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Aspectos relevantes acerca da citação no novo processo penal

Aspectos relevantes acerca da citação no novo processo penal

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Resumo: A lei n. 11.719/08 compõe a trilogia de normas que alteram o Decreto-Lei n. 3.689, de 03.12.1941, o Código de Processo Penal Brasileiro. Referida norma disciplina alguns aspectos acerca da suspensão do processo, emendatio libeli, mutatio libeli e aos procedimentos e passou a vigorar a partir do mês de agosto de 2008. Nesta esteira, o presente trabalho visa apresentar algumas discussões e dúvidas interpretativas no tocante às modificações propiciadas pela norma em epígrafe, notadamente, àquelas atinentes as formas de citação no processo penal.

Palavras-chaves: processo penal; reforma processual, procedimentos, citação.

Resumen: La ley n. 11.719/08 compone la trilogía de las normas que modifican el decreto-ley n. 3.689, de 03.12.1941, el código del procedimiento criminal brasileño. Relacionada norma disciplina algunos aspectos referentes a la suspensión del proceso, emendatio libeli, mutatio libeli y a los procedimientos y ha comenzado a vigorizar a partir del mes de agosto de 2008. En esta dirección, el actual trabajo tiene como objetivo presentar peleas interpretativos y las dudas en respeto a las modificaciones en el resultado de la ley de reforma, especialmente, a esos atinentes a las formas de citación en el procedimiento criminal.

Palabras-Llaves: procedimiento criminal; reforma procesal, procedimientos, citación

Sumário:1. Introdução; 2. Breves Considerações acerca da Lei n. 11.719/2008; 3. Da Citação no Processo Penal; 4. Da Reforma do Código de Processo Penal e suas implicações no instituto da citação; 5. Conclusões; 6. Bibliografia.


1. Introdução

A citação é o ato pelo qual se dá ciência ao acusado da ação penal promovida contra ele. É por intermédio deste ato processual que o réu é chamado para defender-se, configurando-se, dessa forma, uma garantia para o exercício da Ampla Defesa e do Contraditório.

A citação pode ser: a) pessoal ou real, isto é, aquela feita na própria pessoa do acusado e que se efetiva por meio de mandado judicial (por oficial de justiça), por precatória (quando se tratar da hipótese na qual o réu esteja fora do território do juiz processante, conforme o art. 353 do CPP); por carta de ordem (determinada pelos tribunais em processos de competência originária, conforme o teor do parágrafo 1º do art. 9º, da lei n. 8.038/90) e, por fim, por carta rogatória (no caso do acusado encontrar-se no estrangeiro, de acordo com o art. 368, do CPP); b) ficta ou presumida: que se efetiva, conforme a recente reforma processual, de duas maneiras, quais sejam: 1. por edital: cujo leque de possibilidades foi reduzido à uma única hipótese: quando o acusado não for encontrado (arts. 361 e 363, parágrafo 1º do CPP); 2. por hora certa: modalidade que servia apenas ao processo civil e que passa, de forma inovadora, a ser adotada pelo processo penal, nos casos em que o réu se ocultar para não ser citado (art. 362 do CPP).

Vale lembrar que a citação válida é ato imprescindível para o processo, sob pena de nulidade (conforme art. 564, inciso III, alínea e do CPP). Assim, possui relevância inquestionável para o processo penal. Daí porque o presente artigo busca abordar de forma crítica as novidades apresentadas pela reforma processual penal no tocante à citação.


2. Breves Considerações acerca da Lei n. 11.719/2008

A lei n. 11.719, de 20.06.2008, integra uma série de normas que foram aprovadas, visando à modificação do Código de Processo Penal Brasileiro. Além da norma em análise, também foram editadas: a Lei n. 11.690/08, que altera dispositivos relativos às provas e dá outras providências e a Lei n. 11.689/08, que modifica dispositivos atinentes ao procedimento do Júri.

