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Os efeitos do tempo sobre as relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo

Os efeitos do tempo sobre as relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo

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A segurança jurídica é um valor mais caro às relações sujeitas à regência do Direito Público do que às relações colocadas sob a égide do Direito Privado.

Sumário: 1. Prescrição: noção conceitual e efeitos. 2. Prescrição: fundamento e natureza jurídica. 3. Prescrição: argüição e decretação. Tratamento reclamado pelas relações jurídicas sujeitas à égide do Direito Público. 4. Decadência: natureza jurídica, fundamento e efeitos. 5. Prescrição e decadência: critérios diferenciais. 6. Prescrição das ações contra o Estado: regra geral. 7. Os atos de improbidade administrativa e o instituto da prescrição. 8. A interpretação estrita da norma constitucional (CF, art. 37, § 5º) que torna imprescritível a pretensão indenizatória dos danos causados ao erário. 9. Natureza decadencial do prazo reservado ao exercício da pretensão tendente a obter a invalidação dos atos administrativos e a conversão das situações de fato em situações jurídicas. 10. O direito positivo legislado e a desconstituição, sob o aspecto temporal, dos atos administrativos favoráveis aos administrados. 11. A lei inconstitucional e a modulação temporal dos efeitos.


1. Prescrição: noção conceitual e efeitos. É o tempo, dentre todos os fenômenos naturais, o que maior influência exerce sobre as relações jurídicas, revelando-se eficiente para gerar ou para elidir direitos.

Com o fito de realçar o acerto desta asserção, basta lembrar que a propriedade, como direito fundamental, pode ser adquirida pela usucapião, ao passo que a prestação inadimplida é passível de perder a exigibilidade, pela incidência da prescrição, bastando, para a produção desse efeito, que o titular da correspondente pretensão deixe de exercê-la em juízo, no prazo assinalado em lei.

Daí não se segue, contudo, que a prescrição se biparta em (i) extintiva ou liberatória e (ii) aquisitiva, pois dela se afasta a usucapião pela natureza, pela função, pelo fundamento, pelos requisitos e pelos efeitos, como destacou F. Pantaleón Prieto (cfr. Prescripción, in Enciclopédia Jurídica Básica, Madrid, Editorial Civitas, 1995, v. IV), em lição inteiramente ajustada ao direito brasileiro.

Sob a égide do Código Civil de 1916, a quase unanimidade dos doutrinadores tratou a prescrição como causa extintiva da ação, decorrente do comportamento inercial do sujeito titulado à sua propositura, que olvidou do seu manejo no prazo assinalado em lei.

A essa posição filiaram-se, dentre outros jurisconsultos, Pontes de Miranda (cfr. Tratado de Direito Privado, 2ª ed., ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1954-1958, t. IV, § 668, nº 2, pág. 136), Antônio Luiz da Câmara Leal (cfr. Da Prescrição e da Decadência, Rio de Janeiro, ed. Forense, 1959, pág. 22) e Washington de Barros Monteiro (cfr. Curso de Direito civil, 33ª ed., Saraiva, São Paulo, 1995, V. 1, pág. 288), que se recusaram a identificar, na prescrição, força apta a provocar a elisão do direito material.

De outro lado, autores do quilate de J. M. de Carvalho Santos (cfr. Código Civil Brasileiro Interpretado, 7ª ed., Freitas Bastos, 1958, V. III, pág. 372), Orlando Gomes (cfr. Introdução ao Direito Civil, ed. Forense, 19ª ed., pág. 446) e Caio Mário da Silva Pereira (cfr. Instituições de Direito Civil, ed. Forense, 19ª ed., págs.435/436) encararam a prescrição como causa em ordem a levar ao desaparecimento do direito, sustentando, para tanto, que se afigura impossível afirmar a sua existência, a partir do momento em que a ordem jurídica retira, do seu titular, o instrumento dotado de eficiência para defende-lo.

O vigente Código Civil, com maior aprumo técnico, pôs termo à controvérsia, quando afirmou que a prescrição extingue a pretensão (CC, art. 189), deixando incólume, por conseguinte, o direito subjetivo, conquanto existam estudiosos que queiram embutir, ainda hoje, o seu desaparecimento na dicção do preceito inscrito no art. 189, desse diploma legal.

Mas o decurso do tempo, só por só, não elimina a pretensão, entendida, para os fins cogitados, como o poder reconhecido ao credor para agir em juízo contra o devedor: esse acontecimento natural ordinário limita-se a assegurar, ao demandado, a faculdade de arguir uma exceção em detrimento do demandante, cuja apresentação irá bloquear a ação aforada em seu desfavor (cfr. José Carlos Barbosa Moreira, O novo Código Civil e o direito Processual, Revista Forense, V. 364, pág. 186).

Assim, a prescrição, uma vez consumada, não redunda na morte do direito, nem tampouco da pretensão, mas limita-se a facultar, ao devedor, o não cumprimento da prestação devida, que só veio a ser reclamada depois de transcorrido o prazo reservado ao aforamento do pleito condenatório.

Tecidas estas considerações, tem-se que a violação de um direito enseja uma pretensão, que se define como o poder de exigir, de alguém, uma prestação, positiva ou negativa, exercitável no prazo demarcado pela lei, que, se escoado, conformará a prescrição.

A prescrição, portanto, faz nascer uma exceção, a qual o direito reconhece aptidão para inibir a força da pretensão, embora não impeça a quitação da dívida, que pode ser aviada pelo devedor, a despeito do seu acolhimento, nem a renúncia aos seus efeitos, quando então tudo se passará como se os direitos patrimoniais do credor jamais tivessem perdido exigibilidade, ou não houvessem sido objeto de afetação (CC, art. 191).


2. Prescrição. Fundamento e natureza jurídica. A prescrição, como concebida, tende a evitar a litigiosidade perpétua, em torno de um interesse patrimonial, e, por isso, imprime segurança ao tráfico jurídico, que penderia de atendimento se, por mais remota ou recuada que fosse a sua causa, uma determinada obrigação pudesse ter questionado o seu fundamento, o seu inadimplemento ou a sua solução.

A prescrição, ao tempo em que encerra as controvérsias concernentes a uma situação jurídica, antiga e já consolidada pela ação dos anos, comunicando-lhe certeza, leva segurança ao meio social, colocando-se, por força desse traço característico, entre os institutos de ordem pública.

A lei, ao cuidar da prescrição como instituto de ordem pública, dá as costas para peculiaridades éticas, vinculadas à ideia de justiça, e se aproxima dos fatores praticidade e funcionalidade, que se aferem segundo critérios de conveniência e de oportunidade. Por esse motivo, a prescrição não leva ao imediato perecimento da pretensão, limitando-se, ao invés, a propiciar a apresentação, pelo devedor, de uma exceção detrimentosa ao credor, que se despreocupou do oportuno recebimento da prestação que lhe era devida.

Como, sob o ponto de vista ético, o devedor inadimplente não deve ser destinatário de qualquer proteção, ao jurista só é lícito enxergar a prescrição como uma arma de defesa, que o devedor utiliza se lhe convier, pois, para decidir a respeito, ele se coloca em uma área livre, ponderando, de um lado, a sua condição de inadimplente, e, de outro, razões de segurança jurídica, que se ligam ao longo tempo decorrido.

A prescrição abriga um conflito entre dois valores muito caros ao direito: (i) a segurança nas relações jurídicas e (ii) a busca da justiça. No instante do surgimento da pretensão, vista como força preordenada a compelir o responsável pela violação ao direito a satisfazer a prestação devida ao seu titular, a atuação, acaso desenvolvida, dá-se em nome da justiça. Todavia, a persecução da justiça, além do lapso temporal estabelecido em lei, desponta como fator de intranquilidade e incerteza, cumprindo à ciência jurídica, pois, convolar em certa, uma situação incerta. Para propiciar a consecução desse desiderato, o direito debilita a pretensão, que, em tais condições, poderá ser fulminada pela exceção, se a avaliação discricionária do devedor conduzi-lo à sua formulação.

Decorre, daí, que, sem embargos à possibilidade de ensejar o surgimento de injustiças, a prescrição revela-se idônea a consolidar situações de fato, que tenham perdurado por longo tempo, tornando-as definitivas, por conveniência da segurança jurídica e da paz social.

