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Parcelamento de precatórios

Parcelamento de precatórios

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Desde que iniciou a discussão da Pec nº 12/2006, já aprovada pelo Senado Federal, inúmeras propostas alternativas têm sido apresentadas pelas mais diversas instituições jurídicas e entidades de classe.

Esse fato demonstra, de um lado, a consciência geral de que é impossível exigir-se o pagamento imediato de milhares de precatórios acumulados ao longo do tempo, por leniência das instituições e autoridades competentes e, de outro lado, deixa clara a repulsa generalizada da sociedade àquela proposta de emenda que aniquila os direitos e garantias fundamentais do cidadão, além de atentar contra o princípio da independência e harmonia dos poderes, uns e outro protegidos pela cláusula pétrea.

Todas as propostas apresentadas até agora demonstram a preocupação com a preservação dos princípios constitucionais respeitando a ordem cronológica, a coisa julgada, o princípio da isonomia, dentre outros. E estão muito bem elaboradas demonstrando conhecimento da matéria. Algumas dessas propostas, contudo, esbarram contra princípios expressos de direito financeiro e se chocam contra preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Sem querer desprezar trabalhos outros, pelo contrário, inspirando-nos em alguns desses trabalhos, formulamos uma proposta simples e prática que, se aprovada acabará com os complicados procedimentos representados pela cessão de créditos decorrentes de precatórios e, ao mesmo tempo, trará para a formalidade os negócios informais envolvendo a compra e venda desses precatórios, com deságio que chegam a 75% do seu valor de face.

Refiro-me ao pagamento dos precatórios pendentes pelo seu valor real, acrescido de juros legais, em títulos da dívida pública anuais, porém, resgatáveis, cada um deles, em parcelas trimestrais iguais e consecutivas nos prazos especificados.

Para respeitar a preferência absoluta dos precatórios alimentícios, bem como, para observar o princípio da isonomia, os precatórios alimentares teriam prazos menores de pagamento e os credores que estão há mais tempo de fila de espera receberiam em prazos menores também.

Estamos cientes que economistas já argumentaram que a emissão de títulos públicos provoca a expansão de base monetária, pelo que deve ser evitada. Entretanto, o argumento não procede.

Não se trata de emissão de títulos públicos como instrumentos de operação de crédito, como aconteceu com a autorização contida no art. 33 do ADCT, que redundou em desvios de recursos financeiros obtidos com a emissão indiscriminada de títulos públicos. Como ficaram apuradas pela CPI dos Precatórios, poucos precatórios foram pagos com a captação de recursos por meios desses títulos emitidos em montante bem superiores ao da dívida pública resultante de condenação judicial.

A nossa proposta é para pagamento de despesa pública decorrente de condenação judicial com títulos de dívida pública, a exemplo do que já ocorre no âmbito da União com referência ao pagamento da justa indenização de terras desapropriadas para fins de reforma agrária. A única novidade é a atribuição a esses títulos de poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, se não resgatados nos respectivos vencimentos.

A não realização de receita tributária corresponderá à extinção da despesa pública em igual montante. Essa forma de extinção do crédito tributário dar-se-á por meio de títulos públicos anuais (resgatáveis em parcelas trimestrais) de sorte a não comprometer o princípio do equilíbrio orçamentário.

Toda entidade política costuma incluir na respectiva Lei Orçamentária dotações para pagamento de juros da dívida pública e para amortização da dívida pública. É só cuidar de reforçar essas dotações, quer originalmente, quer por meio de abertura de créditos adicionais suplementares no decorrer do exercício. Haverá apenas alteração nas denominações das dotações orçamentárias existentes a título de pagamento de débitos resultantes de condenação judicial. Aliás, nos termos do § 7º, do art. 30 da LRF os precatórios judiciais não pagos durante a execução do orçamento em que houverem sido incluídos integram a dívida consolidada, para fins de aplicação dos limites. Dívida consolidada corresponde ao montante apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente político, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses (art. 29, I da LRF). No caso, como os títulos são emitidos para pagamento de despesas públicas não afetariam os limites de endividamento de cada entidade política. Consigne-se, por fim, que o poder liberatório, na forma proposta, somente surge com o inadimplemento do poder público.

Pergunta-se, onde a expansão da base monetária? Por acaso, a despesa pública representada por precatório e consignada no orçamento anual se não for paga em títulos não teria que ser paga em dinheiro? A única forma de não pressionar a demanda de dinheiro é continuar com os calotes.

