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O novo inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal e a sua aplicabilidade, abrangência e procedimento na Justiça do Trabalho

O novo inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal e a sua aplicabilidade, abrangência e procedimento na Justiça do Trabalho

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Com a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal, passou a Justiça do Trabalho a ser competente para processar e julgar uma série de ações que eram afetas à Justiça Comum, Federal ou Estadual.

Com a publicação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, intitulada de reforma do Poder Judiciário, houve radical modificação na redação do artigo 114 da Constituição Federal, passando a Justiça do Trabalho a ser competente para processar e julgar uma série de ações que eram afetas à Justiça Comum, Federal ou Estadual, bem como, também, houve a pacificação de controvérsias homéricas em que se debatiam a doutrina e a jurisprudência pátria.

Mais especificamente, foi acrescentado ao texto do artigo 114 o inciso IV, que assim vaticina: "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;".

E é neste particular que radica o objeto deste singelo ensaio, de forma que não tenho a pretensão de ser exaustivo, muito menos de enfrentar todas as modificações trazidas pela Emenda. Se conseguir, ao final, ao menos, suscitar dúvida e reflexão nos leitores, cumprido está o objetivo primordial deste trabalho.


1 – Evolução Histórica dos Institutos

Nos primórdios da formação dos Estados soberanos, o Rei tinha o poder supremo de privar a liberdade e os bens dos cidadãos pertencentes à nação, sem necessidade de qualquer fundamentação ou motivação justificada, tudo isso fruto da tirania e irresponsabilidade do soberano, que não precisava, consoante nos ensina a História, prestar contas de suas ações, muito menos procurar adequar seus atos aos ditames do Direito.

Desde aquela época, ventos democráticos sopravam, anunciando que era hora de fazer com que o Rei cedesse, já deixava claro que não era possível manter o monopólio e a irresponsabilidade das decisões a serem tomadas pelo Estado. Já se dizia que deveriam ser seguidos vários princípios, entre os quais o dever de garantir aos cidadãos o direito à liberdade, à propriedade e a publicidade dos atos estatais.

Neste contexto, o Rei João Sem Terra, nos campos de Runnymed na Inglaterra, outorgou a Magna Carta Libertatum em 1215, lastreada nos pilares da liberdade do indivíduo e da propriedade dos bens, de forma que em seu capítulo XXIX batizou o remédio heróico do writ of habeas corpus. Entrementes, outros autores defendem, tal qual J. E. DE CARVALHO PACHECO [01], que a origem do habeas corpus remonta ao Direito Romano, no qual era intitulado de interductum de libero homine exhibendo, cujos escopos principais eram embrionários em relação à compreensão atual da plenitude do direito de liberdade.

Até o Habeas Corpus de 1679, florescido durante o reinado de Carlos II na Espanha, o instituto tinha o único desiderato de albergar a liberdade de acusados por crime, vale dizer, não se questionava sua aplicabilidade, como é nos moldes hodiernos, para tutelar todas as formas de liberdade e locomoção dos indivíduos, seja fruto de processo criminal ou não, sua aplicação, pois, era restrita a poucas hipóteses legais, não açambarcando a restrição da liberdade imposta por atos da jurisdição trabalhista, caso esta existisse à época.

Apenas em 1816, com a edição do Habeas Corpus Act britânico, é que o remédio heróico ganhou os delineamentos na forma como é utilizado atualmente, aplicável não somente no âmbito criminal, mas também no civil. Em conseqüência de sua expansão por toda a Europa, foi trazido ao Brasil pelas mãos de D. João VI, por intermédio do Decreto de 23.05.1821. Após alguns anos, foi inserido no artigo 340 do Código de Processo Penal de 1832.

De uma forma ou de outra, tem-se que o primeiro dos remédios constitucionais surgidos para tutelar as liberdades e os direitos individuais foi o habeas corpus, a partir do qual desenvolveu-se o mandado de segurança e o habeas data, todos estes objeto deste estudo.

O mandado de segurança, surgiu em nosso ordenamento como corolário da restrição da Teoria Brasileira do Habeas Corpus, vez que este era manejado em uma multiplicidade de situações, para defesa das liberdades e garantias individuais, extrapolando sua função originária. Este citado espectro multifário de aplicação pode ser constatado pela lição do mestre RUI BARBOSA [02]:

"Logo o habeas corpus hoje não está circunscrito aos casos de constrangimento corporal: o habeas corpus hoje se estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitado no seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade.".

Dentro destes parâmetros, com o escopo de delimitar a utilização do habeas corpus apenas às situações de restrição do direito de liberdade e locomoção, o legislador constitucional de 1934 batizou em nossa Carta Política o mandado de segurança, o qual foi posteriormente regulado pela Lei nº 1.533/51. A plêiade de estudiosos da época afirmavam que não havia instituto jurídico similar em qualquer legislação alienígena daquele tempo.

Por fim, floresceu o instrumento jurídico constitucional do habeas data, que somente veio integrar o sistema legal pátrio com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Corolário direto do Freedom of Information Act de 1978 da legislação norte-americana, presta-se a garantir o acesso do particular às informações e registros, públicos ou particulares, acessíveis à população, visando o conhecimento ou retificação dessas informações e outros dados.

O certo é que, como preceitua o artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, "Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo ante os tribunais competentes que a ampare contra atos violatórios de seus direitos fundamentais, reconhecidos pela Constituição e pelas leis.". E é nesse contexto histórico, que tentarei sistematizar os institutos do mandado de segurança, habeas corpus e habeas data na Justiça do Trabalho, em razão da modificação introduzida pela EC nº 45/2004 e suas vertentes interpretativas mais modernas.

Consoante as lições algures colacionadas, os três institutos jurídicos constitucionais a serem estudados neste trabalho trazem grande carga de influência um sobre os outros, com muitos requisitos e procedimentos semelhantes, de forma que, respeitando os limites deste simples trabalho, farei a remissão, quando adequado, do estudo de um instituto ao tópico estudado relativamente à outro, evitando-se repetições desnecessárias.


2 – Mandado de Segurança

Diz o artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso LXIX, que:

"conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;".

Vaticina o inciso LXX do mesmo artigo constitucional que:

"o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;".

O emérito Professor HELY LOPES MEIRELLES [03], em obra clássica sobre a temática, conceitua o writ of mandamus, verbis:

"Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.".

O texto do novel artigo 114 da Carta Política fala em cabimento na Justiça Especializada da ação de mandado de segurança, desde que a matéria seja afeta à sua jurisdição, sem fazer qualquer ressalva quanto a natureza individual ou coletiva desta ação, de forma que já é fora de dúvida que tanto o mandado de segurança individual quanto o coletivo são admitidos no âmbito da Justiça do Trabalho. É regra basilar da hermenêutica que: "Onde o legislador não fez a ressalva, não cabe ao intérprete fazê-la".

2.2 – Mandado de Segurança Individual

A doutrina clássica sempre fez a distinção entre as várias espécies de atos emanados pelo Estado, classificando-os basicamente em atos de gestão e atos de império. O primeiro representa as manifestações do Poder Público quando realizadas em condição de igualdade com o particular, despido, principalmente, das prerrogativas legais, afastada a incidência do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, aplicando-se as normas do Direito Civil.

Ao revés, os atos de império trazem consigo forte carga de supremacia da Administração Pública, subjugando os particulares que contratam com o Estado, colocando-os em condição de desigualdade, visando a proteção dos interesses públicos e aplicando as normas de Direito Público, principalmente Administrativo e Constitucional, bem como a legislação correlata extravagante.

Partindo-se dessa diferenciação, tem-se que o Estado quando contrata agentes públicos, sejam celetistas, estatutários ou de regime especial, age em condições de igualdade com o particular, praticando atos de gestão. Logo, para alguns, nestas hipóteses, não estaria autorizada a impetração do mandado de segurança, pois não há possibilidade da prática de atos genuinamente estatais que possam lesar direito liquido e certo dos possíveis impetrantes.

O posicionamento mais conservador e minoritário tem entre os seus defensores o Professor FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA [04], que leciona neste particular, verbo ad verbum:

"Tenha-se presente também em sede trabalhista que a autoridade pública, ao contratar empregados pelo regime trabalhista, abdica do seu poder de império (jus imperii) e o relacionamento será de empregado e de empregador.

Com a vinculação do Poder Público ao contrato de trabalho, deixa de existir a autoridade nos termos que lhe empresta a lei, do que resulta que não pode o empregado impetrar segurança contra o seu empregador. Isto porque a relação que passa a existir é de direito privado e não mais de direito público.".

Rogata maxima venia, penso em sentido diametralmente oposto, pois a distinção teórica da natureza dos atos estatais, em atos de gestão ou de império, não enseja maiores implicações práticas, uma vez que em qualquer das modalidades em que o Estado emana suas vontades, por intermédio dos atos administrativos, sempre haverá emanação de ato de autoridade, passível de configuração de ilegalidade, seja de que natureza for.

A distinção a ser feita é quanto a natureza do ato emanado pelo agente público. Quando este, investido em suas funções legais, fala em nome do Poder Público, haverá ato de autoridade, seja ato de império ou de gestão. Se o mesmo agente, v.g., invade ilegalmente a casa de um vizinho alegando ser sua, nesta hipótese haverá ato particular, sem interferência de suas qualidades funcionais públicas, de forma que não desafiará impetração da segurança, mas sim de ação possessória ou petitória.

