Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/12417
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Atirador de elite: o estrito cumprimento de dever legal e a legítima defesa de terceiros como excludentes da pena de morte no Brasil

Atirador de elite: o estrito cumprimento de dever legal e a legítima defesa de terceiros como excludentes da pena de morte no Brasil

Publicado em . Elaborado em .

Resumo

Desde o início das civilizações o direito se faz presente regulando as condutas humanas dentro das diversas sociedades, estando sempre presente nas codificações a pena de morte como meio de se punir delitos considerados graves. No Brasil a pena capital esteve presente em diversas codificações desde o início de sua colonização com as Ordenações Manuelinas, sofrendo diversas modificações, até ser proibida em tempos de paz pela Constituição Federal de 1988. No entanto, apesar da Constituição assegurar o direito à vida de todos, momentos ocorrem em que o Estado por meio de suas forças policiais sentencia infratores a pena de morte, por meio da figura do "atirador de elite", agindo este no estrito cumprimento de dever legal e na legítima defesa de terceiros com o único intuito de preservar vidas de inocentes, e garantir a segurança da sociedade e a paz social. Assim, analisa este trabalho, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, a pena de morte no Brasil em tempos de paz, onde o Estado utiliza-se do "atirador de elite" como executor de tal pena, resguardando sua ação a luz do estrito cumprimento de dever legal e da legítima defesa, excludentes de ilicitude presentes no Código Penal Brasileiro, como último recurso para soluções de crises com tomada de reféns, buscando garantir a paz social e a segurança de todos dentro do País.

Palavras-chave: Vida. Pena de morte. Atirador de elite. Excludentes de ilicitude. Paz social.


Introdução

Com a organização dos homens em grupos sociais, mister se faz a criação de normas de conduta que regulem essa vida social, a fim de que se possa assegurar o fim da vingança privada, ficando nas mãos dos lideres de tais grupos o poder de julgar e decidir sobre as violações de tais normas.

A evolução desses grupos sociais resultou em grandes sociedades que deram início aos primeiros Estados historicamente conhecidos. Dentro deste contesto surgiram às legislações codificadas, sendo reconhecido o Código de Hammurabi como a primeira codificação de leis escritas. Notório é a presença da Pena de Talião nesse arcabouço jurídico, além da grande presença da pena de morte que esteve presente nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo, estando comprovado o desrespeito a esse bem tão importante ao ser humano, devido à arbitrariedade do Estado.

No Brasil, a pena de morte em tempo de paz foi abolida pelo advento da Constituição Federal de 1988, no entanto, pode-se observar que em situações de crise como seqüestro com refém localizado, o Estado através de suas forças policiais, por inúmeras vezes opta por utilizar o "atirador de elite" para sanar aquele conflito, sendo, portanto, o infrator que mantém reféns sob a mira de uma arma, executado de forma sumária pelos agentes estatais, que agem em nome do próprio Estado, buscando garantir a lei e a ordem.


Objetivos

Esse trabalho tem como objetivo analisar a pena de morte no Brasil em tempo de paz, sob a ótica do estrito cumprimento de dever legal e da legitima defesa em situações de seqüestro com refém, onde as forças policiais utilizando-se do "atirador de elite" optam pela morte do ofensor para que se evite que o mesmo venha a retirar a vida dos reféns que se encontram sob o seu poder.


O estado de sociedade e a pena de morte

A busca constante do homem pelo convívio em sociedade o colocou dentro de um sistema de regras que regularia este convívio, onde aquele que violasse tal ordenamento sofreria sanções referentes à sua violação, sanções estas que muitas vezes culminavam com a perda da vida do ofensor.

John Locke ao escrever o Segundo tratado sobre o governo, explica que no estado de natureza o homem tende a usar de sua força física para revidar alguma ameaça ou agressão que venha a ocorrer contra ele, porém, não poderia ele possuir poder absoluto sobre aquele que investiu contra sua pessoa, não podendo dispor de sua vida (LOCKE, 2006, p. 25).

Tal oportunidade de o homem poder dispor sobre a vida do outro o colocaria, segundo Locke, em constante estado de guerra, o que caracterizaria o estado de natureza, desvirtuando o fim pelo qual o homem decidiria viver em sociedade que segundo Locke seria exatamente evitar o estado de guerra, como podemos observar nas palavras do mesmo "Evitar o estado de guerra (...) é motivo decisivo e bastante para que homens se reúnam em sociedade abandonando o estado de natureza" (2006, p. 34).