Esses títulos podem ser transferidos por meio de endosso para circulação antes ou a partir de seus vencimentos, conforme decisão do Parlamento Nacional, porém, em qualquer hipótese, adquirindo o poder liberatório somente em face do inadimplemento do ente político devedor. Com isso desburocratizam-se as cessões de créditos, aumentando a eficácia e a segurança jurídica dos negócios e concorrendo para a valorização dos títulos no mercado.

Para melhor compreensão transcrevemos a seguir a minuta de nossa proposta que insere um artigo no ADCT, nos seguintes termos:

Art. . Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor e os que estão sob os efeitos do art. 78 do ADCT, os precatórios pendentes na data da promulgação desta Emenda serão pagos pelo seu valor real, acrescido de juros legais, em títulos da dívida pública anuais, resgatáveis cada um deles em parcelas trimestrais, iguais e consecutivas, nos prazos adiante especificados, a partir de 1º de julho de 2010, por decisão do Poder Executivo até 180 dias da promulgação desta Emenda:

I – os débitos de natureza alimentar independentemente do valor:

a) em até 4 (quatro) anos os vencidos há mais de 7 (sete) anos;

b) em até 5 (cinco) anos os vencidos há mais de 5 (cinco) anos;

c) em até 6 (seis) anos nos demais casos;

II – os débitos de outra natureza:

a) em até 4 (quatro) anos os que não excederem a três mil salários mínimos;

b) em até 5 (cinco) anos os vencidos há mais de 7 (sete) anos e superiores a três mil salários mínimos;

c) em até 6 (seis) anos os vencidos há 6 (seis) anos e superiores a três mil salários mínimos;

d) em até 7 (sete) anos os vencidos há 5 (cinco) anos e superiores a três mil salários mínimos;

e) em até 8 (oito) anos os vencidos há 4 (quatro) anos e superiores a três mil salários mínimos;

f) em até 9 (nove) anos os vencidos a 3 (três) anos e superiores a três mil salários mínimos;

g) em até 10 (dez) anos nos demais casos.

§ 1º Serão emitidos tantos títulos quantos forem os números de anos para pagamento dos débitos, contendo cada um desses títulos parcelas resgatáveis trimestralmente em valores iguais e consecutivos;

§ 2º O atraso no pagamento de qualquer parcela trimestral importará no vencimento antecipado da totalidade do débito representado pelo título público inadimplido, hipótese em que esse título adquirirá poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, facultada a cessão de direitos por simples endosso, sem prejuízo do seqüestro a requerimento do credor, independentemente da quebra da ordem cronológica.

§ 3º Não têm aplicação os limites globais previstos nos incisos VI e VII, do art. 52 da Constituição relativamente aos títulos públicos emitidos na forma do § 1º.

§ 4º Na hipótese de não cumprimento dos precatórios do exercício até o dia 31 de dezembro de cada ano acarretará vencimento antecipado e automático dos títulos correspondentes ao exercício em que houve a inadimplência do poder público.

Não acreditamos em solução do problema na forma proposta pela Pec nº 12. Ainda que se fizesse total abstração dos aspectos de sua inconstitucionalidade o critério de pagamento em parcelas calculado sobre um percentual ínfimo da receita líquida das entidades políticas devedoras, sem indicação expressa de sua fonte de custeio, conduziria inexoravelmente a uma moratória em cascata. Os recursos financeiros do exercício seriam utilizados para pagamentos das parcelas de precatórios sob moratória, acarretando o represamento de futuros precatórios a serem objetos de nova moratória daqui a alguns anos. Isso é empurrar a dívida com a barriga como, aliás, querem os governantes que estão pressionando o Parlamento para aprovar, a toque de caixa, a Pec nº 12, verdadeira obra de Satanás.

Qualquer que seja a proposta é indispensável a inserção de dispositivo prevendo o poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, na hipótese de inadimplemento. E seria oportuno que a cláusula do poder liberatório fosse incorporada, também, nas disposições permanentes da Constituição, a fim de prevenir novas moratórias. É preciso mudar a cultura do calote e da impunidade. Os governantes devem voltar a administrar de conformidade com a Lei Orçamentária Anual, onde deve ou deveria estar refletido o plano de ação governamental.


Autor

  • Kiyoshi Harada

    Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Parcelamento de precatórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2187, 27 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13058. Acesso em: 26 abr. 2024.