Defendo, pois, que é plenamente cabível a impetração do mandamus para atacar atos ilegais ou abusivos praticados pelo Poder Público em situações ocorridas na relação de trabalho, situações estas que possam ferir direito líquido e certo do trabalhador, v.g. dispensa, redução salarial, mudança de função, suspensão disciplinar, negativa de aplicação de reajuste concedido, entre tantas outras situações, mesmo que doutrinariamente sejam classificadas como atos de gestão.

O doutrinador JOSÉ DA SILVA PACHECO [05], representante da corrente mais moderna, a qual adoto, leciona com maestria que:

"Essa distinção, embora importante, não tem o dom de ressuscitar a velha teoria sob a dúplice personalidade do Estado, agindo como pessoa de direito público (ato de império), insuscetíveis de reexame ou controle, e como pessoa de direito privado (ato de gestão), muito salientado no direito francês. Nada disso. O Estado, atualmente, atua, sempre como pessoa de direito público (art. 18, CF) e seus atos, todos eles, são passíveis de serem apreciados pelo Poder Judiciário. Se forem ilegais ou abusivos e ameaçarem ou prejudicarem direito líquido e certo, nada impede que contra eles se impetre MS.".

O Excelso Pretório, há muito tempo, já se posicionou a respeito:

"(...) A atividade Estatal é sempre pública, ainda que inserida em relações de Direito Privado e sobre elas irradiando efeitos; sendo, pois, ato de autoridade, o Decreto Presidencial que dispensa servidor público, embora regido pela legislação trabalhista, a sua desconstituição pode ser postulada em MS." (STF, MS 21.109-DF, Decisão Plenária, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 19.02.1993).

É de bom alvitre deixar registrado que não se há falar em impossibilidade de apreciação judicial de ato administrativo, mormente os praticados no âmbito da relação de trabalho, pois os atos administrativos são todos passíveis de apreciação judicial, salvo o chamado mérito do ato (discricionariedade), nesta hipótese somente admite-se a impetração do mandado de segurança na existência de abuso de poder ou desvio de finalidade, consoante as mais abalizadas vozes administrativistas, e é exatamente nestas duas hipóteses que materializa-se a ilegalidade que desafia a impetração do mandamus em seu cabimento da relação de trabalho.

E mais. A Carta Política não faz qualquer ressalva quanto ao cabimento do remédio heróico somente nas hipóteses em que o poder público pratica atos de império, tanto é que permite a sua impetração até quando o particular pratica atos investidos de função pública (delegação). É certo que os institutos jurídicos garantidores dos direitos fundamentais do cidadão devem ser interpretados de maneira ampliativa, de forma que possa ser aplicável em um espectro dilatado de abrangência.

Logo, cerro fileira com a corrente mais moderna e majoritária, admitindo o cabimento do mandado de segurança na Justiça do Trabalho, tanto o individual como o coletivo, para questionar os atos praticados pelo Poder Público na condição de contratante nas relações de trabalho, sejam relacionadas aos celetistas, estatutários ou aos trabalhadores sujeitos à regime especial. De igual forma, entendo cabível nas hipóteses em que o empregador é pessoa jurídica de direito privado, desde que pratique atividades inerentes do Poder Público, nos limites da delegação, como são as empresas concessionárias de serviços públicos que foram privatizadas, as antigas prestadoras estatais.

Não se pode descuidar, neste particular, da questão relacionada à competência material trabalhista, mormente nas questões relacionadas aos servidores públicos estatutários, as quais foram declaradas recentemente de competência da Justiça Comum, em decisão liminar do Presidente do e. Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Juizes Federais, ADIn nº 3.395-DF.

Oportuno ressaltar que a ação direta de inconstitucionalidade nº 3.395-DF foi proposta pela Associação dos Juizes Federais (AJUFE), entidade de classe de âmbito nacional que representa os interesses dos juizes federais, como quer a norma do inciso IX do artigo 103 da CF/88, que traz o rol de legitimados ativos.

Como corolário da legitimação ativa para a propositura da ação direta, o e. Supremo Tribunal Federal, jurisprudencialmente, dividiu o rol de legitimados ativos em dois grupos, quais sejam: legitimados gerais e especiais. Aqueles podem propor a ação direta em qualquer situação; estes somente podem propor a ação direta quando a matéria questionada estiver de acordo com seus fins institucionais, é a chamada pertinência temática do requerimento.

Trago acórdão paradigma relatado pelo e. Ministro MOREIRA ALVES que bem explica essa questão da legitimidade, verbis:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS – CNPL – FALTA DE LEGITIMIDADE ATIVA – Na ADI 1.792, a mesma Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL não teve reconhecida sua legitimidade para propô-la por falta de pertinência temática entre a matéria disciplinada nos dispositivos então impugnados e os objetivos institucionais específicos dela, por se ter entendido que os notários e registradores não podem enquadrar-se no conceito de profissionais liberais. – Sendo a pertinência temática requisito implícito da legitimação, entre outros, das Confederações e entidades de classe, e requisito que não decorreu de disposição legal, mas da interpretação que esta Corte fez diretamente do texto constitucional, esse requisito persiste não obstante ter sido vetado o parágrafo único do artigo 2º da Lei 9.868, de 10.11.99. É de aplicar-se, portanto, no caso, o precedente acima referido. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida." (STF – ADI 2482 – MG – Rel. Min. Moreira Alves – DJU 25.04.2003 – p. 0032).

Lastreado no posicionamento exposto pelo Excelso Pretório, a ilação lógica é que a Associação dos Juizes Federais não tem legitimação genérica para ajuizar a ADIn em qualquer hipótese, deverá, pois, demonstrar a pertinência temática entre o pedido feito e os fins institucionais da própria associação.

Como a AJUFE defende institucionalmente os interesses dos juizes federais, não teria, por lógico, pertinência temática o seu pleito de declaração de inconstitucionalidade do inciso I do novel artigo 114 da Constituição para declarar a competência da Justiça Estadual para processar e julgar as lides envolvendo servidores públicos estaduais e municipais e os órgãos da Administração Pública dos Estados e Municípios.

Logo, permanecem restritos os efeitos da liminar proferida pelo Presidente do e. Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADIn nº 3.395-DF, apenas quanto à competência da Justiça Comum Federal para julgar os processos envolvendo servidores estatutários da União. Os servidores públicos estaduais e municipais continuam de competência da Justiça do Trabalho, por falta de pertinência temática da AJUFE no pedido em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Ultrapassada esta primeira controvérsia quanto aos limites da impetração do mandado de segurança nas relações de trabalho com o Poder Público, ou quem lhe faça as vezes, foge aos limites deste trabalho o enfrentamento de temas como a conceituação de direito líquido e certo, do prazo decadencial para impetração, da necessidade de indicação tanto da parte legitimada passiva [06] (pessoa jurídica de direito público) quanto da autoridade dita como coatora (agente público com poder decisório na emanação do ato ilegal), da necessidade de intimação do Ministério Público, da necessidade de representação por advogado, da obrigatoriedade do reexame necessário das sentenças concessivas da segurança, entre tantos outros conceitos já decantados na doutrina e jurisprudência pátria, que são, mutatis mutandis, aplicáveis na Justiça do Trabalho.

Antes da edição da Emenda Constitucional nº 45\2004 somente era admitida a impetração do remédio heróico na seara laboral quando a autoridade coatora fosse o próprio magistrado na prática de ato judicial, fato que gerava, por razões lógicas, a determinação da competência para seu conhecimento e julgamento aos Tribunais de grau superior, caso fosse o magistrado dito coator de primeira instância, ou instâncias hierarquicamente superiores, respectivamente.

A possibilidade de impetração do writ of mandamus em face de ato judicial é há muito tempo aceita pelos tribunais, precisamente desde a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE nº 76.909, relatado pelo Ministro Xavier de Albuquerque, com mais razão na seara laboral em que vige o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias e que os recursos são, em regra, apenas devolutivos, passíveis, pois, de causar dano sem franquear ao jurisdicionado remédio processual adequado.

Essa sistemática não foi alterada com a Emenda Constitucional.

Entretanto, passa-se a admitir a impetração do mandamus em tantas outras situações, que não só as oriundas de atos judiciais, mas também as nascidas de atos praticados pelos próprios juizes em matéria administrativa e por outros agentes, tais quais os procuradores do trabalho, delegados regionais do trabalho, fiscais do trabalho, autoridades administrativas do INSS e todos os outros agentes públicos que praticam atos estatais, desde que a matéria em discussão seja afeta à jurisdição da Justiça Especializada.

Em todas estas hipóteses citadas a competência funcional será, naturalmente, do juízo de primeiro grau, salvo nas hipóteses em que a lei declinar competência originária aos Tribunais de grau superior. A suspensão disciplinar de empregado de um Estado da federação, materializada em ato ilegal e arbitrário praticado pelo Governador do ente federativo, ou de Secretário de Estado, será de competência originária do Tribunal Regional do Trabalho, em obediência a determinação legal (geralmente Código de Organização Judiciária Estadual, aplicado por analogia na Justiça do Trabalho) que confere foro privilegiado em segunda instância a estes agentes políticos.

De igual forma, utilizando-se dos mesmos princípios e da interpretação sistemática do ordenamento, penso que os atos praticados pelos procuradores do trabalho, quando enquadrados como autoridade coatora em mandado de segurança, devem ser conhecidos e julgados pelo Tribunal Regional do Trabalho originariamente, pois se ato judicial de magistrado de primeira instância tem esta mesma competência originária, deverá da mesma forma proceder com os membros do Ministério Público do Trabalho, que estão na mesma hierarquia que os magistrados das Varas do Trabalho (inciso I do artigo 108 da CF\88 c\c artigo 6º da Lei nº 8.906\94).