Essa concepção de Locke vem a fortalecer o fim da vingança privada que surgiu junto com os primeiros ordenamentos jurídicos, os quais buscaram colocar nas mãos do Estado o jus puniendi (poder de punir), com o objetivo de que este desse real efetividade a paz social.

Porém, o autor citado faz uma colocação quanto àquele que usa da força para coagir alguém, a fim de privar-lhe da sua liberdade, tomar-lhe os pertences ou o que mais decidir para satisfazer sua vontade, sendo severo, quanto à reação de quem esta sendo agredido ou daquele que age em sua defesa.

Aquele que, no estado de natureza, tira a liberdade que cabe a todos nesse estado, deve forçosamente ser tido como suspeito de querer arrebatar tudo o mais, porque essa liberdade é o fundamento de todo o resto; assim aquele que, no estado de sociedade, tirasse a liberdade aos membros desta sociedade ou comunidade, deve supor-se querer apossar-se de tudo deles, tendo de considerar-se, portanto, como em estado de guerra. Estas considerações tornam legítimo matar um ladrão que não nos agrediu nem atentou contra a nossa vida mais do que, pelo emprego da força, apoderar-se de nós para arrebatar-nos dinheiro ou o que mais lhe aprouver; porque, ao lançar mão da força para se apossar de nós, sem ter para tanto o menor direito, seja qual for a pretensão que o anime, não temos porque supor que aquele que nos tira a liberdade não nos tomaria tudo o mais, logo que nos tivesse em seu poder. Portanto, é-nos legítimo tratá-lo como quem se colocou em estado de guerra contra nós, isto é, matá-lo se pudermos, pois ele se arrisca a tanto ao estabelecer um estado de guerra no qual figura como agressor (LOCKE. 2006, p. 32).

Dessa forma podemos observar que para John Locke, quando alguém, de forma ilegal, usa da força para coagir outra pessoa, com o intuito de tomar-lhe seus bens, este poderá ser severamente punido, podendo vir a pagar com a própria vida, por sua conduta que pôs em risco aqueles que vivem dentro de uma sociedade, dando ao agredido a oportunidade de se defender aponto de matar aquele que viola sua liberdade para tentar dispor de seus bens ou de sua vida.

Contrapondo-se a tal pensamento, Cesare Beccaria em sua obra Dos delitos e das penas, defende que a pena de morte não seria eficiente para coibir os crimes, e que o fato de alguém querer arriscar sua liberdade praticando um ilícito não significa, necessariamente, que ele esteja disposto a perder sua vida.

Beccaria explica que existem apenas duas situações em que o estado pode justificar a necessidade da morte de um cidadão:

nos estantes confusos em que a nação está na dependência de recuperar ou perder sua liberdade, nos períodos de confusão quando se substituem as leis pela desordem; e quando um cidadão, embora sem sua liberdade, pode ainda, graças às suas relações e ao seu credito, atentar contra a segurança pública, podendo a sua existência acarretar uma revolução perigosa no governo estabelecido.

Contudo, sob o reinado calmo das leis, em uma forma de governo aprovada por toda nação (...) onde as riquezas apenas podem significar prazeres e não poder, não deve existir qualquer necessidade de tirar a existência de um cidadão, a não ser que a morte seja o único freio que possa obstar novos crimes (2000, p. 52).

Observa-se que apesar de se opor a pena de morte, Beccaria alega que em situações aonde outros crimes venham a ocorrer tal pena poderia ser aplicada, não pela individualidade do crime, mas pela necessidade de se coibir a pratica de outros delitos, protegendo com isso a paz social e a segurança da sociedade.

No entanto, a pena de morte não deve ser aplicada arbitrariamente de forma generalizada para todos os crimes, pois para o filósofo italiano, a pena de morte não garantiria a inocorrência de novos crimes, já que "O rigor do castigo faz menor efeito sobre o espírito do homem do que a duração da pena" (BECCARIA. 2000, p. 53). De fato, se for levado em conta que o homem pensasse no tempo que ele passaria preso ao praticar um delito, sabendo ele da certeza de sua punição, este se sentiria bem mais receoso em praticá-lo.