Da natureza da prescrição, que, convém remarcar, compõe-se de instituto de ordem pública, resultam dois efeitos primordiais: (i) a vedação ao elastério dos prazos fixados em lei, imposta às partes, que não podem alcançar esse objetivo nem mesmo por acordo de vontades (CC, art. 192); e (ii) o impedimento à sua renúncia, ainda que sem prejuízo de terceiro, enquanto não exaurido o prazo assinado ao exercício da pretensão, como se tem da disposição inscrita no Código Civil, art. 191.


3. Prescrição. Arguição e decretação: tratamento reclamado pelas relações jurídicas sujeitas à égide do Direito Público. Efeitos do seu acolhimento. A prescrição, como já ressaltado, não é causa elisiva do direito, eis que apenas possibilita o manejo de uma exceção, pelo sujeito contra o qual o credor não exerceu, a tempo e a modo, a pretensão de que é titular, tendente a derruir a acionalidade.

Desde as suas origens, que remontam ao direito romano, a prescrição é tratada como um escudo protetor do sujeito passivo da pretensão, proporcionando-lhe a produção de uma defesa processual, já que o exaurimento do prazo, isoladamente considerado, não o libera da sujeição ao credor.

Se fizer valer a prescrição, segundo a sua conveniência, o sujeito chamado ao pólo passivo da relação jurídica processual, longe de eliminar o direito do autor, atingirá parte de sua eficácia, que é, precisamente, aquela respeitante à tutela processual, sem obstar, todavia, o pagamento do débito, que não se converterá em doação, nem possibilitará a sua repetição, como ressai, com absoluto coeficiente de clareza, da disposição inscrita no Código Civil, art. 882.

Como os seus efeitos levam, somente, à debilidade da pretensão, que está imune à força elisiva da exceção que vier a ser deduzida pelo devedor, não se admite que a prescrição seja decretada ex officio, pois a tanto se opõe, de modo terminante, a norma inserta no Código Civil, art. 193, que, no ponto, guarda símile com o direito português, como se extrai do magistério doutrinário de Manuel A. Domingues de Andrade: "A prescrição só se revela se for invocada pela parte interessada. O juiz não pode declarar ex officio a prescrição, mesmo que tenha num processo elementos para isso. É necessário pois que o réu manifeste sua vontade de se valer da prescrição." (cfr. in Teoria Geral da Relação Jurídica, 8ª Reimpressão, Coimbra, Almedina, 1998, V. III, nº 210, pág. 454).

Via de consequência, se arguida e acolhida, a exceção de prescrição acarreta, inexoravelmente, a extinção do processo, com julgamento do mérito, a teor do preceito insculpido no Código de Processo Civil, art. 269, IV. Dito por outras palavras: embora impeça o exame do mérito e, por conseguinte, a verificação da existência, ou não, do direito subjetivo posto em litígio, o reconhecimento da prescrição dá lugar à configuração da coisa julgada material, com todos os efeitos daí decorrentes, como, aliás, propugnaram os seguidores de Liebman, que foi o grande inspirador do nosso direito processual civil.

Como a segurança jurídica é um valor mais caro às relações sujeitas à regência do Direito Público, do que às relações colocadas sob a égide do Direito Privado, a prescrição, quando favorável à Fazenda, pode ser decretada de ofício, pois ao administrador, que comparece a juízo pela advocacia pública, falece a faculdade ou o poder de renunciá-la, em benefício dos interesses perseguidos pelo litigante privado.

Dito por outras palavras: o litigante privado, no particular, transporta-se para uma zona livre onde, impulsionado por critérios de conveniência e de oportunidade, sopesa a sua inadimplência, que é estritamente pessoal, e a possível estabilização de uma situação de fato, pela qual a sociedade nutre um interesse, que, entretanto, não se revela forte o suficiente para sair da sua esfera de disposição. O ente público, ao contrário, tem o dever de excepcionar a acionalidade para, assim, fulminar a pretensão e liberar-se da sujeição ao credor, que se esqueceu de receber, a tempo e a modo, a prestação a que tem direito.

Não se quer, aqui, cometer ao juiz a cura do erário. Pretende-se, somente, em homenagem à proeminência do interesse público, que o julgador, se puder reunir, no processo, os elementos a tanto suficientes, fulmine a pretensão oposta ao Estado, que não deve submeter-se, em benefício do promovente, mas em detrimento de toda a coletividade, a um poder alcançado por fenômeno fático e jurídico capaz de levar-lhe ao enfraquecimento.

Sob diferente ângulo de análise, tenha-se presente que a solução agora proposta, se vier a contar com a adesão da doutrina e da jurisprudência, fará com que a ação do tempo projete-se, com uniformidade, sobre os fenômenos jurídicos que vicejam na circunferência do direito público, onde, como será demonstrado em outro desdobramento deste trabalho, se permite que as situações de fato, irregularmente formadas em favor do particular, se transformem, anos depois, em situações jurídicas timbradas pela definitividade.

Pelo mesmo motivo, a jurisprudência predominante no Tribunal do País vocacionado para decidir, em última instância, sobre questões de legalidade, é assente em admitir e proclamar que a prescrição, se não alegada na instância a quo, pode ser invocada, pelo Estado, perante o órgão jurisdicional ad quem, em sede de apelação, que, sendo recurso de cognição ampla, deve concorrer para a obtenção da paz social, que substancia um desejo de toda a coletividade (Recursos Especiais nº(s): 722.518, 1ª T., unânime, relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJU, 22.08.2005; 204.276, 5ª T., unânime, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, in DJU, 08.11.99; 463.043, 2ª T., unânime, relator Ministro Franciulli Neto, DJU, 23.06.2003; e 1.034.907, 1ª T., unânime, relator Ministro Francisco Falcão, DJU, 18.08.2008).

Expendidos estes argumentos, que têm sólida radicação doutrinária e jurisprudencial, é possível concluir que, exclusive os apelos de feição extraordinária (recursos (i) extraordinário em sentido estrito, (ii) especial e (iii) de revista), que se conformam como recursos de fundamentação vinculada, a prescrição, quando não suscitada perante os Graus Inferiores de Jurisdição, na contestação e em sede de apelação, pode ser invocada, pelo Poder Público, por via de embargos de declaração com efeitos infringentes, pois essa é a solução que recomenda e quer a segurança jurídica, sem prejuízo da sua possível proclamação por impulso oficial.


4. Decadência: natureza jurídica e efeitos. Ao lado da prescrição, a decadência, que se acha disciplinada pelo vigente Código Civil (arts. 207 a 211), também interfere na vida do direito, avançando sobre as relações jurídicas com força e intensidade tamanhas, que tornam os seus efeitos mais marcantes e fortes do que os produzidos pelo instituto analisado nos itens precedentes.

Isto porque a prescrição, como visto, preserva a vida do direito, atingindo apenas a pretensão, que se conforma como o poder reconhecido ao seu titular para fazê-lo valer em juízo. A decadência, por seu turno, destrói o próprio direito, que, a partir do prazo extintivo ou de caducidade, perde a aptidão para produzir qualquer consequência, devendo, por isso mesmo, ser pronunciada de ofício (CC, art. 210), salvo se convencional, já que, nesse caso, a sua decretação depende de manifestação da parte, dedutível perante o Primeiro ou o Segundo Grau de Jurisdição (CC, art. 211).

Embora se volte, à semelhança da prescrição, para as vantagens inerentes à estabilização das relações jurídicas, na decadência esse fundamento é mais forte, porque o que pretende a lei, com a disciplina desse instituto, é a certeza jurídica, que submete o exercício de determinados direitos à incondicional, inflexível e intransigente observância de prazos especial e claramente indicados, que, acaso transcorridos, definem, de modo firme e inalterável, a situação das partes.

Frise-se: é necessário, porquanto consubstancia uma imposição do interesse público, que as relações jurídicas subordinadas a esse tipo de prazo fiquem definidas, de uma vez por todas, tão logo seja apurado o seu decurso. Para viabilizar a consecução desse objetivo, o ordenamento jurídico, quando disciplina a decadência, repele, com absoluta contundência, a intercorrência de causas em ordem a interromper-lhe ou suspender-lhe a fluência (CC, art. 207) e confere ao juiz poderes assinalados por vasta latitude, tanto que o habilitam a, em determinadas situações, colmatar o comportamento inercial da parte, com a decretação da sua ocorrência por impulso oficial (CC, art. 210).