Nada obstante o Procurador-Geral do Trabalho oficie perante o Tribunal Superior do Trabalho, em face da ausência de previsão legal em sentido diverso, será competente o Tribunal Regional do Trabalho da respectiva região em que o ato foi praticado para processar e julgar a ação mandamental.

A competência dos tribunais de segunda instância para julgamento dos membros do Parquet federal, quando estes figuram como autoridade coatora na impetração dos remédios heróicos constitucionais, é acolhida pela jurisprudência majoritária. Veja-se a elucidativa passagem em julgado do TRF da 2ª Região:

"Competência – Habeas Corpus – Procurador da República como autoridade coatora – Julgamento afeto ao Tribunal Regional Federal – Inteligência do art. 108, I, a, da CF. Compete ao Tribunal Regional Federal processar e julgar os habeas corpus, quando a autoridade coatora for Procurador da República, uma vez que a esse Tribunal compete processar e julgar os membros do Ministério Público da União, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (CF\88, art. 108, I, a)" (RT 770/702).

O fato que define a competência funcional para processamento e julgamento do mandado de segurança é a categoria da autoridade dita como coatora e sua sede de atuação funcional. Se a ação mandamental for dirigida a juízo incompetente, este deverá remeter o processo ao juízo material e funcionalmente competente, de acordo com a regra geral da competência originária, ou as exceções dispostas expressamente na Constituição Federal e nas normas infraconstitucionais.

A interveniência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios não induzirá o deslocamento da competência originária da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum (parágrafo único do artigo 99 do CPC), seja Federal ou Estadual, desde que a matéria questionada seja afeta à jurisdição da Justiça Especializada.

Com fundamento no raciocínio exposto linhas acima, é competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar os mandados de segurança impetrados em face de inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público do Trabalho sem observância das determinações legais. Também, quando é aplicada multa pelos fiscais do trabalho em situações que não configuram infrações e quando o Delegado Regional do Trabalho lança indevidamente o nome de empregador em lista de empresas que utilizam trabalho escravo, entre tantas outras situações que só a prática forense diária ira revelar. As perspectivas são as mais ampliativas possíveis.

O procedimento a ser seguido na tramitação processual do mandado de segurança será aquele disposto na legislação específica de regência, consoante dispõe principalmente as Leis nº 1.533\51 e nº 4.348\64, observando-se algumas pequenas adaptações ao procedimento previsto na Justiça do Trabalho, entre os quais se destaca o ataque da sentença em mandado de segurança pelo recurso ordinário interposto no prazo de oito dias (Súmula 201 do TST). Observar-se-á a prerrogativa de prazo do artigo 188 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária.

Abro aqui um parêntese para consignar minha opinião pessoal, entre tantas nascidas após à edição da Emenda, de que todos os processos que tramitarão perante a Justiça Especializada, seja de que natureza for, trabalhista, administrativa ou civil, obedecerão, no que couber, o procedimento previsto na CLT (artigo 763), com a única exceção quanto aos procedimentos dispostos em leis especiais, como são os remédios heróicos tratados neste trabalho. Em conclusão: se existe procedimento especial, aplicar-se-á este; se o procedimento utilizado é o ordinário do Código de Processo Civil, passará a se utilizar o procedimento disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, notadamente quanto à prazos, hipóteses recursais, custas, depósito recursal etc. Continua aplicável de forma subsidiária a legislação processual ordinária quando omissa a Consolidação (artigo 769).

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região, em importante seminário para discussão das questões afetas à nova competência da Justiça do Trabalho, extraiu dos debates travados importantes conclusões. Uma das quais, representada pelo verbete nº 12, que coaduna com a sistematização processual feita no parágrafo supra. Vejamos o que diz o TRT baiano:

"RITO APLICÁVEL EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES OBJETO DA NOVA COMPETÊNCIA. Aplicam-se os procedimentos previstos na CLT, mais consentâneos com os princípios de celeridade, simplicidade e gratuidade, ressalvados os ritos especiais previstos em legislação específica.".

Outra questão que merece reflexão é aquela relacionada à possibilidade recursal em razão da decisão proferida em sede liminar em mandado de segurança, seja decisão concessiva ou denegatória da segurança vindicada. Nunca houve dúvida de que a decisão liminar em mandado de segurança tem natureza jurídica de decisão interlocutória, agravavél, pois, nos termos do Código de Processo Civil. Contudo, na seara laboral, dois problemas tormentosos surgem:

O primeiro é a restrição legal da Lei nº 1.533\51, que, diferentemente da legislação adjetiva civil, não traz qualquer possibilidade recursal em face da decisão interlocutória liminar em mandado de segurança. A doutrina e a jurisprudência pátria, após longo período de calorosos debates, os quais persistem até hoje, em menor grau por lógico, vem entendendo possível a aplicação subsidiária do CPC nestas hipóteses, pois nada obstante o legislador não tenha previsto a possibilidade recursal em face da decisão liminar, também não a vedou expressamente. Assim, o entendimento majoritário, inclusive dentro do c. Superior Tribunal de Justiça, é pelo cabimento do recurso de agravo de instrumento nestas hipóteses, ou do agravo regimental nas situações de decisão interlocutória monocrática proferida por membro de Tribunal que tenha esta citada espécie recursal prevista em seu Regimento Interno.

Transferindo o presente debate para os limites da Justiça do Trabalho, ter-se-ia o agravante da aplicação do princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias na Justiça Especializada (Súmula 214 do TST). Entrementes, penso que tal aplicação principiológica deve mudar com a ampliação da competência dada pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, pois se passará a Justiça do Trabalho a ser competente para apreciar lides genuinamente de natureza civil, deve-se flexibilizar os princípios próprios para se aplicar a legislação especial ou processual comum nas hipóteses legais, relembrando a advertência que fiz linhas acima quanto ao procedimento a ser adotado.

Assim, entendo, sem qualquer dúvida, possível a aplicação da doutrina mais moderna quanto a recorribilidade da decisão liminar em mandado de segurança, admitindo o manejamento do agravo de instrumento, à exceção das hipóteses de cabimento do agravo regimental, sempre que o impetrante ou impetrado não concordarem com a decisão interlocutória liminar, até porque o direito líquido e certo da parte, quase sempre urgente, não pode ficar desamparado de proteção pelo simples fato de ser processado nos limites da Justiça do Trabalho.

A corrente moderna da doutrina vem sendo prestigiada pela jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, que já decidiu:

"Prevalece o entendimento, tanto doutrinário quanto jurisprudencial, no sentido de que desafia agravo de instrumento a decisão que indefere a liminar nos autos de mandado de segurança." (STJ – REsp 258131 – SP – 2ª T – Rel. Min. Franciulli Netto – DJU 14.06.2004 – p. 00187).

Que haverá perda da celeridade nestas situações, não há a menor dúvida (mesmo que excepcionalmente, diante do caráter apenas devolutivo do agravo de instrumento), entretanto a maior proteção dada ao direito da parte será prestigiada. Haverá mitigamento de um princípio para proteção de outro, tanto ou mais importante, qual seja a proteção contra a ilegalidade ou abuso de poder.

Poderá, também, a parte prejudicada com a decisão liminar lançar mão do instituto previsto no artigo 13 da Lei nº 1.533\51 e no artigo 4º da Lei nº 4.348\64, buscando a suspensão dos efeitos da medida liminar pelo Presidente do Tribunal hierarquicamente superior ao magistrado que concedeu a segurança em sede de decisão interlocutória, desde que demonstrados os requisitos dispostos nas mesmas legislações.

Tenho consciência da existência da Súmula 622 do e. Supremo Tribunal Federal, que dita regra no sentido do não cabimento de agravo regimental da decisão que concede ou indefere liminar em mandado de segurança, entretanto o próprio Excelso Pretório vem decidindo em sentido contrário, em razão dos argumentos já declinados, razão pela qual sustento a cabimento do agravo de instrumento e do regimental das decisões que deferem ou indeferem liminar em mandado de segurança. Enquanto não for editada Súmula Vinculante sobre o tema, permanece, oxalá, livre a apreciação da prova pelo magistrado, prestigiando o princípio da persuasão racional da prova e do livre convencimento motivado.

Em conclusão, quanto ao cabimento das hipóteses recursais em sede de ação mandamental, faço minhas as palavras do ilustre doutrinador HELY LOPES MEIRELLES [07], vez que plenamente aplicáveis à seara laboral, ipsis litteris:

"Os recursos agora cabíveis, especificamente, em mandado de segurança são os seguintes: apelação, da decisão que apreciar o mérito, e decretar a carência ou indeferir a inicial (Lei n. 1.533\51, arts. 8º e 12; CPC, art. 296); recurso de ofício, da sentença que conceder a segurança (Lei n. 1.533\51, art. 12, parágrafo único; CPC, art. 475, II); agravo regimental, do despacho do Presidente do Tribunal que suspender a execução da sentença ou cassar a liminar (Lei n. 1.533\51, art. 13; Lei n. 4.348\64, art. 4º; Regimento Interno do STF, art. 297).