A pena de morte no Brasil

No Brasil a pena de morte esteve em vigor durante um largo período de tempo que se estendeu desde o inicio de sua colonização onde estava instituída nas Ordenações Manuelinas, sendo mantida pela constituição de 1824, que, embora se preocupasse com os tratamentos desumanos como o uso de açoites, a tortura, a marca de ferro quente, proibindo todas as penas cruéis, não afastava a possibilidade da pena de morte.

O Código Criminal do Império do Brazil, datado no ano de 1830, que em seu artigo 38, instituiu a forca como forma de aplicação da pena de morte, regulamentou a pena capital no Brasil até entrada em vigor do Código Criminal de 1890, e da Constituição Federal de 1891, que aboliram a pena de morte do nosso ordenamento jurídico, mantendo-se a ressalva do ordenamento militar em tempo de guerra.

Após sua abolição, apena de morte por diversas vezes foi reinserida e abolida em nossas legislações, vindo a ser efetivamente retirada do mesmo em tempos de paz pela Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, XLVII, a, diz que "não haverá pena de morte salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.84, XIX".

Esse texto está assegurado em nossa constituição como clausula pétrea, portanto, o legislador encontrará enorme dificuldade em elaborar alguma norma penal que venha a inserir a pena de morte no ordenamento jurídico pátrio, ferindo este preceito constitucional que está fundamentado na proteção da vida, ainda que seja daqueles que cometem crimes os quais a sociedade condena por serem contra a conduta esperada por todos que nela vivem e pela barbaridade como eles são praticados.

No entanto, não raras são às vezes em que os membros da sociedade se encontram em momentos de angustia, cobrando do estado soluções rígidas para cidadãos infratores que cometem crimes bárbaros contra pessoas de suas famílias, entrando em discussão temas como a redução da menoridade penal e da pena de morte em casos de crimes bárbaros.

Contudo, deve-se ressaltar que a criação da pena de morte em um estado democrático de direito poderia causar um grande impasse jurídico, já que para tanto o legislador iria violar a cláusula pétrea que assegura o direito à vida a todos no Brasil causando uma grande desestabilidade no ordenamento jurídico vigente no país.


A garantia da vida X segurança pública

A vida é sem dúvida alguma o bem de maior valor que o ser humano pode possuir, sendo este bem assegurado pelo nosso ordenamento jurídico como cláusula pétrea no caput do artigo 5º da Constituição Federal, não podendo ser violado, senão nos casos de guerra declarada, como previsto no art. 84, XIX da carta constitucional, cabendo ainda ao estado, o dever de assegurar este bem.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, garante a todos aqueles que se encontram dentro do território nacional, a inviolabilidade do direito à vida. Esse direito é garantido a todos sem exceção, independente de raça, cor, credo ou convicções políticas. Até mesmo aqueles que cometeram crimes contra a vida de outros devem ter seu direito a vida resguardado pelo Estado. Assim, a constituição assegura àqueles que cometeram crimes o direito à vida quando diz em seu artigo 5º, XLVII, a, que não haverá pena de morte, senão em caso de guerra declarada. Dessa forma, em um estado democrático de direito, onde reina a paz interna e o país não sofre ameaça externa de invasão, não será aplicada a pena de morte devendo ser respeitado e assegurado o direito que o cidadão possui de permanecer vivo.

No entanto, Mesmo vivendo em tempos de paz nos deparamos com situações inusitadas em que alguém com algum propósito alheio aos interesses da sociedade põe em risco as vidas de varias pessoas, como ocorreu no ano de 2000 na cidade do Rio de Janeiro, quando um homem armado entrou em um ônibus e tomou todos os passageiros como reféns, causando uma situação de crise e, exigindo do Estado, especialmente das forças policiais, uma resposta rápida e delicada, pois ali se encontrava sob o poder de um infrator a vida de várias pessoas.

Em situações como esta em que um indivíduo assume uma conduta contrária aos preceitos sociais, colocando em risco as vidas dos membros de uma sociedade, o Estado outorga a suas forças policiais, responsáveis por zelar pela segurança pública, o poder de agir com o objetivo de sanar aquela situação e restaurar a paz social. No entanto, em alguns casos os meios utilizados para solução da crise tem como resultado a morte do agente causador de tal situação, sendo esta a única forma de se garantir que as vidas daqueles que estão sob seu poder não sejam tiradas.