5. Prescrição e decadência: critérios diferenciais. A prescrição, que suprime a pretensão reconhecida ao titular de um interesse, para exercitá-lo em juízo, vincula-se a uma prestação e, assim, atua na seara dos direitos patrimoniais, encontrando, nas ações condenatórias, o campo destinado à produção das consequências que lhe são próprias.

Esta observação alenta-se no magistério de Humberto Theodoro Júnior, que, a partir dela, explica o critério sufragado pela lei, para marcar o termo inicial da fluência do prazo prescritivo: a violação do direito material (cfr. Comentários ao Novo Código Civil, ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003, T. II, págs. 353/354).

Já na decadência, (i) o direito e a ação nascem simultaneamente, ou seja, do mesmo fato e no mesmo momento, vez que (ii) ambos (direito e ação) se fundem na composição do próprio direito, que abriga o meio através do qual deve ser exercido (a ação).

A identidade apontada faz, da obediência ao prazo de decadência, uma condição para o exercício do direito. Por isso, os juristas, em especial os mais versados, reportam-se, em casos assim, a um prazo extintivo ou de caducidade, cuja fluência faz perecer o próprio direito, e não somente a pretensão, como recita o Código Civil, art. 189, ou a ação, como queriam os comentadores da codificação decaída.

É fácil perceber, desta preambulação, que a decadência, como pensada e disciplinada pelo direito positivo legislado, concerne às ações constitutivas, que surgem no instante em que se aperfeiçoam os negócios que, por meio delas, são submetidos ao crivo judicial, no todo ou em parte.

Esse traço diferencial despertou a atenção de Carlos da Rocha Guimarães, que averbou em trabalho de sua autoria: "A preferência dos estudos mais modernos sobre a distinção entre prescrição e decadência parece se fixar no cotejo entre as ações condenatórias e as ações constitutivas. Dessa forma, a prescrição diz respeito a direitos já constituídos e que são ofendidos pelo sujeito passivo, sem que o respectivo titular tenha reagido por via de ação condenatória, no prazo devido. Já a decadência refere-se a direitos potestativos, cuja ação constitutiva não foi manejada em tempo útil pelo titular." (cfr. Prescrição e Decadência, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, nº 27, pág. 103).

Portanto, a violação de um direito patrimonial, definitivamente constituído, faz nascer, desde esse marco temporal, uma pretensão capaz de ser veiculada, pelo seu titular, por intermédio de ação condenatória. Já a celebração de um contrato enseja o surgimento, para os legitimados a perseguir-lhe a alteração ou o desfazimento, de uma ação desconstitutiva, cujo prazo, que é de decadência, flui a partir do aperfeiçoamento da avença, sem suportar, desde então, a incidência de causa apta a interrompê-lo ou a suspender o seu curso. O mesmo ocorre, na seara do Direito Público, com um ato administrativo supostamente lesivo à Fazenda, que o Ministério Público ou qualquer destinatário quiser invalidar: deverá procurar desfazê-lo em um quinquênio, contado da sua publicação, pena de desaparecimento do direito a assim proceder, conjuntamente com a exaustão do prazo assinalado à propositura da ação.


6. A prescrição das ações contra o Estado: regra geral. Fixadas estas noções conceituais, vejamos como se operam os efeitos produzidos pelo tempo, sobre as relações jurídicas sujeitas à égide do Direito Público.

Impende remarcar, antes de mais nada, que as pretensões do administrado contra o Poder Público fenecem em 05 (cinco) anos, contados do ato ou fato que lhes deu origem, como se tem do Decreto nº 20.910, de 1932, art. 1º, que sobrevive a despeito do tratamento dispensado pelo vigente Código Civil ao instituto da prescrição.

Frise-se: em que pese a nova disciplina dada a esse importante tema jurídico, desde o início da vigência da Lei nº 10.406, de 2002 (novo Código Civil), que impôs sensível encurtamento aos seus prazos (CC, arts. 205 e 206), a prescrição contra a Fazenda Pública continua sujeita à regência do Decreto nº 20.910, de 1932, que, no particular, tem a feição de lei especial, e, por esse motivo, subsistiu às alterações introduzidas por norma geral superveniente, em obséquio aos critérios sufragados pela hermenêutica, para colmatar os conflitos de leis no tempo (cfr. STJ: AgRg no Resp. nº 969716 – AC, 5ª T., unânime, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU 17.11.2008. Do mesmo relator: AgRg. no Ag nº 899972 – MS, DJU 10.03.2008).

Esse prazo, que se restringia, originariamente, às pessoas jurídicas de direito público dotadas de personalidade política – União, Estados e Municípios -, passou a albergar as autarquias, após a entrada em vigor do Decreto Lei nº 4597, de 1942, art. 2º, afigurando-se aplicável, nos dias que correm, às Fundações de Direito Público, em virtude das suas profundas similitudes com os entes administrativos por último referidos.

Pacificou-se a jurisprudência, no período anterior ao vigente Código Civil, que o quinquênio, estabelecido pela legislação colacionada, dizia respeito, tão só, às denominadas ações pessoais, já que para as ações reais deviam prevalecer os prazos de 10 anos, entre presentes, e de 15 anos, entre ausentes, para evitar que o Poder Público pudesse adquirir uma propriedade em cinco anos, sem que estivesse previsto, para tanto, um usucapião especial (CC de 1916, art. 177).

Para as ações de desapropriação indireta, que embutem autênticas pretensões indenizatórias dedutíveis em face do Poder Público, o Superior Tribunal de Justiça, em obséquio à orientação sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, compendiou, no enunciado sumular expedido sob o nº 119, a orientação de que devia ser observado o prazo de 20 anos, em cujo término se aperfeiçoava o usucapião extraordinário, a teor da regra inserta no Código Civil de 1916, art. 550.

Porém, o vigente Código Civil, para efeito de prescrição, não distingue, nem poderia fazê-lo, entre ações pessoais e reais, limitando-se a dizer, no seu art. 205, que a configuração desse fenômeno ocorre ao cabo de dez anos, salvo se a lei lhe fixar prazo inferior.

Assim, penso que se firmará, a propósito desse tema jurídico, a compreensão de que as pretensões do particular contra o Estado, máxime se de viés condenatório, exaurem-se depois de decorridos cinco anos, salvo se tiverem imbricação com direitos reais, eis que, nesse caso, o seu exercício submete-se ao prazo de dez anos.

Não parece razoável que a jurisprudência restaure o critério adotado sob a vigência do Código revogado e submeta as ações reais, em especial a pretensão ressarcitória decorrente da desapropriação indireta, aos prazos da usucapião.

A uma porque o alongamento abstrato do prazo contraria, terminantemente, os fundamentos da prescrição, que não pode ensejar, ao administrado, um poder exercitável contra o Estado durante um lapso de tempo superior a dez anos. A duas, porque o Código Civil, depois de consagrar a aquisição da propriedade pela posse durante quinze anos, sem oposição nem interrupção (art. 1238, caput), reduz esse espaço de tempo para dez anos, se o possuidor (i) tiver o imóvel como moradia habitual ou (ii) realizar, nele, obras ou serviços de caráter produtivo (art. 1238, parágrafo único).

Resulta, daí, que, para estabelecer uma coincidência entre os prazos de prescrição e de usucapião, a jurisprudência terá que distinguir, pelo menos para regular o exercício da pretensão decorrente da desapropriação indireta, entre duas situações: (i) a do expropriado que não realizou, no imóvel, obras ou serviços de caráter produtivo, nem o utilizou como residência habitual, e (ii) a do proprietário que procedeu de modo contrário, procurando atender, mesmo de maneira tênue, a função social do bem.

Contudo, ademais de dificultar, sobremodo e maneira, a aplicação do direito, essa distinção, se adotada, criará um verdadeiro paradoxo, pois assegurará, ao sujeito que se limitou a manter a coisa, sem destiná-la, portanto, a uma finalidade útil, um interregno maior para acionar o Estado.


7. Os atos de improbidade administrativa e o instituto da prescrição. A Lei nº 8429, de 1992, que comina as sanções incidentes sobre os responsáveis pelas práticas definidas como improbidade administrativa, prejudiciais aos diversos órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações, distingue entre os atos que (i) importam em enriquecimento ilícito (art. 9º, I a XII), (ii) causam prejuízo ao erário (art. 10, I a XV) e (iii) atentam contra os princípios da Administração Pública.