Cabem, ainda, genericamente, os demais recursos contemplados pelo Código de Processo Civil (art. 496), desde que no processamento da impetração venham a ocorrer as situações que os ensejam, a saber, agravo de instrumento e embargos de declaração, bem como a apelação de terceiro prejudicado (CPC, art. 499) e o recurso adesivo (CPC, art. 500). Até mesmo o incidente de uniformização de jurisprudência (CPC, art. 476), como é agora denominado prolixamente o prejulgado, é admissível em mandado de segurança, perante qualquer Tribunal, como também o são, perante o STF, os embargos de divergência, quando o julgamento da Turma dissentir do julgamento de outra ou do Plenário (CPC, art. 546, parágrafo único; Regimento Interno do STF, arts. 330 a 332). (...) O recurso extraordinário, para o STF, só é admissível quando a decisão ‘contrariar dispositivos desta Constituição; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição’ (CF, art. 102, III, ‘a’ a ‘c’).".

Acrescento à lição colacionada supra a possibilidade da interposição de recurso ordinário e adesivo, no prazo de oito dias, para os Tribunais Regionais do Trabalho, das sentenças proferidas pelos magistrados de primeiro grau e para o Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas pelo Pleno ou Turma dos Tribunais Regionais do Trabalho em decisão de competência originária. A decisão liminar de Juiz Relator desafia recurso de agravo regimental para o Pleno ou Turma do mesmo Tribunal. Da mesma forma, é a sistemática quanto a decisão do Presidente que suspende a eficácia da decisão.

A coisa julgada material no mandado de segurança individual não ostenta qualquer particularidade em comparação com as demais ações individuais reguladas pela legislação processual civil. O único ponto que merece lembrança é que a denegação da segurança na ação mandamental não impede o uso da ação própria pelo ora impetrante, não fazendo coisa julgada contra ele nesta hipótese específica, ex vi do artigo 15 da Lei nº 1.533/51, com interpretação dada pela Súmula 304 do STF.

Chamo a atenção do leitor a um detalhe de ordem constitucional que poderá influenciar sobremaneira nas ações de mandado de segurança processadas na Justiça do Trabalho, pois a mesma Emenda Constitucional nº 45\2004 introduziu no texto do artigo 5º o inciso LXXVIII, que assim vaticina: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.".

Em comentário recente sobre o dispositivo, LUIZ RODRIGUES WAMBIER, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA [08], advertem que:

"O princípio ora comentado, assim, somente terá aplicação efetiva no direito brasileiro na medida em que a legislação contiver mecanismos processuais capazes de propiciá-la e o Poder Judiciário estiver estruturado de modo quantitativa e qualitativamente capaz de absorver as demandas judiciais.".

Pois bem. Esta norma que a priori pode parecer meramente retórica, como ensina os renomados mestres, carrega, na verdade, um grande conteúdo de efeito indireto, pois todas as espécies normativas infraconstitucionais que limitarem a concessão de liminar em mandado de segurança, ou vedarem de alguma forma a prestação jurisdicional célere, serão materialmente inconstitucionais, uma vez que a todos são assegurados os meios que garantam a celeridade da proteção do direito lesado ou ameaçado de lesão, isso sem falar no princípio da inafastabilidade já existente, o que torna inconstitucional toda legislação a ser editada que tentar limitar a concessão das medidas urgentes, bem como não será recepcionada a legislação em vigor que confronta com a Constituição neste particular.

Penso que não poderão ser recepcionadas as leis que acabam tolhendo a possibilidade de concessão de liminar em mandado de segurança, estas deverão ser declaradas inconstitucionais em cada caso concreto, diante da impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade pelo e. STF de legislação anterior à Constituição. Poderá sim, ser objeto de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), pois a norma do artigo 5º da Carta Magna já foi reconhecida como preceito fundamental pelo Excelso Pretório. Enquanto não haja decisão definitiva neste sentido, ou edição de Súmula Vinculante, poderá em cada caso concreto o magistrado fundamentar sua decisão com base no livre convencimento motivado, declarando a inconstitucionalidade da legislação ordinária.

Parece-me que esse seja, com as devidas adaptações, o mesmo posicionamento da digníssima Professora Doutora da Universidade de São Paulo, ADA PELLEGRINI GRINOVER [09], em passagem doutrinária recente, verbis:

"Esses meios devem ser inquestionavelmente oferecidos pelas leis processuais, de modo que a reforma infraconstitucional fica umbilicalmente ligada à constitucional, derivando de ordem expressa da Emenda 45/2004. Trata-se, portanto, de fazer com que a legislação processual ofereça soluções hábeis à desburocratização e simplificação do processo, para garantia da celeridade de sua tramitação.".

Um exemplo prático da aplicação desse novo princípio constitucional na Justiça do Trabalho será a inobservância dos ditames do artigo 5º da Lei nº 4.348\64, que assim prescreve: "Não será concedida a medida liminar em mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.", norma esta que poderá ser declarada inconstitucional incidenter tantum no julgamento da liminar do mandado de segurança, individual ou coletivo. Da mesma forma, penso ser incompatível com a nova ordem constitucional as Leis nº 5.021\66 e nº 8.076\90.

2.3 – Mandado de Segurança Coletivo

É certo, pois, o cabimento do mandado de segurança coletivo na Justiça do Trabalho. Contudo, chamo à atenção para importante diferenciação quanto à legitimidade e interesse processual neste particular, vez que, como qualquer ação, o impetrante deve demonstrar a coexistência dos pressupostos processuais e das condições da ação.

A legitimação do partido político com representação no Congresso Nacional e das organizações sindicais, entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano deve obedecer o critério doutrinário e jurisprudencial da pertinência temática, vale dizer, somente pode haver a impetração do mandamus coletivo quando os legitimados extraordinários demonstrarem que os interesses defendidos em juízo guardam pertinência com a finalidade da própria organização. Não se há falar em ajuizamento da ação por um partido político para defesa de interesses de trabalhadores que nada tem de ligação com o partido. Somente os filiados poderiam ter seus interesses defendidos pelo ente. O mesmo raciocínio é aplicado aos demais legitimados extraordinários.

O palco próprio para discussões de questões de cunho político não é o Poder Judiciário. Por isso, não se admite a impetração do remédio coletivo pelas diversas entidades e partidos políticos legitimados em defesa de interesses de toda a população. Deve-se observar os interesses institucionais das entidades e, principalmente, o universo de seus substituídos.

A magistrada e professora LÚCIA VALLE FIGUEIREDO [10], um mês após a promulgação da atual Constituição Federal, em sentença brilhante, já pontuava os limites da legitimidade no mandado de segurança coletivo, verbis:

"A idéia matriz de constituição do próprio sindicato é defesa de categoria profissional, certa e determinada. A tutela de interesses alheios à finalidade básica do sindicato não se pode pretender pela via do mandado de segurança coletivo. Se assim fosse, não teríamos a despersonalização dos interesses individuais, que se transformariam no interesse do grupo, mas não a somatória de interesses individuais a transcender a categoria.".

O posicionamento da Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo foi seguido nas decisões vindouras, encontrando ressonância atualmente no c. Superior Tribunal de Justiça:

"CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – PROMOÇÃO EM JUÍZO, POR ASSOCIAÇÃO, DE DIREITOS SUBJETIVOS DE SEUS INTEGRANTES – PRECEDENTES DESTA CORTE – AUSÊNCIA DE PROVAS, CONSISTINDO O PEDIDO APENAS EM ALEGAÇÕES – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – I – A associação está legitimada para requerer mandado de segurança coletivo em favor de uma parcela de seus integrantes. Ao certo é que procurou a Impetrante promover a solução de problemas referentes aos direitos de Anistia, conforme o disposto em seu estatuto social, conservando, ao menos, pertinência temática. II – Ausente conjunto probatório capaz de demonstrar a lesão do direito líqüido e certo de membros da associação impetrante. III – Indeferimento do mandamus." (STJ – MS – 6299 – DF – 1ª S. – Relª Minª Laurita Vaz – DJU 29.10.2001 – p. 00177).

Por corolário da legitimação extraordinária atribuída pela própria Carta Magna aos substitutos processuais, não há mais dúvida quanto a desnecessidade de apresentação de mandato judicial ou autorização expressa dos substituídos para que os órgãos coletivos possam defender seus interesses. O e. Supremo Tribunal Federal já se manifestou por várias vezes neste particular (Súmula 629), malgrado algumas decisões do c. Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário.

Outra controvérsia já superada pela jurisprudência, prendia-se à necessidade de que os substituídos na ação mandamental coletiva representassem toda a coletividade dos representados pelos órgãos legitimados. Hodiernamente, é plenamente possível a impetração do mandado de segurança coletivo para defesa de interesse de apenas parte do universo de substituídos, ou apenas grupo reduzido destes, desde que haja delimitação expressa e qualificação individual na petição inicial, conforme entendimento cristalizado na Súmula 630 do STF.

Neste contexto, pode-se vislumbrar ação mandamental coletiva proposta por sindicato representativo de trabalhadores em defesa de interesses de um pequeno grupo de seus representados, qualificados e individualizados na peça madrugadora, desde que a situação fática assim autorize. Seria a hipótese de ilegalidade praticada em face de trabalhadores lotados em determinado setor de um órgão público.

Entrementes, muito cuidado deve ter o impetrante quando do ajuizamento do mandado de segurança coletivo em defesa de direitos dos substituídos, não se admitindo a utilização do mandamus nas hipóteses específicas de cabimento da Ação Civil Pública ou da Ação Coletiva, principalmente na defesa de direitos difusos, pois se na ação mandamental é necessário o requisito da pertinência temática em relação aos direitos dos representados, não se há falar em sua impetração na defesa de interesses indivisíveis de um grupo indeterminável de indivíduos (interesses difusos).