Assim, vale destacar que a lei em questão não pode ser analisada isoladamente, vale dizer, ela faz parte de um arcabouço de projetos de leis que compõem a Reforma Processual Penal, sendo que alguns destes projetos já se transformaram em normas positivadas, outros não vingaram e há, ainda, alguns que se encontram em tramitação no Congresso Nacional. Esta ressalva é importante, na medida em que a interpretação de alguns aspectos da lei 11.719/08 pode depender de outros dispositivos previstos em normas diversas.

Da leitura da norma percebe-se que a intenção do legislador foi a de simplificar os procedimentos, garantindo uma maior celeridade ao processo e, portanto, prestigiando o Princípio da Celeridade Processual, erigido à categoria de princípio constitucional, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988. Referida preocupação resta clara quando a lei n. 11.719/08 concentra numa única audiência, diversos atos processuais.

Além disso, o espírito da lei parece pender para a transformação de um procedimento tradicionalmente longo, escrito e fracionado, em um procedimento rápido, oral (o que reforça a preocupação em assegurar a originalidade do que é produzido em termos de prova) e concentrado numa única audiência. Outro ponto que parece relevante é que a norma em tela estimula uma maior participação das partes, colocando o juiz numa posição de mediador da audiência, salvo em algumas situações expressas (como, por exemplo, o disposto no art. 156, da lei n. 11.690/98 [01]), reforçando, portanto, o caráter dialético do processo.

A modernização e simplificação do Código de Processo Penal fazem parte do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).

Uma das ações deste programa, desenvolvido pelo Ministério da Justiça, tem por escopo facilitar o acesso da população ao Poder Judiciário e acelerar os trâmites jurídicos - esforços que já vêm sendo feitos pela Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) e pela Secretária de Assuntos Legislativos (SAL).  A Fase da reforma Penal deverá ser completada com a aprovação de mais 2 (dois) projetos que alteram as medidas cautelares e o recurso no processo penal. [02]

Três foram os objetivos que pautaram a reforma processual. Dois deles comuns ao processo trabalhista, civil e penal, e um voltado, de forma preponderante, ao processo penal: i – redução da litigiosidade repetitiva, protelatória ou decorrente; ii – racionalização do processamento de demandas; iii – adequação legislativa aos preceitos constitucionais de garantia. [03]

A redução da litigiosidade é objetivo relacionado à morosidade do Judiciário, neste sentido, surgiram estas alterações cujas finalidades são: a simplificação das regras processuais e a superação de dificuldades que geram, constantemente, nulidades nas decisões ou atos judiciais [04]. A racionalização do processo também está relacionada à idéia de celeridade, objetivando-se, como ideal, o equilíbrio entre a eficiência e a Justiça, isto é, em atendimento à idéia de Jurisdição Efetiva. Por fim, temos a questão da adequação legislativa aos preceitos constitucionais de garantia, relevantes, sobretudo, no processo penal, através da confomação dos dispositivos infraconstitucionais com o texto constitucional pós-1988.

As intenções sobre as quais se pautaram a reforma processual penal são dignas de aplausos, entretanto, verificando-se a aplicabilidade prática dos dispositivos alterados, surgem dúvidas se a boa vontade que serviu de base para as alterações realmente alcançará os objetivos almejados.

A lei n. 11.719/08 faz parte deste arcabouço que pretende melhorar o acesso a Justiça no nosso país. Referido diploma, aborda diversos assuntos. Além de regulamentar aspectos atinentes aos procedimentos, também possui dispositivos sobre sentença, sujeitos processuais, comunicações dos atos processuais, efeitos civis da sentença penal condenatória, dentre outros.

Dentre as suas previsões, serão analisadas, pontualmente, as modificações relacionadas à citação no novo processo penal.


3. Da Citação no Processo Penal

Conforme já mencionado, a citação é o ato que dá ciência ao réu da ação penal contra ele ajuizada, chamando-lhe para realizar sua defesa, consoante os Princípios do Contraditório, da Ampla Defesa e do Devido Processo Legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal Brasileira). Neste sentido, a citação é uma garantia individual, cuja ausência acarreta em nulidade insanável.

