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A constituição do crédito tributário a partir da função constitucional do tributo.

Análise do papel do contribuinte no lançamento por homologação

A constituição do crédito tributário a partir da função constitucional do tributo. Análise do papel do contribuinte no lançamento por homologação

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A pesquisa estuda a constituição do crédito tributário, examinando os papéis desempenhados pela Administração Pública e pelo contribuinte a partir do conceito e da função constitucional atribuídos ao tributo pela Constituição Federal.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa busca promover uma análise da constituição do crédito tributário a partir de uma perspectiva constitucional, mormente examinado os papéis desempenhados pela Administração Pública e pelo contribuinte a partir do conceito e da função constitucional que ao tributo foram atribuídos pela Constituição Federal.

Embora o estudo da constituição do crédito tributário seja feito, por numerosa doutrina, somente no âmbito infraconstitucional, tendo as disposições do Código Tributário Nacional como ponto de partida, buscar-se-á demonstrar que, somente a partir da noção constitucional de tributo, bem como de sua função, tal como fixadas pela Constituição Federal, é que é possível examinar as vicissitudes do processo de constituição da obrigação tributária.

Adotando-se como premissa o conceito e a função constitucionais do tributo, pelos quais este constitui obrigação, atribuída aos indivíduos, de entregar parcela de seu patrimônio ao Estado para que este possa deter os meios materiais suficientes à consecução de seus fins, discutiremos o porquê da impossibilidade de interpretar-se a legislação tributária para atribuir ao sujeito passivo a responsabilidade pela constituição da obrigação.

A discussão está contextualizada, principalmente, no âmbito do lançamento por homologação, quando se diverge acerca dos efeitos jurídicos atribuídos pela lei às informações prestadas pelo contribuinte.

O entendimento quase que pacífico é de que tais informações teriam o condão de, por si sós, constituírem o crédito tributário, atribuindo-se ao ato do sujeito passivo a função de atestar a ocorrência do fato gerador e calcular o montante de tributo devido e seus acessórios.

Demonstraremos, todavia, que a análise dos institutos da constituição do crédito e do lançamento tributário por homologação, quando feitas em consonância com as disposições constitucionais, conduzem a uma interpretação que inviabiliza a idéia de substituição da autoridade administrativa fiscal pelo contribuinte.

A Constituição Federal, ao disciplinar o sistema tributário, fixou, ainda que implicitamente, o conceito de tributo por ela adotado, bem como deixou claro a função do instituto para o desempenho das funções do Estado. Sendo assim, qualquer interpretação da legislação infraconstitucional somente pode ser feita em consonância com os preceitos lá instituídos, o que tem repercussão direta, conforme buscar-se-á demonstrar, sobre o processo de constituição do crédito/obrigação tributária.


1. NOÇÃO CONSTITUCIONAL DE TRIBUTO

A apreensão do conceito constitucional de tributo passa, necessariamente, pela análise das configurações do atual sistema constitucional tributário, atribuídas pela Constituição Federal de 1988.

Ao delinear os contornos do modelo de tributação a ser adotado pela nova ordem constitucional que se inaugurava, a Constituição Federal de 1988 designou quais tributos poderão ser instituídos pelas pessoas políticas componentes da federação, distribuiu competência tributária aos entes federativos

para sua instituição, e delimitou seu exercício instituindo regras para resguardar o destinatário constitucional da carga tributária [01].

A ausência de um conceito expresso de tributo na Constituição alimenta, desde sua promulgação, profundas discussões no campo doutrinário, e acaba conduzindo ao equívoco de se buscar uma definição infraconstitucional para um instituto cuja natureza somente pode ser estudada a partir das disposições constitucionais que delimitam seus contornos.

Não obstante não tenha o constituinte se preocupado em fornecer um conceito expresso de tributo, não há dúvida de que ele esteja presente no corpo do texto de forma implícita, o que não desqualifica sua fundamental importância para a configuração do sistema tributário moldado pela Carta Magna. Outra não poderia ser nossa conclusão.

Com efeito, não nos parece razoável a idéia de que a Constituição Federal tenha distribuído a competência para a instituição de tributos entre os entes federados sem que tenha ao menos definido as delimitações conceituais do instituto cujo poder de instituição estava conferindo, sob pena de total esvaziamento do sistema tributário que instaurava.

O conceito de tributo tem, indiscutivelmente, sede constitucional. Conforme ensinamento do eminente mestre Geraldo Ataliba [02], cujas lições permearão todo o estudo,

Constrói-se o conceito jurídico-positivo de tributo pela observância e análise das normas jurídicas constitucionais. (...) A Constituição de 1988 adota um preciso – embora implícito – conceito de tributo.

De outra forma não poderia ser. A Constituição Federal instituiu o regime tributário brasileiro em forma de sistema, e assim sendo, organizou o conjunto de princípios e regras, de forma harmônica e coerente, em torno de um conceito aglutinante, que permeia a noção de sistema, e esse conceito basilar é o de tributo.

Analisando sistematicamente o direito tributário, e como as normas constitucionalmente instituídas devem ser interpretadas, conclui Humberto Ávila, na mesma linha de pensamento de Geraldo Ataliba, que,

o Sistema Tributário Nacional, que regula pormenorizadamente a matéria tributária, mantém relação com a Constituição toda, em especial com os princípios formais e materiais fundamentais – independentemente de estarem expressa ou implicitamente previstos – e com os direitos fundamentais, sobretudo com as garantias de propriedade e de liberdade [03].

Tratando-se, portanto, o conceito de tributo, de noção fundamental ao sistema constitucional tributário instituído pela Carta Magna, outra não poderia ser sua sede.