A diferença básica entre as hipóteses de cabimento do Mandado de Segurança Coletivo e da Ação Civil Pública é que no remédio heróico são requisitos indispensáveis a demonstração de direito líquido e certo, a produção de prova pré-constituída, afastando a dilação probatória, e, principalmente, que o ato imputado de ilegal seja praticado por autoridade pública, ou quem lhe faça as vezes, não se admitindo o manejamento do mandamus nas relações de trabalho entre particulares.

Já nas ações coletivas lato sensu, despicienda é a demonstração da pertinência temática, da prova pré-constituída, admitindo-se a dilação probatória, e, principalmente, poderá haver sua propositura tanto em relações de trabalho com o poder público quanto com pessoa jurídica de direito privado. Além do mais, nesta ação, um dos legitimados é o d. Ministério Público do Trabalho, que vem desenvolvendo brilhante trabalho nestas situações.

Leciona neste particular o Professor HELY LOPES MEIRELLES [11], conceituando direito líquido e certo e esclarecendo as hipóteses de impetração do mandamus ou cabimento de ação diversa, verbis:

"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.".

Na concessão da liminar em mandado de segurança coletivo são observados os mesmos requisitos do individual, pois a Carta Magna não fez qualquer distinção neste particular. Contudo, o artigo 2° da Lei nº 8.437\92 prescreve que no mandamus coletivo a liminar será concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.

Pelas razões ditas algures, de que a Constituição não fez ressalva alguma quanto os requisitos da concessão de liminar em mandado de segurança individual ou coletivo, a meu ver, só deverá o magistrado aguardar as setenta e duas horas para oitiva das informações quando o direito a ser resguardado não possa perecer. Sendo materialmente impossível o aguardo de tempo para chegada das informações, havendo lesão ao direito do impetrante, poder-se-á apreciar a liminar do mandamus coletivo, deferindo-a ou rejeitando-a, antes do tempo concedido ao coator, pois a exigência legal, nestas hipóteses, revela-se notadamente inconstitucional.

No que tange aos efeitos do mandado de segurança coletivo, tem-se aplicável à toda evidência os ditames dos artigos 103 e 104 da Lei nº 8.078\90 (Código de Defesa do Consumidor), que esclarece que os efeitos da decisão podem ser erga omnes ou inter partes, conforme a natureza do direito vindicado, e preceitua não induzir litispendência a tramitação simultânea da ação coletiva e outra individual, esclarecendo que os efeitos da ação coletiva não alcançarão os impetrantes se estes não requererem a suspensão da ação individual no prazo de 30 dias a contar de sua ciência nos autos do mandado de segurança coletivo.

Em obra clássica sobre a temática, o Professor HUGO NIGRO MAZZILLI [12], com a perfulgência que lhe é peculiar, anota:

"O art. 104 do CDC expressamente nega a possibilidade de litispendência entre ações individuais e ações civis públicas ou coletivas para defesa de interesses difusos e coletivos. Na verdade, isso até é óbvio, pois não coincidem partes e pedido, quando se trate, de um lado, de uma ação individual para reparação de danos diferenciados, e, de outro lado, de uma ação coletiva que verse interesses indivisíveis.".

Detalhe também importante é a inexistência de coisa julgada material, que poderia impedir o ajuizamento de nova ação individual ou coletiva, quando o mandado de segurança coletivo for julgado improcedente por insuficiência de provas, ex vi do inciso I do artigo 103 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), autorizando o posterior manejamento de ação com os mesmos pedidos e causa de pedir, desde que o impetrante traga nova prova que possa influenciar no resultado da nova ação.

É a possibilidade da coisa julgada secundum eventum litis.

Lecionando didaticamente, o jovem processualista ALEXANDRE FREITAS CÂMARA [13], adverte quanto aos efeitos da coisa julgada nas ações coletivas, perfeitamente aplicável na Justiça do Trabalho quando da impetração do mandado de segurança coletivo, principalmente pelo sindicato, ipsis litteris:

"É o seguinte a sistema previsto para a coisa julgada na ‘ação popular’: a sentença que julgar o pedido procedente fará coisa julgada erga omnes, isto é, alcançará não só o autor da demanda como todos os demais membros da coletividade. O mesmo se dará quando o pedido por julgado improcedente, salvo se esta sentença for proferida por insuficiência de provas, hipótese em que a sentença não alcançará a autoridade de coisa julgada substancial. Neste caso, diz a lei, qualquer cidadão (inclusive o mesmo que propôs a primeira demanda) poderá propor ‘ação popular idêntica’, bastando para isto que junte ‘nova prova’.

Trata-se, pois, de sistema que prevê a formação da coisa julgada secundum eventum litis, ou seja, a formação da coisa julgada se dará (ou não) conforme o resultado do processo. A coisa julgada secundum eventum litis, embora tenha sido intensamente criticada pela doutrina clássica, afigura-se como um instrumento essencial à adequada tutela jurisdicional dos interesses difusos e coletivos. Pense-se, por exemplo, numa ‘ação popular’ proposta em conluio entre o demandante e um governante que tivesse praticado um ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, na qual o demandante, propositadamente, não apresentasse provas suficientes para demonstrar a veracidade de suas alegações. A sentença que rejeitasse o pedido faria coisa julgada erga omnes, impedindo que qualquer outro membro da coletividade, ainda que de posse de novas provas, atacasse aquele ato. Por esta razão, mostra-se fundamental a utilização do sistema aqui descrito.".

Processualmente, todas as advertências feitas no tópico acima, quanto ao mandado de segurança individual, são aplicáveis ao mandado de segurança coletivo. Referentemente ao remédio constitucional de natureza coletiva, proceder-se-á sempre a integração da norma legal socorrendo-se da analogia, notadamente da legislação pertinente à Ação Civil Pública. O magistrado trabalhista é pródigo na realização da integração de normas, face as várias lacunas constantes na CLT, pelo que não causará qualquer dificuldade a sua aplicação na seara laboral.


3 – Habeas Corpus

O primeiro dos remédios constitucionais de defesa dos direitos individuais do cidadão significa em tradução livre "tome o corpo", como forma de garantir a liberdade de permanência e locomoção do indivíduo, independentemente de autorização ou permissão de terceiros. Presta-se a atacar atos judiciais ou administrativos e até de particulares que violem ou ameacem o direito de liberdade do cidadão.

Está descrito no inciso LXVIII do artigo 5º da Carta Magna que: "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;". O artigo 647 do Código de Processo Penal praticamente restringe-se a repetir a redação constitucional, sem qualquer alteração significativa.

Pela definição constitucional, vários penalistas de nomeada, dentre os quais o saudoso professor JULIO FABBRINI MIRABETE [14], nos ensina que:

"A expressão habeas corpus indica a essência do instituto pois, literalmente, significa ‘tome o corpo’, isto é, tome a pessoa e a apresente ao juiz, para julgamento do caso. Posteriormente passou a ser entendida a expressão também como a própria ‘ordem de libertação’. O habeas corpus é uma garantia individual, ou seja, um remédio jurídico destinado a tutelar a liberdade física do indivíduo, a liberdade de ir, ficar e vir. Pode ser conceituado, pois, como o remédio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a coação à liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. Com ele se pode impugnar atos administrativos ou judiciários, inclusive a coisa julgada, e de particulares."

E arremata brilhantemente:

"Para assegurar outros direitos que não a liberdade de ir, ficar e vir, a medida adequada é o mandado de segurança.".

O procedimento utilizado na tramitação do habeas corpus está descrito no Código de Processo Penal (artigos 647 e seguintes), e este deverá ser adotado, com as devidas adaptações, quando de sua impetração na seara laboral, vez que a natureza jurídica do writ é de ação penal. Não se deve confundir com a possibilidade de prisão criminal e civil, esta nas duas hipóteses constitucionais (inciso LXVII do artigo 5º). A possibilidade de prisão pode se materializar tanto na esfera criminal (regra) como na civil (exceção), contudo, em qualquer das duas hipóteses, o habeas corpus impetrado terá natureza penal.

Neste sentido é o escólio do renomado Professor Doutor da Universidade de São Paulo, ALEXANDRE DE MORAES [15], que assim nos ensina:

"O habeas corpus é uma ação constitucional de caráter penal e de procedimento especial, isenta de custas e que visa evitar ou cessar violência ou ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Não se trata, portanto, de uma espécie de recurso, apesar de regulamentado no capítulo a eles destinados no Código de Processo Penal.".

Referentemente às questões processuais do remédio heróico, algumas conclusões rápidas exsurgem, como a possibilidade de concessão da medida a pedido da parte (impetrante) ou de ofício pelo Juiz quando analisa o processo; o writ pode ser preventivo (salvo-conduto) ou repressivo; tanto a pessoa jurídica quanto a física, inclusive o Parquet, tem legitimidade ativa para impetração, entretanto somente pessoa física é passível de sofrer restrição ilegal em sua liberdade, podendo ser paciente em habeas corpus; não há necessidade de representação por advogado; deverá a autoridade coatora prestar informações etc.

Importante distinção é a realizada quanto a possibilidade de prisão criminal ou civil, pois esta diferenciação será deveras importante na delimitação da competência para conhecimento e processamento do remédio heróico. Pode o Juiz do Trabalho cometer ato de cerceamento da liberdade dos indivíduos tanto em esfera civil quanto criminal, vejamos:

Quando o magistrado laboral determina a prisão de um depositário infiel ou do devedor de pensão alimentícia (esta possibilidade já é defendida modernamente por alguns juristas, em razão da natureza alimentar do crédito trabalhista), a prisão tem natureza civil.