A citação instaura a relação processual, impondo, a partir de então, deveres processuais ao acusado. Neste sentido, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho [05] lecionam:

É exigência fundamental ao exercício do contraditório o conhecimento, pelos interessados, de todos os dados do processo, pois sem a completa e adequada informação a respeito dos diversos atos praticados, das provas produzidas, dos argumentos apresentados pelo adversário, a participação seria ilusória e desprovida de aptidão para influenciar o convencimento do juiz. A efetividade dos diversos atos de comunicação processual representa condição indispensável ao pleno exercício dos direitos e faculdades conferidos às partes; sua falta ou imperfeição implica sempre prejuízo ao contraditório, comprometendo toda a atividade subseqüente.

Conforme nos ensina Fernando da Costa Tourinho Filho [06]: Citação é o ato processual pelo qual se leva ao conhecimento do réu a notícia de que contra ele foi recebida denúncia ou queixa, para que possa defender-se.

A citação constitui seguramente o mais importante ato de comunicação processual, especialmente em sede penal, pois visa levar ao conhecimento do réu a acusação que lhe foi formulada, (...), propiciando, assim, as informações indispensáveis à preparação da defesa. [07]

É ato que comunica a existência da ação penal, bem como chama, por primeira vez, o acusado a comparecer em juízo em dia e hora designados (art. 396 do CPP). [08] A citação regular torna completa a relação processual e atribui ao acusado o ônus de comparecer aos atos processuais para os quais for intimado e também de comunicar ao juízo qualquer mudança de residência, sob pena de prosseguir o processo sem a sua presença (art. 367 do CPP).

A citação se diferencia de outros atos processuais de comunicação às partes, quais sejam: a) intimação: que é, grosso modo, ato de comunicação que dá ciência às partes de um ato processual praticado; b) notificação: é a comunicação para o comparecimento da parte em um determinado ato processual.

Quem determina que se proceda à citação é o magistrado, sendo o ato, via de regra, cumprido pelo Oficial de Justiça. [09]

No processo penal, pode ser citado apenas o indivíduo que se encontra no pólo passivo da ação penal, vale dizer, o sujeito passivo da pretensão punitiva. Em se tratando de réu portador de doença mental a citação será feita na pessoa de seu curador. A citação do funcionário público, por sua vez, é feita por mandado ou precatória, sendo, ainda, notificado o chefe de sua repartição (art.359 do CPP). Em relação à citação do preso, esta deve ser feita, consoante o plasmado no art. 360 do CPP, pessoalmente, o que não obsta a expedição de ofício requisitório ao Delegado, Diretor do Presídio ou quem faça suas vezes, para diligenciar sua apresentação ao Fórum, onde será interrogado. [10] [11]

A citação no processo penal, de acordo com o que já foi mencionado neste trabalho, pode ser real, pessoal ou in faciem ou ficta, também conhecida como presumida.

A citação real se concretiza por mandado, por precatória, carta rogatória, carta de ordem ou ofício requisitório.

O conteúdo da citação está relacionado no art. 352 do CPP (elementos intrínsecos do mandado citatório). Por sua vez, o art. 357 do CPP colaciona os requisitos da citação por mandado, isto é, indica as formalidades que devem ser obedecidas na execução do mesmo.

O artigo 354 do CPP, de outro lado, nos apresenta o conteúdo da carta precatória:

Art. 354 - A precatória indicará:I - o juiz deprecado e o juiz deprecante; II - a sede da jurisdição de um e de outro; III - o fim para que é feita a citação, com todas as especificações; IV - o juízo do lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer.

O art. 356 prevê que é possível a citação por carta precatória expedida por via telegráfica, em casos de urgência. A doutrina também admite a realização deste tipo de citação por telegrama e, até mesmo, por telefone [12].