Comentando a comumente utilizada "redefinição" legal do conceito de tributo, Geraldo Ataliba [04] nos adverte para a perigosa interpretação de conceitos constitucionais a partir de definições infraconstitucionais. Leciona o mestre que,

O conceito de tributo é constitucional. Nenhuma lei pode alargá-lo, reduzi-lo ou modificá-lo. É que ele é conceito-chave para demarcação das competências legislativas e balizador do ‘regime tributário’, conjunto de princípios e regras constitucionais de proteção do contribuinte contra o chamado ‘poder tributário’ exercido, nas respectivas faixas delimitadas de competências, por União, Estados e Municípios. Daí o despropósito dessa ‘definição’ legal, cuja admissão é perigosa, por potencialmente danosa aos direitos constitucionais dos contribuintes.

Conclui, então, o eminente autor,

Direitos constitucionalmente pressupostos ou definidos não podem ser ‘redefinidos’ por lei. Admiti-lo é consentir que as demarcações constitucionais corram o risco de ter sua eficácia comprometida.

Ricardo Lobo Torres, por sua vez, nos traz uma peculiar visão do assunto ao analisar existência de um conceito constitucional de tributo. Segundo o autor, ao revés de se verificar uma "legalização dos conceitos constitucionais", assiste-se, cada vez mais, nas Constituições modernas, a uma "constitucionalização dos conceitos legais", pela qual a "lei fundamental aproveita e incorpora os conceitos e as definições já constantes da legislação ordinária, especialmente os de conteúdo técnico" [05].

Tal entendimento, portanto, justifica a ausência de definição expressa de tributo, na Constituição, pela pré-existência e recepção do conceito legal veiculado pelo Código Tributário já em vigor, e que teria sido implicitamente adota pela carta Magna.

Não nos parece tenha sido esta, data maxima venia, a intenção do texto constitucional. Conforme já nos manifestamos, a ausência de conceito expresso não representa, de forma alguma, ausência total de conceito.

O autor não nega, não obstante a tese da constitucionalização de conceitos legais, que a noção de tributo deve ser cotejada, sempre, a partir de uma abordagem constitucional, já que é na configuração estatal dada pela Carta Magna que o tributo encontra seu fundamento de existência [06].

Qual seria, então, o conceito constitucional de tributo? A importância da definição corresponde à dificuldade na tarefa de identificar tal conceito, que exige exame atento das disposições constitucionais, e não só daquelas relativas ao sistema tributário especificamente.

Com efeito, o conceito constitucional de tributo remonta a própria formulação do conceito de Estado, a medida que concebido como instrumento de financiamento do ente estatal.

A figura da autoridade estatal surge com a formação da sociedade política, a partir da qual os homens passam a submeter-se a uma autoridade e às normas que regulam a convivência de todos. Como ente mantenedor da ordem social e realizador das necessidades do grupo, o Estado precisa dispor de um aparelhamento financeiro para custeio de suas atividades e consecução dos seus fins.

Acerca do financiamento do ente estatal e a instituição de tributos, Bernardo Ribeiro de Morais [07] leciona que

o poder fiscal, como poder de instituir tributos, encontra a sua legitimação na soberania do Estado, sendo tal poder algo que não pode ser suprimido por nele se achar a fonte necessária para o atendimento da despesa pública.

Vê-se, pois, que o tributo constitui instrumento jurídico posto a disposição do Estado, pela Constituição, para financiamento de suas atividades, pelo qual ao ente estatal é permitido a invasão ao patrimônio particular dos indivíduos e apropriação de parcela desse patrimônio.

A partir das características dadas ao tributo pela Constituição de 1988, podemos concluir pela conceituação de tributo, no nosso sistema constitucional tributário, como dever fundamental, cujo cumprimento é circunscrito pelas limitações constitucionais ao poder de tributar, e que se destina a custear as atividades específicas do Estado [08].

Analisemos, mais detidamente, cada uma dessas características, que nos permitem encontrar a conceituação de tributo tal qual pretendida pelo legislador constituinte.

A obrigação de pagar tributo constitui dever fundamental a medida que remonta a necessidade de financiamento das atividades do ente estatal, e se contrapõe ao direito de exigir a execução dos serviços públicos lhe devem ser prestados.

A configuração do Estado brasileiro na modalidade Estado de Direito impõe aos indivíduos dele integrantes uma série de deveres fundamentais, assim chamados porque, antes de se originarem em qualquer comando legal, derivam da própria Constituição, posto que correlatos a direitos fundamentais a configuração do Estado.

Nas palavras de Ricardo Lobo Torres [09],

o dever fundamental, por outro lado, integra a estrutura bilateral e correlativa do fenômeno jurídico: gera o direito de o Estado cobrar tributos e, também, o dever de prestar serviços públicos; para o contribuinte cria o direito de exigir os ditos serviços públicos.

Outra característica importante a delimitação do conceito constitucional de tributo é sua limitação pelas garantias às liberdades individuais, previstas na Constituição.

Com efeito, uma vez que a noção de tributo está umbilicalmente ligada a criação do Estado, e que esta, por sua vez, se deveu a renúncia, pelos indivíduos, a parcela de suas liberdades, o tributo encontra seus limites exatamente dentro desta parcela de renúncia permitida, como de outro modo não poderia ser.

Destacamos, por fim, como característica fundamental ao conceito de tributo, a função que lhe é atribuída pelo sistema constitucional, qual seja, financiar as atividades próprias do Estado.

A referência a destinação no conceito de tributo mostra-se controvertida na doutrina, e fora suprimida do conceito legal de tributo adotado pelo Código Tributário Nacional que, ao revés, rechaçou a destinação como critério de fixação da natureza jurídica da exação tributária [10].