Referida Lei, depois de cominar as penas (art. 12, I a III e parágrafo único), de estabelecer o rito do procedimento administrativo, que deve observar o modelo constante da Lei nº 8112, de 1990, arts. 148 a 182, ou dos regulamentos castrenses, se o acusado for servidor militar (art. 14, § 3º), e da ação judicial (arts. 17, caput, e §§ 1º a 17, e 18), trata dos prazos de prescrição, fazendo-o no seu art. 23, I e II.

No seu art. 23, I, a denominada Lei de Improbidade Administrativa cria um impedimento ao curso da prescrição, desconhecido do ordenamento jurídico até antes do seu advento: o exercício da atividade política ou pública, se o agente titular mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança.

Assim, para esse universo de agentes políticos e públicos, os cinco anos, assinalados ao exercício da pretensão por qualquer dos sujeitos legitimados, só se iniciam depois que o servidor estiver desvinculado da Administração, em razão (i) do término do mandato ou (ii) do seu afastamento do cargo ou função de confiança.

O impedimento à fluência da prescrição, aqui mencionado, sobre não repousar em nenhum motivo legítimo, pois, hodiernamente, além da ação dos órgãos de controle interno e externo, a Administração Pública se expõe à constante e intensa fiscalização dos movimentos sociais, alguns deles constituídos sob a forma de organizações não governamentais (ONGs), prolonga, de modo injustificado, o estado de litigiosidade, deslocando, para um momento incerto e por vezes longínquo, a obtenção da paz social.

Para demonstrar a procedência desta crítica, basta imaginar a situação de um servidor que, investido em um cargo de provimento em comissão ou função de confiança, por período igual ou superior a dez anos, cometa, no primeiro ano de exercício nesse cargo ou função, uma falta considerada como improbidade administrativa, e se mantenha afastado dessa modalidade de ilícito nos anos subsequentes. Se aplicada, ao pé da letra, a disposição inscrita na Lei nº 8429, de 1992, art. 23, I, esse servidor poderá, quatorze anos após o cometimento da infração, ser investigado e responsabilizado em processo judicial, sem que haja, nas normas de regência da matéria, campo ou espaço que propicie, ao julgador, uma ponderação entre os efeitos do ato e o longo tempo transcorrido desde a sua prática.

Essa possibilidade, que não é incomum no dia a dia da Administração, atenta, com extrema contundência, contra os objetivos perseguidos pelos institutos da prescrição e da decadência, entre os quais não se inclui, ou pelo menos não se deveria incluir, o reconhecimento de um prazo mais alongado em favor da atuação dos órgãos incumbidos de controlar a atividade da Administração, a menos que se queira ignorar a força do tempo, que exsurge como um fato jurídico objetivo de transcendental importância e de irrecusável reconhecimento, como lembra, com inteira propriedade e procedência, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (cfr. Princípios Gerais de Direito Administrativo, Forense, 1978, vol. I – Introdução, págs. 399/401).

Mas não é só: a Lei nº 8429, de 1992, veicula, no seu art. 3º, uma norma de extensão, que comunica a qualidade de funcionário público a quem, mesmo sem vínculo com a Administração, (i) induza ou concorra, de qualquer modo, para a perpetração do ato ímprobo, ou (ii) dele se beneficie, direta ou indiretamente.

Pois bem: se o particular, alçado à condição de funcionário público, por força da extensão determinada pela Lei nº 8429, de 1992, art. 3º, agir em concurso com ocupante de cargo de provimento em comissão ou de função de confiança, ficará potencialmente sujeito à litigiosidade, nas mesmas circunstâncias de tempo, o que se afigura indesejável e inconveniente, até prova em contrário, ao desenvolvimento em si mesmo da atividade da Administração.

Diante desta constatação, que se acha preordenada a produção de tão graves e nefastas consequências, ao lidador do direito, a quem decerto será difícil valer-se, em caso assim, da interpretação ab-rogante, que só deve ser empregada diante de uma antinomia real (cfr. Norberto Bobbio, in Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed., Editora UNB, págs. 97/105), só resta advertir para a necessidade de que fique uniformizado, no ponto, o sistema jurídico, com a correta fixação do termo inicial da prescrição: o dia do cometimento do delito, por comissão, ou da infringência do dever de abstenção, à identidade da previsão substanciada na Lei nº 8429, de 1992, art. 23, II.

Do âmbito de abrangência da disposição focalizada (Lei nº 8429, de 1992, art. 23, I), estão excluídas as autoridades que respondem, por infrações político administrativas, nos moldes estabelecidos pela Lei nº 1079, de 1950, que define infrações materialmente idênticas aos ilícitos capitulados na Lei nº 8429, de 1992, arts. 9º, 10 e 11, pois a Constituição proíbe, de modo terminante, que os agentes políticos sejam responsabilizados segundo um regime próprio e, também, de acordo com o sistema instituído para a generalidade dos agentes públicos.

Posicionamento em causa, que vem sendo sufragado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, com uniformidade e reiteração (STF: Reclamação nº 2138 – 6 – DF, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes – DJE 18.04.2008, e Questão de Ordem na Petição nº 3211, relator para o acórdão o Ministro Menezes Direito – DJE 27.06.2008), ajusta-se, por identidade de motivos, aos Prefeitos Municipais, que têm, no Decreto Lei nº 201, de 1967, cujas normas veiculam sanções mais severas que a Lei nº 8429, de 1992, sistema peculiar e próprio de responsabilização, como proclamou, acertadamente, o acórdão emanado da Primeira Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, à oportunidade do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial sob nº 769.811 – SP, confiado à relatoria do eminente Ministro e notável jurista Luiz Fux (DJE, 15.12.2008).

De referência aos titulares de cargos de provimento efetivo, a lei em comento distanciou-se, e muito, do seu caráter nacional: subordinou o exercício da ação aos interregnos previstos nos diversos estatutos, que podem variar de Estado a Estado e de Município a Município, para a imposição da pena de demissão, com a cláusula a bem do serviço público, quando o correto teria sido a estipulação do prazo de cinco anos, contados do ilícito, para que ficasse preservada, no particular, a uniformidade do ordenamento jurídico brasileiro.

A observação que acaba de ser feita, ao tempo em que contribui para o completo atendimento das finalidades perseguidas pelo instituto da prescrição, evita que os servidores fiquem sujeitos aos caprichos dos legisladores estaduais e municipais, que se acentuam nas pequenas unidades federadas. Mas esse inconveniente, que beira à irrazoabilidade, poderia ser evitado se o órgão legiferante nacional, mostrando-se (i) respeitoso à regra isonômica e (ii) distante das pressões e condicionamentos locais, eliminasse essas distinções, que não elevam os méritos da lei, e imprimisse unidade ao sistema por ela adotado.


8. A interpretação estrita da norma constitucional (CF, art. 37, § 5º) que torna imprescritível a pretensão indenizatória dos danos causados ao erário. A Constituição Federal, art. 37, § 5º, delegou, à lei, competência para subordinar, a prazos de prescrição, a apuração e punição dos ilícitos, atribuídos a servidores públicos ou a pessoas transitoriamente vinculadas à Administração, mas tornou imprescritíveis as ações proponíveis pelo Poder Público, com o fito de obter a reparação dos danos causados à União, aos Estados membros, ao Distrito Federal e aos Municípios.

Importa delimitar, agora, a extensão e o alcance dessa ressalva. Para tanto, impende ressaltar, em primeira plana, que a ciência jurídica sufragou, desde tempos imemoriais, o postulado da imprescritibilidade, fazendo-o com uma finalidade certa e indestorcível: harmonizar a defesa dos interesses, públicos e privados, com a paz e a harmonia que devem presidir o relacionamento social.

Como à prescritibilidade estão submetidas todas as pretensões, "As regras jurídicas sobre prescrição hão de ser interpretadas estritamente, repelindo-se a própria interpretação analógica.", porquanto "A imprescritibilidade é excepcional.", consignou Pontes de Miranda no seu Tratado de Direito Privado, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1955, Parte Geral, T. VI, págs. 126/127).

Em lição pronunciada no plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal, ao ensejo do julgamento do Mandado de Segurança sob nº 20069 – DF, o Ministro Moreira Alves, relator para o acórdão, proclamou a regra da prescritibilidade, condicionando, à observância do interregno de quatro anos, a legitimidade das demissões por faltas disciplinares não definidas como crimes, nada obstante fosse omisso, no particular, o antigo Estatuto dos Funcionários Públicos.

