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Reforma política: a questão do financiamento público das campanhas eleitorais

Reforma política: a questão do financiamento público das campanhas eleitorais

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Sumário: 1.Considerações iniciais; 2. Aspectos históricos; 3. Problema mundial; 4. Legislação brasileira; 5. O projeto de lei do Deputado Ronaldo Caido; 6. Apoiadores e Opositores; 7. Posicionamento pessoal.


1. Considerações iniciais

A política [01] brasileira, ou o modo de fazer política no Brasil, vem minando a cada dia a nossa democracia e a nossa república com escândalos que envolvem representantes do povo em corrupção, fraudes, mal uso da coisa pública, enfim, em situações que divergem de todos os princípios norteadores do nosso ordenamento jurídico. A "desilusão e o desencanto" [02] não são novidades quando se trata de política, entretanto, o problema é que hoje esses sentimentos tendem a um crescimento tal que o descontentamento a desilusão de então, transformaram-se em "frustração, raiva e, por fim, numa completa rejeição à política" [03]. "A urbanização desenfreada, somadas aos saltos de tecnologia e da comunicação em massa, resultaram na multiplicação estratosférica do custo da política democrática" [04], relata o Ministro Sepúlveda Pertence, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ao refletir sobre as razões que levaram a nossa política ao estado atual de dependência do poder econômico, ponto central para a superação do desencanto democrático vivido hoje no país, o que faz com que a questão do financiamento eleitoral e partidário seja tratada com a maior importância para reforma do nosso sistema político.

O historiador e jornalista Mauricio Dias quase que repete as palavras do Ministro Pertence, ao se referir à "trindade maligna que desvirtua a formação do consenso político" [05]; dinheiro, televisão e marketing decidem uma eleição de custos milionários para os candidatos que pretendem ser eleitos pelos votos do povo. O marketing político é a mais nova forma de se fraudar eleições. O marqueteiro simplesmente vende os candidatos como produto, um sabonete numa prateleira de supermercado, ou uma sandália de dedo daquelas que compramos pela estampa. O político, aquele que possui ideais e compromissos, não consegue ser eleito apenas por suas propostas, "no mundo de hoje tornou-se impossível o sucesso numa eleição apenas por meios puramente políticos, sem a contribuição substancial das técnicas de marketing" [06].

Tendo em vista as distorções que o abuso do poder econômico causa à política brasileira, o objetivo desse pequeno texto é analisar a proposta de financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais, fazer uma breve retrospectiva histórica das peculiaridades das eleições no Brasil, trazer a legislação atual e o projeto de lei que já foi aprovado no Senado e está em tramitação na Câmara dos Deputados, cujo o relator é o Deputado Ronaldo Caiado, bem como relatar os argumentos dos apoiadores e os oposicionistas, e por fim, ponderar o que foi estudado em um posicionamento pessoal.


2. Aspectos históricos

As fraudes não são novidade na história eleitoral brasileira, o que diferencia esse novo "jeitinho" de burlar o resultado é que ela não é direta, quiçá barata como a conhecida fraude do "fósforo", utilizada nas eleições do império, na qual um bom fósforo votava várias vezes em freguesias diferentes - dizia a historia do Doquinha, trazida por Mario Palmério em Vila dos Confins:

em uma eleição ele votou a primeira vez barbudo, representando o velho Didico, morto havia mais de ano; fez a barba, deixando bigode, e foi para outra seção votar em nome de um tal de Carmelita, sumido desde meses; tirou o bigode e, com a cara mais limpa e lavada deste mundo, preencheu a falta de outro eleitor, e dizem ainda que votou mais uma vez, de cabelo oxigenado e cortado à escovinha, substituindo um rapazinho alemoado... [07]

- ou como as fraudes que ocorriam no tempo da República Velha, período em que eram generalizadas e ocorriam em todas as fases do processo eleitoral, sendo típico a falsificação pela "degola" e a denominada "reunião das cinco horas", hora esta que se encerravam as eleições, e nos dizeres de Vitor Nunes Leal, "inventavam-se nomes, eram ressuscitados mortos e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena todo-poderosa dos mesários realizava milagres poderosos" [08].