A supressão da destinação, no conceito adotado pela legislação infraconstitucional, se deve a necessidade de inclusão, no sistema jurídico, dos tributos extrafiscais, para os quais a finalidade precípua não é arrecadar recursos, mas instituir políticas públicas outras.

Não parece necessária a exclusão da função do tributo de seu conceito, tão somente para tal diferenciação, haja vista que, ainda que a finalidade do tributo não seja meramente arrecadatória, como no caso das exações extrafiscais, não se pode negar que a entrada de recursos sempre deverá ser verificada, servindo, portanto, ao financiamento do aparato estatal.

Tendo como norte, portanto, a função essencial desempenhada pelo tributo no interior da ordem constitucional, adentraremos no estudo da constituição do crédito tributário, tomando-a como verdadeiro exercício da soberania do Estado, passando, inicialmente, pela análise do conceito infraconstitucional de tributo, fornecido pelo Código Tributário Nacional.


2. ANÁLISE DO CONCEITO LEGAL

A despeito da sede constitucional do conceito de tributo, conforme demonstrado anteriormente, preocupou-se a legislação infraconstitucional em determinar um conceito legal de tributo, assumindo a função doutrinária de definir o instituto.

A definição de institutos jurídicos pelo legislador é alvo de críticas por diversos representantes da doutrina tributarista pátria, a exemplo do professor Luciano Amaro, que critica o conceito legal de tributo por entender que cabe a doutrina e não a lei a definição e classificação de institutos de direito [11].

A definição legal está no Art. 3º do Código Tributário Nacional, que busca a expressão literal do conceito de tributo implicitamente colocado pela Constituição Federal.

Eis o texto legal para análise.

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada [12].

A primeira parte do dispositivo se preocupa em caracterizar o tributo como prestação, oriunda de uma relação jurídica obrigacional da qual constitui objeto, que impõe ao sujeito passivo o dever de realizar o comportamento de entregar ao sujeito passivo parcela de seu patrimônio, destacando-se que esta deverá ser em dinheiro, em face do caráter pecuniário da exação [13].

Em seguida, promove o legislador a importante distinção entre o tributo e a multa, apartando o instituto daquelas obrigações oriundas da prática de atos ilícitos. Tal distinção, cumpre ressaltar, já fora feita pelo próprio constituinte, a partir da noção de tributo inserta no texto constitucional que, ao fixar as materialidades passíveis de tributação, somente referiu-se a eventos lícitos, tais quais a obtenção de renda, a circulação de mercadorias, a propriedade de imóvel urbano etc. [14]

Por fim, o legislador infraconstitucional repete, mais uma vez, o que a Constituição Federal já havia definido por meio do princípio da legalidade tributária, consagrado em seu Art. 150, I, destacando a necessidade de lei anterior para instituição da exação tributária, e destaca ainda a vinculação da autoridade administrativa na atividade de cobrança do tributo.

Destarte, a partir da leitura do referido dispositivo, é possível apreender que o legislador infraconstitucional conferiu importantes características ao tributo, as quais merecem destaque.

Trata-se de obrigação decorrente de lei, sendo irrelevante qualquer manifestação de vontade. Ressalte-se, todavia, que, conforme já dito linhas atrás, a exigência de lei para instituição da obrigação tributária decorre do próprio texto constitucional, que instituiu o princípio da legalidade tributária, decorrência direta do Estado Democrático de Direito.

Constitui-se, ainda, em obrigação de cunho pecuniário, cuja quitação somente se opera mediante pagamento em dinheiro. A única exceção constante da legislação é aquela instituída pelo inciso XI, do Art. 156, do Código Tributário Nacional, acrescido pela Lei Complementar nº 104 de 2001, que previu a quitação de débitos tributários mediante a dação em pagamento de bens imóveis.

Convém transcrever as palavras do ilustríssimo Professor Paulo de Barros Carvalho, comentando o caráter pecuniário da obrigação tributária:

Prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias (que receberiam o influxo de outro modal – o "permitido"). Por decorrência, independem da vontade do sujeito passivo, que deve efetivá-la, ainda que contra seu interesse. Concretizado o fato previsto na norma jurídica, nasce, automática e infalivelmente, o elo mediante o qual alguém ficará adstrito ao comportamento obrigatório de uma prestação pecuniária. [15]

Outra característica, já mencionada, é a não existência de conduta ilícita prévia, por parte do contribuinte, para o nascimento da obrigação tributária. Com efeito, já relatamos que a obrigação de pagar tributos ao Estado configura dever fundamental dos indivíduos dele integrantes, inerente a própria organização da sociedade em forma de Estado, desvinculando-se, portanto, de qualquer conduta contrária ao ordenamento jurídico.

Analisado, portanto, o conceito legal de tributo, o qual não se pretendeu esgotar, passemos ao estudo das vicissitudes do processo de constituição da obrigação tributária.


3. CONCEITO DE LANÇAMENTO

Faz-se necessário, primeiramente, antes de adentrar propriamente no estudo do lançamento tributário, fixar sobre quais premissas repousará nosso estudo, em face da multiplicidade de doutrinas e teorias acerca do assunto.

No presente trabalho utilizaremos como referência a corrente doutrinária capitaneada pelo ilustríssimo professor Paulo de Barros Carvalho, que trabalha a figura do lançamento como construção de linguagem [16], constituindo ato jurídico administrativo que, mediante a expedição de norma individual e concreta, verte em linguagem jurídica própria o evento verificado no mundo fático, e que ensejará a tributação, constituindo o vínculo obrigacional, individualizando os sujeitos ativo e passivo, determinando o objeto da prestação e, por fim, definindo o lugar e a ocasião em que o crédito será exigido [17].