Por outro lado, quando o juiz do trabalho determina à autoridade policial que detenha determinada pessoa por crime de desacato à autoridade em uma audiência, ou dá voz de prisão a um depoente que comete o crime de falso testemunho, estará praticando ato de natureza criminal, em razão dos crimes previstos no Código Penal e legislação extravagante.

Na primeira hipótese, da prisão de natureza civil, será a própria Justiça do Trabalho competente para apreciar e julgar o remédio heróico impetrado, pois a restrição da liberdade do paciente teve origem em atos inerentes à jurisdição trabalhista, a teor do inciso IV, in fine, do artigo 114 da Constituição Federal.

Na hipótese citada, será o Tribunal Regional do Trabalho da jurisdição em que atua o magistrado coator de primeiro grau quem irá apreciar e julgar o habeas corpus impetrado. Da mesma forma, se o coator for monocraticamente Juiz de Regional, ou decisão colegiada deste, será competente o Tribunal Superior do Trabalho para processar e julgar o writ.

No sistema anterior à Emenda Constitucional nº 45\2004 a jurisprudência inclinava-se a dizer que era o Superior Tribunal de Justiça o foro competente para processar e julgar os habeas corpus impetrados em face de Juiz de Tribunal Regional do Trabalho, seja qual fosse a natureza da ilegalidade, ex vi da alínea "c" do inciso I do artigo 105 da Constituição.

Entretanto, penso que tal sistemática foi modificada, pois o inciso IV do atual artigo 114 declina de forma peremptória que é a própria Justiça do Trabalho competente para processar e julgar os habeas corpus quando oriundo de ato sujeito a sua jurisdição, como é a hipótese dos writs em que juiz de segundo grau causa a ilegalidade, determinando a prisão civil.

Para as prisões de natureza criminal, como explicitado algures, continua o Superior Tribunal de Justiça com competência originária para julgamento dos habeas corpus impetrados em desfavor de magistrado trabalhista de segundo grau. Seria a hipótese em que na sessão de julgamento colegiado, o magistrado, após ser desacatado por um dos presentes, determina ao Policial que faz segurança do local que prenda o indivíduo. Nessa situação, materializa-se uma prisão de natureza penal (crime de desacato), desafiando impetração do remédio heróico no Superior Tribunal de Justiça, com fundamento na alínea "c" do inciso I do artigo 105 da CF\88.

Agora, se o mesmo magistrado de segunda instância determinasse em um processo, ou confirmasse uma decisão de primeiro grau, a prisão de um depositário infiel (prisão civil), é o Tribunal Superior do Trabalho o competente originariamente para julgar o habeas corpus a ser impetrado, a teor do inciso IV, in fine, do artigo 114 da CF\88.

Com esta forma de interpretação lógico-sistemática do ordenamento constitucional, sempre lembrando a inexistência formal de conflitos entre normas constitucionais, nem havendo hierarquia entre elas, fundadas no princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, a solução esquadrinhada linhas acima, empresta efetividade a ambos os dispositivos competenciais citados, sem negar vigência a nenhum deles e sem causar conflito de competência em situações práticas a partir da edição da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Como diria o saudoso Professor CARLOS MAXIMILIANO [16]: "Procura-se a hermenêutica com o resultado provável de cada interpretação. O Direito deve ser interpretado inteligentemente, e não de modo que a ordem legal envolva absurdos.".

Para arrematar a sistematização competencial defendida nos parágrafos retro, trago lição do maior de todos os constitucionalista, o Professor Doutor da Universidade de Coimbra, JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO [17], que traz subsídios para amparo do que sustentei, verbo ad verbum:

"O facto de a constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua que podem existir fenômenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios constitucionais gerais e especiais. Considerar a constituição como uma ordem ou sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizante significaria esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o resultado de um compromisso entre vários actores sociais, transportadores de idéias, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e até antagónicos ou contraditórios. O consenso fundamental quanto a princípios e normas positivo-constitucionalmente plasmados não pode apagar, como é óbvio, o pluralismo e antagonismo de ideias subjacentes ao pacto fundador.

A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a consequente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma lógica do tudo ou nada, antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu peso e as circunstâncias do caso.".

Em conclusão, se a prisão é de natureza civil - infiel depositário ou devedor de pensão alimentícia (para aqueles que a admitem) -, competente é a própria Justiça do Trabalho para julgar, seja de que hierarquia for a autoridade coatora. Se a decisão do juiz do trabalho constranger a liberdade do indivíduo em razão de crime capitulado no Código Penal ou na legislação extravagante, competente será a Justiça Federal, em cada uma das hipóteses seguintes: Tribunais Regionais Federais quando o coator for Juiz do trabalho de primeiro grau (alínea "d" do inciso I do artigo 108 da CF\88), Superior Tribunal de Justiça quando o coator por Juiz de segundo grau (alínea "c" do inciso I do artigo 105 da CF\88) e, por fim, o Supremo Tribunal Federal quando a autoridade coatora for Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (alínea "d" do inciso I do artigo 102 da CF\88).

Fixada adrede a permissão doutrinária e jurisprudencial do cabimento do habeas corpus nas hipóteses de constrangimento da liberdade do indivíduo por ato ilegal de particular, certamente, nascerá na seara laboral a dúvida sobre a possibilidade de impetração do writ nas hipóteses em que o empregador mantém trabalhadores em condições análogas à de escravo, notadamente em fazendas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

A doutrina é pacífica na aceitação dos ditames do artigo 149 do Código Penal como uma forma objetiva de caracterização moderna do trabalho escravo, ou como preferem outros: trabalho em condições análogas à de escravo. Vejamos o que vaticina a legislação citada:

"Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho."

Que a redução de trabalhadores à condição análoga a de escravo representa uma ilegalidade que afronta os princípios mais comezinhos de proteção da dignidade da pessoa humana, e também a fato descrito no artigo 149 do Código Penal, dúvida não há. Que o cerceamento da liberdade de locomoção do trabalhador possa desafiar a impetração do remédio heróico, também nunca houve dúvida.

Como a autoridade coatora é o empregador privado, será o magistrado de primeiro grau o competente para apreciar e julgar o remédio heróico. Entretanto, suscitar-se-á dúvida se o habeas corpus será manejado na Justiça Especializada ou Comum.

Utilizando o raciocínio exposto linhas acima, sem sombra de dúvida, neste particular, será a Justiça Comum Estadual a materialmente competente para apreciar e julgar o writ, pois o constrangimento ilegal de liberdade dos trabalhadores constituí crime capitulado no artigo 149 do Código Penal, de forma que escapa do espectro de abrangência dos atos sujeitos à jurisdição trabalhista, como declinado pela norma constitucional de regência.

Os direitos trabalhistas cerceados pelo empregador, serão, por lógico, nesta situação, objeto de reclamatória trabalhista ajuizada na Justiça do Trabalho com tramitação independente, ou até objeto de ação coletiva lato sensu manejada pelo combativo Ministério Público do Trabalho. Nada impede que este mesmo órgão ministerial especializado possa impetrar o habeas corpus na Justiça Comum Estadual para vindicar pela liberdade dos trabalhadores coagidos.

Detalhe importante quanto a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para impetrar o habeas corpus em favor dos citados trabalhadores submetidos a condição análoga à de escravo, para aproveitar o exemplo dado, é a vedação de impetração de "habeas corpus coletivo", vale dizer, é vedado no procedimento do writ a inclusão de pacientes coletivizados na petição inicial, poderá haver a individualização de vários pacientes em uma única petição (alínea a do § 1º do artigo 654 do CPP), mas não a qualificação do paciente como um grupo determinável de sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato.

Situações práticas a desafiar o cabimento do habeas corpus na Justiça do Trabalho são férteis de ocorrência, dentre as quais a possibilidade de condução coercitiva ilegal de testemunha para prestar depoimento em situações em que não ensejaria essa determinação. Na hipótese, em razão da restrição ilegal do direito de liberdade de locomoção, é plenamente cabível a impetração do remédio heróico, de forma preventiva (salvo-conduto), objetivando cessar a eminente ocorrência de cerceamento ilegal da liberdade. O juízo competente, neste particular, será o Tribunal Regional do Trabalho, em razão do ato coator emanar de juiz singular sujeito a sua jurisdição hierárquica.

A condução coercitiva de testemunha também pode ocorrer para subsidiar a instrução de inquérito civil público presidido por membro do Ministério Público do Trabalho, condução determinada com a faculdade que lhe dá o inciso I do artigo 8º da Lei Complementar nº 75/1993.

Outro exemplo, aparentemente acadêmico, porém de ocorrência prática possível (esdrúxula, convenhamos), é a determinação de magistrado de primeiro grau visando a condução coercitiva de autoridade pública, juiz de Tribunal Regional do Trabalho, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho ou até de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Governador de Estado, entre outras, para prestar depoimento em juízo, sem observância das prerrogativas do artigo 411 do Código de Processo Civil.

Em ambas as situações descritas nos dois parágrafos supra será o Tribunal Regional Trabalho competente para processar e julgar o habeas corpus, conclusão esta amparada em toda a sistematização que fiz linhas atrás quanto a possibilidade de cerceamento da liberdade em duas situações distintas (civil e criminal).