Na citação por rogatória, remetida ao exterior, a carta deverá ser encaminhada ao Ministério da Justiça, a quem caberá solicitar ao Ministério das Relações Exteriores o seu cumprimento, deste último seguirá a rogatória, pela via diplomática, à justiça rogada.

A carta de ordem, por sua vez, se assemelha à carta precatória, distinguindo-se apenas quanto ao órgão do qual emana, consoante já comentado em outra passagem do presente trabalho. A carta de ordem é expedida por órgão superior à órgão inferior, nas ações penais originárias dos tribunais superiores (STF, STJ, TER, TRF e Tribunais de Justiça).

A citação ficta ou presumida se dá por edital (citatio edictalis) ou por hora certa. Diz-se ficta, posto que não feita na própria pessoa do réu, presumindo-se o seu conhecimento acerca da ação penal contra ele proposta.

A citação por edital, modalidade de citação ficta prevista no CPP, é, e continua sendo, objeto de críticas pela doutrina, pois o réu, dificilmente toma conhecimento da ação penal intentada contra ele, através de publicação na imprensa ou de edital fixado à porta do Fórum. Neste sentido, para evitar que o acusado seja julgado e condenado à revelia, temos a previsão do art. 366 do CPP, corretamente mantida pela reforma, que prevê a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, quando da citação realizada por edital.

A citação por edital era prevista em três situações: a) quando o réu não pudesse ser encontrado ou se ocultasse; b) quando o réu estivesse em local inacessível; c) quando o réu era incerto quanto à sua identificação (arts. 362 e 363 do CPP). Com a reforma trazida pela lei n. 11.719/08, a citação por edital passou a ter uma única hipótese: quando o réu não for encontrado. O art. 363 ganhou nova redação, eliminando o leque de possibilidades de realização da citação por edital. No tocante à citação por edital, portanto, a reforma não trouxe muitas novidades. Quando o acusado não for encontrado o processo ficará suspenso e o prazo para a defesa apresentar resposta [13] começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.

A revogação dos incisos do art. 363, que apontavam as outras duas hipóteses de citação por edital já recebeu críticas, sobretudo em relação ao inciso I. Neste sentido, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto [14]:

Estranha para dizer o mínimo, a revogação dos incisos acima. O inciso I determinava a citação do réu por edital quando inacessível o local em que sele se encontrava, em virtude de epidemia, guerra ou outro motivo. O inciso II, de sua parte, impunha o mesmo chamamento quando incerta a pessoa que tiver de ser citada. (...) talvez preocupado em inibir pretensões temerárias e atendendo-se, ainda, ao fato de que, na prática, não se tem notícia dessa espécie de denúncia, foi o inciso II revogado. Já a revogação do inciso I encerra evidente equívoco, a ser reparado. Explicamos: o texto original, aprovado no Congresso e levado à sanção presidencial, previa, em seu art. 366m que a ‘citação ainda será feita por edital quando inacessível, por motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu’, praticamente repetindo, desse modo, a redação anterior. Ocorre que o art. 366, tal qual constava do projeto, acabou sendo vetado, sob o inusitado argumento de que ‘a nova redação do art. 366 não inovaria substancialmente no ordenamento jurídico pátrio, pois a proposta de citação por edital, quando inacessível, por motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu, reproduz o procedimento já previsto no CPC e já extensamente aplicado por analogia, no Processo Penal pelas cortes nacionais’.

Os mesmos autores, sobre a revogação dos incisos do art. 363 arrematam:

(....) Da maneira pela qual foi publicado o texto final da lei, não há qualquer solução para a hipótese de citação do acusado que se encontre em local inacessível. Da citação por edital não se cogita. Tampouco a citação com hora certa, sob pena de grave risco de morte ao oficial de justiça. (...) De resto é torcer para que não tenhamos epidemias, guerras ou outros motivos de força maior que impeçam a citação do acusado.

De outro lado o art. 362 que, anteriormente, também previa uma hipótese de citação por edital, agora nos apresenta a possibilidade de citação por hora certa [15].