Nas palavras do ilustre professor, com o lançamento

opera-se a descrição de um acontecimento do mundo físico-social, ocorrido em condições determinadas de tempo e de espaço, que guarda estreita consonância com os critérios estabelecidos na hipótese de norma geral e abstrata (regra-matriz de incidência). Por isso mesmo, a conseqüência desse enunciado será, por motivo de necessidade deôntica, o surgimento de outro enunciado protocolar, denotativo, com a particularidade de ser relacional, vale dizer, instituidor de uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito [18].

A fixação de tal premissa se faz importante já que a noção de lançamento, mormente sua natureza constitutiva do fato jurídico tributário, é que determinará as conclusões pretendidas com o presente estudo, no que se refere a possibilidade de sua constituição pelo próprio sujeito passivo da obrigação.

Assim como o fez em relação ao conceito de tributo, mais uma vez o legislador procura substituir-se a doutrina, e define, no Artigo 142 do Código Tributário Nacional, o que entende por lançamento tributário. Eis a íntegra do dispositivo:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. [19]

Convém trazer à colação a crítica de alguns doutrinadores ao conceito de lançamento expresso no aludido diploma legal, as quais se concentram na idéia, abraçada pelo legislador, de lançamento como procedimento de apuração e não como ato singular.

Luciano Amaro [20] afirma que,

o lançamento não tende nem a verificar o fato e nem a determinar a matéria tributária, nem a calcular o tributo, e nem a identificar o sujeito passivo. O lançamento pressupõe que todas as investigações eventualmente necessárias tenham sido feitas e que o fato gerador tenha sido identificado nos seus vários aspectos subjetivo, material, quantitativo, espacial, temporal, pois só com essa prévia identificação é que o tributo pode ser lançado.

No mesmo sentido é a crítica de Paulo de Barros Carvalho [21], que leciona:

lançamento é ato jurídico e não procedimento, como expressamente consigna o Art. 142 do Código Tributário Nacional. Consiste, muitas vezes, no resultado de um procedimento, mas com ele não se confunde. É preciso dizer que o procedimento não é imprescindível para o lançamento, que pode consubstanciar ato isolado, independente de qualquer outro.

Há, todavia, doutrinadores que advogam a tese de lançamento como procedimento, tal qual posta pelo legislador, a exemplo dos Professores Ricardo Lobo Torres [22] e Hugo de Brito Machado [23].

Filiamo-nos, conforme dito, ao posicionamento do Professor Paulo de Barros Carvalho [24], adotando a concepção de lançamento adotada pelo ilustre professor, a qual não poderia deixar de ser transcrita, definido como

ato jurídico administrativo (...) mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.

Uma das características do ato de lançamento que, pela sua importância ao desenvolvimento do tema, não pode deixar de ser por nós analisada, é a sua obrigatoriedade.

Na expressa dicção do Art. 142, do Código Tributário Nacional, a atividade de lançamento do crédito tributário é vinculada e obrigatória, ou seja, deve ser desempenhada pela autoridade administrativa em quaisquer circunstâncias, sem que tenha o legislador feito qualquer exceção que dispense sua realização.

Não obstante a clareza solar do dispositivo legal, esse não tem sido o entendimento dominante no direito pretoriano pátrio, que vem criando cada vez mais hipóteses, mormente quando depara com a figura do lançamento por homologação, em que o ato de lançamento, bem como qualquer atividade administrativa, deixa de ser imprescindível para a constituição do crédito fiscal.

Criticando a suposta prescindibilidade do ato de lançamento, desenhada pela jurisprudência, Luciano Amaro [25] afirmar que,

como o lançamento – ato da autoridade administrativa – é condição de exigibilidade do tributo, enquanto ele não é praticado, corre o prazo de decadência, ainda que o sujeito passivo tenha escriturado operações, emitido notas, prestado informações ao Fisco ou mesmo apresentado declarações à autoridade fiscal. Nada disso substitui o ato de lançamento, dado que este é, por definição e exigência legal, um ato (ou atividade) privativo da autoridade administrativa.

A mesma crítica fora feita por José Souto Maior Borges, para quem a concepção de lançamento como ato necessário a aplicação de qualquer norma tributária decorre da circunstância de que, para tal aplicação, é sempre necessário comprovar a ocorrência do evento descrito na hipótese de incidência, para determinar a exata medida em que o sujeito passivo deverá adimplir a obrigação [26].

Retomaremos mais detidamente a discussão da obrigatoriedade do lançamento quando da análise detalhada do lançamento por homologação, bem como no capítulo seguinte, que discute o papel da autoridade na constituição do crédito tributário.

Fixado o conceito de lançamento que norteará nosso trabalho, convém abordar rapidamente as modalidades de lançamento previstas pela legislação para, a partir daí, nos atermos à hipótese de lançamento por homologação ou "autolançamento", analisando criticamente o protagonismo do contribuinte e a essencialidade da atuação administrativa.


4. MODALIDADES DE LANÇAMENTO

A Constituição Federal delegou à lei complementar, em seu artigo 146, III, b, a tarefa de editar normas gerais sobre o lançamento tributário, e assim o fez o Código Tributário Nacional, que em seu Capítulo II regulou o conceito e modalidades de lançamento tributário.

Da leitura dos dispositivos legais em questão apreende-se que a legislação instituiu três modalidades de lançamento tributário: lançamento de ofício, lançamento por declaração do sujeito passivo ou quem de direito, e, por fim, o controvertido lançamento por homologação.

Analisando as modalidades de lançamento instituídas pelo Código, Paulo de Barros Carvalho [27], adepto da concepção de lançamento tributário como ato administrativo, critica tal classificação, a medida que

se lançamento é ato jurídico administrativo, na acepção material e formal, consoante expusemos, não há cogitar-se das vicissitudes que o precederam principalmente porque não integram a composição intrínseca do ato (...). Sendo lançamento válido aquele que, como tal, foi recebido pelo sistema, nada acrescentam reflexões sobre as diligências que antecederam à formação do ato.