Nada obstante as autoridades citadas no parágrafo retro, Ministros de Tribunais Superiores, tenham foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal para a impetração do remédio heróico quando forem pacientes. As ameaças da liberdade ambulatorial que determinam a competência do Excelso Pretório nestes casos são advindas de prisão criminal. No caso em estudo, o ato coator do juiz do trabalho não é decorrente de crime, e sim de instrução de processo, razão pela qual será obedecida a distribuição competencial do inciso IV, in fine, do artigo 114 da Constituição Federal de 88.

A determinação de prisão civil pelo magistrado trabalhista a desafiar a impetração do habeas corpus, pode ensejar o questionamento pela via mandamental em duas vertentes: formal e material, isto é, tanto poderá haver ataque aos requisitos formais do mandado de prisão (falta de indicação do tempo de prisão, falta de assinatura do juiz etc.), quanto poderá haver ataque aos requisitos materiais da prisão em si, como o paciente não ter sido nomeado depositário ou este não ter sido previamente intimado para entregar o bem ou pagar o valor equivalente, entre outras hipóteses.

O recurso cabível na seara laboral em face da decisão em habeas corpus será, naturalmente, o recurso ordinário no prazo de oito dias, dirigido ao Tribunal hierarquicamente superior (TRT) ao juiz que julgou originariamente o remédio. A doutrina penal, à toda evidência aplicável na Justiça do Trabalho, defende a possibilidade de, ao revés de utilizar o recurso próprio (recurso ordinário), o impetrante também poderá renovar a impetração de novo habeas corpus no órgão hierarquicamente superior (TST), pois aquele órgão a quo (TRT), ao rejeitar o writ e admitir a decisão originária (Juiz do Trabalho) que cerceava o direito da liberdade, passou a ocupar a posteriori a posição de autoridade coatora.


4 – Habeas Data

Vaticina o inciso LXXII do artigo 5º da Constituição Federal que:

"Conceder-se-á habeas data:

a)para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa da impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.".

O instrumento jurídico constitucional ora em estudo é conceituado por HELY LOPES MEIRELLES [18] como sendo:

"O meio constitucional posto à disposição de pessoa física ou jurídica para lhe assegurar o conhecimento de registros concernentes ao postulante e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para retificação de seus dados pessoais.".

O texto constitucional foi regulamentado pela legislação ordinária, que previu um terceira hipótese de cabimento do habeas data, senão vejamos o que diz o artigo 7º da Lei nº 9.507\97:

"Conceder-se-á habeas data:

I – para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

II – para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

III – para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável."

Extrai-se da norma legal e da definição doutrinária algumas particularidades quanto ao instituto do habeas data; a primeira é que o seu cabimento pode ensejar duas fases distintas: o mero conhecimento dos dados (primeira fase), e, após o seu conhecimento, confirmando sua inexatidão, a retificação destes ou a anotação de explicação ou contestação nos assentamentos (segunda fase), sempre relacionados à pessoa do impetrante. A impetração da ação para conhecimento ou retificação de dados de outras pessoas, acarretará a extinção do feito por carência da ação (ilegitimidade).

Interpretando de forma restritiva a legitimidade para impetração do remédio constitucional, anota VICENTE GRECCO FILHO [19], in verbis:

"A ação, portanto, é personalíssima, não admite pedido de terceiros e, sequer, sucessão no direito de pedir. A vida privada deve ser muito respeitada, a ponto de se preservar a intimidade de cada um, inclusive no âmbito familiar. Admitir-se que outra pessoa, ainda que seja cônjuge ou filho, obtenha dados de alguém seria admitir a devassa na vida íntima do indivíduo, incompatível exatamente com o princípio que o novo instituto visou resguardar.".

Com as devidas vênias ao digno processualista da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, penso que dever-se-á, hodiernamente, enxergar o instituto do habeas data de forma ampliativa, franqueando maiores meios de efetivação da defesa das garantias constitucionais ao indivíduo, notadamente com sua novel aplicação ao ramo laboral, despindo-se da mera interpretação literal do instituto, observando-se, por lógico, os princípios que o remédio visa resguardar.

Neste primeiro requisito já sobressai uma dúvida que provavelmente irá ser suscitada na seara laboral, qual seja a possibilidade da impetração do habeas data pelo sindicato da categoria, na qualidade de substituto processual (legitimação extraordinária), para conhecimento e retificação ou anotação de dados de determinado grupo de empregados. Penso que por uma interpretação sistemática do ordenamento, tal procedimento será plenamente cabível, desde que haja autorização expressa dos substituídos na petição inicial, pois estes tem o direito de retificar os dados em processo judicial ou administrativo sigiloso, no resguardo de sua intimidade, direito intransmissível e irrenunciável (artigo 11 do CC\2002).

O espírito da norma constitucional quando aduz que os dados a serem conhecidos e retificados só podem ser objeto de requerimento da própria pessoa do impetrante, quer restringir à possibilidade de que terceiros estranhos ao conteúdo dos dados possam mover a máquina do poder judiciário para albergar situação que não lhe seja necessária, pois, como dito, os direitos relacionados à personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, levando a situação de carência da ação, tanto pela ilegitimidade gritante, quando pela falta de interesse processual, vez que não lhe teria necessidade nem utilidade a impetração do habeas data nestas hipóteses.

Situação totalmente diversa é a impetração do writ constitucional pelo sindicato da categoria, com autorização expressa dos substituídos, na defesa dos direitos da personalidade dos representados, não se falando em falta de legitimidade nem de interesse processual do órgão de classe. É notório que o ajuizamento de qualquer remédio judicial pelo trabalhador, poderá, não raras vezes, gerar uma retaliação desarrazoada da parte que foi legitimada passivamente no remédio jurídico, esta economicamente mais forte, na maior parte das vezes.

A legitimação extraordinária concedida pela própria Constituição Federal aos órgãos de classe também é uma forma de proteção aos associados, que sozinhos, quiçá, não teriam o mesmo poder de litigar em busca de seus direitos. Investidos na armadura da natureza coletiva da entidade, desfaz-se o embate direto entre os substituídos e o pólo mais forte da relação jurídica.

Pensar de maneira diversa, com uma visão extremamente legalista, utilizando-se de uma interpretação apenas gramatical, nesta hipótese específica, negando a legitimidade do sindicato da categoria, iria elevar à letra fria da lei a patamar superior que o dos seus próprios objetivos, qual seja o de proteger os direitos dos cidadãos e regular a vida em sociedade. Como diria o jusfilósofo francês GEORGES RIPERT: "Se o direito ignora a realidade, a realidade de vinga, ignorando o direito." (A defesa do Direito e das Instituições Democráticas).

Seria a hipótese concreta de determinado sindicato representante de categoria patronal manter em seus registros uma lista com nomes de ex-empregados das empresas que costumeiramente socorrem-se do Poder Judiciário para defender seus direitos, as malfadadas "listas negras", atitude esta que, a meu ver, pode, sem sombra de dúvida, desafiar a impetração do habeas data na busca do conhecimento e retificação ou explicação dos dados, pois a lista é de caráter público, divulgável indistintamente entre as diversas empresas do setor, bem como o sindicato obreiro terá interesse e legitimidade para a impetração, protegendo os substituídos que, ajuizando a ação individualmente, poderiam sem retaliados.

Uma leitura atenta do parágrafo único da Lei nº 9.507\97 nos dá todos os subsídios para que possam ser enquadradas as organizações sindicais (sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais) na qualidade de sujeitos passivos coatores a legitimar a impetração do habeas data, senão vejamos a legislação de regência citada:

"Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.".

Outra particularidade que merece ser, brevemente, comentada é a necessidade de demonstração pelo impetrante da certeza e liquidez do direito vindicado, vale dizer, não basta a mera suspeita desfundamentada para desafiar a impetração do habeas data, faz-se mister a demonstração prévia (prova pré-constituída) da existência dos dados e da recusa no oferecimento das informações (artigo 8º da Lei nº 9.507\97). Sem a demonstração destes requisitos legais, não se há falar em impetração do writ, poder-se-á, por lógico, ensejar o cabimento de ação declaratória ordinária, ou ação cautelar de exibição de documentos, entre outras, dependendo da situação fática, consoante se extrai da Súmula 02 do STJ.

Trilha posicionamento diverso, impingindo de inconstitucionalidade a regra legal ordinária, o emérito Professor Doutor NELSON NERY JUNIOR [20], que assim se posiciona:

"Pela mesma razão exposta no item anterior, não pode haver exigência da lei infraconstitucional de prova pré-constituída no habeas data impetrado com o objetivo de corrigir dados inexatos que constem de registros ou cadastros de órgãos públicos ou de caráter público.

Para o mandado de segurança tem-se exigido a prova pré-constituída do direito líquido e certo, que deverá ser documental e acompanhar a petição inicial, justamente porque o art. 5º, n. LXIX, da CF exige que haja direito líquido e certo para a concessão da ordem. Essa liquidez e certeza somente se comprova mediante prova documental apresentada de plano, com a exordial.

Para o writ constitucional do habeas data, entretanto, a Constituição Federal não faz essa exigência, já que não há a locução ‘direito liquido e certo’ no art. 5º, n. LXXII, como requisito para a obtenção da ordem retificadora.

Não existindo a exigência no texto constitucional, é vedado à legislação infraconstitucional exigir, por exemplo, que se demonstre a inexatidão dos dados constantes do cadastro do órgão público ou de caráter público com documentos juntados com a petição inicial. Isto significa, em outras palavras, que o impetrante poderá valer-se de dilação probatória no processo de habeas data, podendo demonstrar a existência de seu direito com prova pericial, testemunhal ou qualquer outro meio admitido em direito.