A Lei n. 11.719/08 não é a primeira regulamentação que traz inovações à citação no processo penal. Antes dela, a Lei n. 11.419/06, que dispõe sobre a informatização do Judiciário, já suscitava questionamentos acerca da realização de atos processuais de comunicação por meios eletrônicos, dentre os quais a citação, já que referido diploma legal possui aplicabilidade ao processo civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, conforme seu art. 1º, parágrafo 1º.

Muito embora a lei 11.419/06 excetue as citações realizadas em processo penal, vale dizer, as exclui da possibilidade de serem realizadas de forma eletrônica, possibilita isso no tocante as cartas de ordem, precatórias e rogatórias (art. 7º). A realização da citação eletrônica pressupõe adesão prévia das partes ou de seus advogados, com poderes para receber citação, mediante a realização de credenciamento no Poder Judiciário, por meio de procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado ou de seus representantes legais. Fatores estes que tornam, eventualmente, inviável a citação eletrônica no processo penal.

Contudo, insta salientar, que a novidade agregada pela lei n. 11.719/08, e que será analisada a seguir com maior profundidade, apresenta-se como a inovação de maior impacto no processo penal, no tocante aos atos processuais de comunicação, especificamente da citação.


4. Da Reforma do Código de Processo Penal e suas implicações no instituto da citação

A lei n. 11.719/08 altera os artigos 362 e 363 do CPP, que dispunham:

Art. 362. Verificando-se que o réu se oculta para não ser citado, a citação far-se-á por edital, com o prazo de 5 dias;

Art. 363. A citação será feita por edital:

I – quando inacessível, em virtude de epidemia, de guerra ou de outro motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu;

II- quando incerta a pessoa que tiver de ser citada.

A nova lei institui a modalidade de citação por hora certa no âmbito processual penal e revoga os incisos do art. 363, do CPP, conforme se verifica:

Art. 362.  Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Parágrafo único.  Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo." (NR) 

Art. 363.  O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado.

I - (revogado);

II - (revogado);

§ 1º  Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital. 

§ 2º  (VETADO) 

§ 3º  (VETADO) 

§ 4º  Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código." (NR) 

A citação por hora certa é novidade para o processo penal e seguirá as regras estabelecidas pela legislação processual civil:

Art. 227 - Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.

Art. 228 - No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a diligência.

§ - Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca.

§ - Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome. 

Art. 229 - Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência.

São vários os problemas acarretados pela adoção desta modalidade de citação no processo penal:

Oriundo do Processo Civil, num lampejo de unificação do Direito Público com o Direito Privado, o legislador entendeu por bem penalizar o réu que se oculta para não ser citado com uma modalidade de citação que, mesmo não se encontrando o acusado, considera-o citado prosseguindo-se, e isso é o mais grave, com a ação penal à sua revelia. [16]

O questionamento que surge, acerca da adoção desta nova modalidade de citação, diz respeito a quem (se o oficial de justiça ou o magistrado) avaliará a existência de intenção do réu em se ocultar.

Esta é uma divergência que já existe no âmbito cível e que, com certeza, será suscitada na seara criminal [17].

Decorrência do princípio geral de Direito de que ninguém pode se valer de sua própria torpeza, o acusado será processado e sentenciado pelo simples fato de um oficial de justiça, e não um magistrado, decidir, de forma subjetiva, mas valendo-se das circunstancias fáticas, que o réu se oculta propositadamente para não receber a citação e desta forma atesta, pleiteando os rigores do art. 362 do CPP. [18]

Em princípio, ao menos, parece prudente que o juiz avalie se o acusado está se ocultando à citação.

Seria temerário, segundo nosso entendimento, deixar essa incumbência para o oficial de justiça, notadamente, em matéria criminal, procurando-se evitar, também, futuras nulidades em decorrência da ausência de ciência da acusação por parte do réu.