Ressalvado o entendimento do mestre, analisemos cada uma dessas modalidades conforme previstas na legislação.

O lançamento de ofício, previsto no Art. 149 do CTN, é aquele realizado pela autoridade administrativa sem a participação direta do sujeito passivo, ou seja, embasado exclusivamente nas informações já constantes dos bancos de dados oficiais da autoridade.

Nas palavras do ilustre professor Hugo de Brito Machado [28], o lançamento de ofício é aquele "feito por iniciativa da autoridade administrativa, independentemente de qualquer colaboração do sujeito passivo".

Tal modalidade de lançamento, conforme bem lecionado pelo Professor Luciano Amaro [29],

é adequado aos tributos que têm como fato gerador uma situação permanente (como propriedade imobiliária, por exemplo) cujos dados constam dos cadastros fiscais, de modo que basta á autoridade administrativa a consulta à aqueles registros para que se tenha à mãos dados fáticos necessários à realização do lançamento.

Convém destacar a figura do lançamento de ofício substitutivo, que tem lugar quando o contribuinte deixa de apresentar declaração ou apresenta informações inexatas ao Fisco, o que enseja o lançamento do tributo com base, exclusivamente, nas informações já detidas e confirmadas pela autoridade fiscal.

Já o lançamento por declaração, regulado no Art. 147 do Código Tributário Nacional, é aquele calcado nas declarações prestadas pelo contribuinte, relativas a ocorrência do fato jurídico passível de tributação, a fim de que a autoridade administrativa possa efetuar o lançamento e exigir o tributo.

Nas palavras do mestre Hugo de Brito Machado [30],

O lançamento feito em face de declaração fornecida pelo contribuinte ou por terceiro, quando um ou outro presta à autoridade administrativa informações quanto à matéria de fato indispensável à sua efetivação.

Em outras palavras, o lançamento por declaração é aquele que, embora conte com a colaboração do sujeito passivo na apuração da matéria tributável, não deixa de ser praticado pela autoridade administrativa, que pratica o ato formal de lançamento, que lhe é privativo, e promove a respectiva notificação ao contribuinte.

Por fim, o lançamento por homologação que, embora também seja caracterizado pela prestação de informações acerca do fato jurídico tributário, pelo sujeito passivo, se aparta do lançamento por declaração porque nele o contribuinte, além de fornecer as competentes informações à autoridade administrativa, antecipa o próprio recolhimento do tributo por ele apurado, se sujeitando apenas à homologação posterior da autoridade fiscal.

Por sua posição nuclear no presente estudo, analisaremos a figura do lançamento por homologação em subitem apartado, para uma melhor compreensão de todos os seus pontos controvertidos.


5. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO

A figura do lançamento por homologação encontra-se prevista na legislação infraconstitucional no Art. 150, do Código Tributário Nacional, cuja transcrição se faz necessária para o exame detalhado do instituto:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. [31]

De acordo com o dispositivo legal, e conforme já mencionado, o lançamento por homologação, ou "autolançamento", é aquele em que o próprio sujeito passivo apura a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, aplica a alíquota prevista em lei sobre a base de cálculo apurada, calcula o montante de tributo devido, efetua o recolhimento antecipado, e declara tais informações a autoridade administrativa, sujeitando-as a homologação expressa ou tácita.

Vê-se, pois, que as principais características dessa modalidade de lançamento são a concentração da atividade de apuração do crédito na pessoa do sujeito passivo, e a antecipação do pagamento, pelo contribuinte, sujeita esta a condição resolutória consistente na homologação pela autoridade administrativa. Analisemos, detidamente, tais características.

Verifica-se, na atual sistemática de constituição e cobrança do crédito tributário, um crescente protagonismo do sujeito passivo da obrigação tributária, representado pelo número, cada vez maior, de deveres instrumentais que lhe são impostos.

Esse fenômeno de transferência de atividades eminentemente administrativas para a pessoa do administrado tem sido justificado, pela doutrina majoritária [32], como resultado inexorável da defasagem existente entre o número de contribuintes e a capacidade operacional do Estado de desempenhar seu papel fiscalizatório.

Seja ou não a inoperabilidade estatal a causa de tal fenômeno, fato é que ao sujeito passivo da obrigação a lei delegou a tarefa de promover toda a apuração do tributo eventualmente devido, assim como efetuar, a despeito de qualquer interferência da autoridade, o pagamento do que entende devido.

Todavia, entendemos que a transferência das atividades de cunho eminentemente administrativo ao contribuinte, a despeito de objetivar uma desoneração da máquina estatal, acaba por sujeitar a administração tributária ao conteúdo nem sempre correto das informações prestadas pelo contribuinte, assim como também o contribuinte se torna refém das informações que declara. Voltaremos às críticas no capítulo seguinte.

Já em relação a antecipação do pagamento no lançamento por homologação, a principal controvérsia a ser analisada diz respeito aos seus efeitos, extintos ou não, sobre a relação jurídica tributária.

Considerando que o pagamento constitui causa de extinção do crédito tributário, ou seja, da relação jurídica em si, consoante Art. 156, I, do Código Tributário Nacional, como conjugar a ocorrência de fato extintivo da obrigação com a necessidade, imposta pela legislação, de homologação posterior?

Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho [33],

quanto à figura do pagamento antecipado, é forma de pagamento, significando o cumprimento, pelo sujeito passivo, da conduta que dele se esperava. (...) ainda que o factum do pagamento tenha efeitos extintivos, requer a legislação aplicável que ele se conjugue ao ato homologatório a ser realizado (comissiva ou omissivamente) pela Administração Pública. Só assim dar-se-á por dissolvido o vínculo(...).