Em 1932, entrou em vigor o primeiro Código Eleitoral, que além de estender o direito de voto às mulheres; reduzir de vinte e um para dezoito anos a idade de obrigatoriedade do voto; aperfeiçoar medidas para assegurar o sigilo das votações; instituiu a Justiça Eleitoral com a finalidade de combater as fraudes e tornar mais justas as eleições. Essa experiência democrática vai até 1937 quando é executado o Golpe de Estado por Getúlio Vargas, ficando os partidos proibidos de funcionar, as eleições suspensas e o Congresso fechado por onze anos.

Em 1945, iniciada a redemocratização, são abertas as eleições para presidente, senadores e deputados federais e Vargas baixa o decreto-lei chamado Lei Agamenon, que introduz o sistema de votação em lista aberta, os partidos entregavam uma lista de candidatos em cada estado e o eleitor votava em um único nome, parecido como o que temos hoje, diferenciado pelo cálculo do quociente eleitoral (àquele tempo, incluía-se os votos brancos e nulos no total de votos que era divido pelo numero de cadeira, hoje o cálculo é efetuado apenas com os votos válidos, excluídos os brancos e nulos, divido pelo o numero de cadeiras disputadas), estabeleceu pela primeira vez critérios para a organização de partidos, e todo o processo eleitoral ficou sob responsabilidade da Justiça Eleitoral, "as eleições de 1945 foram as primeiras da história limpas e tiveram uma significativa participação eleitoral" [09].

Em 1950 é promulgado novo Código Eleitoral, que extinguiu o alistamento ex-oficio, vigendo agora só o alistamento por iniciativa do eleitor; firmou-se obrigatório todo cidadão alfabetizado e maior de dezoito anos tirar o titulo de eleitor; e os votos brancos e nulos deixaram de ser computados no cálculo do numero de vagas nas eleições proporcionais. No período de 1946-64, as fraudes foram reduzidas, principalmente em virtude do novo titulo de eleitor (que agora continha a foto do votante) e da adoção da cédula oficial de votação em 1955, que passou a ser confeccionada e distribuída pela Justiça Eleitoral. O período que vai de 1964 a 1985 não interessa para o estudo no momento, pela severidade com que o regime militar tratou a nossa democracia, cerceando as liberdades individuais e políticas, impondo eleições indiretas para presidente, o bipartidarismo, voto vinculado, etc.

A partir da Constituição de 88 até os dias atuais, além de incentivar a cidadania instituindo o voto direto; de o sistema de maioria absoluta passar a vigorar para as eleições majoritárias; de o voto ser aberto, facultativamente, para os maiores de 16 e menores de 18 e para os maiores de 70 anos de idade, as medidas mais importantes utilizadas no combate às fraudes foram: o recadastramento em 86, que informatizou e unificou nacionalmente o registro de eleitores com o Tribunal Superior Eleitoral evitando as fraude no cadastramento, e a utilização da urna eletrônica que apura automaticamente os votos, dificultando fraude na contagem. "No período após 1985, o Brasil tornou-se uma democracia eleitoral com eleições competitivas, limpas, regulares" [10].

De toda forma, é certo que nosso país ainda não conseguiu livrar-se de todos os males pretéritos, problemas que se perpetuam com práticas reiteradas de atitudes imorais, e até ilegais, passando a fazer parte da nossa cultura, atreladas ao modo de fazer política no Brasil. Cito, por exemplo, o problema da "compra de voto", que nada mais é que a moderna forma da prática conhecida antigamente como "voto de cabresto", na qual o candidato amarra o eleitor a si mediante a entrega de algum beneficio, "quem faz do voto uma mercadoria é o candidato (que compra) e não o eleitor (que vende), a subversão do processo vem de cima" [11].


3. Problema mundial

Observa-se, porém, que esta corrupção crônica da atividade política tem como gênese o uso de dinheiro indiscriminado pelos partidos e candidatos. Não é por acaso que um dos maiores problemas das democracias no mundo hoje é o uso de dinheiro não contabilizado nas campanhas eleitorais: o popular caixa dois. Dinheiro esse que pode ser de origem licita ou ilícita, pode ser proveniente tanto das doações realizadas por empresas interessadas no anonimato, quanto podem ser oriundos do narcotráfico, tráfico de armas, jogo do bicho. Os partidos simplesmente fecham os olhos para a origem dos recursos recebidos. Essa influência deletéria do abuso do poder econômico [12] corrompe não só o candidato, ou só o eleitor, mas chega "a corromper a própria política democrática" [13].

