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A legitimidade do poder de reforma constitucional

A legitimidade do poder de reforma constitucional

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Apresentação do tema

Efetivamente, se consubstancia num problema de ordem técnica e política a elaboração de uma nova Constituição; quiçá o intento de reformar o texto fundamental. Reveste-se de caráter técnico posto que, no particular do ramo jurídico-constitucional, toda mudança deve respeitar a princípios que inspirem um mínimo de ordem e condicionalidade, como caracteres inerentes ao direito. Do mesmo modo, é uma questão política, porque não há cria ou reforma constitucional legítima, tão pouco duradoura, se apartada de desejos e sentimentos altaneiros do povo-nação.

A mescla desses dois elementos é que solidificaram toda a arquitetura constitucional, e não devem ser considerados de forma isolada ou em superposição de valores absolutos. Vale dizer: se tal arcabouço constitucional tem pressupostos e reflexos políticos, absolutamente variáveis, nem por isso hão de ser deixados de lado os critérios e informes teóricos.

Seria absurdo exigir rígida proporção entre o fator lógico e o elemento histórico-social, como já nos asseveraria o douto Josaphat Marinho, tendo em conta ser a relatividade própria da Ciência Jurídica. E continua o mestre: " A combinação inteligente do material técnico e do político é que produz o travejamento seguro, estável pela conciliação de concepções e propósitos diferenciados, em harmonia com o espírito da sociedade, ordinariamente fonte primária da norma legítima."

O Texto Magno, de modo especial, por ser de amplo conteúdo político, subentende a realização de concessões mútuas entre ideologias, partidos, facções, de modo a lhe imprimir um caráter nacional, ao invés de mero instrumento de grupos de pressão.

E nesse ínterim, o estudo do "poder de reforma constitucional" toma um novo rumo. Tal poder, de caráter "instituído", é circunscrito. Noutras palavras: o "poder derivado"(termo não acolhido por muitos, e com razão) possui um raio de ação, um núcleo de competência gizado pelo instrumento primeiro que lhe traçou o perfil, qual seja, o poder constituinte originário( "Deus", numa ilustração sutil feita pelo ilustre mestre sergipano Carlos Britto).

Ora, se a Carta Política não corresponde, no seu bojo e em sua mens, aos anseios gerais do povo, que "é" (e não "tem") o próprio poder que tudo pode, natural é sua substituição, confiando-se tal missão a uma Assembléia especialmente eleita para isto. Reforma, lato sensu, só se revela profícua quando se afina com o texto emendado, pena de se ver válido o esposado por Loewenstein, verbis:

          "Reformas constitucionais empreendidas por motivos oportunistas, para facilitar a gestão política, desvalorizam o sentimento constitucional."

No Brasil, de forma restritiva, diante do crescente dissídio entre a opinião pública e a Carta vigente, se discute, exatamente, se é mister empreendermos uma ampla revisão constitucional ou se se torna necessária a convocação de uma Assembléia Constituinte.

A divergência situa-se, salvo engano, na extensão e no processo das alterações, posto ser uníssona a ânsia por uma substancial modificação da ordem então vigorante. Uns advogam a plenitude funcional do poder constituinte originário; outros querem a reforma, inclusive, se for o caso, das claúsulas petrificadas, por ser uma questão de democracia, num levante neoconstitucionalista.

É esta a controvérsia posta nos autos deste trabalho, que de original tem muito pouco, mas de questionamentos está repleto, e em especial, quanto à legitimidade deste poder reformador.


1 – A legitimidade do poder de reforma constitucional:

Após tanto se estudar a respeito da Teoria do Poder Constituinte, é de se concluir tratar-se de uma teoria da legitimidade do poder, poder este, que numa paráfrase do próprio Texto Maior, que emana do povo e EM NOME DELE é exercido. E aí é está a grande celeuma que aterroriza os juristas e estudiosos da matéria.

Se o poder constituinte dito "originário" (num contraponto ao "poder constituinte derivado) emana do povo, é porque lhe é intrínseco, interior( vem de dentro). E como tal, em seu nome é exercido. Ora, então o povo passa a Ter uma representação( ou, prezando pela boa técnica, sob a ótica pontiana, uma presentação). Esses presentantes são os congressistas, enquanto homens públicos eleitos pelo sufrágio universal, numa demonstração democrática da auto-determinação das nações.