Assim, o oficial de justiça deverá noticiar ao magistrado as razões que possui para suspeitar da ocultação do réu, bem como mencionar os dias e horas em que procurou o citando.

Ficando constatada a má-fé do oficial de justiça, responderá processo disciplinar e o ato será anulado, refazendo todo o processo desde a citação, entretanto, trata-se de uma análise subjetiva feita pelo agente público que dificilmente poderá ser contestada no caso concreto. [19]

Em relação à citação por hora certa, não haverá suspensão do processo, nos moldes do art. 366, CPP, que restou apenas para a citação por edital. Aliás, um dos motivos que levou a inclusão da citação por hora certa no processo penal foi a questão da suspensão do processo em caso de revelia, já que o réu, muitas vezes, se furtava da citação para que houvesse a suspensão do processo.

Agora, a realização da citação por hora certa permite o prosseguimento do processo, sendo nomeado defensor dativo, se o acusado não comparecer (art. 362, parágrafo único).

Parece-nos, contudo, inconstitucional a previsão do art. 362 do CPP, por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois a ampla defesa abarca a defesa técnica e a autodefesa, ficando esta última prejudicada em face da continuidade do processo, cujo procedimento citatório fora por hora certa.

Há uma incongruência do sistema que, por um lado, admite a suspensão do curso do processo e do prazo prescricional, notadamente após a muito bem-vinda alteração trazida pela lei 9.271/96, e por outro permite que o processo continue sem a presença do acusado, ainda que lhe seja nomeado defensor dativo.

A citação por hora certa somente tem cabimento no processo civil, cujos direitos discutidos são, em sua grande maioria, disponíveis, sendo, dessa forma descabido no processo penal.


5. Considerações Finais

A pretensão deste trabalho foi apontar as linhas gerais acerca das alterações trazidas pela lei n. 11.719/08, tratando, pontualmente, das modificações relacionadas à citação, enquanto ato processual de comunicação e instauração de instância no processo penal.

A reforma processual penal apresenta, indubitavelmente, alterações relevantes, que se coadunam com a boa intenção do legislador em tentar solucionar as dificuldades relacionadas à morosidade do poder judiciário brasileiro e garantir a efetividade da jurisdição.

Por outro lado, não está imune às críticas, que, aliás, devem ser feitas com o objetivo de melhorar ou corrigir os pontos falhos que passaram despercebidos às vistas do legislador.

Dúvidas não pairam de que a intenção do legislador foi a melhor possível ao elaborar um arcabouço de normas que promoveram uma verdadeira revolução no nosso arcaico Código de Processo Penal e cujas alterações, apesar de algumas imperfeições, condizem mais com um processo penal moderno e tentam se enquadrar no ideal garantista que ganhou vulto, sobretudo, após a CF/88.

A lei 11.719/08 se insere neste contexto, apresentando objetivos, desdobramentos e diretrizes relacionadas à otimização do processo penal, promovendo as mais diversas alterações, dentre outras, no tocante aos procedimentos.

É nesta seara que discutimos as alterações efetuadas pelo diploma legal retromencionado no tocante à citação no processo penal, notadamente, nas realizadas em relação às modalidades de citação ficta, quais sejam: por edital e a novidadeira citação por hora certa.

Parece-nos que o legislador não caminhou bem ao transportar a citação por hora certa, modalidade de citação ficta do processo civil, para o processo penal (art. 362 do CPP), tendo em vista que este último lida com um bem indisponível: a liberdade. É inadmissível que o réu seja citado por hora certa e, mesmo que não haja tomado ciência da ação penal contra ele promovida, seja processado, julgado e condenado, ainda que a lei lhe garanta a nomeação de defensor público. Há inquestionável inconstitucionalidade deste dispositivo que viola, indubitavelmente, o princípio do devido processo legal e, sobretudo, do contraditório e da ampla defesa. Além disso, haverá dificuldades para aferição sobre a real vontade de ocultação do réu e dúvidas acerca de quem verificará esta ocultação, bem assim, como isso será analisado.

