo tradicional sempre tem um vencedor, trabalha com outra ótica; a mediação, diferentemente, só pode tem um vencedor: a convivência humana.

Nos dizeres de Paulo Roney:

a psicanálise contribui, assim, com a capacidade do analista que tem de ouvir as pessoas envolvidas num litígio. O processo se tornaria menos formal. Não deve ter preocupação com verdades. As partes devem encontrar uma solução, mesmo provisória. As verdades são trazidas pelas partes e são sempre relativas a um sujeito com a sua subjetividade. (FAGUNDEZ, 2007, p.249).

Assim, para o autor, o processo deixaria de ser um instrumento de controle social que contém o objetivo de impor uma verdade estatal e o processo passaria a ser o local do diálogo. (FAGUNDEZ, 2007, p.249).

Para Paulo Roney não só a psicanálise pode contribuir, bem como a argumentação pode fazer a sua parte colaborando para um amplo diálogo. Pode ser peça chave, pois ela é fruto da linguagem, e a linguagem possui limitações. Sempre temos algo que não pode ser dito e a vida possui uma incompletude natural. Recorda o autor que os Hindus, quando constroem seus templos, deixam uma parte inacabada. Nestes termos, a psicanálise pode contribuir para que as teorias da argumentação resolvam intricados problemas jurídicos. Assim, propõe uma nova democracia participativa, afim de que todos possam contribuir para a solução do litígio. Cada cultura dá sua contribuição. (FAGUNDEZ, 2007, p.254)

Para o autor, as teorias da argumentação aliadas ao processo são uma iniciativa ética. É saber ouvir o outro e acolher o seu ponto de vista. Ouvir para somar, visando formar a teia dos argumentos. O autor vê na persuasão uma violência simbólica, perdendo-se o diálogo. E o diálogo, caracteriza-se pela espontaneidade, pela livre manifestação dos participantes. (FAGUNDEZ, 2007, p.255)

Neste sentido, em nosso entendimento, urge a necessidade que repensemos o processo, abandonando a questão metodológica, para que sobrevenha uma nova sonoridade processual: repensar o método transformando-o em processo de aprendizagem. Para o juiz, para as partes e para a sociedade, pois sabemos que o processo tem formalmente um fim, mas o problema geralmente persiste, ganhando novos contornos.


10.CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, percebemos que temos muito ainda que refletir sobre as questões discutidas neste trabalho. E as respostas estão longe de serem respondidas. O mundo se transforma em ritmo acelerado enquanto se desenrolam os dramas humanos. O que queremos mesmo é ser ouvidos, saber para quem desabafar nossa irresignação, já que vivemos em uma democracia e queremos que ela seja verdadeiramente participativa.

A cultura dogmática do processo pisa nos nossos calcanhares. Melhor parar para ouvirmos os ruídos, os pedidos de socorro, as lutas pela cidadania, por reconhecimento. Mais do que julgados, queremos ser escutados. Nesse caminho mais e mais vozes se juntarão a nossa. Basta pararmos para ouví-las e percebê-las.

Conjugar oralidade e escuta é exercitar a democracia participativa. Porém, a cultura dialógica nos exige esforço e dedicação. Em busca da superação do racionalismo, invocamos todos os sentidos para libertar as nossas pretensões de verdades eternas, a fim de que o homem possa encontrar no Direito um potencial emancipador.

O processo pensado em uma perspectiva dialógica nos fará soltar a voz e preparará nossos ouvidos para a conjugação de uma tarefa criativa, apta a construir uma nova cidadania, que volte o olhar para a sensibilidade humana.

Assim, o processo deixará de ser uma teia tecida por figuras retóricas que utilizam a fragilidade das leis para apreender suas vítimas, para tornar-se um espaço polifônico de possibilidades democráticas. Caímos muitos de nós, ainda, desavisados, nas teias dos dogmáticos. Porém, é preciso escapar desta trama que impede o acesso à justiça.