Portanto, a questão é: tem esse poder menor, pós-Constituição, denominado "constituído" (aqui sim alcunhado de forma correta) o condão de tudo poder? Até mesmo de ferir de morte o poder que lhe deu vida, como o filho a matar o próprio pai? Tal ação é legítima? E se o for, qual é o círculo delimitativo de sua competência?

Todos esses questionamentos passam pelas avenidas que conceituam o que seja poder constituinte e constituído, assim como pelas estruturas explicativas de sua conformação, seja política seja teórico-técnica. Passemos, então, a analisar o enfoque político do nascedouro desta legitimidade.

a) O enfoque político:

Já disse Fábio Konder Comparato que " hoje, já ninguém põe em dúvida que a reforma ou revisão de uma Constituição em vigor distingue-se, nitidamente, do poder de instituir ex ovo uma ordem constitucional completa. Toda Constituição nova resulta de uma vontade política livre de qualquer vinculação constitucional anterior, vontade essa que representa o mais importante atributo de soberania."

Nessa mesma obra, em nota de rodapé, Fábio Comparato lembra o comentário irônico do jurista alemão Carl Schmitt, de relação ao normativismo kelseniano, ao asseverar que nenhuma norma jurídica, menos ainda uma Constituição, põe-se a si mesma. Para ele(Carl), o poder constituinte é um só: " é a vontade política, cujo poder ou autoridade é capaz de tomar a decisão coletiva sobre a espécie e forma da própria existência política; portanto, de determinar a existência da unidade política em sua inteireza."( Verfassungslehre, 7ª edição, Berlim: Dunker/Umblot, 1989, § 8º).

O poder de reforma constitucional nada mais é do que uma "função pública". Explique-se. É um poder-dever delimitado normativamente e vinculado a uma finalidade de interesse comum a todos os que a ele se submetem. Preso ao direito positivo constitucional, perde o cunho de autonomia, imanente ao poder constituinte propriamente dito.

É o que o saudoso professor baiano Nélson Sampaio costumava designar de "Teoria dos limites do poder de reforma da Constituição". Todas as Constituições, em todas as épocas, geralmente demarcam balizas ao poder de reforma, tendo em vista ou a natureza da matéria ou a oportunidade da iniciativa( v.g. EUA, art. V; Itália, art. 139; Brasil; art. 60).

Dessarte, palpita controvérsia em derredor da dimensão dos limites previstos e na apuração de desvios e excessos de reforma. É que as Cartas, além de não redigidas de forma cristalina e clara, contêm princípios de valor e alcance distintos, porém com reflexos constantes sobre o poder de revisão. A diversidade de tais regras basilares principiológicas é que geram dúvidas, a ponto de Ter comentado certa feita, quando da implementação do regime parlamentar sob a égide da CF/46, João Mangabeira que "....numa Constituição há princípios expressos, princípios inerentes, princípios implícitos, princípios resultantes, princípios fundamentais e princípios circunstanciais. Todos eles pertencem tanto à Constituição quanto os explícitos. Porque a Constituição proíbe expressamente apenas os projetos tendentes a abolir a Federação e a República, somente a insânia poderia concluir que tudo o mais é permitido."(grifos de ora)

Ainda que inexista vedação expressa, o direito de emenda à Constituição é legítimo, como diria Stevens, "enquanto caiba no seu espírito, em tudo quanto assente nas suas bases." Seria um estupro à lógica jurídico-constitucional uma emenda que pugnasse, v.g., pela transformação do Poder Judiciário em mero ramo do Poder Executivo, ou, ainda, que simplesmente abolisse a Justiça Trabalhista, deixando desamparados milhares de trabalhadores.

Portanto, está sim submetido o poder de reforma a princípios ou limites também implícitos, sendo forçoso admitir que há revisões abusivas, porque contrárias à letra ou ao espírito da Constituição. E mais uma vez, de forma sábia, bebendo na fonte inesgotável do citado jurista baiano, tais alterações, opostas ao sistema vigente, "só as pode fazer o povo pela revolução por ele feita ou aceita, ou por uma constituinte especificamente eleita."