Ademais, o feixe de leis especiais que, no ordenamento jurídico brasileiro, refere-se a ações tendentes a assegurar, ao lesado, a percepção de indenização pelos danos a ele injustamente causados, não ficaram alheias à prescrição, como se tem das normas e diplomas adiante referenciados:

(i) Decreto nº 20910, de 1932, que regula a prescrição das denominadas dívidas passivas da Fazenda Pública;

(ii) a Lei nº 9494, de 1997, art. 1º - C, segundo o qual "Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização por danos causados por agentes de pessoas jurídicas de Direito Público e por pessoas jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviços públicos."; e

(iii) a Lei nº 8078, de 1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), cujo art. 27 dispõe: "Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria."

Decorre, desta exposição, que, mesmo tendo normatividade superior aos diplomas colacionados, o preceito insculpido na Constituição Federal, art. 37, § 5º, parte final, deve ser visto e analisado como uma exceção, no ordenamento jurídico nacional, e, portanto, capaz de repelir e matar, no nascedouro, qualquer tentativa conducente a estender o seu alcance a situações nele não contempladas.

O que ficou consagrado, pela norma constitucional, foi a imprescritibilidade do exercício, pelos sujeitos legitimados, da pretensão ressarcitória dos danos experimentados pelo erário, a qual, para os fins cogitados neste trabalho, não pode depender do desfazimento de um ato administrativo, eis que ao intérprete é defeso, em situações excepcionais, alargar o âmbito de abrangência da previsão normativa, em especial se existe, na sua dicção, ordem passada ao órgão legislativo, para submeter a prazos de prescrição a apuração e a reparação dos ilícitos prejudiciais à Administração, praticados por servidor público ou por sujeito sem vínculo funcional com o Estado (cfr. Ruy Cirne Lima, in Princípios de Direito Administrativo, Malheiros, 5ª ed., com atualizações de Paulo Alberto Pasqualini, São Paulo, 2007, pág. 2920).

Não se diga que o critério da especialidade, que parece inspirar a interpretação ora proposta, só incide, com procedência, se a antinomia normativa, a ser solucionada, consistir em conflito entre normas de um mesmo nível, pois, se de níveis diferentes, prevalece o critério hierárquico. O princípio da imprescritibilidade, que restou excepcionado pela regra sob enfoque (CF, art. 37, § 5º, última parte), não pode sofrer enfraquecimento maior do que o consentido pela Carta Política, que quis que ele cedesse em uma única hipótese: a da propositura da ação para o ressarcimento dos danos sofridos pelas pessoas jurídicas de Direito Público, que, tendo natureza condenatória, não deve confundir-se com a medida judicial apta a levar ao desfazimento do ato administrativo, que é de viés anulatório.

Assim, urge convir que o princípio hierárquico encontra-se preservado, mesmo nesta interpretação, porque a cláusula inscrita na Constituição Federal, art. 37, § 5º, última parte, enquanto viger, terá força para invalidar lei que venha a submeter, a prazos prescricionais, as ações de cunho condenatório, propostas, com a finalidade aqui assinalada, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

O que se acaba de dizer, teve sua procedência reconhecida, em passado não muito recuado, pelo Excelso Pretório, que, ao ensejo do julgamento do Mandado de Segurança sob nº 26.210 – 9 – DF, confiado à relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski (DJU, 10.10.2008), proclamou que a imprescritibilidade assegurada pela Constituição Federal, art. 37, § 5º, não passa da ação intentada para possibilitar a recomposição dos prejuízos experimentados pelo erário.

Conquanto a ementa do acórdão epigrafado não seja expressa, no tangente a esse relevante aspecto da questão, o voto que o conduziu incorporou, como razão de decidir, excerto extraído da obra Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 206, pág. 673, de autoria do professor José Afonso da Silva, que giza: "A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade do direito, pela inércia do seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto as desta em face dos administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providências à apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: ‘A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.’ Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non securrit ius)."

Feita a interpretação do preceito insculpido na Constituição Federal, art. 37, § 5º, com supedâneo na doutrina e na jurisprudência pré existentes, passemos a outra reflexão.

A lacuna trazida pela Lei nº 7347, de 1985, que não prevê prazo de prescrição, relativo à ação civil pública nela disciplinada, tem levado à vindicação do anulamento de atos administrativos, praticados há mais de cinco anos, ao argumento de que o seu desfazimento, uma vez decretado, conduzirá, decorrencialmente, à reparação do prejuízo causado ao erário.

Essa exegese, que tem sido apregoada por destacados agentes do Ministério Público, em trabalhos forenses e doutrinários, peca pela inconsistência, pois parte da premissa de que a solução dos casos emergentes só é possível em um sistema assinalado pela completude, que se assenta em três regras fundamentais: (i) a proposição maior de cada raciocínio jurídico deve ser uma norma jurídica; (ii) essa norma deve ser sempre uma lei do Estado; e (iii) todas essas normas devem formar, no seu conjunto, uma unidade (cfr. Eugen Ehrlich, in a Lógica dos Juristas, Tübigen, 1925).

Mesmo que o juiz não possa decidir, a propósito de determinada matéria, se houver lacuna no ordenamento jurídico, o que se admite a título de mera argumentação, cumpre remarcar que inexiste, na Lei nº 7347, de 1985, vácuo capaz de impedir um pronunciamento judicante, no tema prescrição.

Sim, porque a lei mencionada é parte de um todo, porquanto, no âmbito do direito processual, ela integra um sistema particular, composto por normas regentes de ações voltadas para a defesa do patrimônio público e social. Tanto isso é verdade que, ao lado do diploma por último focalizado (Lei nº 7347, de 1985), põem-se as Leis sob nº(s):

(i) 4717, de 1965, a qual, disciplinando a ação popular, dispõe, no seu art. 21, que "A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos."; e

(ii) 8429, de 1992, que, mesmo um tanto divorciada dos princípios consagrados pelo Direito Público e pelo Direito Privado, submete as pretensões condenatórias dos sujeitos legitimados, aos prazos prescritivos fixados no seu art. 23, I e II.

Ora, se esses dois diplomas legais estão voltados para a defesa do patrimônio público, os que pretendem trazer para o manto da imprescritibilidade a desconstituição do ato administrativo, ao singelo argumento de que daí resultará a reparação dos danos infligidos ao erário, procuram esconder, intencionalmente, uma solução consentida pelo ordenamento jurídico com o qual operam: a supressão da lacuna com a norma ínsita na Lei nº 4717, de 1965, art. 21, concernente à ação popular, que tem os mesmos objetivos e inspirações das ações civil pública e por improbidade administrativa.

Não se alegue, para infirmar o acerto desta proposição, que a demanda popular deve permanecer restrita aos cidadãos, sem que possa desbordar desse universo de sujeitos, para afetar o poder da Administração de rever os seus próprios atos, que compreende e se nivela, para esse efeito, à pretensão reconhecida ao Ministério Público para levar, ao crivo judicial, os comportamentos adotados pelos gestores da coisa pública.

A ação popular aparece, ao invés do que parece aos que se põem de acordo com esse pensamento, é uma das mais eminentes manifestações do princípio democrático, porquanto confere, à sociedade, o controle da atividade do Estado, que se volta para o resguardo dos interesses de todo o povo, e não somente do autor, que age pro populo.

A faculdade que tem qualquer do povo de perseguir, em juízo, a invalidação dos atos administrativos e dos negócios jurídicos em geral, que se mostrarem ofensivos a interesses públicos protegidos por norma constitucional ou mesmo legal, não difere, em substância, do poder de auto tutela conferido aos entes públicos, pois uma e outro levam ao mesmo resultado.

Enquanto não introduzida, entre nós, a ação popular, a cura do interesse público cabia, de modo exclusivo, ao Estado, já que, até então, os particulares só podiam ingressar em juízo, em desfavor da Administração, se da atividade pública resultasse lesão aos seus direitos subjetivos, como se extrai da experiência brasileira, anterior à Lei nº 4717, de 1965.