O ato de homologação posterior, a ser realizado pela autoridade administrativa, poderá ser, conforme disposição legal, expresso ou tácito. Será expresso quando a autoridade, mediante exímia tarefa de verificação, atesta a conduta do devedor, podendo substituí-lo por ato formal de lançamento caso verifique a ocorrência de incorreções.

Já a homologação tácita, por sua vez, não se traduz em ato comissivo da autoridade fiscal, mas sim em ato de omissão. Fixa o legislador prazo para que a inércia da administração pública não sujeite o contribuinte a manifesta insegurança jurídica.

A par de todas as considerações feitas até o momento, essenciais às conclusões buscadas pelo presente trabalho, passaremos à análise efetiva dos papéis desempenhados pelo contribuinte e pela autoridade administrativa na constituição do crédito tributário.


6. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO A PARTIR DA NOÇÃO CONSTITUCIONAL DE TRIBUTO

Verifica-se dominante, mormente na doutrina moderna, a concepção de que ao sujeito passivo da relação jurídica tributária também é facultado, pela legislação de regência, a possibilidade de constituição do crédito tributário, mediante a prática de ato de lançamento, tal qual aquele praticado pela autoridade administrativa.

Paulo de Barros Carvalho, expoente da corrente doutrinária dominante, assim escreve,

Há espécies tributárias que requerem a expedição de ato administrativo, veiculando norma individual e concreta do lançamento. N’outras, contudo, a aplicação da regra-matriz de incidência fica a cargo do sujeito passivo, de tal modo que, ocorrido o evento no mundo físico-social, encontrará ele nos textos do direito posto todas as informações necessárias à apuração do débito, bem como os prazos e demais condições em que a quantia apurada deva ser recolhida aos cofres públicos. [34]

Ao estudar o conceito constitucional de tributo, vimos a importância de que se reveste este instrumento para a realização das atividades estatais. Trata-se de reflexo direto da organização dos indivíduos em forma de Estado que, para a consecução de sua finalidade precípua, qual seja, a promoção do bem-estar social, precisa estar munido de mecanismos financeiros materialmente suficientes.

Partindo do conceito constitucional de tributo, definido como dever fundamental, inerente aos indivíduos componentes do Estado, de renunciar a parcela de seu patrimônio em favor da entidade representativa do corpo social, entendemos o exercício do poder de tributar como parcela do próprio poder soberano do Estado, e como tal jamais pode ser totalmente delegado ao sujeito passivo da obrigação.

Não se está, aqui, negando a possibilidade de delegação das atividades de cobrança, fiscalização e arrecadação de tributos, ou seja, de capacidade tributária, conhecida como "parafiscalidade", a qual é sempre contraposta pela doutrina com a impossibilidade delegação da competência tributária, que seria o próprio poder de instituir tributos.

Todavia, entendemos que não somente pela competência tributária se está exercendo a parcela de soberania antes referida. Tanto o é, que as atividades inerentes a cobrança dos tributos somente podem ser delegadas para instituições públicas ou de interesse público [35], mas jamais para o próprio sujeito passivo da relação jurídica, que possui, ao menos em matéria de tributação, interesse naturalmente antagônico ao do ente estatal.


7. IMPOSSIBILIDADE DE ATO DO CONTRIBUINTE SUBSTITUIR A ATIVIDADE ESTATAL

Não obstante o inegável e crescente protagonismo do contribuinte na formação da relação jurídica tributária, tal fenômeno não pode ser suficiente a afastar a necessária e imperativa atuação da autoridade administrativa na constituição do crédito tributário.

Como ato administrativo, o lançamento tributário goza de todas as garantias inerentes a todos os demais atos produzidos pela Administração Pública, quais sejam a presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade [36].

Admitir que o ato do particular, mediante confecção de simples declaração unilateral, possa gozar das mesmas prerrogativas do ato administrativo produzido por agentes públicos devidamente constituídos, nos parece destoar tanto do Sistema Tributário Nacional conforme desenhado pela Constituição Federal, bem como de todo o arcabouço normativo que nele encontra seu fundamento de validade.

Com efeito, a única presunção de veracidade que emana do suposto autolançamento, efetuado pelo próprio contribuinte, é oriunda não das disposições constitucionais, mas apenas da confissão, irretratável e irrevogável, retratada por suas declarações.

A interpretação no sentido de que o ato do contribuinte é apto a constituir o crédito tributário, está calcada, primordialmente, em dois argumentos básicos: a facultatividade do lançamento, a despeito da contrariedade ao texto legal, e a ineficiência e impossibilidade material do aparato estatal para fazer-se presente sempre que verificada a ocorrência de um evento fático que enseje a incidência da norma tributária.

Todavia, data maxima venia, não nos parece que tais argumentos sejam suficientes para afastar a necessidade e importância da atuação da autoridade administrativa através do lançamento tributário.

Em relação a suposta dispensabilidade do ato de lançamento, os defensores de tal interpretação argumentam que, ficando a realização de todo o procedimento de apuração do crédito tributário a cargo do sujeito passivo, sem qualquer participação da autoridade administrativa, a quem somente compete a homologação ao final, significa que o próprio contribuinte constitui o crédito.

Em outras palavras, se o lançamento constitui ato de apuração do crédito, e se, no caso do lançamento por homologação quem o faz é o sujeito passivo, caberia a este o ato de lançar a exação, constituindo, sem participação da autoridade estatal, a obrigação tributária.