Todavia, não é só no nosso país que a política sofre tal influência:

verifica-se uma preocupação generalizada com a questão, razão pela qual os sistemas de controle de eleições da Espanha, Portugal, França, Alemanha e Canadá, também vêm sendo alvo, como no Brasil, de constantes mudanças no sentido de aperfeiçoamento dos institutos e criação de novas formas de incentivo à transparência das campanhas eleitorais e de controle desses abusos [14].

No caso do Brasil, especificamente desde 1997, com edição da Lei das Eleições, as competições eleitorais ganharam nova perspectiva. Abandonou-se o casuísmo das eleições anteriores, nas quais eram editadas novas regras para cada pleito, e institui-se um sistema de regras permanentes para todas as eleições, que apesar de trazer certa estabilidade ao panorama eleitoral, não excluiu a possibilidade dos gastos não contabilizados.

Segundo a publicação da Universidade Federal de Minas Gerais com o apoio da União Europeia Reforma Política no Brasil [15], datado de 2006, os maiores problemas do financiamento de campanha hoje no país são: 1) A possível distorção da competição eleitoral pelo peso dos recursos entre os competidores, e aí há duas variantes: o encarecimento das campanhas eleitorais como indicador de uma crescente manipulação do eleitorado pelas modernas técnicas de propaganda e comunicação e a distorção da competição eleitoral por um desequilíbrio nos recursos disponíveis para a campanha, tendo como causas o poder econômico dos candidatos que autofinanciam suas campanhas, o abuso de recursos do Estado para financiar unilateralmente candidatos governistas, e o acesso desigual ao financiamento privado; 2) O financiamento político se refere à subversão do principio da igualdade dos cidadãos quanto à sua influência política. A possibilidade de influenciar o processo de representação pela via de doações a partidos e candidatos abre novamente a questão das garantias mínimas para assegurar a equidade dos cidadãos; e 3) violação aos deveres de representação, devido à possível dependência dos candidatos eleitos dos seus financiadores, que poderá se expressar na futura concessão de favores, vantagens ou na representação privilegiada de seus interesses.

Em síntese, o encarecimento excessivo das campanhas, a violação ao principio da igualdade do voto e o vinculo gerado entre o candidato eleito e os financiadores são os principais problemas que a proposta de financiamento das campanhas eleitorais contida no projeto de reforma política deve buscar solucionar.


4. Legislação brasileira

Antes de adentrarmos na proposta de financiamento exclusivamente público do Deputado Ronaldo Caiado em tramitação hoje no Congresso, é necessário lembrar que a Constituição Federal de 1988 eleva a princípios: a probidade administrativa, a moralidade no exercício do mandato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou abuso do exercício de função (artigo 14, parágrafo 9º, regulamentado pela Lei Complementar 64/90); bem como assegura a possibilidade de impugnação do mandato se comprovado o abuso de poder econômico, corrupção ou fraude (parágrafo 10). No artigo 17, resguarda a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana em face da criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, e ainda estabelece a proibição do recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiro ou de subordinação a estes e exige a prestação de contas à Justiça Eleitoral. É assegurado ainda no parágrafo 3º, o direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e a televisão.

A lei 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos - disciplina a constituição do Fundo Partidário: multas e penalidade pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; recursos financeiros que lhe forem destinados por lei; doação de pessoas física ou jurídica, efetuadas por depósito bancário diretamente na conta do Fundo Partidário; dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano ao da proposta orçamentária, multiplicada por trinta e cinco centavos de real. Essa lei ainda exige dos partidos escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas, veda o recebimento, direto ou indireto, sob qualquer forma ou pretexto, de contribuição ou auxilio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de entidade ou governo estrangeiro; autoridade ou órgãos públicos, ressalvado o Fundo Partidário; pessoas jurídicas de direito publico e de entidade de classe ou sindical (art.31).