Com a ação popular, quiseram a Constituição e a Lei munir o cidadão de meios e modos para, diante da inércia do Poder Público, promover a cura do interesse coletivo, com a instauração de um contencioso objetivo, a instâncias de todo o corpo social, representado por um ou alguns dos seus integrantes. Mas não é só: ao invés do que se dá em outros ordenamentos jurídicos, como o francês, que condicionam a legitimidade ativa à lesão a um direito subjetivo do autor popular, por excesso ou por abuso de poder, entre nós qualquer cidadão está habilitado ao manejo da ação sob enfoque, sem dependência desse requisito, de onde se obtém que o nosso controle objetivo é consideravelmente mais amplo do que o de outros países, que o fazem depender da comprovação de tal pressuposto subjetivo.

Estas considerações, que se radicam na melhor doutrina, ensejam a conclusão de que o povo, quando propõe a ação popular, em desfavor de um ato administrativo, é impulsionado por propósitos idênticos àqueles que levariam o Estado a ingressar, no Judiciário, contra o mesmo ato.

Sensível a essa identidade, Almiro do Couto e Silva lançou em excelente trabalho doutrinário: "Ora, a lógica que se predica ao sistema jurídico, como a qualquer sistema, está a exigir que se, na ação popular, a pretensão da Administração Pública prescreve em cinco anos, a mesma solução se deverá dar quanto a toda e qualquer pretensão da Administração Pública no pertinente à anulação de seus atos administrativos. Nenhuma razão justificaria que, nas situações em que não tenha sido proposta a ação popular, a prescrição fosse de vinte anos, encurtando para cinco se eventualmente fosse proposta aquela ação. Não se cuida, aqui, de prescrição de um determinado tipo de ação, como sucede, por exemplo, com a ação executiva, o que não impedirá o credor, entretanto, de fazer valer o seu crédito na ação ordinária de cobrança. Na ação popular, prescrita a pretensão e a ação, não mais será possível exercê-las em outra via processual. Assim, por interpretação extensiva da regra do art. 21 da Lei da Ação Popular, ou por analogia, a fim de que se preserve a harmonia do sistema, mantendo-o como um todo tanto quanto possível coerente, lógico e racional, a conclusão necessária será a de que toda e qualquer pretensão que tenha a Administração Pública em relação à invalidação dos seus atos administrativos deverá ter o prazo de cinco anos." (cfr. Prescrição quinqüenária da pretensão anulatória da Administração Pública com relação a seus Atos Administrativos, in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 204: 21-31, abril/junho, 1996).

Se ainda não se consolidou, o certo é que esse entendimento tende a consolidar-se, pois, além do conforto doutrinário, ele vem ganhando espaço, dia a dia, no campo da jurisprudência, que estende, por integração analógica, o prazo previsto pela Lei nº 4717, de 1965, às ações civis públicas, sujeitas à regência da Lei n° 7347, de 1965, salvo quando a pretensão tender, exclusivamente, ao ressarcimento de danos suportados pelo erário, como ressuma dos acórdãos a seguir chamados, todos eles originários do Colendo Superior Tribunal de Justiça: Recursos Especiais nº(s) 890522 – MG, rel. Ministro José Delgado, DJU 22.03.2007, 406545, rel. Ministro Luiz Fux, DJU 09.12.2002, 727131, relator Ministro Luiz Fux, DJU 23.04.2008, e 912.612, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU 15.09.2008.


9. Natureza decadencial do prazo reservado ao exercício da pretensão tendente a obter a invalidação dos atos administrativos e a conversão das situações de direito. Para que restem preservadas a lógica, a coerência, a harmonia e a unidade do ordenamento jurídico, é preciso que se considere, como de decadência, o interregno subordinante do oportuno e útil exercício da ação, preordenada à invalidação do ato administrativo, por uma razão que ao jurista é defeso excluir de suas meditações, quando focadas na aplicação dos institutos sob análise (prescrição e decadência), tanto no Direito Público quanto no Direito Privado: o seu termo inicial, ao invés de ficar na dependência da violação de um direito constituído, coincide com o momento em que se aperfeiçoa a prática levada a efeito pelo gestor da coisa pública. Ou seja: perpetrado e publicizado o ato administrativo viciado, nasce, para a Administração, que compreende, para esse efeito, os agentes públicos integrados ao Parquet, o direito de perseguir a sua invalidação, por defeito de legalidade.

Ora, se há identidade entre a consumação ou o aperfeiçoamento do ato e o termo inicial da ação, é induvidoso que o prazo, principiado nesse momento, é extintivo ou de caducidade, e, portanto, elisivo do próprio direito, e não de prescrição, eis que, a essa conformação, seria necessário o surgimento de uma pretensão, decorrente da violação a um direito material, e com ela coincidente.

Diante dessa compreensão, tem-se como prescritivos somente os prazos condicionantes da propositura, pelo Estado ou contra ele, das ações condenatórias ou indenizatórias, ao passo que os pleitos anulatórios, caracterizando-se por nítido e indisfarçável viés desconstitutivo, ou constitutivo negativo, consideram-se submetidos a prazos decadenciais ou de caducidade, que o juiz, sem ser provocado, poderá decretar por impulso oficial, à semelhança do que ocorre no Direito Privado (cfr. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, in Princípios Gerais de Direito Administrativo, Forense, 1978, vol. I, pág. 408).

Além disso, sendo a decadência uma imposição da segurança jurídica, enquanto a prescrição é apenas conveniente à sua preservação, como valor aspirado por toda a coletividade, a adesão a esse entendimento, por parte da doutrina e da jurisprudência, facilitará, de forma decisiva, a aceitação da conversão de situações de fato, opulentadas por duradoura permanência, em situações de direito, como um desiderato do conjunto de administrados, e não só do seu beneficiário, isoladamente considerado.

Essa aspiração, nos dias que correm, tem assento constitucional, pois repousa na segurança jurídica, que, na qualidade de sub princípio do Estado de Direito, tem um compromisso irredutível com a ideia de justiça material, como ensinam, contemporaneamente, os cultores do Direito Constitucional.

Almiro do Couto e Silva, em trabalho de excelente lavra, mostra, com base em fundamentos hauridos dos ordenamentos jurídicos alemão e francês, que uma situação de fato, marcada por longos anos de permanência, gera, no administrado, a certeza de que ela se incorporou ao seu patrimônio subjetivo, ou passou a fazer parte da sua existência, constituindo, por esse motivo, óbice à livre revogação do ato administrativo, ou ao seu anulamento pelo vício de legalidade que a fez nascer.

Observa o autor agora mencionado, a respeito desse relevante tema jurídico, que "Embora do confronto entre os princípios da legalidade da Administração e o da segurança jurídica resulte que, fora dos casos de dolo, culpa, etc, o anulamento com eficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com eficácia ex nunc é admitido quando predominante o interesse público no restabelecimento da ordem jurídica ferida, é absolutamente defeso o anulamento quando se trate de atos administrativos, prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentem caráter duradouro, como os de índole social, subvenções, pensões ou proventos de aposentadoria." (...) "HAURIOU, comentando essas decisões, as aplaude entusiasticamente, indagando: ‘Mas será que o poder de desfazimento ou de anulação da Administração poderá exercer-se indefinidamente e em qualquer época? Será que jamais as situações criadas por decisões desse gênero não se tornarão estáveis? Quantos perigos para as relações sociais encerram essas possibilidades indefinidas de revogaçãO e, de outra parte, que incoerência, numa construção jurídica que abre aos terceiros interessados, para os recursos contenciosos de anulação, um breve prazo de dois meses e que deixaria à Administração a possibilidade de decretar a anulação de ofício da mesma decisão sem lhe impor nenhum prazo.’ E conclui: ‘Assim, todas as nulidades jurídicas das decisões administrativas se acharão rapidamente cobertas, seja com relação aos recursos contenciosos, seja com relação às anulações administrativas; uma atmosfera de estabilidade estender-se-á sobre as situações criadas administrativamente.’ (La Jurisprudence Administrative de 1892 a 1929, Paris, 1929, vol. II, p. 105-106)." (cfr. Os Princípios da Legalidade da Administração Pública e da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo, in Revista da Procuradoria Geral do Estado – Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, v. 18, nº 46, 1988, págs. 11 – 29).