O ato de legislar é algo complexo, pois pressupõe a elaboração de novos mandamentos legais e a conexão destes à regramentos pré-estabelecidos, tarefa esta, portanto, nada fácil e que deve ser realizada com cautela por parte do legislador, levando-se em consideração todo o sistema jurídico em vigor. Não é possível desconsiderar os mandamentos legais já existentes, notadamente, os relacionados às garantias individuais.

Assim, diante de uma lacuna ou uma situação não antevista pelo legislador, nos resta apenas aguardar o posicionamento da jurisprudência, que com a sua prudência nos indicará os caminhos da sensatez.


6. Bibliografia

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos Gerais da Reforma Processual. Boletim IBCCrim. Ano 16, n. 188, julho/2008.

GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Bastista. Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SILVA, Ivan Luís Marques da. Reforma Processual Penal de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2008.


Notas

  1. Art. 156 – A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
  2. I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

    II – determinar, no curso da instrução, ou antes, de proferir a sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

  3. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: http://www.mj.gov.br/reforma/data/Pages/MJ65097B8FITEMID3EBDB475768648B1B1D43EDB9C3F1AE7PTBRIE.htm. Acesso em: 21.07.08.
  4. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos Gerais da Reforma Processual. Boletim IBCCrim. Ano 16, n. 188, julho/2008, p. 26.
  5. Ibid, p. 27.
  6. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 116.
  7. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 168.
  8. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. Cit., p.117.
  9. A citação é o canal de comunicação aberto pelo Estado-juiz em direção ao acusado para noticiá-lo da existência de uma imputação e convocá-lo a contrariá-la. Tal comunicação, que se traduz num dos enfoques do princípio constitucional do contraditório, deve ser efetiva, inquestionável, induvidosa. Por isso, está cercada de formalidades que não podem ser postergadas. A comunicação falha, deficiente, bloqueada, corresponde à falta de comunicação e vicia de modo incurável o processo. (TACrimSP, HC 119.796, RT 578/364).
  10. Há casos em que a citação é cumprida por pessoa diversa, como na citação de militar, que é feita conforme dispõe o art. 358 do CPP (pelo chefe do respectivo serviço).
  11. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. Cit, p. 183.
  12. Na prática é assim mesmo que se procede à citação do preso. Nunca ficar esquecido deva ser remetido ao diretor do presídio, ou quem suas vezes fizer, um ofício requisitório, pois, do contrário, o preso não poderá sair do xadrez. Requisição e citação são coisas diversas, conforme RT 609/345, 703/315, 715/467 e 717/404.
  13. Neste sentido ver doutrina de TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 180-181.
  14. Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
  15. GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Bastista. Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 322 e 323.
  16. Sobre esta nova modalidade de citação comentaremos a seguir.
  17. SILVA, Ivan Luís Marques da. Reforma Processual Penal de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 20.
  18. Neste sentido: "Ao juiz não compete determinar que a citação se faça com hora certa; ao oficial de justiça é que compete verificar se é caso ou não de aplicação do art. 227 do CPC" (JTA 120/44). "É acima de tudo ao juiz que compete o poder de decidir da razoabilidade da suspeita de ocultação alegada pelo oficial de justiça" (RJTJESP 108/287).
  19. SILVA, Ivan Luís Marques da. Op. Cit., mesma página.
  20. Ibidem.

Autor

  • Christiany Pegorari Conte

    Christiany Pegorari Conte

    Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU/SP; Advogada; Professora das FMU-SP e da Faculdade Zumbi dos Palmares; Coordenadora da Coordenadoria de Assuntos Científicos da Comissão de Direito na Sociedade da Informação da OAB/SP; Coordenadora da Subcomissão de Direito Penal e Processual Penal da CNA/IASP; Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim; Membro da Associação dos Advogados de São Paulo - AASP; Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONTE, Christiany Pegorari. Aspectos relevantes acerca da citação no novo processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2112, 13 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12624. Acesso em: 18 abr. 2024.