Trata-se, pois, tal poder de reforma de uma competência constitucional extraordinária, e justamente por isto, o âmbito da discussão jurídico-política, a respeito, não se limita à questão de se saber qual o sentido e o alcance das normas do direito positivo que a regulam( matéria de hermenêutica constitucional), mas compreende também a de se determinar se, e em que medida, a atribuição subjetiva dessa competência é congruente com o regime político adotado e a consciência política dominante, ou seja, uma indagação de legitimidade.

A legitimidade política do poder pode dizer respeito aos governantes ou aos regimes políticos. Quanto aos governantes, Max Weber classificou 3 tipos ideais de dominação: a racional-legal, a carismática e a tradicional. Para ele, "dominação"(herschaft) e "poder"(gewalt) são coisas distintas. Enquanto a primeira significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, o segundo reflete a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo.

De relação aos regimes políticos, foi o francês Talleyrand um dos maiores estudiosos. Para ele, "um governo legítimo, seja monárquico ou republicano, hereditário ou eletivo, aristocrático ou democrático, é sempre aquele cuja existência, forma e modo de ação estão consolidados e consagrados por uma longa sucessão de anos.(...) A legitimidade da potência soberana resulta do antigo estado de posse, assim como sucede, para os particulares, com a legitimidade do direito de propriedade."

No mundo moderno, ao contrário, o principal vetor da legitimidade política não encontra seu fundamento valorativo apenas na conservação das tradições, mas, sobretudo, na transformação da sociedade, conforme as tendências históricas dominantes.

Com o surgimento do direito positivo como normatividade posta pelos governantes acima dos costumes e tradições ancentrais, assim como com o advento da noção da lei como mecanismo de transformação social, em especial a partir de Augusto Comte, se vislumbra aquilo que sempre existiu: o descompasso temporal entre os regimes políticos e a vida política.

Ou seja: em países subdesenvolvidos, como o Brasil, é normal existirem 2 Constituições em vigor: uma oficial, escrita e promulgada pelos órgãos estatais competentes, e uma "Constituição real"(numa expressão furtada de Ferdinand Lassale), largamente sedimentada na mentalidade e nos costumes sociais, sendo que a ambas faltará o monopólio do imperium, e sempre existirá uma dicotomia ideológica.

Tal dicotomia se dá, por exemplo, quando a sociedade ainda é altamente oligárquica e o texto fundamental é essencialmente democrático. É o problema da "realização" das Constituições, tão bem lembrado por Konrad Hesse. A legitimidade democrática da Carta Magna dependerá, então, exclusivamente, da capacidade estatal de fazer evoluir a mentalidade e os costumes sociais rumo à democracia.

b) O poder constituinte e sua legitimidade:

Compete, de forma específica, a uma assembléia representativa da vontade popular. Desimportante a quem seja atribuída a titularidade dela: ou à Nação, in genere, ou, de forma concreta, ao povo, como corpo votante. Da mesma forma, se diga de relação à fonte de onde emane a convenção: seja de um reclamo da opinião pública, seja o símbolo de uma campanha revolucionária ou uma "quartelada".

O poder constituinte reside, em sua essência, na coletividade nacional, e não em grupos abastardos ou mesmo em pessoas, singularmente falando. É, em ultima ratio, uma faculdade própria, exclusiva, inerente ao povo. Por representar a vontade geral popular, a Assembléia Constituinte é livre para atuar, com autonomia, na substituição da ordem jurídica posta, sem quaisquer amarras ou rédeas. De forma apertada, porém concludente, sentencia Maurice Hauriou que "o poder constituinte é um poder legislativo fundador, agindo em nome da nação soberana."

É elemento inovador, e como tal desatrelado do direito antigo. Modus in rebus. Face à sociedade nacional, não pode o poder constituinte ser arbitrário. Como poder emanado do povo, não se há de pressupor que lhe caiba decidir em contraste com a fonte de que emerge sua competência.

Não se trata, todavia, de mandato imperativo. Os mandatários políticos são livres para tecer a Constituição, mas em consonância aos anseios de seu principal destinatário. Distinto do legislador ordinário, afeito à casos concretos, o legislador constituinte tem a tarefa de intuir, como um profeta visionário, o que seja melhor para o povo, dentro de um caleidoscópio de interesses contrapostos. E para tanto há de estar atento para o que a sociedade majoritária pensa e quer.