No direito brasileiro, o magistério do Professor Miguel Reale, que faz parte do estudo comparativo empreendido por Almiro do Couto e Silva, consigna: "29. Outro aspecto relevante da temporalidade, no concernente ao assunto aqui versado, diz respeito, digamos assim, à perempção que pode se operar quanto ao exercício pela autoridade administrativa do seu poder-dever de policiamento da legalidade." (...) Não é admissível, por exemplo, que, nomeado irregularmente um servidor público, visto carecer, na época, de um dos requisitos complementares exigidos por lei, possa a Administração anular seu ato, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a experiência podem ter compensado a lacuna originária. Não me refiro, é claro, a requisitos essenciais, que o tempo não logra por si convalescer, - como seria, por exemplo, a falta de diploma para ocupar cargo reservado a médico, - mas a exigências outras que, tomadas no seu rigorismo formal, determinariam a nulidade do ato. Escreve com acerto José Frederico Marques que a subordinação do exercício do poder anulatório a um prazo razoável pode ser considerado requisito implícito do due process of law. Tal princípio, na verdade, não é válido apenas no sistema do direito norte-americano, do qual é uma das peças basilares, mas é extensível a todos os ordenamentos jurídicos, visto como corresponde a uma tripla exigência, de regularidade normativa, de economia de meios e formas e de adequação à tipicidade fática. Não obstante a falta de termo que em nossa linguagem rigorosamente lhe corresponda, poderíamos traduzir due processo of law por devida atualização do direito, ficando entendido que haverá infração desse ditame fundamental toda vez que, na prática do ato administrativo for preterido algum dos momentos essenciais à sua ocorrência; porém destruídas, sem motivo plausível, situações de fato, cuja continuidade seja economicamente aconselhável, ou se a decisão não corresponder ao complexo de notas distintivas da realidade social tipicamente configurada em lei. Assim sendo, se a decretação de nulidade é feita tardiamente, quando a inércia da Administração já permitiu se constituíssem situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, a ponto de gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever infinito de auto-tutela." (cfr. in Revogação e Anulamento do Ato Administrativo, 2ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1980, Capítulo VII, Nulidade e Temporalidade, págs. 70/71).

Esse posicionamento conta com a simpatia, também, de Karl Larenz, que invoca, para justificá-lo, o princípio da confiança, como "...condição fundamental para uma vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens,...", em especial quando "...o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar." (cfr. Derecho Justo – Fundamentos de Ética Jurídica, Madri, Civitas, 1985, págs. 91, 95 e 96), e de Gilmar Ferreira Mendes, como ressuma da lição que ministrou no Plenário do Supremo Tribunal Federal, como relator para o acórdão, na assentada em que se deu o julgamento do Mandado de Segurança sob nº 24.268 – 0 (cfr. DJU, 17.09.2004).

Eduardo García de Enterría e Tomás Ramóm Fernández sustentam, com base na experiência europeia, que o longo tempo transcorrido desde a prática do ato ilegítimo, além de incorporá-lo ao patrimônio e à vida do seu titular ou destinatário, faz com que a situação, dele decorrente, seja aceita pelo meio social, erguendo-se, em consequência, como obstáculo ao seu desfazimento. Recomendam os acatados professores que, em casos assim, haja uma rigorosa ponderação entre as exigências da legalidade, de um lado, e as imposições da segurança jurídica, de outro, para que a sociedade não conviva com a sistemática consagração das situações atributivas de vantagem, já que, para tanto, faz-se imperioso o respeito a certos critérios limitativos, como a equidade e a boa fé. Em seguida, citam, elogiosamente, pronunciamentos do Conselho de Estado da Espanha: "Em rigor, el artículo 106 da LCP no es outra cosa que uma advertencia em ordem a la modulación em ciertos casos de las consecuencias inherentes al ejercicio de las faculdades revisoras y uma ratificación del caráter restrictivo com que dicho ejercicio deve contemplarse, um temperamento, em definitiva, de los rigores próprios de la revocación, que se corresponde, por outra parte, con la imprescindible limitación de los efectos típicos de la nulidad que se impone em ocasiones a resultas de la concurrencia de otros princípios jurídicos de obligada observancia (protecion de la buena fe o del tercero inocente o de la confianza legitimamente generada por el acto viciado, etc.). El Dictamen del Consejo de Estado de 18 de enero de 1968 hizo uma aplicación verdaderamente ejemplar de este criterio legal, al negar em base al mismo (pues "com todo lo excepcional que es, tiene um caráter interpretativo, estabelece um limite que no puede desconhecer la Administración") la revisión de oficio de uma pensión em base a una nulidad – de um divorcio y subseguinte matrimonio civil – cuya acción pudo ser ejercitada hace más de veintiséis años ...lo cual, si bien podrá estar ajustado a la extrínseca legalidad, no puede recibir amparo em esta via el resultado flagrantemente contrario a la equidad que se produciría". Em términos senejantes, el Ditamen de 12 marzo de 1981 ("en el presente caso han transcurrido más de diez anos desde el otorgamiento de la concessión que se pretende declarar nula, lo que, aparte de cancelar lãs possibilidades procedimentales para instar la anulabilidad de los actos administrativos, por el tiempo transcurrido y habida cuenta de las inversiones efectuadas y de la importancia de las prestaciones entre las partes no es dudoso que la declaración de nulidad de pleno derecho de los actos administrativos de que se trata afectaría gravemente al derecho dos particulares".). En el mesmo sentido la Sentencia de 4 de febrero de 1993 en relación a um intento de revisión de oficio de um acto por el que se otorgó veinticinco años atrás, sin la preceptiva subasta publica, um derecho de superfície sobre terrenos municipales, derecho que fue inscrito em el Registro de la Propriedad y ulteriormente adquirido por um tercero amparado por dicha inscripción registral. Mas recientemente y em parecidos términos la Sentencia de 23 de octubre de 2000." (cfr. in Corso de Derecho Administrativo I, 1ª ed. Argentina, com notas de Agustín Gordillo, La Ley, pág. 669).


10. O direito positivo legislado e a desconstituição, sob o aspecto temporal, dos atos ilegais favoráveis aos administrados. Além de concorrer para uma melhor aceitação, pela sociedade, da convolação de situações de fato em situações jurídicas definitivas, a identificação do interregno constante da Lei nº 4717, de 1965, art. 21, como prazo substancialmente decadencial, terá a vantagem de conferir unidade e coerência ao ordenamento jurídico.

Sim, porque a Lei nº 9784, de 1999, que Regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, dispõe, no seu art. 54, caput, que a Administração decai, em cinco anos contados da data em que foram praticados, do direito de anular os atos de que decorram efeitos favoráveis aos seus destinatários, ressalvada a hipótese de comprovada má fé, e esclarece, no parágrafo único desse dispositivo, que a caducidade flui do primeiro pagamento, em caso de vantagem patrimonial ou estipendiária.

Cumpre notar, por oportuno, que a norma de regência, no ponto agora destacado, estabeleceu rigorosa coincidência entre a prática do ato e o termo inicial do prazo reservado à propositura da ação, tendente à sua invalidação, ajustando-o, assim, ao mais importante de todos os critérios adotados pela doutrina para caracterizar a decadência, como destacou Orlando Gomes, na obra atrás colacionada.

A jurisprudência não tardou em reconhecer a natureza decadencial do prazo enunciado pela Lei nº 9784, de 1999, bastando, para comprovar esta asserção, mencionar os acórdãos proferidos pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, quando dos julgamentos dos Mandados de Segurança sob nº(s) 22.357 – O, relator o Ministro Gilmar Mendes (DJU, 05.11.2004), 25.113, relator o Ministro Eros Grau (DJU, 06.05.2005), 26.356 – 9, 24.448 – 8, relator o Ministro Carlos Brito (DJU, 13/01.2007) relator o Ministro Marco Aurélio (DJU, 6.03.2008), 26.405 – 5 e 26.628 – 7, relatados pelo Ministro Cezar Peluso (DJU, 21.02.2008), e pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial sob nº 9.073, relator o Ministro Peçanha Martins (DJU, 29.05.2006).

Não bastasse, cumpre remarcar que a ação permitida pela Lei nº 4717, de 1965, art. 1º, tem indisfarçável feição constitutivo negativa, pois, através dela, o autor popular faz nascer a jurisdição objetiva, com o escopo de anular ou de declarar nulo, para que deixe de produzir os efeitos que lhe são próprios, ato lesivo ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos entes administrativos expressamente enumerados.