Não obstante as proibições citadas acima, a lei 9.504/97 - Lei Eleitoral - veda o partido ou candidato receber doações de órgãos da administração direta, indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Publico; concessionário ou permissionário de serviço público; entidade de direito privado que recebe, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; entidade de utilidade publica; pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior. E ainda institui o teto para as contribuições de 10% da renda de pessoa física, e, para pessoa jurídica, de 2% do faturamento.

Como se pode perceber, a legislação vigente prevê um sistema de financiamento de campanha política misto, o qual permite doações de entes privados e ainda assegura aos partidos aporte público por meio de recurso orçamentário direto e acesso "gratuito" a meios de comunicação de massa (TV e rádio). A grande crítica quanto à nossa legislação é que "não há limite estabelecido acerca de tetos para gastos, o que impede o nivelamento do montante dos recursos despendidos em campanha" [16], abrindo espaço para as diversas deficiências causadas pelo usos excessivo de capital.


5. Do projeto de reforma política relatado pelo Deputado Ronaldo Caiado

A proposta de reforma política, que tem como relator o Deputado Ronaldo Caiado, em tramitação no Congresso Nacional, altera o Código Eleitoral, a Lei 9.096/95 e a Lei 9.504/97 dispondo sobre o fim das coligações nas eleições proporcionais, mas assegura a fórmula das federações para os pequenos partidos que lhes permitirá contornar a barreira do quociente eleitoral, desde que haja compromisso legalmente estabelecido, de estabilidade da aliança pelo período mínimo de três anos; o voto de legenda puro, em lista preordenada reforçando os poderes dos partidos e não dos candidatos; as cláusulas de desempenho, que fixam porcentagens mínimas do eleitorado para que os partidos tenham representação parlamentar; destinação de 30% do total dos recursos do Fundo Partidário destinados à criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa ou de doutrinação política e às instancias partidárias dedicadas ao estímulo e crescimento da participação política feminina, e pelo menos 20% do tempo destinado à propaganda partidária gratuita para promover e difundir a participação política das mulheres; aperfeiçoamento das pesquisas eleitorais e financiamento público de campanha exclusivo.

No que diz respeito ao financiamento público proposto, seguem as seguintes diretrizes: as vedações quanto às doações previstas no art. 31 da lei 9.096 (entidade ou governo estrangeiro; autoridade ou órgãos públicos, ressalvado o Fundo Partidário; pessoas jurídicas de direito público; e de entidade de classe ou sindical) ficam mantidas, sendo permitido o partido ou federação receber doações de pessoas físicas e jurídicas para a constituição de seus fundos, sendo vedado usá-los no financiamento de campanhas eleitorais.

Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados na manutenção das sedes e serviços do partido, sendo permitido o pagamento de pessoal no limite de 20% do total recebido; nas propagandas doutrinárias e políticas, exceto no segundo semestre dos anos em que houver eleição; no alistamento; na criação e manutenção de institutos ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política no mínimo de 20% do total recebido, dos quais pelo menos 30% serão destinados às instancias partidárias dedicadas ao estimulo e crescimento da participação política feminina. Veda a aplicação de recursos do Fundo partidário em campanhas eleitorais.

O projeto prevê que as despesas da campanha eleitoral serão realizadas sob a responsabilidade dos partidos e federações e em ano eleitoral, que a lei orçamentária respectiva e seus créditos adicionais incluirão dotação, em rubrica própria, destinada ao financiamento de campanhas eleitorais, de valor equivalente a R$ 7,00 (sete reais), tomando por referência o eleitorado existente em 31 de dezembro do ano anterior à elaboração da lei orçamentária.

A distribuição dos recursos dar-se-á em: 1% será dividido igualmente entre todos os partidos com estatuto registrados no Tribunal Superior Eleitoral; 14% igualitariamente entre os partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados; 85% divididos entre os partidos e federações, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram, na ultima eleição geral para a Câmara dos Deputados. Cada partido destinará seus recursos da seguinte forma: nas eleições presidenciais, federais e estaduais, tendo os partidos candidatos próprios para a Presidente da República, ser-lhe-ão reservados 30% para a administração direta dos diretórios nacionais e a direção nacional de cada federação; se não tiver candidato à Presidente a República destinar-se-á 20% para administração direta dos respectivos diretórios nacionais. Os recursos restantes serão distribuídos aos diretórios regionais, sendo: metade na proporção do numero de eleitores de cada Estado, do DF e dos Territórios; e metade na proporção das bancadas dos Estados, do DF e dos Territórios, que o partido ou federação elegeu para Câmara dos Deputados.