Traduz-se, sim, em portentosa "força social", que por mais força que expresse sofre limitações naturais, posto que ínsita também a noção de "ordem jurídica" a que atinge, e a que, em certos casos, tem que respeitar, como sói acontecer face a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

Debalde, não se é de esquecer que o povo não se despe de sua titularidade, quando delega à Assembléia a função de elaborar o texto constitucional. E, no particular, existem instrumentos jurídicos específicos que confirmam essa asserção: o plebiscito e o referendum. O fato de ser força instrumentada não confere ao governo o privilégio de se distanciar ad infinitum da opinião pública.

Ilegítimo será aquele texto que não prime pelo equilíbrio entre o Estado-governo e a Nação, sob pena de se manifestar a necessidade de implante de uma nova Carta ou reforma do texto vigente, por lhe faltar "condição essencial à sua existência definitiva".

Enfim, a legitimidade de uma Constituição depende largamente da legitimidade do constituinte, ou seja, do fato de que o seu poder de impor coercitivamente as normas que adota(suprema potestas) encontra-se justificado, aos olhos do povo, pelo prestígio pessoal ou grupal de que se reveste (auctoritas).


3 – O caso brasileiro: uma questão de hermenêutica constitucional.

Embora nossa Constituição, para os moldes internacionais, ainda seja uma infante (acabou de comemorar 10 anos de vida), a verdade é que está se transformando numa "colcha de retalhos". Aquela obra-prima da democracia pós-ditadura militar, que representou enorme avanço, em matéria de legislação constitucional pátria, para a época, hoje se transformou num "óbice", segundo os "neo"(liberais e constitucionalistas), para as reformas do Estado rumo à uma sociedade globalizada.

O ideal reformista parece ter ganhado mais e mais espaço nos últimos anos. Induvidoso que, do ponto de vista formal, o processo de simples reforma pode e está sendo implementado. De 1992 até agora, já se contabilizam 27 emendas à Constituição da República de 1988, e a tendência é de crescimento progressivo de tal número.

Contudo, como já ressaltado, ter-se-á que se respeitar os limites expressos e implícitos, impostos pelo instrumento vigorante. É visível que a opinião pede mudanças, inclusive na expectativa de providências mais eficazes para os problemas sociais e econômicos. A revisão de diretrizes em harmonia com o sentimento popular não debilita, mas sim fortalece o governo. E é justamente nessa comunhão entre o poder central e as crenças coletivas que reside o substrato moral da autoridade.

O sistema nacional de emendas constitucionais adotado desde 1992 serviu, como sempre(e como ainda serve) como elemento garantidor adicional do regime oligárquico. A participação popular, detentor legítimo da soberania, é continuamente afastada de todo e qualquer processo constituinte, sem ter viv’alma a bradar contra tamanha incongruência. É o que Sérgio Buarque de Holanda denomina de "lamentável mal-entendido".

Parece, entretanto, que tal continuidade oligárquica se encontra agudamente ameaçada, diante da insofismável necessidade de afirmação da democracia de massas. Até então as classes dominantes se valiam de 2 recursos políticos (o autoritarismo institucional e a prática populista), hoje em franca derrocada.

A ilegitimidade do processo de reforma constitucional, utilizado pelas nossas Cartas republicanas, evidenciou-se, sobremodo, com o episódio da malograda revisão, capitulada no art. 3º do ADCT da CF/88.

Mister se faz recuperar a legitimidade democrática do modelo constitucional brasileiro.

No plano político, o poder oligárquico se fez impor diante da maioria por via do uso de 3 expedientes nefastos: a fraude eleitoral, o autoritarismo e o populismo. A Era Vargas é exemplo marcante desse momento histórico de nosso país. Não é preciso dizer que foi Getúlio Vargas o introdutor do populismo como forma de manobra das massas.

A política populista exigiu maior refinamento teórico do que o simples autoritarismo, até porque era sempre precário o equilíbrio mantido entre a satisfação dos interesses oligárquicos e a resposta aos anseios populares. E para que se transmigre do autoritarismo para a democracia, é de bom tom que se pulverize alguns núcleos de resistência oligárquica, enquistados na própria Magna Carta, a começar pelo próprio sistema de reforma da ordem constitucional.