Se ambas as ações guardam identidade, no ponto agora examinado, é fora de dúvida que inexiste razão lógica ou jurídica para tratar, como de prescrição, o prazo previsto pela Lei nº 4717, de 1965, art. 21, e, como de caducidade, o lapso temporal reservado pela Lei nº 9784, de 1999, para a anulação de atos favoráveis a funcionários públicos, já que a decadência, enquanto fenômeno próprio dos pleitos constitutivos (cfr. Humberto Theodoro Júnior, op. cit., págs. 355/354), deve ser reconhecida em ambos os casos remarcados.

É dizer: embora use, no seu art. 21, a forma verbal prescreverá, a denominada Lei da Ação Popular, à identidade da Lei do Processo Administrativo, art. 54, terminou por regular autêntico prazo decadencial, extintivo ou de caducidade, que o juiz, sem contestação, pode pronunciar de ofício, em consonância com a voz unânime da doutrina, que redundou na regra substanciada no Código Civil, art. 210.

Resulta, destas observações, que, por imperativo da unidade do ordenamento jurídico nacional, as ações, se tendentes a invalidar ou a desfazer, por defeito de legalidade, ato ou contrato administrativo, sujeitam-se à caducidade, que é própria das demandas constitutivas, cabendo ao juiz, com exclusão de qualquer outra conduta, pronunciá-la de ofício, ainda que a lei, considerada em sua literalidade, mas não em sua essência ou substância, refira-se ao correspondente interregno como prazo de prescrição.

Por último, impende observar que o caráter decadencial ou extintivo dos prazos reservados à propositura da ação anulatória, no âmbito do Direito Público, ademais de passível de reconhecimento por impulso oficial, pode ser conhecido e proclamado em ambos graus ordinários de jurisdição, não sendo de excluir a possível oposição, pela parte ou pelo Ministério Público, de embargos de declaração com efeitos infringentes, se omissa, a respeito, a contestação ou a apelação (cfr. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Código Civil Anotado, ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, págs. 266/267, notas ao art. 207, sob nº(s) 2, 3, 5, 6 e 8).


11. A lei inconstitucional e a modulação temporal dos efeitos. Embora não esteja inscrita em nenhum diploma integrado ao ordenamento jurídico brasileiro, prevalece, entre nós, a regra de que a supremacia da Constituição acarreta, de modo inexorável, a nulidade de todas as leis com ela incompatíveis.

Sem embargos a essa regra, a Lei nº 9868, de 1999, que dispõe sobre o "Processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal", tornou possível, no seu art. 27, a modulação temporal dos efeitos da decisão concernente à inconstitucionalidade, para resguardar a segurança jurídica ou manter incólume relevante interesse social.

Esse sistema, ao qual se mantiveram atentos outros países, como se depreende da positivação legislativa ou da construção pretoriana por eles empreendida, consolidou-se nos sistemas alemão, austríaco, espanhol e italiano que, concordes com as inspirações do próprio direito comunitário, limitam, no tempo, os efeitos da decisão que declara a invalidade da lei, em decorrência da sua incompatibilidade com a Carta Política.

A Constituição Portuguesa, art. 284, pela qual, no particular, modelamos a Lei nº 9868, de 1999, art. 27, autoriza o Tribunal Constitucional a modular os efeitos das decisões sobre inconstitucionalidade, de modo a permitir a plena realização da segurança jurídica ou a garantir a inteireza de interesses sociais relevantes, mostrando, assim, que essa permissão tende a expandir-se por ordenamentos jurídicos que ainda não a contemplam, onde, decerto, mais cedo ou mais tarde irão consolidar-se.

A dúplice motivação, encampada pela Lei nº 9868, de 1999, art. 27, leva a uma conclusão certa e indestorcível: a modulação temporal dos efeitos, longe de alentar-se em razões de política judiciária, tem supedâneo constitucional próprio, pois, não raro, com esse instituto se protegem direitos fundamentais. Dito por outras palavras: para mitigar os efeitos da nulidade da lei, é necessária, por parte do julgador, uma rigorosa ponderação, que, lastreada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a segurança jurídica ou o relevante interesse social, que devem ser concretamente identificados e analisados.

Esse aspecto, que restou observado pelos professores Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, na obra Curso de Direito Constitucional (ed. Saraiva – IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público -, 2ª ed., 2008, págs. 1267/1268), vem sendo assinalado pelo Excelso Pretório, na solução dos casos emergentes, como se tem da (i) decisão proferida ao ensejo do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade objeto do Processo sob nº 3819 – 2, relator o Ministro Eros Grau (DJU 28.03.2008), que diferiu a produção dos seus efeitos para os seis meses posteriores ao julgamento, com o objetivo de salvaguardar a situação de servidores admitidos sem concurso público, em homenagem à segurança jurídica, e (ii) do acórdão que manteve o Município de Luiz Eduardo Magalhães, no Estado da Bahia, cuja criação deixara de render-se a regra inserta na Constituição Federal, art. 18, § 4º.

Afora isso, a modulação requesta o cumprimento de uma formalidade procedimental, exigindo a norma de regência que, em favor da submissão dos efeitos da decisão a balizas temporais, incompatíveis com a radicalidade que alguns querem embutir na declaração de invalidade do ato normativo, posicionem-se dois terços dos integrantes do Tribunal, que formam um quorum qualificado e, portanto, apurável conforme o critério especificamente positivado.

Do manejo da modulação temporal, pela Suprema Corte, pode resultar:

(i) a declaração de inconstitucionalidade, com a produção de efeitos ex nunc, ou a partir do trânsito em julgado da decisão;

(ii) a declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro, que supõe a suspensão da eficácia da decisão pelo tempo demarcado na sentença; e

(ii) a declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia de nulidade, que possui eficiência para suspender a aplicação da lei e o trâmite dos processos pendentes por período razoável, para que o órgão legislativo, nele, ajuste o direito positivo à Carta Política.

No primeiro caso (i), ficam apagados os efeitos passados da lei considerada inconstitucional, que será eliminada do tráfico jurídico a partir do trânsito em julgado da decisão, em obséquio à segurança jurídica, que precisa nutrir-se, concretamente, de um valor ou princípio alçado à dignidade constitucional.

Na hipótese figurada em segundo lugar (ii), a lei, apesar de declarada inconstitucional, continua a ser aplicada no prazo estipulado pelo Tribunal, após o qual deve ser eliminada. Esta solução tende a assegurar, ao legislativo, lapso temporal suficiente para a superação do defeito de inconstitucionalidade, com o consequente ajustamento do modelo jurídico à ordem constitucional, reclamando do Judiciário, portanto, especial atenção a essa peculiaridade.

Na terceira das situações pensadas (iii), é possível que não possa o Tribunal expungir a lei do ordenamento jurídico, pois, se assim o fizesse, estaria suprimindo uma vantagem ou um avanço considerável, como ocorre, por exemplo, com os maus tratos infligidos ao princípio isonômico. Para colmatar o impasse, pode afigurar-se conveniente, após um severo juízo de proporcionalidade, declarar a inconstitucionalidade, sem obstáculo, contudo, à vigência da lei, que congelará a situação existente até a superação, pelo legislativo, desse segmento do ordenamento jurídico.

O decurso do tempo poderá levar, outrossim, ao emprego da modulação no controle difuso de inconstitucionalidade, com a delimitação, pelo Juiz ou Tribunal de Segundo Grau, dos efeitos da decisão que vier a afastar o contendor do âmbito de incidência do ato normativo acoimado de inconstitucional. Todavia, como permanecem separados e distantes os processos em que se exercem os controles concentrado e desconcentrado, é possível que a declaração abstrata da inconstitucionalidade, com efeitos ex nunc, conduza a uma intolerável generalização da insegurança jurídica, que é, precisamente, a consequência que a Lei nº 9868, de 1999, art. 27, pretende evitar. Para obviar essa situação, basta que o Supremo Tribunal Federal, ao dar pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade, ressalve os casos concretos já decididos, ou que estejam sub judice até o seu ajuizamento, sem prejuízo de outras ponderações que à Corte parecerem necessárias, ou apenas oportunas.

Essa proposição revela-se eficiente, até que se demonstre o contrário, para solucionar a difícil convivência entre os modelos abstrato e difuso, admitidos, de há muito, pelo modelo brasileiro de controle de constitucionalidade.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOBRE, Eduardo Antônio Dantas. Os efeitos do tempo sobre as relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2332, 19 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13878. Acesso em: 16 abr. 2024.