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Notas

  1. Este termo é utilizado em sala de aula e em palestras pelo professor Luis Alberto Warat.
  2. O autor mostra sua visão sobre o processo a partir de sua experiência como Advogado. Para saber mais sobre o assunto, ver: CALAMANDREI, Piero. Eles os juízes vistos por nós os advogados. Tradução: Marcos Zani. São Paulo: JG Editor. [200_?], página 16.
  3. Segundo Luis Alberto Warat, o conflito tem antes de tudo uma função pedagógica. O conceito jurídico de conflito, como litígio representa uma visão negativa sobre o mesmo. Os juristas pensam que o conflito é algo que tem que ser evitado. Porém, segundo o referido autor, falta no direito uma teoria do conflito que nos mostre que o conflito pode ser entendido como uma forma de produzir, com o outro, a diferença, ou seja, inscrever a diferença no tempo como produção do novo. Vide WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador: Surfando na Pororoca. Florianópolis: Fudação Boiteux, 2004. página 61.
  4. Leciona Foucault que "em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa." In: FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 15ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2007. p. 9.
  5. Utilizamos a mesma abordagem da autora Carolina de Martins Pinheiro, que ganhou o primeiro prêmio de monografias do STF, com a monografia: Escuta Criativa, que deu inspiração e origem a trabalho desenvolvido pela mesma autora intitulado Escuta Criativa: Micropolítica e democratização do sistema de Justiça. Disponível em: http://www.pensamentosocial.com.br/arquivos/escuta_criativa.pdf.
  6. Para ler o artigo do referido autor: o comportamento das partes na sala de audiência, acessar: http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/mlobatopaiva/ocomportamento.htm.
  7. Para saber mais sobre o caso acessar: http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1706531-EI8139,00.html.
  8. Segundo Joaquin Herrera Flores: "tudo que se apresenta a priori ou "solidificado" potenciará paixões tristes. Que fazemos com algo que já vem pronto e que não permite qualquer ação para mudá-lo? Pelo contrário, tudo que invoque nossa ação e nossa capacidade de fazer e desfazer os espaços em que vivemos potenciará paixões alegres". Para saber mais sobre o que diz o autor sobre as paixões tristes e alegres, ver: FLORES, Joaquín Herrera Flores. O nome do riso, tradução: Nilo Kaway Junior. Porto Alegre: movimento; Florianópolis:CESUSC; Florianópolis:bernúncia, 2007. p. 13.
  9. Para saber mais sobre a Escola Judicial e de Administração, bem como sobre o trabalho desenvolvido pelo TRT/SC, acessar: http://www.trt12.gov.br/portal/areas/ascom/extranet/invigilando/301107.jsp
  10. Para saber mais sobre a notícia, acessar: http://www.exjure.com.br/portal/?pg=materia.php&id=1648.
  11. Amicus curiae significa amigo da corte. É alguém que intervém no processo para ajudar o juiz fornecendo subterfúgios técnicos, teóricos e práticos que auxiliem o juiz na hora da decisão. Não é perito, este ajuda a investigar os fatos; o amicus curiae ajuda o juiz a decidir, porém ele não vai ser obrigado a concordar. Surgiu nos Estados Unidos e, no Brasil, pela primeira vez, na lei de CVM – Comissão de Valores Mobiliários – Lei n° 6.385/1976. Porém, no Brasil, ainda é restrita a utilização do amicus curiae, apesar de ser um instituto democrático, por privilegiar a escuta e o diálogo, auxiliando os juízes e desembargadores em questões relevantes, mesmo sem previsão legislativa.
  12. A mediação Waratiana é muito peculiar. Para Warat, a mediação nos moldes tradicionais não passa de mero acordo ou transação, pois não se permite que as partes encontrem uma solução por elas mesmas. Segundo a lição de Warat, o mediador não é aquele que sugere uma decisão, uma medida, um consenso. Ao contrário, é aquele que, de forma sensível, conduz as partes para elas próprias cheguem a uma decisão, garantido o amparo e o cuidado com a convivência humana.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOULART, Juliana Ribeiro. Por uma nova cultura dialógica no processo. O princípio da oralidade como instrumento de efetivação de uma escuta criativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2067, 27 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12351. Acesso em: 23 abr. 2024.