A atitude da força policial em tirar a vida de um infrator que mantém reféns sob seu poder para salvar as vidas de inocentes não se trata de pura arbitrariedade, mas sim, do dever legal de agir que o Estado impõe à polícia para atuar na proteção da sociedade. É através deste dever de agir outorgado à polícia que a mesma utilizando-se dos meios técnicos necessários para solução de uma crise tende, acima de tudo, preservar a vida de todos, inclusive a do infrator causador da situação.


A doutrina de gerenciamento de crises

Pode-se entender crise como uma manifestação violenta, capaz de gerar uma situação de risco à sociedade que exige resposta imediata das forças policiais, a fim de se obter uma solução aceitável.

A doutrina de gerenciamento de crise é recente em nosso país, vindo a ser inserida no contexto policial brasileiro apenas na década de 1990, tendo como principal base os ensinamentos da Academia Nacional do FBI (Federal Bureau of Investigation).

Gerenciamento de crise "É o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e resolução de uma crise" (FBI apud ANTONY e BARBAS, 2001, p. 7).

Tratas-se de um conjunto sistemático de condutas que possui duas finalidades precípuas, devendo ser seguidas criteriosamente dentro de uma hierarquia, a definir: preservar vidas e aplicar a lei.

Dentro deste contexto há a necessidade de se priorizar algumas decisões, observando aspectos necessários ao desencadeamento da ocorrência:

1.Dos reféns

2.Do público em geral

3.Dos policiais

4.Dos criminosos

5. Prisão dos infratores protagonistas da crise

6.Proteção do patrimônio público e privado

7.Garantir o estado de direito

Para se alcançar as finalidades base do gerenciamento de crise (preservar vidas e aplicar a lei), o policial responsável pela operação deve utilizar-se do conjunto de medidas de segurança e dos meios técnicos possíveis que estiverem a sua disposição. Trataremos pois de forma resumida sobre esses meios técnicos que na doutrina de gerenciamento de crise recebem o nome de alternativas táticas.

A doutrina define que são quatro as alternativas táticas: negociação, técnicas não-letais, tiro de comprometimento e invasão tática.


Negociação

A negociação é de fundamental importância para a solução de um seqüestro com reféns pelo fato de ser o meio onde o Estado terá maiores chances de preservar as vidas de todos os envolvidos na situação, exigindo do negociador, total segurança da situação e um vasto conhecimento das técnicas de negociação.


Técnicas não-letais

As técnicas não-letais são meios (técnicas, armas, munições e equipamentos), que usados de forma específica, pode conter a ação de infratores sem resultar em sua morte ou grave lesão física. Como exemplos destes meios pode-se citar as munições de borracha, arma de descarga elétrica (TAZER), agentes químicos como o gás lacrimogêneo, entre outros.

No entanto, existem algumas restrições quanto à utilização desta alternativa, tais restrições se dão justamente pelo fato de que se não observado algumas normas de segurança esses meios podem se tornarem letais. O tiro com munição de borracha pode tornar-se letal se disparado a uma distância inferior a vinte metros, por exemplo.

Por esse motivo que as técnicas não-letais também são chamadas de técnicas "menos letais" ou "menos que letais", pois somente respeitando as especificações do meio utilizado que o mesmo não ocasionará risco a vida ou a integridade física do infrator.


Tiro de comprometimento

O tiro de comprometimento é o nome técnico que se dá ao tiro realizado pelo "atirador de elite" para neutralizar o infrator que mantém reféns sob seu poder. Trata-se de uma alternativa que exige muito da pessoa que está à frente da ocorrência (gerente da crise), pela decisão que ele deve tomar em dar a ordem para neutralizar o infrator, e mais ainda do policial que efetua o tiro, pois um simples erro pode resultar na morte do refém, No entanto, apesar dos riscos, o tiro de comprometimento é utilizado por varias policias de todo mundo como meio de solução de seqüestros.


Invasão tática

Invasão tática é o nome dado ao momento em que um grupo de policiais entra no local onde se encontram infrator (es) e refém (s), a fim de dar termino àquela situação de risco. É em geral a última alternativa tática pelo fato de por em risco as vidas dos policiais, dos reféns e dos infratores, já que, ao perceber a invasão o infrator pode atirar nos reféns ou nos policiais, sendo, portanto, considerada uma alternativa suicida.