Paulo de Barros Carvalho, que se filia a tal entendimento, ao analisar a atuação do sujeito passivo nesse tipo de lançamento, e justificando a possibilidade dessa atuação constituir o próprio crédito, leciona que, "é graças a esse procedimento do administrado que se torna possível o recolhimento do tributo devido, sem qualquer interferência do Estado-Administração." [37]

Não obstante as lições do ilustre mestre terem influenciado toda a parte inicial deste estudo, pedimos venia para dele descordar, e nos filiar, ao menos no que se refere a qualificação da atividade homologatória empreendida pela autoridade, a corrente doutrinária contrária, que advoga o lançamento como ato exclusivo do agente estatal.

Não somente a doutrina tem encampado a tese de lançamento pelo sujeito passivo, mas também os Tribunais pátrios, mormente o Superior Tribunal de Justiça, que tem proferido diversos julgamentos nesse sentido.

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO, DECLARADO E NÃO PAGO PELO CONTRIBUINTE. NASCIMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA DE DÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A entrega da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF - constitui o crédito tributário, dispensando a Fazenda Pública de qualquer outra providência, habilitando-a ajuizar a execução fiscal. 2. Conseqüentemente, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o crédito tributário nasce, por força de lei, com o fato gerador, e sua exigibilidade não se condiciona a ato prévio levado a efeito pela autoridade fazendária, perfazendo-se com a mera declaração efetuada pelo contribuinte, razão pela qual, em caso do não-pagamento do tributo declarado, afigura-se legítima a recusa de expedição da Certidão Negativa ou Positiva com Efeitos de Negativa. [38]

Como se vê, a tese adotada pelo Superior Tribunal de Justiça vai ao encontro da doutrina majoritária, pela dispensabilidade do ato de lançamento quando o contribuinte tenha apresentado declaração da ocorrência aos fatos que ensejaram a tributação.

Conforme já dito, não nos parece interpretação que se possa extrair da leitura dos dispositivos legais que regulam essa modalidade de lançamento. Nesse ponto, a eloqüência do Professor Hugo de Brito Machado [39] merece reprodução.

Afirma o autor que,

a constituição do crédito tributário é da competência privativa da autoridade administrativa. Só esta pode fazer o lançamento. Ainda que ela apenas homologue o que o sujeito passivo efetivamente fez, como acontece nos casos do Art. 150 do CTN, que cuida do lançamento dito por homologação. Sem essa homologação não existirá, juridicamente, o lançamento, e não estará por isto mesmo constituído o crédito tributário.

De outro modo não poderia ser. Não é preciso grande esforço interpretativo para apreender a intenção do legislador de fazer necessário o ato formal de lançamento para a constituição do crédito tributário. Com efeito, a redação do Art. 150, do Código Tributário Nacional, já transcrito acima, é clara ao determinar que o lançamento somente se opera mediante ato de homologação por parte da autoridade, não se podendo falar em ato de constituição antes da análise, ainda que tácita, da administração pública credora da exação antecipada pelo contribuinte.

Tanto o é, que ao qualificar o pagamento feito pelo sujeito passivo, relativamente aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, o Código Tributário o faz como "antecipação", ou seja, trata-se de pagamento anterior a própria constituição do crédito, que somente ocorrerá com o ato homologatório da autoridade.

Ademais, acaso admitíssemos que as condutas anteriores ao pagamento, perpetradas pelo sujeito passivo, já constituíssem, por si sós,

Ora, conforme destaca Luciano Amaro, se o pagamento antecipado do tributo, isoladamente, não dispensa a prática do ato formal de lançamento, com muito mais razão não pode ser concedido tal efeito às meras declarações apresentadas pelo sujeito passivo no cumprimento de suas obrigações acessórias [40].

Nas palavras do ilustre professor,

Assim como a declaração da realização do fato gerador – na estrutura do lançamento por declaração – não configura lançamento (atividade atribuída à autoridade), quaisquer guias ou documentos fiscais em que o contribuinte declare a ocorrência do fato gerador – de tributo sujeito à sistemática do lançamento por homologação – também não constitui lançamento. Numa como noutra hipótese, urge que a autoridade exercite seu poder e seu dever de praticar o ato vinculado do lançamento [41].

O principal argumento em que se calca a tese do autolançamento, conforme dito, é a realização de todas as atividades tendentes à cobrança do crédito pelo contribuinte, sem participação da Administração Pública.

Na figura do lançamento em questão, as atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo compreendem o exame da matéria tributável, a fixação da base de cálculo e cominação da alíquota legalmente prevista, a apuração do montante devido e a antecipação do pagamento. Em outras palavras, promove a subsunção dos eventos ocorridos à norma tributária aplicável.

Entendemos, todavia, que a realização da operação de subsunção, por si só, não configura ato de lançamento tributário, nos moldes concebidos pelo Código Tributário Nacional. A atividade desenvolvida pelo contribuinte não constitui, portanto, ato jurídico de lançamento, mas, apenas, atividade preparatória e, portanto, antecedente a sua prática pela autoridade competente.

Nesse sentido leciona José Souto Maior Borges [42],

Seria errôneo supor, partindo-se da premissa de que todo tributo é suscetível de lançamento, que nos tributos submetidos ao lançamento por homologação haveria um ato de lançamento pelo obrigado. No lançamento por homologação não se está em presença de um ato jurídico autônomo, ato de aplicação da lei tributária pelo sujeito passivo.

Conclui, ainda, o autor, no sentido de que,

A simples operação mental de subsunção da situação de vida à norma, conformação da conduta do sujeito passivo à preceituação normativa, não configura ato jurídico autônomo, nem, muito menos, na sistemática do Código Tributário Nacional, ato jurídico administrativo de lançamento.