Eventual exigência de prova documental pré-constituída em hábeas datas é inconstitucional por ferir o princípio do acesso à justiça.".

Pela clareza dos argumentos, faço minhas as palavras do notável professor paulista, reconhecendo a inconstitucionalidade de parte da Lei nº 9.507/97, no artigo em que faz a exigência da prova pré-constituída como requisito indispensável à impetração do habeas data. Exigência, pois, que a Constituição Federal não fez.

Por corolário lógico da natureza do habeas data, que se presta a defender basicamente alguns dos direitos da personalidade do impetrante, é quase impositivo o reconhecimento de sua tramitação em segredo de justiça (inciso I do artigo 155 do CPC). Em cada caso concreto, caberá ao magistrado sopesar as situações e reconhecer, ou não, o interesse público descrito na norma processual citada, que leva ao reconhecimento da tramitação em segredo de justiça.

Ressalto, por oportuno, que não é ilimitado o rol de cabimento do instituto constitucional, vez que, em algumas raras situações, o interesse público veda o conhecimento de informações arquivadas em bancos de dados governamentais. As situações que não desafiam o cabimento do habeas data são aquelas previstas no inciso XXXIII, in fine, do artigo 5º da CF\88, verbis: "(...) ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;", parte esta regulamentada pelo Decreto nº 5.301\2004.

A competência para conhecimento e julgamento do remédio heróico, da mesma forma que é no mandado de segurança, observa a categoria e sede de atuação funcional da autoridade ou órgão coator, que é disciplinada em lei nas hipóteses específicas, vale dizer, se a norma legal (artigo 20 da Lei nº 9.507\97) ou os artigos da Constituição que disciplinam competência não indicarem foro especial para o processamento do writ, este será, em razão da competência funcional residual, do juízo de primeiro grau, Varas do Trabalho pois. É o que ocorreria na hipótese do ajuizamento do habeas data no exemplo citado, envolvendo sindicatos de categorias.

Advirto que a participação num dos pólos da ação de qualquer pessoa jurídica de direito público, não irá ocasionar o deslocamento da competência para a Justiça Comum (parágrafo único do artigo 99 do CPC), devendo ser observada apenas a natureza da matéria tratada no habeas data. Se a matéria objeto da intervenção judicial for sujeita à jurisdição da Justiça do Trabalho, esta é a competente, independentemente da natureza das partes litigantes, ex vi do inciso IV, in fine, do artigo 114 da CF\88.

Com a adoção desta forma de definição da competência, observando-se a competência funcional das Varas do Trabalho nas hipóteses residuais, surge outra controvérsia processual não menos espinhosa: qual a Vara competente territorialmente para conhecer e julgar o habeas data impetrado em face de entidades governamentais ou de caráter público que tem base territorial em espaço geográfico que alcança duas ou mais Varas do Trabalho. E mais: e em situações em que o espaço de atuação do órgão coator foi maior que a abrangência de competência de determinado Tribunal Regional do Trabalho.

Relembrando que somente a decantação doutrinária e jurisprudencial é que irá, com o tempo, acomodar essas situações específicas na ausência de legislação, penso que duas formas de raciocínio poderão ser seguidas, senão vejamos:

Poder-se-á utilizar a definição competencial que dispõe acerca dos dissídios coletivos, isto é, que o foro competente para impetração do habeas data, por aplicação analógica, seria a sede do Tribunal Regional do Trabalho, ressalvado que não haveria confronto no Estado de São Paulo, pois independentemente de qual região emanou o ato coator, será o TRT da 2ª Região o territorialmente competente. Nas hipóteses em que a base territorial da entidade coatora extrapola o limite geográfico de um Estado da Federação, estar-se-ia definida a competência originária do Tribunal Superior do Trabalho.

Nada obstante possa ser sedutor, a priori, o raciocínio esquadrinhado algures, me parece uma visão míope e distorcida do instituto; seria admitir a aplicação da analogia em situações materialmente diferentes. Esta citada diferença radica na possibilidade de impetração do writ nos juízos de primeiro grau, Varas do Trabalho, hipótese afastada quando trazido à baila os dissídios coletivos.

Não existindo legislação específica, nem norma correlata na legislação processual trabalhista disciplinando a questão territorial da competência para conhecimento e julgamento dos mandados de segurança e habeas data – a qual escolho como padrão a ser seguidos nos processos oriundos da nova competência –, uma solução afigura-me sensata e harmônica.

Com o permissivo do artigo 769 da CLT, aplicar-se-ia a regra do inciso IV do artigo 100 do Código de Processo Civil, pois sendo as partes legítimas para figurar no pólo passivo do habeas data entidade governamental ou privada de caráter público, estaria franqueada as portas do Poder Judiciário tanto na Vara do Trabalho da sede da pessoa jurídica, em uma das Varas da Capital do Estado de atuação, na Vara do domicílio de uma de suas agências ou filiais ou na Vara do local onde se materializar o ato coator.

Socorremo-nos do mesmo exemplo do sindicato de determinada categoria profissional que mantém arquivada lista com os nomes dos trabalhadores que comumente ajuizam reclamações em desfavor das empresas que trabalham. Nesta hipótese poderia ser impetrado o habeas data tanto na Vara do Trabalho do domicílio da sede do sindicato coator, na Vara de uma agência ou sucursal localizada no domicílio do impetrante ou no local onde o ato coator se consumou.

Com base no raciocínio ora proposto, entendo que não haverá prejuízo para o órgão coator, seja entidade governamental de qualquer esfera, ou particular de qualquer dimensão territorial (sindicato, federação e confederação), e, ao mesmo tempo, estará garantido o maior acesso ao judiciário ao impetrante, que poderá escolher em qual Vara poderá ajuizar o writ.

A mesma sistemática poderá ser utilizada para a impetração do habeas data pelo sindicato patronal representante de categoria empresarial, a despeito do exemplo didático citado referir-se apenas ao sindicato obreiro como impetrante. Não é privilégio apenas de trabalhadores terem seus direitos lesados em nosso País, neste particular o desrespeito à lei é "democratizado".

O principal malefício da mudança radical de competência será afastado, vez que ultrapassada estará a grande maioria das discussões acerca da competência territorial para conhecer e julgar o remédio constitucional, aplicando-se o critério da prevenção, na existência de vários juízos competentes. As discussões acerca da competência, materializadas nos conflitos, tanto negativo quanto positivo, estarão, em parte, superadas. Em processos de rito célere, tais quais o mandado de segurança e o habeas data, a última coisa que o jurisdicionado espera do Poder Judiciário é o famoso "jogo de empurra" quanto à competência, sem solução do mérito da controvérsia posta à lume. Que haverá posicionamentos dos mais diversos quanto à interpretação do novel artigo constitucional, não é novidade para qualquer operador do direito mais atento.

Procurando evitar a mera repetição de tudo que foi dito quanto às normas processuais que regem o mandado de segurança, vez que o habeas data recebeu grande carga de influência deste, inclusive na edição da Lei nº 9.507\97, que, declaradamente, aproveitou dos debates do instituto correlato do mandamus, remeto o leitor àquele tópico retro, mormente quanto à possibilidade recursal, suspensão dos efeitos da decisão pelo Presidente do Tribunal, cabimento do agravo de instrumento e agravo regimental, autoridade coatora e legitimados, necessidade de oitiva do Ministério Público do Trabalho etc. [21]

É, em linhas gerais, o que penso sobre o assunto.


Bibliografia

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Notas

Habeas Corpus. pág. 16.
  • República: teoria e prática. pág. 173.
  • Mandado de Segurança. pág. 21/22.
  • Manual de Processo do Trabalho. pág. 657/658.
  • O Mandado de Segurança e outras Ações Constitucionais Típicas. pág. 144.
  • Tanto a doutrina quanto a jurisprudência são vacilantes, ainda, no pertinente à indicação do legitimado passivo para figurar nos autos de mandado de segurança. Alguns defendem que o parte passiva é a autoridade dita como coatora. Outros, entre os quais me incluo, pensam ser o legitimado passivo a pessoa jurídica de direito público que, em tese, suportará os resultados do ato dito como coator.
  • Ob. Cit. pág. 105\106.
  • Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil. pág. 31.
  • Reforma do Judiciário analisada e comentada. pág. 502.
  • Apud JUNIOR, José Cretella. Do Mandado de Segurança Coletivo. pág. 69.
  • Ob. Cit. pág. 36\37.
  • A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. pág. 228.
  • Lições de Direito Processual Civil. vol. 1. pág. 485.
  • Processo Penal. pág. 709.
  • Direito Constitucional. pág. 111.
  • Hermenêutica e Aplicação do Direito. pág. 210.
  • Direito Constitucional e Teoria da Constituição. pág. 1182.
  • Ob. Cit. pág. 277.
  • Tutela constitucional das liberdades. pág. 176.
  • Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. pág. 146.
  • Críticas e sugestões serão sempre bem-vindas, na busca do aprimoramento do tema, muito pouco discutido ainda, e, principalmente, no amadurecimento deste autor. [email protected]

  • Autor

    • André Araújo Molina

      André Araújo Molina

      Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

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    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    MOLINA, André Araújo. O novo inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal e a sua aplicabilidade, abrangência e procedimento na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2129, 30 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12724. Acesso em: 19 abr. 2024.