A doutrina de gerenciamento de crise é utilizada por forças policiais de todo o mundo como melhor forma de solução de situações de seqüestros, possuindo a finalidade precípua de preservar vidas e aplicar a lei, assegurando com isso a paz e o bem-estar social que são as principais finalidades de um Estado.


Situações de crise e a pena de morte em tempos de paz

Mesmo vivendo em tempos de paz, ocorrem situações em que o estado por meio de seus agentes efetua a pena de morte, como exemplo dessas situações observa-se os seqüestros com refém localizado, em que muitas vezes o seqüestrador ameaça matar o refém. Ocorre, portanto, uma situação de crise que exige dos agentes policiais uma solução imediata e pacífica sem que haja mortos ou feridos.

Contudo, em se tratando de um caso como este, nem sempre é possível garantir a vida de todos os envolvidos e muitas vezes após horas de negociação, percebemos a entrada em cena a figura do "atirador de elite", alguém que após ter passado por um treinamento especial é capaz de acertar com precisão um alvo que esteja a uma distância considerável.

Especialistas no assunto afirmam que o tiro de comprometimento é efetuado com o objetivo de neutralizar completamente o infrator, pois como explica o Ex-oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Pimentel, no documentário "Ônibus 174" "Se o tiro do policial atingisse uma região, num triangulo imaginário localizado entre o nariz e a boca, esse projétil acertaria o bulbo do Sandro. Ele morreria em torno de sete milésimos de segundo. Não haveria condições nem de esboçar um esparge muscular".

Ao vermos esse depoimento percebemos que o "atirador de elite", ao efetuar o tiro de comprometimento tem como objetivo matar o infrator, e que ao autorizar o tiro, o gerenciador da situação sentencia o infrator à pena de morte sob o embasamento de que o policial efetuou o disparo em legitima defesa de terceiros, e que o mesmo não poderia sofrer sanções penais pelo fato de ter efetuado sua ação em razão do estrito cumprimento do dever legal de agir que o Estado outorga a suas autoridades policiais, pois "quem cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, praticar ilícito penal, uma vez que a lei não contém contradições"(MIRABETE, 2004, p. 188).

Aqueles que se opõem a esse tipo de ação policial alegam que ao disparar sua arma o "atirador de elite" torna-se igual ao carrasco que executa a pena capital, e que num contesto geral haveria nesta ação a violação de vários preceitos contidos na Constituição Federal de 1988, que apresentados in verbis seriam:

(...)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

(...)

XLVII – não haverá penas:

a)de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

(...)

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

(...)

LVII – ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória.

(...)

Contudo, pode-se indagar os opositores quanto qual vida no momento seria mais importante garantir, as dos reféns ou a do infrator? E percebendo-se que o infrator queria realizar apenas o crime de roubo, e que este ao perceber a presença de policiais tomou as pessoas que ali se encontravam como reféns, com o fim de não se entregar a polícia de forma alguma. Quem seria a autoridade competente para julgar naquele momento o infrator? Será que ele concordaria em ser julgado? E se o infrator começa a efetuar disparos de arma de fogo dentro do local onde ele se encontra com os reféns, Há ou não necessidade excepcional de se atirar contra o mesmo? Tais indagações revelam que não é tão simples assim cumprir estritamente as normas constitucionais.

Dentro desta perspectiva, o Código Penal brasileiro trata em seu artigo 23, das situações em que se exclui a ilicitude do crime, dentro de tais situações estão aqueles que agem em legítima defesa, sua ou de outrem; e aqueles que agem no estrito cumprimento de dever legal, no entanto o parágrafo único do citado artigo diz que: "O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo" (art.23, CP). A questão então seria definir o que é excesso dentro de uma situação de risco para os reféns de um seqüestrador.

De acordo com João José Leal "Ocorre excesso na legítima defesa de terceiros quando o defendente, embora tendo repelido uma agressão injusta atual ou iminente, reage de forma desproporcional à dimensão do dano que ameaçava o bem jurídico ameaçado" (2004, p. 316). Dessa forma, pode-se considerar proporcional a ação do policial que agindo em estrito cumprimento de dever legal na função de "atirador", realiza um disparo, matando aquele que armado ameaça a vida de terceiros, pois na situação em questão a pessoa mantida como refém está sob risco atual de ter sua vida retirada.