Entendemos, por tudo o que fora aqui exposto, em consonância com as lições do referido mestre, que, ainda que o sujeito passivo realize toda a atividade tendente a apuração e cobrança do crédito, estas configuram conduta de observância da norma prescritiva tributária, não podendo substituir, de maneira alguma, a necessária atividade de lançamento, privativa da autoridade administrativa.


CONCLUSÃO

Com o presente trabalho pretendeu-se aclarar as conexões necessariamente existentes, e inafastáveis, entre o conceito constitucional de tributo, bem como o papel que este instrumento desempenha na estrutura do Estado, e a constituição do crédito tributário.

Buscou-se ressaltar os papéis desempenhados tanto pelo sujeito passivo da obrigação tributária, quanto da autoridade administrativa, numa perspectiva constitucional.

Partimos do pressuposto de que, não obstante a Constituição Federal tenha delegado à lei complementar a tarefa de regular o lançamento tributário, somente se pode compreendê-lo pela análise das nuances constitucionais dos mecanismos de tributação.

Vimos que a atividade de tributar, como exercício de soberania que representa, jamais poderia ser totalmente relegada ao próprio sujeito passivo da obrigação, sob pena de desconfiguração do instituto conforme constitucionalmente pressuposto.

Com efeito, a suposta ineficiência do Estado para proceder à cobrança e arrecadação dos tributos por ele instituídos não pode servir de fundamento para a subversão de institutos constitucional e legalmente constituídos, como no caso do ato administrativo de lançamento.

Ademais, ainda que o intuito seja a desoneração da máquina estatal, acaba-se por criar uma sobrecarga maior sobre o Estado fiscal, a medida que a verificação da correção ou não das declarações prestadas passa a constituir ônus ainda maior para as autoridades administrativas, dada a maior suscetibilidade do contribuinte ao erro.

A atividade de lançamento, decorrente que é do direito fundamental do Estado de cobrar tributos, somente pode ser exercida pela autoridade administrativa competente, posto que constitui ato administrativo dela privativo, dotado de todos os atributos conferidos aos atos produzidos pela Administração Pública.

Ainda que, na hipótese de lançamento por homologação, o sujeito passivo seja responsável pelo desenvolvimento de todas as atividades tendentes a apuração e cobrança do crédito tributário, sua atuação não substitui, por expressa previsão legal, a prática, privativa da autoridade administrativa, do ato administrativo de lançamento, ainda que de forma tácita, consistente na homologação de toda a atividade do contribuinte, inclusive o pagamento objeto de antecipação.


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___________. O conceito constitucional de tributo. In: Teoria Geral da Obrigação tributária – Estudos em homenagem ao Prof. José Souto Maior Borges. Coord. Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.


Notas

  1. ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968. p. 106.
  2. Idem. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
  3. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 21.
  4. ATALIBA, Geraldo. Op. cit. 32.
  5. TORRES, Ricardo Lobo. O conceito constitucional de tributo. In: Teoria Geral da Obrigação tributária – Estudos em homenagem ao Prof. José Souto Maior Borges. Coord. Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. P. 561.
  6. TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit. p. 564.
  7. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 251.
  8. TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit. p. 566.
  9. Ibidem, p. 567.
  10. Ibidem, p. 580.
  11. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
  12. BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
  13. GERALDO, Ataliba. Op. cit. p. 35.
  14. Ibdem. p. 35.
  15. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 19ª Ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 25.
  16. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008. p. 435.
  17. Ibdem. p. 423.
  18. Ibdem. p. 467.
  19. BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
  20. AMARO, Luciano. Op. cit. p. 345.
  21. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. p. 423.
  22. "lançamento é um procedimento complexo durante o qual são praticados inúmeros atos e averiguações". TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 275.
  23. "lançamento tributário, portanto, é procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível". MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 169.
  24. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. p. 423.
  25. AMARO, Luciano. Lançamento, essa formalidade! In: Teoria Geral da Obrigação tributária – Estudos em homenagem ao Prof. José Souto Maior Borges. Coord. Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 377.
  26. BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 367.
  27. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. p. 461.
  28. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 193.
  29. AMARO, Luciano. Op. cit. p. 360.
  30. MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit. p. 195.
  31. BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
  32. Paulo de Barros Carvalho, comentando o fenômeno da particularização de atividades administrativas ressalta que "o tamanho tendencialmente estável dos aparatos administrativos, em proporção ao crescimento acentuado do universo de sujeitos passivos, vem determinando que as legislações atribuam aos contribuintes a ‘competência’ para expedir o ato de linguagem responsável pela introdução da norma individual e concreta no sistema do direito positivo. Desse modo, crescem os deveres instrumentais ou formais cometidos ao devedor do tributo, aumentando, correlativamente, o dever de vigilância do Poder Público." (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método, p. 436).
  33. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. p. 510.
  34. Ibdem. p. 509.
  35. Paulo de Barros Carvalho ensina que somente poderão ser sujeitos ativos, nos casos de delegação de capacidade tributária, "pessoas jurídicas de direito público, com ou sem personalidade política, e entidades para estatais, que são pessoas jurídicas de direito privado, mas que desenvolvem atividades de interesse público". Curso de Direito Tributário. p. 256.
  36. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 383.
  37. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário - Fundamentos Jurídicos da Incidência Tributária. 6ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 287.
  38. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP - RECURSO ESPECIAL – 1123557. Relator Min. Luiz Fux. DJE DATA:18/12/2009.
  39. MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit. p. 168.
  40. AMARO. Luciano. Op. cit. p. 381.
  41. Ibidem, p. 382.
  42. BORGES, José Souto Maior. Op. cit. p. 372.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Louise Maria Barros. A constituição do crédito tributário a partir da função constitucional do tributo. Análise do papel do contribuinte no lançamento por homologação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2450, 17 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14517. Acesso em: 4 maio 2024.