No caso de eleições municipais, o diretório nacional ou a direção nacional da federação reservará 10% dos recursos e distribuirá 90% aos diretórios regionais; dos recursos recebidos pelos diretórios regionais, 10% serão reservados para a sua administração direta e os 90% restantes distribuídos aos diretórios municipais, sendo metade na proporção do numero de eleitores do município e metade na proporção do numero de vereadores eleitos pelo partido ou federação, no município, em relação ao total de vereadores eleitos pelo partido ou federação no Estado.

O partido ou federação partidária fará a administração financeira de cada campanha, usando unicamente os recursos orçamentários previsto neste projeto de lei, e fará a prestação de contas ao TSE, aos TREs ou aos juízes eleitorais. Fica vedado, em campanhas eleitorais, o uso de recursos em dinheiro, ou estimáveis em dinheiro, provenientes dos partidos e federações partidárias e de pessoas físicas e jurídicas. A fiscalização de abuso do poder econômico no curso da campanha será exercida por uma comissão instituída pela Justiça Eleitoral, em cada circunscrição, composta entre representantes dos partidos, federações, coligações e outros que a Justiça Eleitoral considerar necessários.


6. Apoiadores e opositores do financiamento exclusivamente público dos partidos das campanhas eleitorais

Uma das maiores vozes contra o abuso do poder econômico e político nas eleições é o Ministro Sepúlveda Pertence, que já definiu o tema de varias formas, seja como "a erva daninha da democracia" ou como "o desafio maior do aperfeiçoamento do processo político" [17]. Em entrevista no dia 27/07/2004 ao programa Roda Viva transmitido pela TV Cultura em São Paulo, o ministro falou sobre financiamento público das campanhas, prestação de contas e caixa dois. Deixou claro a sua posição quando disse: "o financiamento público me parece uma solução adequada e profundamente econômica", tendo em vista que o financiamento das campanhas se transformou num investimento de dinheiro lícito e de dinheiro ilícito devido aos altos custos da campanha política eleitoral. Observou que a prestação de contas à Justiça Eleitoral vem se aperfeiçoando a cada dia e que hoje não é mais tão fácil quanto antigamente brincar de prestar contas. Apesar disso, ele ressalta que ainda é muito difícil evitar o "caixa dois" e garantir total transparência ao financiamento eleitoral, e que é preciso agravar as punições quando as contas de um candidato são rejeitadas e, sobretudo, investir na seriedade da fiscalização dos gastos eleitorais.

Outro grande defensor da ideias é o professor Mauro Almeida Noleto, que, de maneira peremptória, guarda a defesa do financiamento público das campanhas. Acredita "não haver outra forma de combater essa crônica do escândalo anunciado senão extinguindo por completo o financiamento privado" [18], fazendo isso com a devida fiscalização por meio da Policia Federal, do Ministério Publico, do Tribunal de Contas, do Tribunal Superior Eleitoral, etc. Enfim deve-se pôr todos os olhos em cima dos recursos destinados aos partidos.

O deputado Ronaldo Caiado, lembra que o financiamento exclusivamente público das campanhas tem que ser observado dentro de um conjunto de medidas que devem ser discutidas integradamente e não há falar em financiamento exclusivamente público sem sistema de votação em lista fechada, de modo a fortalecer os partidos ou federações e facilitar a fiscalização das movimentações financeiras das agremiações. Em breves palavras, os defensores argumentam que excluído o financiamento particular: 1º) reduzirão os custos das eleições, aproximando as chances de eletividade dos concorrentes; 2º) elevará o nível das campanhas, evitando-se a guerra de propagandas de nível não compatível com as disputas eleitorais; e 3º) facilitará a fiscalização das contas dos partidos, uma vez que serão em quantidade correspondente ao numero de partidos e os recursos disponibilizados serão sabidos.