Como questão de ordem, porém, para o bom andamento da discussão, é de se afirmar que, menos trabalhoso e mais inteligente do que simplesmente reformar o texto, seria interpretá-lo, de modo que se atinja o seu alcance, em consonância com os elementos externos existentes à época da interpretação, e daí aplicá-lo. É a "interpretação sem redução de texto", ou, em outros termos, "interpretação conforme a Constituição".

Há séculos assim é feito nos EUA, e lá o juiz tem papel fundamental, merecedor, até, da pecha de poder "constituinte", para alguns. A jurisprudência norte-americana é sólida e decisiva na resolução de questões do cotidiano do povo americano. Ainda assim, é preferível tal sistema ao nosso, exageradamente instável. Não é preciso lembrar que a estabilidade das relações jurídicas é desejo de toda e qualquer ordem jurídica que se preze.

Muito mais prático interpretar o que já existe e aplicar-lhe ao caso concreto do que reformar-lhe via emenda constitucional. Doses homeopáticas causam menor sofrimento do que a atitude abrupta da revisão. Como observado, é mera questão de hermenêutica constitucional. Reforma apenas no último caso, e em situações emergentes. Afinal de contas a Constituição é feita para durar, ter vida longa.


Considerações finais:

Dúvidas não restam de que a soberania é inalienável, muito embora o seu exercício – e somente ele – possa ser delegado. Porém, tal delegação do poder constituinte quoad usum, para ser juridicamente reconhecida, há de ser expressa segundo a forma política própria, id est, por via da eleição dos representantes do povo para uma finalidade específica.

Nesse passo, é contraditório, para qualquer sistema constitucional que se queira rotular "democrático", atribuir-se o poder de reforma constitucional ao órgão legislativo ordinário. Mais do que isto, é ilegítimo. O caráter democrático de uma reforma constitucional só se afirma quando o povo participa, decisivamente do processo.

Essa participação popular pode se dar, de forma alternativa, quer pelo referendo, quer pela eleição de uma assembléia revisora. Por dizer respeito à votação de normas constitucionais, mais correto será que tal referendum seja sucedido por uma votação parlamentar afirmativa, separadamente, em cada Casa Legislativa.

A eleição da assembléia revisora da Constituição seria de iniciativa concorrente do Presidente da República e de fração do povo (aqui se dirigiria o requerimento ao Presidente do TSE, que trataria de cuidar das providências convocatórias), nos dizeres de Fábio Konder Comparato. Por questão de prudência e em respeito ao princípio da relativa rigidez da ordem constitucional, delimitar-se-ia o lapso temporal quinquenal entre duas convocações de assembléias revisoras da Magna Carta.

Quanto aos limites de ordem material a uma reforma, estes diriam respeito aos direitos humanos, único princípio que se sobreleva ao da soberania popular, insuscetíveis de revogação pela vontade popular. Tais "direitos humanos" se classificam, segundo a doutrina germânica, em dois tipos: os propriamente ditos(relativos à dignidade da pessoa humana) e os direitos fundamentais de organização social(invioláveis apenas de relação ao legislador ordinário, e cujo "conteúdo essencial" é preenchido pela lei, como, v. g., os direitos sociais).

Por fim, todas essas indicações dariam a necessária legitimidade ao poder de reforma constitucional, de tal forma que se respeitaria o ideal democrático tão propalado pelos neoconstitucionalistas(mas não da forma radical por eles defendida, como "chuva ácida" que é, num termo utilizado por Carlos Britto). Contudo, e particularmente no Brasil, é de se pensar ser mais viável aderir ao modelo norte-americano de "interpretação sem redução de texto", conforme a letra da Constituição vigente, por ser menos chocante e mais eficiente.


Bibliografia:

BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. 5ª edição, Editora José Olympio, RJ.

HAURIOU, Maurice. Précis de droit constitucionnel. 2ª edição, Sirey Editora, Paris, 1929.

LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad.: A. G. Anabitarte, Editora Ariel, Barcelona, 1965.

MANGABEIRA, João. Idéias políticas. Senado Federal/Fundação Casa de Rui Barbosa – MEC, Brasília, 1980, v. 3.

MARINHO, Josaphat. Estudos Constitucionais. 1ª edição, Editora UFBA, Salvador, 1989.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes(org.). Perspectivas do Direito Público, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1995.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, André Luiz Vinhas da. A legitimidade do poder de reforma constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/140. Acesso em: 19 abr. 2024.