Ainda sobre o uso dos meios necessários para repelir a agressão, Julio Fabbrini Mirabete, discorre sobre o assunto da seguinte forma:

Na reação, deve o agente utilizar moderadamente os meio necessários para repelir a agressão atual ou iminente e injusta. Tem-se entendido que os meios necessários são os que causam o menor dano indispensável à defesa do direito, já que, em princípio, a necessidade se determina de acordo com a força real da agressão. É evidente, porém, que "meio necessário" é aquele de que o agente dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo ser até mesmo desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o único à sua disposição no momento (2004, p. 185).

Portanto, segundo Mirabete, a resposta de força que o policial deve usar independe de que tipo de arma o infrator está usando em sua conduta delituosa, seja um revolver apontado para a vítima, ou seja, uma faca colocada junto ao pescoço da mesma.

Ressalta-se ainda que em uma situação específica e tão delicada como esta, devesse entender que depois de esgotadas todas as tentativas de fazer com que o infrator se entregue de forma pacífica, a necessidade de se entender o tiro de fuzil como meio necessário é fundamental pelas próprias características da arma, pois seria praticamente impossível para qualquer atirador, efetuar um tiro de precisão a uma distância onde o infrator não pudesse perceber a presença e a intenção daquele em disparar contra este, e lograr êxito em sua ação.


Conclusão

Apesar de proibida a pena de morte em tempos de paz no Brasil, a necessidade de se preservar vidas faz com que o Estado por meio de seus agentes policiais tome decisões contrarias ao princípio constitucional de garantia da vida, tais decisões não são tomadas de forma arbitrária, mas sim, dentro da legalidade que o ordenamento jurídico oferece aos agentes estatais encarregados de garantir a lei e a ordem, com o intuito de impedir que infratores venham a ceifar vidas inocentes, estando os agentes estatais assegurados pelo estrito cumprimento de dever legal e a legítima defesa, ambas excludentes de ilicitude previstas no artigo 23 do Código Penal brasileiro.

Dessa forma, por mais que o Estado deva garantir o direito à vida a todos aqueles dentro da sociedade, continua a vigorar a concepção de Cesare Beccaria de que para garantir a segurança da sociedade e a paz social, evitando a ocorrência de crimes ofensivos contra a vida de pessoas inocentes o Estado por meio de seus agentes pode intervir no direito de viver do infrator responsável por tal situação de risco, desde que a ação policial esteja em completo acordo com as normas legalizadoras da conduta assumida pelos agentes estatais.

Portanto, Não se pode confundir a figura do "atirador de elite" com a do "carrasco" que executa a pena capital onde a mesma é aceita, pois este tem ordem para cumprir a sentença de morte contra aquele que foi condenado obedecendo às normas processuais legais daquele país, enquanto aquele tem o dever legal de agir outorgado pelo Estado para evitar que as pessoas da sociedade venham ter seu direito de viver retirado por ações de infratores.


Referências

BARBAS, Hélio de Carvalho; ANTONY, Márcio Moraes. O sniper policial e o tiro de comprometimento: uma proposta de emprego a nível nacional. Marituba - Pará: 2001.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Torrieri Guimarães (Trad.). São Paulo: Martin Claret, 2000. (Coleção a obra prima de cada autor).

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil: Promulgada em 5 de out de 1988. Organização do texto: Yussef Said Cahali. 10.ed. ver., ampl. E atual.São Paulo:revista dos tribunais,2007. (Coletânea de Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Legislação civil, processual civil e empresarial, e Constituição Federal).

BRASIL. Código Penal. Ricardo Vergueiro Figueiredo (org.). Anne Joice Angher (coordenação). 13. ed. São Paulo: Rideel, 2007. (Coleção de leis Rideel. Série Compacta).

CASTRO,Flávia Lages de. História do direito geral e do Brasil. 3. ed. (rev.). Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3. ed. Revista e Ampliada. Florianópolis: OAB/SC, 2004.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Alex Martins (Trad.). São Paulo: Martin Claret, 2006. (Coleção a obra prima de cada autor).

MIRABETE,Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 21. ed. (revista e atualizada). São Paulo: Atlas; 2004.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

PADILHA, José. Ônibus 174. Rio de Janeiro: Paris filmes; 2002

Módulos do curso de gerenciamento de crise da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, José Jonas de. Atirador de elite: o estrito cumprimento de dever legal e a legítima defesa de terceiros como excludentes da pena de morte no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2090, 22 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12417. Acesso em: 24 abr. 2024.