Há, no entanto, quem não concorde com a proposta, como é o caso do cientista político David Samuels da Universidade de Minnesota (USA), que em debate no Congresso Nacional em 2003 manifestou-se contrário a adoção da medida no Brasil, segundo ele "as experiências demonstram ser muito difícil eliminar a influência dos interesses econômicos da política. Na Itália, o financiamento da campanha foi instituído em 1974 e, em 1993, entrou em colapso, sendo substituído pelo sistema misto", para o cientista, o financiamento público exclusivo poderá incentivar a corrupção ao invés de combatê-la.

Outro opositor é Mauricio Dias, que verifica que um dos maiores erros da proposta é que ela, sem querer, pode criar uma armadilha para os partidos, "ao apontar o orçamento como fonte de recursos para o financiamento público, deixa o político a mercê dos interesses do Executivo" [19], que nos tempos de crise, ou mesmo do crônico aperto fiscal, o orçamento previsto para financiar as eleições, "ficará mais apetitoso aos olhos de qualquer governante, que terá, na liberação dos recursos, um instrumento a mais de pressão e de corrupção do Legislativo".

Outra crítica que se faz à proposta se refere à distribuição dos recursos entre as agremiações partidárias, considerando que na proposta a repartição deverá ser feita proporcionalmente de acordo com a representação de cada partido no Congresso, o que acabará indubitavelmente privilegiando as grandes agremiações partidárias, situação esta agravada com a adoção da cláusula de barreira. Resumem-se então algumas criticas à proposta de financiamento público: 1) não evitará a prática do caixa dois e poderá até mesmo incentivar a corrupção; 2) submete sobremaneira os partidos políticos ao Executivo, ficando presos à liberação dos recursos; 3) manutenção da desigualdade de recursos entre os partidos com grande representação e os de pequena representatividade popular.


7. Posicionamento pessoal

No quadro político em formação hoje, afere-se a necessidade real de uma reforma na política brasileira. Todos os dias, escândalos envolvendo nossos representantes evidenciam essa realidade. Necessita-se buscar maior rigor nas punições aos políticos que transgridem a lei e na fiscalização de sua aplicação.

Ficou claro e evidente que o financiamento exclusivamente público das campanhas facilitaria o controle das contas dos partidos, todavia não impediria o financiamento privado e o uso do dinheiro não contabilizado.

Os defensores da proposta alegam que uma regra imposta para evitar certo tipo de conduta não impede que ela ocorra. A pergunta é: como proibir radicalmente uma conduta já legitimada pelo costume, pela prática reiterada de séculos? Acreditamos que para a adoção da medida seria necessário um consenso geral dos políticos e da sociedade, sob pena de a medida adotada ser mais uma daquelas "que não pegam", mais uma lei promulgada não observada de fato, seria retrocesso ao período das legislações casuísta, da legislação por conveniência, para acalmar o povo e dar a impressão de moralização do sistema, mas que na verdade não ensejaria nenhuma mudança real.

Em consonância com José Antônio Dias Toffoli, acreditamos no sistema misto para o financiamento das campanhas, com a imposição de limites determinados tanto para o financiamento privado quanto para o público, e principalmente para os gastos dos partidos. Qual o objetivo de impedir o cidadão de contribuir com a campanha do partido com que se identifica, se o financiamento proveniente exclusivamente dos cofres público não vai evitar a prática de caixa dois? O que se deve impedir é o abuso, são as contribuições vultosas, aquelas que podem vir a influenciar no resultado, desequilibrar o pleito. Não é concebível a imposição de limites que diferenciam a pessoa física e a pessoa jurídica. Enquanto a física pode doar até 10% da renda, a jurídica pode doar até 2% do faturamento. A lei não pode discriminar. Quem tem mais rendimentos pode doar mais, quem tem menos tem que doar menos, se esta é uma realidade social, a lei deve buscar o equilíbrio, deve-se impor os limites absolutos e não relativos, de modo a buscar a aplicação do principio da igualdade do voto.

Outro ponto essencial é a transparência das movimentações financeiras, não deve regulá-las de modo extremo, deve-se criar incentivos aos partidos e àqueles que contribuem, como, por exemplo, faz a Alemanha, que prevê um sistema de isenção fiscal, em percentual decrescente em função do valor da doação, com a finalidade de desestimular as doações de quantias vultosas, ao mesmo tempo em que incentiva pequenas doações, como forma de minimizar a influência dos mais abastados nos resultados eleitorais.

Um outro aspecto original de incentivo às doações privadas e à transparência do financiamento consiste no fato de que, para cada doação privada, o governo transfere ao partido um determinado valor, proporcional ao recebido do particular, de modo que o próprio partido tem interesse em declarar todos os valores recebidos. Para ter direito a esse "plus" no financiamento estatal e também para que o particular obtenha a isenção fiscal, a doação deverá constar do livro de contas do partido, com identificação completa do doador.

E por fim, a fonte de êxito de todo sistema: fiscalização e punição. A diferença que há entre fiscalizar a proibição e incentivar impondo limites é que o incentivo inibe a quebra de regras, o partido terá interesse em não quebrá-las porque terá vantagens se não o fizer [20], enquanto que na fiscalização pura e simples das proibições, encontrará a resistência dos partidos que buscarão meios para conseguir executar seus objetivos, ocorrendo aí a quebra das regras.

No dia 01/06/2007 o Deputado Flavio Dino, do PCdoB no Maranhão, apresentou no plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.205/07, que segundo ele, é uma fase de transição até a aprovação do financiamento público exclusivo das campanhas.

No seu projeto, ele destaca o limite de gastos nas campanhas eleitorais de candidatos a Presidente República, Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador e Deputados Federal, Estadual e Distrital terá como base o gasto médio das eleições realizadas em 2006. No mesmo sentido, o limite dos gastos de campanha para Prefeito e Vereador será baseado no que foi gasto nas eleições de 2004. A atualização monetária dos valores ficará a cargo da Justiça Eleitoral. Ademais, o projeto também propõe que até 30% do valor das doações de pessoas físicas ou jurídicas, bem como os gastos efetuados pelos candidatos com recursos próprios, sejam reembolsados pelo Tesouro. Ao mesmo tempo, também procura tornar mais baixos os valores das doações de pessoas físicas e jurídicas, vinculando-os às suas faixas de renda ou de faturamento. No caso das pessoas físicas, a doação é limitada a R$ 50 mil e, no das jurídicas, a R$ 500 mil. As pessoas jurídicas ainda terão outra limitação: a cada doação efetuada ao candidato, terão que depositar o mesmo valor para o Fundo Partidário, que não será contabilizado para fins de reembolso. O projeto de Flávio Dino ainda veda a utilização de propaganda de qualquer tipo em muros, fachadas e telhados de bens particulares.

Acreditamos que o caminho mais acertado no momento seja estabelecer um teto para os gastos nas campanhas eleitorais, limitar o valor das doações privadas, criar incentivos para que os partidos e financiadores registrem as doações, fiscalizar e investigar as contas apresentadas pelos partidos por todos os órgãos competentes, Justiça Eleitoral, Tribunal de Contas, Ministério Público, Policia Federal, e por fim, o nosso sistema processual tem que ser alterado para que a haja a efetiva punição dos acusados. Sem um sistema punitivo eficaz, o embate entre os tipos de financiamento de campanha público, privado ou misto, é inóquo, visto que a sanção [21] que teria a função de garantir o cumprimento da regra passa a ser apenas mais um elemento formal da norma. Seja qual for o método utilizado para o financiamento das campanhas eleitorais, é mister a exigência do cumprimento da lei, todavia, visto o nosso falho sistema processual penal, a maneira mais eficaz de se cumprir uma regra é oferecendo benefícios (em semelhança ao sistema Alemão).

Sendo assim, ante o exposto em um primeiro moment,o nos inclinamos ao projeto do Deputado Flavio Dino, que busca transparência, limites de gastos e igualdade no valor das doações, de maneira a incentivar que os partidos sejam os primeiros a praticar o controle e dar publicidade dos seus gastos e arrecadações.


REFERÊNCIAS

Bobbio, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 2000.

Sartori,Giovanni. Engenharia Constitucional. Brasília: UNB, 1996.

Pertence, Sepúlveda. II Seminário dos Tribunais e Organismos Eleitorais do Mercosul. Paraná: 2004.

Nicolau, Jairo. Historia do voto no Brasil. Rio de Janeiro: ed. Jorge Zahar, 2002.

Palmério, Mario. Vila dos confins. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1981.

Dias, Mauricio. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. São Paulo: Record, 2004.

Pacheco, Cid. Marketing político: Hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2002;

Mendes, Antonio Calos. Apontamentos sobre o abuso do poder econômico em matéria eleitoral. Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral. São Paulo, V.1, nº. 3, maio, 1988.

AVRITZER, Leonardo; Anastásia, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil: O financiamento de Campanhas eleitorais. Belo Horizonte: UFMG, 2006, pág. 156.

Trindade, Fernando. Consultoria Legislativa do Senado Federal. Financiamento Eleitoral e pluralismo político. Brasília: Congresso Nacional, 2004.

Caiado, Ronaldo. Reforma Política. Em debate com o professor Walter Costa Porto ocorrido no Senado Federal. Brasília: 2004.

Jardim, Torquato e Jose Antonio Dias Toffoli: Financiamento de Campanhas. Em debate no Senado Federal.

Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2004.


Notas

  1. Bobbio, Norberto. Dicionário de política. 5. ed. São Paulo: UnB, 2000, pág. 954: "tratada modernamente como a atividade ou o conjunto de atividades que têm como termo o Estado".
  2. Sartori, Giovanni. Engenharia Constitucional. Brasília: UnB, 1996, pág. 159
  3. idem p. 159
  4. Pertence, Sepúlveda. Abertura do II Seminário dos Tribunais e Organismos e Eleitorais do Mercosul. Paraná: 2004.
  5. Dias, Mauricio. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. São Paulo: Editora Record 2004, pág.13.
  6. Pacheco, Cid. Marketing político: Hegemonia e contra-hegemonia. Ed. Fundação Perseu Abramo 2002, pág. 70.
  7. Palmério, Mario. Vila dos confins. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1981, pág. 248-49.
  8. Leal, Vitor Nunes, apud Mauricio Dias. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. São Paulo: Record 2004.
  9. Nicolau, Jairo. Historia do voto no Brasil. ed. Jorge Zahar 2002, pág.45-46
  10. idem. pág.71
  11. Dias, Mauricio. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. Ed. Record 2004, pág.13.
  12. Mendes, Antonio Calos. Apontamentos sobre o abuso do poder econômico em matéria eleitoral. Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral, São Paulo, V.1, nº. 3, pág. 24-31, maio 1988.
  13. Sartori, Giovanni, Engenharia Constitucional. Ed. UnB1996, pág. 161
  14. Lima, Sídia Maria Porto. O controle jurídico da movimentação de recursos nas campanhas eleitorais:
    uma preocupação mundial, Elaborado em 11.2005.
  15. AVRITZER, Leonardo; Anastásia, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil: O financiamento de Campanhas eleitorais. Belo Horizonte: UFMG, 2006, pág. 153-158.
  16. AVRITZER, Leonardo; Anastásia, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil: O financiamento de Campanhas eleitorais. Belo Horizonte: UFMG, 2006, pág. 156.
  17. PERTENCE, Sepúlveda. Entrevista ao programa "Roda Viva" transmitido pela Rede Cultura. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/downloads/eleicoes2004/radio_tse/jul2004/julho_27.html>. Acesso em 20/05/2008.
  18. Noleto, Mauro de Almeida. Financiamento Privado: quem paga a conta é o contribuinte. Este texto está postado na seção "a propósito" do site www.a-ponte.aponte.blogspot.com.
  19. Dias, Mauricio. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. Ed. Record 2004, pág. 160.
  20. Maquiavel diz na sua obra O Príncipe, que um homem sempre deve buscar o interesse do outro homem para conseguir colaboração. É necessário que os partidos tenham interesses em contabilizar os recursos recebidos, sem que seja necessário cercear o direito do eleitor de participar financeiramente da política, de outro modo, a fiscalização nunca será suficiente para apurar o que a lei dispõe.
  21. Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito. Saraiva 2004, pág. 72.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Márcio Rodrigo Kaio Carvalho. Reforma política: a questão do financiamento público das campanhas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2423, 18 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14369. Acesso em: 24 abr. 2024.